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Movimento - Ano VI - Nº 12 - 2000/1

Esporte na escola e esporte


de rendimento
Valter Bracht*

Como lidar com um fenômeno


tão poderoso como o esporte
sem sucumbir a ele?
(Ricardo Lucena, 1999)

INTRODUÇÃO social do sistema esportivo era nar-se objeto de severa críti-


sua alegada contribuição para ca a partir de desdobramentos
O tema esporte de ren- a educação e a saúde; c) o es- no plano social mais geral,
dimento na escola foi avalia- porte é/era o conteúdo domi- também agora parece que o
do pela editoria da revista nante no ensino da EF; d) o debate é reativado por alguns
Movimento como controver- sistema esportivo via na esco- desdobramentos sócio-políti-
so e como tal eleito para ser la uma instância contribuidora cos. Quais seriam as circuns-
discutido na seção da revista importante para o seu desen- tâncias sociais que estariam
destinada exatamente ao de- volvimento, uma de suas "ba- mobilizando a comunidade
bate de temas de caráter polê- ses"; e) com a sociologia crí- para este debate neste momen-
mico. Dentro desta perspecti- tica do esporte (e da educa- to?
va fui convidado para expres- ção) surgem dúvidas quanto
sar minha opinião e/ou posi- ao valor educativo do espor- A princípio parece ha-
ção a respeito. te. ver aqui um paradoxo; o de-
bate aparenta estar na contra-
Inicialmente fiquei me Embora o tema nunca mão. Senão vejamos: a EF
perguntando: o tema é real- tenha saído efetivamente de (escolar) passa por um mo-
mente polêmico? ou seja, pauta, ele, enquanto objeto de mento em que sua existência
mobiliza a comunidade da polêmica, parece viver um encontra-se ameaçada e isto
área num debate onde posi- "renascimento". O que esta- na medida em que foi aban-
ções distintas disputam a ria fazendo com que este tema donada pelo projeto neo-libe-
hegemonia? adquirisse novamente um ca- ral de educação e pelo próprio
ráter polêmico, ou seja, fosse sistema esportivo que dela
Efetivamente o espor- capaz de mobilizar a comuni- pode prescindir para o seu de-
te de rendimento1 já esteve dade para um debate? senvolvimento, pois as es-
sim no centro das dicussões colinhas esportivas substitu-
pedagógicas na Educação Fí- É a constatação de que em com "vantagens" a EF.
sica (EF). Algumas razões o tema não se esgotou? Que Assim, parece-nos que o
para tanto foram ou são: a) o teriam permanecido questões reascendimento da polêmica é
esporte (de rendimento) tor- fundamentais a serem discu- suscitada muito mais pelas
nou-se a expressão hege- tidas? Em suma, seriam ra- ações ligadas à política para
mônica da cultura de movi- zões "internas" ao debate? o setor dos últimos dois go-
mento no mundo moderno; b) Sim e não! Assim como na vernos federais através do
uma das bases da legitimação década de 80 o esporte vai tor- INDESP, que entendeu que

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uma das formas de dar urna RETOMANDO O DEBATE normas de comportamento


contribuição para o engrande- conforme e não questiona-
cimento esportivo do país Mas, nosso objeto não dores do sistema societal. E

