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Jornalismo 2022/2

SEMINÁRIO DE PROJETO EXPERIMENTAL.

Nome: Yago Christian de Lima Fargnoli.

O jornalismo gonzo em Medo e delírio em Las Vegas.

 O jornalista e escritor Hunter Stockton Thompson deixou uma marca singular na


história dos jornais que foi preciso ser criado um nome próprio para seu modo e estilo
de trabalho, o jornalismo gonzo. Surgido nos anos 70, o estilo gonzo chega como uma
nova fase dentro do jornalismo que havia sido iniciado na década de 60 pelo novo
jornalismo, movimento que tentava aproximar fato e ficção, fundado então pelos
escritores e jornalistas Tom Wolfe, Gay Talese, Norman Mailer e Truman Capote.
Sendo caracterizado por navegar em sentido oposto às normas jornalísticas tradicionais,
o estilo abandona  as pretensões de objetividade, presa à ironia e a opinião, além de que
sua narração em primeira pessoa quebra com a separação do jornalista descolado do
fato, inserindo-o diretamente nos acontecimentos como personagem. Este é o ponto de
partida para o livro mais famoso de Thompson: Medo e delírio em Las Vegas, lançado
em 1971. Em 1998 a história ganhou uma versão para o cinema por Terry Gilliam,
estrelando Johnny Depp como Hunter Thompson e Benicio del Toro como seu
advogado. Tentarei fazer do filme  principal objeto de minha análise.

   Raoul Duke ( Johnny Depp), pseudônimo do próprio autor na história, é contratado


para cobrir uma corrida no deserto em Las Vegas, e este é o início da saga que coloca o
jornalista com o pé na estrada. O que se segue a isso no filme  são formas variadas de
mostrar como o estilo de Duke e seu advogado agregam formas alternativas de se relatar
o que acontece. A voz narrativa de Duke aparece, às vezes, ao fundo, para descrever as
coisas, mas sempre com um tom subjetivado e irônico, de modo a acrescentar mais
camadas aos delírios dos personagens do que propriamente explicar o que se passa de
maneira imparcial. O motivo principal da viagem acaba também se perdendo. Tanto em
sua cobertura quanto em sua relevância para a trama a corrida é um breve momento de
confusão dentre tantos outros que marcam sua  estadia em Las Vegas, histórias que vão
submergindo e se mesclam ao longo da narrativa.

    Diante destas questões presentes no filme e na obra de Hunter Thompson como o


estilo gonzo contrapõe o jornalismo tradicional? Pode o jornalismo gonzo ser
considerado jornalismo? Que tipo de visão o jornalismo gonzo traz para os
acontecimentos? São perguntas que tentarei responder à luz de referências que
conversam com o filme, o livro e uma parte da obra do autor onde o jornalismo gonzo
pode ser visto como influência. No Brasil, por exemplo, o estilo gonzo pode ser visto
nas matérias de Arthur Veríssimo para a  revista Trip e outras publicações, como
Código Nóize, a Void e na edição nacional da Vice, que fizeram experimentações no
gênero. O experimentalismo do estilo gonzo visa o inusitado, o opinativo, mas como
tentarei mostrar, faz tal coisa sem perder o objetivo de informar. Uma  junção entre
qualidade e objetividade, escrever bem e de forma diferente, mas sem perder a apuração
ética e o critério.

Referencial Teórico.

O termo gonzo, segundo a wikipédia, seria uma gíria irlandesa do sul de Boston para
designar o último homem de pé após uma maratona de bebedeira. O termo foi criado
por Bill Cardoso, repórter do Boston Sunday Globe, para se referir a um artigo de
Thompson. O estilo gonzo pode ser visto também como um exemplo próprio dentro da
nobre arte de mentir utilizada de forma refinada na literatura, em narrativas como
novelas, contos e romances, um tipo de  instrumento de trabalho que  toma o fato como
fonte de inspiração para a imaginação. Como conceito, o termo gonzo perpassa a obra
de Thompson como um todo. No livro Hell 's Angels o autor utiliza métodos do new
journalism, por exemplo, para aproximar a relação entre fato e ficção. Como aponta :
James E. Caron em Hunter S. Thompson 's "Gonzo" Journalism and the Tall Tale
Tradition in America, o livro encarna a técnica literária utilizada pelo new journalism
como solução ao chamado problema do autor. A técnica consiste em passar ao leitor a
ilusão de um mise en scene através de um "downstage voice," como se  ele próprio, o
leitor, visse os acontecimentos pelos olhos de alguém que está a participar das cenas.
Por outro lado, no filme assim como o livro Medo e Delírio em Las Vegas a ideia está
mais ligada ao envolvimento do autor na ação do que em seu encolhimento. No filme o
conceito gonzo esta mais ligado a Thompson e seu estilo do que a semelhanças ao new
journalism ou a outros autores da contracultura da década de 70.

