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Conectando-se à fonte: o ‘Processo-U’

Publicado no “The Systems Thinker”, Set. 2006.


Traduzido por Cristina Leal para Reos Partners São Paulo
Zaid Hassan

Como escritor, em várias ocasiões produzi trabalhos muito superiores a outros escritos meus.
Tais trabalhos possuíam em si uma qualidade especial que pode, em parte, ser explicada por
como foram produzidos. Em quase todas as ocasiões, me encontrava fazendo algo diferente de
estar diante de uma folha em branco tentando escrever.

A ocasião mais clara e significativa aconteceu numa noite de inverno quando estava num ônibus
observando o tráfego. Num instante, uma história completa me ocorreu. Desci imediatamente do
ônibus, sentei-me num banco, peguei um caderno e comecei a escrever. Palavras e frases
chegavam a mim quase que completas. No momento seguinte, ao olhar para a história, ela
reluzia. De muitas formas, ela era “minha”, mas eu não a havia escrito; ela simplesmente veio a
mim, de forma integral e completa. Fui o veículo para que ela emergisse.

Tais experiências são, é claro, universais. Quando questionado sobre como havia chegado à
teoria da relatividade, Einstein explicou que, certo dia, lhe veio a imagem de estar cavalgando
num raio. Ao pensar sobre como seriam as coisas da perspectiva do raio, ele deu início à jornada
que o levou a articular a teoria da relatividade.

O mesmo fenômeno pode ser observado na arte, na ciência ou onde quer que ocorram
inovações. Em geral, chamamos este processo de insight. Há insights modestos e grandes
insights. Há insights que esquecemos em alguns minutos e outros que mudam a trajetória de
nossas vidas e, algumas vezes, de toda a humanidade.

Se analisarmos a história de muitos inovadores, cientistas, artistas, escritores e empreendedores


legendários, poderemos ver um padrão comum. Eles investem anos simplesmente na busca de
compreensão do seu tópico por meio de pesquisas, trabalhos de campo ou experimentos. A esta
exploração, segue-se um momento de “aha”. Neste ponto, o trabalho do inovador ganha uma
qualidade diferente, caracterizada por uma surpreendente clareza em relação ao passo seguinte.
Este insight é como uma semente, e o trabalho de vida da pessoa se transforma em fazer com
que esta semente realize o seu potencial integral. Enquanto a fase inicial consistia em explorar
muitos caminhos, após o insight, o propósito do inovador é seguir por esta trilha reluzente.

Na sua juventude, o legendário curandeiro e guerreiro Cervo Negro, do povo Lakota, teve
algumas visões épicas e assustadoras. Em uma delas, que ele chamou de “Visão do Cachorro”,
ele teve a clareza de que deveria lutar contra os “Wasichus” (termo que se refere aos invasores
europeus). Ele lembra haver compartilhado esta visão com sua tribo: “Contei a visão a todos,
que me disseram que eu deveria realizá-la na terra para ajudar as pessoas... Disseram também
que eles não sabiam como realizá-la, mas que eu seria um grande homem, pois não muitos eram
chamados a ter tais visões”. (Black Elk Speaks, John G. Neihardt e Black Elk) A partir de então,
Cervo Negro dedicou sua vida a realizar aquele sonho.

Os índios nativos dos Estados Unidos acreditam que as pessoas adoecem se fracassam em viver
sua missão, insights e sonhos. Várias culturas indígenas no mundo possuem um entendimento
de imensa profundidade e sofisticação daquilo que conhecemos como insight. Por exemplo, no
processo de busca de uma visão, a pessoa vai para áreas selvagens buscando encontrar algo que
as oriente.

Todos temos insights em relação ao nosso propósito e vocação; infelizmente, a sociedade


moderna cria um tal “ruído” que, algumas vezes, não conseguimos acessá-los. Em nosso
processo educacional, somos treinados em análise, mas não em intuição e sonhos. Dadas essas
barreiras, é possível aprender as condições para se criar visão? Como podemos acessar os tipos
de insights que nos permitem ser veículos de inovações de ponta?