Especial . Temas Polêmicos


(leia-se: conquistas esporti- é propriamente o esporte de isto porque o esporte de ren-
vas, medalhas olímpicas, rendimento e sim, a relação dimento traz na sua estrutura
etc.), seria investir na investi- entre o esporte de rendimento interna, os mesmos elementos
gação no âmbito das Ciências e a EF, entendida esta enquan- que estruturam também as re-
do Esporte e com isso vem fi- to uma prática pedagógica lações sociais de nossa socie-
nanciando os Centros de Ex- presente na instituição educa- dade: forte orientação no ren-
celência, que entre outras coi- cional. dimento e na competição,
sas, desenvolvem projetos no seletividade via concorrência,
âmbito da detecção de talen- Não vou recuperar aqui igualdade formal perante as
tos esportivos. Para que este toda a crítica3 feita ao esporte leis ou regras, etc. Ressalte-
tipo de investigação seja legi- de rendimento enquanto ele- se que colaboraram para o de-
timada em centros de investi- mento da EF, revisitando os senvolvimento de uma visão
gação ligados a Escolas de argumentos prós e contras. crítica do esporte também a
Educação Física, é preciso Vou limitar-me a elencar e dis- sociologia crítica do esporte
"recuperar a dignidade peda- cutir os pontos que considero que ganha enorme impulso
gógica"2 do esporte de rendi- tenham sido objeto de equívo- nas décadas de 70 e 80 (cf.
mento, caso contrário, o que cos e mal-entendidos no inte- Bracht, 1997). Isto tudo, levou
justificaria o esforço financei- rior do debate. Portanto, serei as pedagogías críticas da EF,
ro e de pessoal, envolvendo seletivo, pressupondo um cer- nascentes naquele momento
recursos públicos, para o seu to envolvimento com o tema (década de 80), a repensar a
desenvolvimento? Embora o por parte dos leitores. Estou relação que a EF deveria ter
esporte de alto rendimento usando como estratégia tam- com o esporte (de rendimen-
(que é esporte espetáculo) te- bém, a anexação de pequenos to).
nha aprofundado sua mer- textos ilustrativos (para-tex-
cadorização — sendo hoje, tos) que podem ser lidos tam- Importante dizer que o
mais que outrora, regido pe- bém isoladamente. esporte, enquanto fenômeno
las leis de mercado — o Esta- cultural, foi assimilado pela
do brasileiro, que orienta-se Parece-me que numa EF, inicialmente, sem que isto
em princípios conhecidos perspectiva bem genérica, o modificasse a visão hege-
como neo-liberais, ainda se esporte de rendimento en- mônica de sua (da EF) função
sente responsável por apoiar quanto elemento da EF foi social (desenvolvimento da
com formação de mão-de- colocado sob suspeita a partir aptidão física e do "caráter"),
obra especializada, com co- das teorias da reprodução, de- mas, paulatinamente, o espor-
nhecimento científico, sem senvolvidas no âmbito da so- te se impõe à EF, ou seja,
falar nos subsídios diretos, o ciologia da educação e que instrumentaliza a EF para o
desenvolvimento deste siste- enfatizavam o papel conserva- atingimento de objetivos que
ma. Assim, busca legitimida- dor do sistema educacional são definidos e próprios do
de para suas ações no campo. nas sociedades capitalistas. A sistema esportivo. Este pro-
Embora tenha amplo apoio EF ao fazer do esporte de ren- cesso não vai ser acompanha-
social nesta iniciativa, pela dimento seu objeto de ensino do de uma reação crítica da
ampla unanimidade da qual e mesmo abrindo o espaço es- EF, muito ao contrário, ele foi
desfruta o esporte enquanto colar para o desenvolvimento saudado como elemento de
bem cultural, para o que a desta forma de realizar o es- valorização da EF, que passa
imprensa colabora e muito, no porte, acabava por fomentar a ser sinônimo do esporte na
âmbito acadêmico parece ha- um tipo de educação que co- escola. A reação se dá tardia-
ver algum tipo de resistência laborava para que os indiví- mente, como já observado, na
... geradora de polêmica. duos introjetassem valores, década de 80.4