 A chamada de Raoul Duke a cobertura da corrida em Las Vegas se dá em um ambiente


pitoresco. Um anão serve ao personagem um telefone num restaurante a céu aberto
coberto de referências ao delírio e ao irreal. Seu advogado lhe diz que para tal ocasião
precisavam de muitas armas, drogas e um conversível. Tais manifestações tentam
demonstrar a postura gonzo na ação descabida das motivações. Os personagens não
planejam carregar equipamentos ou aparatos ou sondagens sobre uma possível direção
para a matéria ou demanda do veículo de imprensa, no caso a revista Rolling Stones. 
Essas manifestações apontam para o fato de que o jornalismo gonzo é um estilo 
narrativo  no qual o jornalista é muito mais que um observador descolado dos eventos
que são relatados. Ao contrário da experiência, cobre um evento do lado de dentro.  É
um estilo que rejeita a objetividade e que ganha em retorno uma intensa descrição de
eventos vividos, subjetivamente, pelo repórter . Em outras palavras, Gonzo quer dizer
que o autor não está separado de sua criação. No trabalho de Thompson essa inserção se
dá por meio de uma persona criada pelo autor, no caso de medo e delírio em Las Vegas
o personagem Raoul Duke que para além de seus delírios é uma descrição do próprio
autor. O que condiz como dito a tendência do jornalismo gonzo em misturar elementos
ficcionais a elementos não ficcionais. Na criação dessa  persona, o eu de Thompson é
mais um personagem na história contada. 

 Nessa relação do autor com o fato vê-se cada vez mais uma aproximação da ficção. No
artigo de James E. Caron, o autor chega a  comparar o método de Thompson ao "conto
alto" de Mark Twain, estilo narrativo que flerta em suas histórias com elementos
fantásticos. Faz pensar se de fato o que Thompson propõe não seria pura ficção ao
radicalizar em suas obras cada vez mais os conceitos da reportagem. Pode-se ver isto
nas tentativas de lembrança evocadas pelo autor. Os eventos como a corrida no deserto
presente no filme que o personagem deveria cobrir serve como pretexto para que seja
enganchado uma verossimilhança a priori, para que o autor possa, então, participar da
cena e desenvolver a história a partir de si mesmo. Pegando então elementos
"reais",como as constantes deadlines que está sujeito como repórter e suas ligações a
eventos, locais e intuições reais, tece sua narrativa que será então apresentada como
notícia. Em um apontamento cínico, como é caro ao autor, pode-se apontar para um fato
de que, em grande medida, "as pessoas tendem a engolir a maioria das coisas que
ouvem"(James E. Caron). Nesse sentido quando Thompson aponta para a estética de
uma reportagem, embasado em princípios que podem ser lidos como sólidos, que lhe
dão credibilidade, faz um movimento na narrativa onde o fato está apenas como ponto
"fixo" de um pacto tácito, para que o mínimo de realidade possa ser estabelecido
enquanto a atenção é direcionada para esta fruição estética.

REFERÊNCIAS

Livros:

THOMPSON, Hunter. Hell’s Angels: The Strange and Terrible Saga of the Outlaw
Motorcycle Gangs. Laffont, 2000.

THOMPSON, Hunter. Hunter S. Thompson: The Last Interview: And Other


Conversations. Melville House, 2018.

THOMPSON, Hunter. Medo e delírio em Las Vegas. L&PM Editores, 2016.

Filmes, Vídeos:

Medo e delírio em Las Vegas. Terry Gilliam.  Universal Pictures

Internacional:Summit Entertainment, 1998.

Gonzo, A Vida e a Obra de Hunter S. Thompson: 2008.


https://www.youtube.com/watch?v=5dAN0WZOH2w&t=529s

Artigos:
LACERDA, Mendes Luciene. O jornalismo gonzo: um possível diálogo entre Hunter S.
Thompson e Arthur Veríssimo. 

CARON, E. J. Hunter S. Thompson's "Gonzo" Journalism and the Tall Tale Tradition in
America. Studies in Popular Culture, Vol. 8, No. 1 (1985), pp. 1-16

RITTER, E. Hunter S. Thompson: a personificação caricatural do jornalista, Sessões do


Imaginário, VOL. 22 | N. 37 | 2017 | 

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