O ‘Processo-U’
Todos temos imagens e sonhos que vêm até nós. O que torna pessoas como Einstein e Cervo
Negro únicas é o fato de eles terem estado, de certa forma, abertos às possibilidades implícitas
em suas visões. Tenho certeza de que muitas pessoas antes de Einstein tiveram imagens de
raios, mas foi preciso um Einstein para transformar tal visão na teoria da relatividade.

O Processo-U, desenvolvido ao longo de muitos anos por Joseph Jaworski, Otto Scharmer e
outros, opera sob a crença de que podemos obter insights para nossos mais insolúveis problemas
– os grandes e os pequenos –, cultivando certas capacidades e as condições apropriadas. Como
ilustrado nos exemplos de Einstein e Cervo Negro, estas capacidades e condições não são novas
ou únicas. Porém, em tempos recentes, elas têm sido deixadas à margem pelo nosso hiper-
racional mundo ocidental. O Processo-U é uma tentativa de re-legitimizar estas capacidades, de
complementar nossa racionalidade com formas de saber não racionais.

O Processo-U se baseia na crença de que há múltiplas maneiras de lidar com problemas de alta
complexidade, algumas mais bem sucedidas do que outras. Com muita freqüência, respondemos
a desafios apresentando soluções com as quais somos mais familiares. Podemos chamar tal
abordagem de “reativa”. É um pouco como aprender a usar um martelo e então enxergar o
mundo todo como um prego. Em alguns casos, este método é apropriado, como na construção
de uma casa.

Mas quando nos defrontamos com problemas aparentemente insolúveis, precisamos responder
de uma forma mais profunda e reflexiva, a qual cria condições para verdadeiros insights. Em
casos assim, nada além da regeneração irá resolver a situação com sucesso (ver “De Reação a
Regeneração”). O Processo-U oferece um entendimento do que significa esta regeneração e
como consegui-la.

Três fases, sete capacidades


Para criar condições para a regeneração acontecer, o Processo-U define três “fases”, que
envolvem sete “capacidades”. Cada uma destas fases – sentir, presenciar e criar – envolve a
criação de um ambiente específico para apoiar um tipo de aprendizagem em particular. Assim,
por exemplo, algumas vezes necessitamos de estímulo, o que pode envolver viagens e a
absorção de uma grande quantidade de informações sensoriais, tais como novas visões, sons e
cheiros. Outras vezes, necessitamos de um espaço tranqüilo e reflexivo para abstrair sentido de
nossos pensamentos e sentimentos interiores. Os espaços físicos requeridos para cada uma
dessas atividades são muito diferentes. O Processo-U envolve a criação de três espaços nas três
fases que se interpõem, como mostrado no diagrama a seguir (ver “O Processo-U”).

Para movermos-nos através destas três fases, devemos desenvolver e utilizar sete “capacidades”.
Uma capacidade pode ser pensada como a habilidade para se fazer algo. Assim, por exemplo,
você pode ter habilidade para ouvir ou fotografar. E, como acontece com todas as habilidades,
quanto mais você a pratica, melhor se torna. Enquanto as capacidades que compõem o
Processo-U são mais comumente pensadas como capacidades individuais, isto é, algo que nós,
enquanto indivíduos, podemos aprender e praticar, elas também podem ser práticas grupais.
Sentir
Otto Scharmer, um dos arquitetos do Processo-U, diz com freqüência que a falha em enxergar é
a maior barreira para lidarmos com nossos desafios. No mundo moderno, as coisas são tão
complexas e se movem tão rapidamente que é difícil formar um quadro do todo. E quando não
temos este quadro, acabamos por argumentar de forma incansável a partir da nossa posição de
“verdade”. Dispomos-nos a investir quantidades imensas de tempo e energia em soluções
baseadas na premissa de que estamos vendo o todo, quando, de fato, nossa visão pode se tratar
de uma pequena parte do todo. O propósito da fase sentir é abrir-nos, descobrir a realidade e
enxergar o sistema de que somos parte.

Enquanto isto pode soar relativamente simples, trata-se de algo difícil de realizar. A dificuldade
se origina, em parte, do fato de que o que vemos tem, com freqüência, a tintura de toda uma
vida de crenças e distorções. Maulana Majdud, um sufi do século XII, disse: “No espelho
distorcido da sua mente, um anjo pode parecer ter um rosto de diabo”.