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Quando então, na EF, sendo, a como ele se apresenta objetivo. O que é fundamental
sob a influência das teorias historicamente. E no caso da a perceber é que a técnica é
críticas da educação e da so- pedagogia crítica da EF com (deve ser assim considerada)
ciologia crítica do esporte se vistas a sua superação, o que sempre meio para atingir fins.
faz a crítica ao esporte, prin- significa, buscar colaborar para Estabelecer fins/objetivos
cipalmente ao de rendimento, que este esporte assuma outras (sentido) é que é um predicado
no sentido do seu papel e- características, estas então, humano, portanto a técnica
ducativo no âmbito escolar, mais adequadas a uma outra deve ser sempre subordinada às
acabam por se instalar uma sé- (alternativa à hegemônica hoje) finalidades humanas. Se variam
rie de mal-entendidos e equí- concepção de homem e as finalidades, os sentidos da
vocos, que, infelizmente ainda sociedade. prática esportiva, é
grassam em nosso meio conseqüente que variem
(alguns, para meu quase de- A negação do esporte também as técnicas, bem como
sespero, já se cristalizaram). não vai no sentido de aboli-lo seu valor relativo.
Ao tratá-los espero poder dei- ou fazê-lo desaparecer ou en-
xar clara minha posição e co- tão, negá-lo como conteúdo das Tanto num jogo de tênis
laborar para uma melhor com- aulas de EF. Ao contrário, se pela Taça Davis, quanto num
preensão do tema. pretendemos modificá-lo é jogo de frescobol numa praia
preciso exatamente o oposto, é qualquer, a técnica está
preciso tratá-lo pedagógica- presente (movimentos apren-
EQUÍVOCO/MAL ENTENDIDO 1 mente. É claro que, quando se didos para realizar fins). No
adota uma perspectiva peda- entanto, o valor relativo da
Quem critica o esporte é gógica crítica, este "tratá-lo técnica empregada, o sentido e
contra o esporte. Criticar o pedagógicamente" será dife- o resultado social do emprego
esporte ficou sendo entendido rente do trato pedagógico dado das técnicas são muito di-
como uma manifestação de ao esporte a partir de uma ferentes nos dois casos. Por-
alguém que é contrário ao perspectiva conservadora de tanto, o que a pedagogia crítica
esporte no sentido lato. Com educação. em EF propôs/propõe, não é a
isso criou-se uma visão ma- abolição do ensino de técnicas,
niqueísta: ou se é a favor, ou se ou seja, a abolição da
é contra o esporte. A EF foi EQUÍVOCO/MAL ENTENDIDO 2 aprendizagem de destrezas
dividida por este raciocínio motoras esportivas. Propõe
tosco, entre aqueles que são Tratar criticamente o sim, o ensino de destrezas
contra, de um lado, e aqueles esporte nas aulas de EF é ser motoras esportivas dotadas de
que são a favor do esporte, de contra a técnica esportiva. novos sentidos, subordinadas a
outro. Portanto, os que não são crí- novos objetivos/fins, a serem
ticos são tecnicistas. Por outro construídos junto com um novo
Esta visão tosca trabalha lado, aqueles que dizem tratar sentido para o próprio esporte.5
com o pressuposto de que o criticamente o esporte na EF
esporte é algo a-histórico. Com negam a técnica, são contra o No caso da lógica do
efeito, é comum ouvir-se falar ensino das técnicas esportivas. sistema esportivo, o rendi-
neste contexto em "essência do mento almejado é o máximo,
esporte", em "natureza do Quando um determina- não o possível ou o ótimo,
esporte". Ora, o esporte é uma do bem é valorizado social- considerando as possibilidades
construção histórico-social mente, busca-se aperfeiçoar os individuais e dos grupos. No
humana em constante procedimentos para a sua sistema esportivo o próprio
transformação e fruto de efetivação (produção), ou seja, rendimento máximo tornou-se
múltiplas determinações. As- investe-se no desenvolvimento o objetivo a atingir. Desta
sim, críticas ao esporte só po- de técnicas com este forma, os meios (técni-
dem ser endereçadas ao seu

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cos) alcançam grande cen- Em função da centrali- feitos: mecanização do ho-


tralidade neste sistema. Há um dade do desenvolvimento téc- mem, orientação pela razão
enorme investimento no de- nico para os objetivos do sis- instrumental, sacrifício, dor,