No livro Presence, de Peter Senge, Otto Scharmer, Joseph Jaworski e Betty Sue Flowers, os
autores contam sobre um grupo de executivos da indústria automobilística dos Estados Unidos
que viajou para o Japão a fim de aprender como as montadoras japonesas estavam mantendo
seus custos de produção tão baixos. Ao retornar, o professor perguntou o que o grupo havia
aprendido. Eles disseram que não haviam aprendido nada, pois os japoneses não lhes tinham
mostrado suas verdadeiras fábricas. Os executivos americanos sabiam que aquelas fábricas não
eram reais, pois não havia nelas estoque algum. A verdade é que os japoneses haviam criado o
método just in time de produção, no qual as partes chegavam apenas quando necessário. Os
executivos americanos, apesar de expostos a uma inovação, não puderam reconhecê-la, pois sua
idéia de manufatura os impediu de enxergar o que estava diante deles.

Devemos desenvolver duas capacidades-chave para podermos “descobrir a realidade”:


suspender julgamentos e redirecionar. Com freqüência, nossos julgamentos sobre as coisas
obscurecem nossa habilidade de enxergar com precisão. Embora os executivos americanos
fossem experientes na fabricação de automóveis, os conceitos que tinham sobre o assunto os
confundiram. Em termos práticos, suspender julgamentos significa tornar-se consciente de suas
próprias lentes e distorções pessoais. Não significa rejeitá-las, mas sim “pendurá-las”, como
você faria com um casaco, e então examiná-las. Suspender julgamentos significa estar
consciente de como e quando seus modelos mentais estão afetando suas percepções.

A segunda capacidade, redirecionar, é a habilidade de ouvir e enxergar de diferentes posições.


Em geral, ouvimos e vemos a partir de dentro de nós. Avaliamos situações e dados colocando-
nos questões tais como: “O que penso disto? Como esta informação me é útil?” Então, por
exemplo, se estamos interessados em aprender sobre agricultura e encontramos um produtor
rural, redirecionar poderia significar colocarmos-nos questões tais como: “O que esta
informação significa para ele? O que ele pensa desta situação?” Buscaríamos ver através dos
seus olhos.

Poderíamos também examinar a situação de uma perspectiva de fora ao invés do centro. Como
seria a situação longe da ação? A habilidade de redirecionar significa expandir nosso senso de
espaço e tempo. Suspender julgamentos é um pré-requisito para redirecionar. Como diz meu
colega Adam Kahane, se não conseguimos suspender julgamentos, acabamos por simplesmente
projetar nosso próprio filme sobre uma situação – nosso próprio fluxo de pensamentos, idéias e
preocupações –, em vez de jogar luz sobre ela.
Presenciar
Na fase sentir, descobrimos a realidade atual do sistema como um todo. Na presenciar,
descobrimos nosso conhecimento mais profundo sobre o que está acontecendo no sistema,
nosso papel nele e o que, individual e coletivamente, estamos sendo chamados a fazer.

A maioria de nós é treinada para tratar os problemas como algo separado e distinto de nós. Ao
fazer isto, esquecemos que somos parte ativa dos sistemas que estamos tentando mudar. É
impossível compreender o sistema como um todo sem considerar como nos relacionamos com
ele e abrirmos-nos à questão do que este todo está pedindo de nós.

É normalmente difícil praticar isto em nosso dia-a-dia, pois vivemos em ambientes nos quais
muitos de nossos estímulos são mediados por artefatos humanos. Da arquitetura à televisão,
estes ambientes foram desenhados para provocar respostas e sentimentos específicos em nós, as
quais diluem nosso conhecimento interior.

A primeira capacidade da fase presenciar é o desprender-se. Quando confrontados com um


desafio, com freqüência temos nossas teorias, instrumentos e idéias favoritos sobre o que é
necessário fazer. Acreditamos, algumas vezes de forma subconsciente, que se os outros
tivessem adotado nossas posições e soluções, tudo estaria bem. A prática do desprender-se é um
ato de abrir mão de tudo isto. Trata-se de relaxar e entregar-se ao que quer que esteja querendo
emergir; de colocarmos-nos num estado de profunda abertura.

Tais ações requerem coragem. Apegamos-nos às nossas idéias e conceitos por eles nos
orientarem e dizerem quem somos e o que devemos fazer. Desprender-se, num sentido muito
prático, significa abandonar o porto seguro de nossas certezas. Significa superar nosso medo do
desconhecido. Com freqüência, precisamos desprender-nos de uma coisa para uma outra nova
nascer.

A segunda capacidade da fase presenciar é o acolher. Embora a palavra acolher pareça passiva,
o ato de “dar a luz” pode ser extremamente exigente e doloroso. Acolher é um ponto de
dificuldade única no Processo-U, porque representa a passagem para a ação e toda ação
significa um tipo de comprometimento. Se pensamos no processo como o nascimento de novas
idéias e de um novo entendimento de nossa vocação, então nosso papel é atuar como mãe,
parteira e testemunha ao mesmo tempo.

Uma atividade de suporte à fase presenciar é passar tempo a sós na natureza. De acordo com
Senge et al., estar ao ar livre nos ajuda a pensar e ver de novas maneiras. Quando estamos na
natureza, conseguimos sair de nós mesmos e ver-nos como parte de um todo maior. O que é de
alguma forma paradoxal, fazemos isto para ouvirmos nossas vozes mais profundas.

O presenciar pode acontecer sob várias condições e formas. Descreveria esta fase como o
espaço entre o despertar e o sonhar, onde sua mente está flutuando livre. Algumas vezes, posso
entrar neste estado com um problema em mente, mas nem sempre. No presenciar, não estou
dirigindo meus pensamentos de forma consciente. Desde que comecei a tomar conhecimento
desta experiência, consegui acessá-la de forma cada vez mais consistente. Quando tento
escrever e nada sai, com freqüência sinto que acalmar-me, respirar mais devagar e entrar no que
comecei a chamar de espaço de “zoneamento” pode ajudar.

O ato de presenciar não é o mesmo que “fazer uma pausa”. Então, quando dormimos, não
estamos presenciando. O ato de presenciar implica intenção.

Finalmente, seria um erro pensar que presenciar tem a ver com fazer uma escolha entre
diferentes opções. Em vez disso, presenciar tem a ver com chegar num ponto onde está
perfeitamente claro o que a pessoa ou grupo tem que fazer. A única escolha então é entre dizer
‘sim’ ou ‘não’. Presenciar tem a ver com alcançar um conhecimento e clareza profundos sobre
o próximo curso de ação a ser seguido.

Criar
A fase criar consiste em múltiplas e rápidas conclusões que se desdobram ao longo do tempo.
No Processo-U, entramos nesta fase com clareza sobre o que precisamos fazer a seguir. Em
geral, não sabemos exatamente aonde a ação irá levar-nos, mas conhecemos os próximos passos
e em que direção tomá-los. Temos, em nossas mentes, um quadro do que queremos criar.
Podemos não ser capazes de enxergar todos os mínimos detalhes deste quadro, no entanto temos
um sentido real dos seus detalhes maiores, formas e cores. Chamamos isto de capacidade de
cristalizar.

Minha experiência da fase criar, especialmente quando escrevo, é que não paro e pondero as
coisas; em vez disso, entro num estranho estado de estar sendo guiado pela minha visão. Confio
que, se simplesmente permitir que minha mão escreva, ela vai se mover como quiser e produzir
o que precisa ser produzido. Preciso sair da frente da ação que está tentando emergir. Se eu me
colocar entre minha mão e meu insight, vou vacilar e ficar confuso.

Há pelo menos duas abordagens para a produção de algo novo, seja uma escultura ou um
software. A primeira é a de um longo e detalhado processo de planejamento. Tentamos antecipar
e desenhar o maior número possível de cenários e colocamos todo o planejamento no papel
antes de darmos o primeiro passo. É assim que, em geral, os processos de planejamento
modernos funcionam.