Especial . Temas Polêmicos


senvolvimento técnico que tema esportivo (esporte de manipulação, etc; do lado do
permitirá o máximo de rendi- rendimento), criou-se o jargão lúdico todas as virtudes: pra-
mento que permitirá, por sua de que os professores de EF zer, espontaneidade, liberda-
vez, sobrepujar o adversário. que defendem o esporte de de, verdadeira humanização.1
Esta lógica aparece já no pro- rendimento seriam tecnicistas. Me parece que há nesta posi-
cesso de iniciação esportiva, A confusão aumentou quan- ção uma idealização do lú-
de forma muitas vezes incons- do, ao se discutir a literatura dico, como espaço, dimensão
ciente. pedagógica e, com o seu au- do humano a-priori a ser pre-
xílio, operar análises do que servado da colonização da ra-
No esporte de rendi- acontecia na EF, começou-se zão (científica) e seus produ-
mento as ações são julgadas a confundir o tecnicismo es- tos. No esporte de rendimen-
pelo seu resultado final, a portivo com o tecnicismo pe- to haveria como que uma ra-
performance esportiva men- dagógico, ou com a pedago- cionalização (pela razão téc-
surada/valorizada em função gia tecnicista. Embora seus nico-instrumental) do jogo, do
do código binário da vitória- princípios epistemológicos lúdico. Ora, o comportamento
derrota. Os meios empregados sejam os mesmos, o que faci- lúdico não existe na sua
no treinamento, o próprio trei- litou a incorporação da peda- forma pura, ele está mais ou
namento, tudo é medido pelo gogia tecnicista no ensino do menos presente em uma série
resultado final. A própria prá- esporte na escola, trata-se de de práticas humanas, portan-
tica, o processo, a fruição do duas coisas bastante distintas. to, moldado culturalmente. A
jogo não assumem importân- Não se está adotando a peda- crítica é endereçada, na ver-
cia significativa para o siste- gogia tecnicista simplesmen- dade, ao fato de que na nossa
ma. te porque se ensina técnicas sociedade, todas as ações hu-
esportivas. manas tendem a ser guiadas
O que se criticou e se pela razão técnico-instrumen-
critica então, é a subordinação tal. A crítica é à hegemonia da
inconsciente não à técnica EQUÍVOCO/MAL-ENTENDIDO 3 razão técnico-instrumental,
enquanto tal, mas à finalida- que numa determinada pers-
de a qual determinada técnica Já pode o leitor perce- pectiva marxista, significa a
está a serviço. ber que a separação entre os coisificação de todas as rela-
diferentes mal-entendidos é ções sociais-humanas. Parece-
Não é preciso repetir apenas formal-didático, por- me que a contraposição a esta
aqui o quanto as ciências natu- que eles estão entrelaçados. tendência não deveria se fa-
rais e suas irmãs ciências soci- Assim, orgânicamente ligado zer pela afirmação do seu con-
ais e humanas que copiam seu ao anterior, outro equívoco é trário, o primado da sensibili-
modelo, foram engajadas com o de que a crítica da pedago- dade, do acaso, do lúdico, por
vistas ao objetivo de maximizar gia crítica da EF era destina- uma volta à uma unidade pri-
o rendimento: a fisiologia, a da ao rendimento enquanto mordial (natureza/homem,
biomecânica, a aprendizagem tal, e que a este contrapunha, mundo/homem) e sim, pela
em posição diametralmente mediação, pelo reconheci-
motora, a psicologia, a socio-
oposta, o lúdico. Nova con- mento da ambigüidade de
logia, etc. Para atingir este ob-
traposição maniqueísta6: os nosso ser/estar (n)o mundo,
jetivo, o de maximizar o rendi-
do rendimento x os do lúdico pela superação qualitativa da
mento, o grande modelo de cor-
(os do formal x os do infor- razão instrumental e não pelo
po de atleta foi o do corpo-má-
mal; os do alto nível x os do "retorno" ao sensível original.
quina (máquina maravilhosa),
capaz de performances es- EPT, etc). Do lado do rendi-
mento estariam todos os de- Conseqüência paralela:
petaculares.