O Processo-U, porém, possui uma forma diferente de abordar a realização de idéias novas que
implica em criar, rapidamente, modelos incompletos com os quais se possa trabalhar
fisicamente. Ao invés de planejar e desenhar, você simplesmente começa. Você dá o primeiro
passo o mais rápido possível; tenta algo novo e avalia; dá voltas ao redor da sua criação, testa
ela e então a muda. Esta capacidade é conhecida como criar protótipos. Uma das idéias mais
poderosas por trás desta abordagem é “falhe com freqüência e falhe cedo”. Cometendo muitos
pequenos erros na fase inicial do processo, ao invés de um único e catastrófico mais à frente,
passamos por um repetido ciclo de aprendizagem.

Um artista amigo meu contou-me certa vez como esta abordagem funciona para ele. Toda
manhã, ele acorda e vai para o seu estúdio, onde olha para o trabalho que realizou na noite
anterior. Então, ele sai para uma caminhada silenciosa na floresta. Ao retornar, ele começa a
trabalhar. Neste processo, ele esclarece e descobre um novo aspecto do quadro.

Este ciclo pode continuar por um longo período. No caso de Einstein e Cervo Negro, foi o
trabalho de toda uma vida para escavar os detalhes e nutrir a semente. Trata-se, então, de uma
abordagem de cultivo e não de um único e grandioso ato heróico.

Institucionalizar é uma palavra complexa para mim. Trabalhando com o Processo-U e a idéia de
inovação social, encontrei muito pouca pesquisa sobre como inovações sociais se disseminam
na sociedade. Como, por exemplo, se disseminou a prática dos cirurgiões de lavar as mãos?
Qual a teoria por trás desta disseminação? Como práticas culturais profundamente enraizadas
mudam? Como uma prática comum entre um pequeno grupo de pessoas se torna comum entre
milhões de pessoas? Por outro lado, em relação a inovações técnicas, há modelos bem
compreendidos de como elas se disseminam.

Ao considerar o contexto das instituições modernas, o conceito de institucionalizar levanta


questões profundas sobre como elas mudam. Enquanto o campo do desenvolvimento
organizacional aborda tais questões, considero a capacidade para mudar as complexas culturas
das organizações mais como uma arte de magia do que como ciência. A pletora de abordagens
trazidas pelos consultores indica que ainda estamos enredados em escolas de pensamento
concorrentes e que um claro paradigma de como o trabalho deve ser realizado ainda está para emergir.

Assim sendo, a capacidade de institucionalizar me traz mais questões do que respostas. Não a
vejo como uma capacidade individual, mas sim como um processo em si, que requer muito
trabalho e pesquisa para ser compreendido.

“Conectados ao cosmos”
“E então ela viu algo. Ela não podia definir o que via, ao olhar para a porta do cubículo. Não
havia formato, forma, palavras ou teoremas. Mas estava lá, integral e inimaginável em sua
beleza. Era simples. Era tão simples. Lisa Durnau disparou do cubículo, correu para a loja
Paperchase, onde comprou um caderno e um pincel atômico. Então, ela correu para o trem. Mas
não chegou ao seu destino. Em algum lugar entre o quinto e o sexto vagão, algo tocou-lhe como
um raio. Ela sabia exatamente o que tinha que fazer. Ajoelhou-se soluçando na plataforma,
enquanto suas mãos trêmulas tentavam escrever equações. Idéias fluíam através dela. Ela estava
conectada ao cosmos.” Ian McDonald, River of Gods

No último mês de agosto, realizei um retiro para escrever. Tinha que produzir o primeiro esboço
de uma cartilha reunindo as aprendizagens da Generon sobre o Processo-U. Conhecia um lugar
tranqüilo no campo, cuidado por amigos, o que me pareceu ideal. Num claro dia de verão,
preparei as malas e peguei o trem. Levava uma bolsa repleta de livros de referência, dissertações
e seis meses de apontamentos. Diante de mim, estavam duas semanas de trabalho sem
distrações. Tudo perfeito, certo? Não exatamente.

Até encontrar-me diante de uma página em branco, todos meus pensamentos tinham se voltado
para a criação de condições físicas apropriadas à minha tarefa. Mas, ao chegar lá, não sabia por
onde começar. Olhei para a página sentindo-me impotente. Olhei para as pilhas de livros,
dissertações e notas que havia espalhado ao meu redor. Olhei para o vale através da janela.
Começou a chover. Por dois dias, tentei começar e não consegui. Não era um bloqueio de
escritor, simplesmente não tinha idéia de como começar.

Na manhã do terceiro dia, dei-me conta de que tinha diante de mim um processo que poderia me
ajudar: o Processo-U. Rascunhei então uma agenda: quatro dias para sentir, um fim de semana
para presenciar e quase cinco dias para criar. Isto, porém, iria significar não colocar a caneta no
papel por seis dias inteiros. Ou oito, contando os dois já transcorridos. Teria cinco dias para
escrever todo o esboço. Parecia um risco grande, mas decidi que tinha que assumi-lo.

Passei quatro dias lendo. Então, fui à cidade mais próxima para um fim de semana de retiro.
Voltei e escrevi o primeiro esboço. E fui para casa um dia mais cedo.

Como mostra minha experiência, a aplicação do Processo-U, pelo menos em nível pessoal, não
precisa ser um procedimento complexo. Ele pode ser praticado por qualquer pessoa. Considere
qualquer tarefa criativa (isto é, uma tarefa onde algo precise ser criado). A fase sentir envolve
“ver” a situação, o problema, o material com que você tem que trabalhar. Este é um processo de
imersão no mundo da tarefa. Se seu trabalho é com tecido, então mergulhe na compreensão do
tecido, sentindo-o, tocando-o, cheirando-o e “tornando-se um” com ele e com tudo o mais que
tenha relação com sua tarefa.

Se você estiver tentando criar uma política pública, então mergulhe no contexto da política.
Quem teve a idéia? Por que ela é necessária? A quem ela irá impactar? Quem considera a idéia
ruim? Quem a considera boa? Algo parecido já foi tentado antes? Onde? O que aconteceu?

A idéia de “conectar-se à fonte” emerge da consideração do significado de presenciar. Se


tomamos o exemplo de um Einstein ou de um Cervo Negro, ou a descrição oferecida por Ian
McDonald no início desta seção, é fácil ver como a proposta pode ser considerada mística ou
esotérica. Nosso trabalho com o Processo-U, porém, defende de forma pragmática que sabemos
alguma coisa sobre como aumentar a probabilidade de tais insights. Ao fazer isso, a poética
sentença “conectar-se à fonte” passa a se referir à idéia de que nossos insights, sejam eles sobre
um sistema específico ou a natureza da realidade como um todo, procedem de alguma fonte.
Deixo para vocês a consideração de qual pode ser a natureza desta fonte. Basta dizer que
acredito ser esta uma área de investigação rica, que não deve intimidar-nos.

A fase presenciar é uma experiência intensamente pessoal que depende de nossas necessidades
individuais. De que precisamos para ouvir-nos claramente? Para um praticante experiente,
presenciar significa ser capaz de silenciar-se em meio ao tumulto de vozes interiores e
pensamentos que normalmente preenchem nossas cabeças. Deste espaço de silêncio emerge um
saber interior mais profundo.

Muitos de nós não somos adeptos de estar em silêncio e confortáveis com a legitimidade do que
dele emerge. Nesses casos, devemos fazer o que podemos, usar quaisquer métodos que
conhecemos e, em geral, começar onde estamos. Na Generon, colocamos grupos de pessoas em
contato com a natureza por períodos longos de tempo para que, a sós, ouçam a si próprias.
Técnicas de meditação também podem ser úteis.

As pessoas podem mesmo tentar algo mais familiar, como assistir um filme ou ouvir música.
Com freqüência, quando assistimos um filme mais lento ou ouvimos uma música que nos toca
emocionalmente, entramos num estado contemplativo onde começamos a refletir sobre nossa
própria paisagem interior. Este espaço de tranqüilidade e contemplação nos oferece um
aperitivo do significado de presenciar.

A passagem do presenciar para o criar é, simultaneamente, tranqüila e rápida. Ela chega como
uma explosão de energia, pois, finalmente permitimos que nossas idéias encontrem o mundo
material, ganhem forma. Pegamos a caneta, o laptop ou o martelo e simplesmente começamos a
trabalhar, confiando no que virá. Nos momentos iniciais da transição entre presenciar e criar
não rejeitamos nada. Este ainda não é o espaço para a mente racional. Haverá bastante tempo,
mais tarde, para uma seleção e corte lógicos das idéias. Em vez disso, este é um tempo para suas
mãos criarem o que quiserem.