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como o rendimento está con- prática, e sim entender que a to cultural mais amplo aden-
dicionado à capacidade física, própria prática, a própria for- tram a escola, ou seja, são
acusa-se aqueles que defen- ma do movimentar-se espor- escolarizados para compor os
dem o esporte enquanto jogo, tivo precisa ser reconstruída.8 currículos escolares. Dois as-
de negarem a aptidão física ou pectos neste processo nos in-
a atividade física enquanto teressam de perto: a) a escola
promotora de saúde. Não se CONSIDERAÇÕES FINAIS seleciona, vale dizer, privilegia
trata de negar os benefícios determinados saberes; b) esco-
das práticas corporais para a Minhas reflexões ante- lariza os saberes, ou seja, eles
saúde, embora isto precisasse riores partem de um pressu- passam por uma mediação di-
ser mais relativizado do que posto que me parece óbvio, dático-pedagógica (muitas ve-
querem alguns apologetas da mas que talvez precise ser zes se fala em transposição di-
atividade física como promo- explicitado. No meu entender dática). Questões importantes
ção de saúde. Trata-se apenas o esporte na escola, ou seja, o derivam destes dois pontos. A
de não reduzir o sentido des- esporte enquanto atividade partir de quais critérios, sabe-
tas práticas a este objetivo e escolar só tem sentido se in- res são considerados relevan-
também, de não entender que tegrado ao projeto pedagógi- tes ou irrelevantes para mere-
a especificidade da EF (e sua co desta escola. Como conse- cerem a atenção da escola?
função na escola) seria exata- qüência é necessário analisar Porque, por exemplo, o espor-
mente a promoção da saúde. o quadro das concepções pe- te deve ser um saber escolar ou
dagógicas e fazer opções. É compor as atividades da esco-
preciso analisar o tipo de edu- la? Quais interesses, que gru-
EQUÍVOCO/MAL ENTENDIDO 4
cação possível a partir de cada pos de pressão definem se o es-
uma das manifestações do es- porte fará ou não parte das ati-
Tratar criticamente do
esporte na escola é abando- porte, integrando estas análi- vidades escolares? Ou ainda,
nar o movimento em favor da ses discursiva e praticamente na mediação didático-pedagó-
reflexão. na concepção pedagógica gica do esporte, transforman-
eleita. Assim, a realização de do-o em atividade escolar, por
Outro equívoco que se uma pedagogia crítica9 em EF quais mudanças ele deve pas-
construiu foi o de que os críti- está condicionada por aquilo sar? ou ele deve aparecer na es-
cos do esporte de rendimento que acontece na escola como cola tal qual se apresenta no
enquanto conteúdo de ensino um todo, e muito provavel- plano cultural mais geral?
da EF, quereriam substituir o mente apresentará os avanços
ensino das destrezas esportivas e as contradições deste con- Porque o esporte foi
pelo discurso sociológico ou texto. A mudança na EF está escolarizado? Sem poder me
filosófico sobre o esporte, condicionada pela mudança alongar neste ponto, diria que
transformando as aulas de EF da escola e esta pela da socie- vários foram os interesses que
em aulas de sociologia/filoso- dade. Para um projeto políti- pressionaram neste sentido,
fia do esporte (de preferência co-pedagógico que não enten- entre eles os interesses do pró-
desenvolvidas em sala de aula de como problemático educar prio sistema esportivo com o
- aula teórica). no sentido da integração ao objetivo de socializar consu-
sistema societal vigente, a midores e produzir futuros e
Não se trata de substi- maioria das críticas ao espor- potenciais atletas. Aliado do
tuir o movimento pela refle- te de rendimento feitas pela sistema esportivo, na maioria
xão, mas de fazer esta acom- pedagogia crítica, não fazem dos casos, foram os Estados,
panhar aquele. Para isso, não sentido. o poder público, que se colo-
é preciso ir para a sala de aula! cou como tarefa intervir no
Mas é preciso também, não re- Sabemos da sociologia sentido de que a nação, o es-
duzir a mudança apenas ao ato do currículo que nem todos os tado ou o município fosse bem
de acrescentar a reflexão à saberes produzidos no contex- representado nas disputas es-