A barreira-chave ao se trabalhar com grupos é a falta de confiança no interior de cada um, entre
o grupo e no processo. Se os membros do grupo não se conhecem, eles devem, primeiro,
construir confiança a fim de sentirem que podem assumir o risco de se abrirem. O grau de
dificuldade para se construir confiança num grupo depende de quanto as pessoas acreditam em
si próprias. E os participantes devem ter fé nas possibilidades inerentes ao processo no qual
estão prestes a embarcar.

Ponto de partida
Neste artigo, destaquei meu entendimento atual do Processo-U. Não ofereci uma prescrição
detalhada de seu funcionamento, pois não quero desencorajar ou fechar avenidas de
experimentação. Convido vocês a se apropriarem deste processo. Afinal, a jornada para a qual o
Processo-U nos convida tem a ver com criação. Nunca pode haver um manual de instrução para
a criação, não mais do que pode haver um manual de instrução para a arte de viver em geral. O
que há são apenas pontos de partida. Esta é uma jornada onde vivenciamos o intenso drama de
trazer algo novo ao mundo. Ao fazer isso, lembramos que estamos de forma alegre e para
sempre “conectados ao cosmos”.

Zaid Hassan (hassan@reospartners.com) trabalha na Reos Partners e é um Associado da rede


Pioneers of Change.
PRÓXIMOS PASSOS
Releia a seção “Conectados ao Cosmos” sobre a experiência de Zaid aplicando o Processo-U ao
seu projeto como escritor. Você está diante de um problema complexo ou de uma tarefa criativa
que se beneficiariam de um novo patamar de pensamento e ação? Se for este o caso, siga as
dicas de Zaid para vivenciar o Processo-U.

- Defina uma agenda para completar as fases sentir, presenciar e criar.

- Tenha um parceiro de aprendizagem, alguém a quem você possa recorrer como a um melhor
amigo e vice-versa.

- Passe pelas fases fazendo uso das sete capacidades: suspender julgamentos, redirecionar,
desprender-se, acolher, cristalizar, criar protótipos e institucionalizar. Cada uma das
capacidades exercita um “músculo” diferente; você irá, sem dúvida, achar algumas delas mais
desafiadoras do que outras.

- Se você “empacar”, siga o exemplo do amigo artista de Zaid e saia para uma caminhada em
silêncio.

- Por fim, confie no processo e seja gentil consigo mesmo. Abrir-se a novas maneiras de operar
requer um alto grau de flexibilidade e aprendizagem, bem como muita coragem. Congratule-se
pela sua disposição de ir mais a fundo e celebre seus sucessos. – J.M.

DE REAÇÃO A REGENERAÇÃO
(da esquerda para a direita): DESCOBRINDO – desafio, velha estrutura, velhos processos,
velho pensamento, propósito, novo pensamento, novos processos, nova estrutura, resposta –
ATUANDO

0. Re-agindo
1. Re-estruturando
2. Re-desenhando
3. Re-formulando
4. RE-GENERANDO

Com muita freqüência, respondemos a desafios apresentando soluções com as quais somos mais
familiares. Podemos chamar tal abordagem de “reativa”. Mas quando nos defrontamos com
problemas aparentemente insolúveis, precisamos responder de uma forma mais profunda e
reflexiva, a qual cria condições para verdadeiros insights. Em casos assim, nada além da
regeneração irá resolver a situação com sucesso. Fonte: Scharmer

O PROCESSO-U
I. SENTIR: transformando a percepção
II. PRESENCIAR: transformando o ser e a vontade
III. CRIAR: transformando a ação

1. Suspendendo
2. Redirecionando
3. Desprendendo-se
4. Acolhendo
5. Cristalizando
6. Criando Protótipos
7. Institucionalizando
Para criar as condições para a regeneração acontecer, o Processo-U define três “fases”, que
envolvem a criação de ambientes específicos para apoiar tipos de aprendizagem em particular.
Para movermos-nos através destas fases, devemos desenvolver e utilizar sete “capacidades”.
Fonte: Senge, Scharmer, Jaworski e Flowers

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