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portivas nos diferentes níveis. dificuldades de realizar uma Daí também a necessidade do
Para o sistema esportivo inte- prática pedagógica crítica em debate para fortalecer o cará-
ressava que a escola, ao incor- EF envolvendo o fenômeno ter público das decisões, para

Especial . Temas Polêmicos


porar o esporte, o fizesse de cultural do esporte. Esta é uma lhes fornecer qualidade.
maneira a desenvolvê-lo nu- possibilidade no entanto, que
ma forma o mais próxima pos- está sendo construída, portan-
sível de como ele acontece no to não é uma missão impossí- REFERÊNCIAS
próprio sistema esportivo. vel. Existem várias experiên- BIBLIOGRÁFICAS
Pedagogizar o esporte tornou- cias sendo realizadas por pro-
se um problema para o siste- fessores de diversas regiões BRACHT, V. Educação física no
1o grau: conhecimento e es-
ma esportivo, porque coloca do Brasil, que fizeram esta op-
pecificidade. Revista Pau-
nesta prática elementos que ção, que lutam com um qua- lista de Educação Física.
acabam entrando em confron- dro adverso é verdade, mas Sup. 2, 1996, p.23-8.
to com os principios, com a que não desistem porque acre-
__ . Sociologia crítica do espor
lógica que orienta as ações no ditam nessa necessidade e te: uma introdução. Vitória:
âmbito do esporte. neste projeto político-pedagó- CEFD/UFES, 1997.
gico.
BROHM, J.-M. (org.). Deporte,
Existe urna forma de cultura y represión. Barce-
prática esportiva onde o ren- b) Alerto para que não lona: Ed. Gustavo Gili,
dimento e a competição te- se interprete a tentativa de ar- 1978.
nham um outro papel, um ou- gumentação presente neste
EICHBERG, H. Der Weg des
tro sentido, diverso daquele texto como uma defesa da Sports in die industrielle
que possuem no âmbito do es- idéia de que as opções ético- Zivilisation. Baden-Baden:
porte de rendimento ou alta políticas que todo professor Nomoa, 1979.
competição? Entendemos que de EF faz, quer queira quer KUNZ, E. Transformação didá-
sim. Portanto, o esporte trata- não, consciente ou inconsci- tico-pedagógica do esporte.
do e privilegiado na escola entemente, que estas opções Ijuí: UNIJUÍ, 1994.
pode ser aquele que atribui um sejam de caráter técnico, ou
HARGREAVES, J. Sport, cultu-
significado menos central ao seja, de que seria possível re and ideology. London:
rendimento máximo e à com- medir com um instrumento Routledge & Kegan Paul,
petição, e procura permitir aos técnico e "objetivo" o valor 1982.
educandos vivenciar também (tamanho) dos argumentos SAVIANI, D. Escola e democra-
formas de prática esportiva que prós e contras e então decidir cia. São Paulo: Autores As-
privilegiem antes o rendimen- a favor de uma posição. A sociados/Cortez, 1983.
to possível e a cooperação. construção destas posições, SILVA, T. T. da . Documentos de
Mas, como sabemos da socio- as tomadas de decisão neste identidade; uma introdução
logia do currículo, esta esco- campo (ético-político) é (são) às teorias do currículo. Belo
lha depende da correlação de um processo extremamente Horizonte: Autêntica, 1999.
forças entre os diferentes inte- complexo que envolve dimen- Textos ilustrativos
resses sociais. Não é mera co- sões racionais e não-racionais (para-textos)
incidência que a escola, prin- (estéticas), estruturais e con-
cipalmente a privada, "desis- junturais, e é exatamente nes- Santin, Silvino. Edu-
te" das aulas de EF e promove te fato que radica a necessi- cação Física: da alegria do
as escolinhas de esporte. dade da democracia, entendi- lúdico à opressão do rendi-
da como uma proposta de mento. Porto Alegre: EST/
Para finalizar gostaria auto-referencialidade, ou seja, ESEF-UFRGS, 1994.
de fazer ainda duas observa- não existe um fundamento úl-
ções: timo onde poderíamos buscar "O rendimento não é
um critério ineludível para um fenômeno que possa ser
a) Não desconheço as nossas opções ou decisões. isolado de um contexto maior
onde encontra suporte a apoio.

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O rendimento encontra suas ce sentido principalmente para - Claro! Somos uma


raízes filosóficas e ideológi- aquelas situações nas quais, instituição educacional.
cas na própria dinâmica inter- por princípio, independente-
na das ciências e da técnica; mente de idade, sexo, da ori- - E quais foram os re-
ele faz parte da imensa paisa- gem étnica ou social, bens es- sultados educacionais da
gem construída pelos homens cassos devem ser distribuídos participação do seu colégio?
da sociedade industrial. Por- entre os participantes somente
tanto, o esporte de rendimen- em função do seu rendimento - Duas medalhas de
to não pode ser entendido ape- individual. A orientação no ouro, cinco de prata, três ter
nas como uma ação esporti- rendimento e no seu aumento ceiros lugares, e o nosso time
va, mas como uma manifes- permanente, determina no de basquete tava massacran
tação total da criatividade hu- campo do esporte o que é re- do o inimigo quando foi des
mana e, mais, em todas as suas conhecido e desejado em ter- classificado por um juiz la
implicações culturais pos- mos de corpo e movimento. O drão.
síveis"(p.35) esporte de alto rendimento re-
"O que se deve levar em presenta a importância que o -Ah!!!
consideração não é o rendi- rendimento possui para a so-
mento, mas o valor simbólico ciedade moderna e age ao mes- Vago, Tarcísio Mau-
que a ele é atribuído pelas di- mo tempo como espelho, cuja ro. O "esporte na escola" e
ferentes culturas" (p.41) dupla função consiste, por um o "esporte da escola": da ne-
"(•••) é bom lembrar lado, dar destaque, hipertro- gação radical para uma re-
que toda a ação humana não fiando num modelo 'simplifi- lação de tensão permanen-
elimina em nenhum momen- cado' , ao complexo societal na te. Revista Movimento, Vol.
to a perspectiva de rendimen- sua essência, e por outro, per- III, n° 5, 1996/2, p.4-17.
to. O que deve ser observado mite focar problemas especí-
é o significado ou a valor que ficos. A partir do esporte de "Assim, diferentemen-
ele adquire no desenvolver a rendimento é possível demons- te de uma negação radical do
atividade" (p.52). trar de forma exemplar as pré- 'esporte da escola' pelo 'es-
condições, a relevância e os porte na escola', considero ser
Becker, P. ; Jung, P.; efeitos de uma das mais impor- frutífero para a Educação Fí-
Wesp, H. e Wicklaus, J.M. tantes características expli- sica avançar no sentido de
Egalisiert und maximiert. cativas da sociedade" (p. 186) construir uma relação de ten-
In: Bekcer, P. (Hrgs.) Sport são permanente entre eles.
und Höchstleistung. Ham- Larécio. Seção de hu- Uma relação de tensão perma-
burg: Rowohlt, 1987. (Tra- mor da Revista Corpo e nente que se estabeleça entre
dução: Valter Bracht). Movimento, APEF (SP), uma prática de esporte produ-
1984, n.3, p.38. zida e acumulada historica-
"Com o esporte de ren- mente e uma prática escolar
dimento vinculam-se concep- Inusitado diálogo... de esporte (a cultura escolar
ções de tipos ideais de uma so- de esporte)" (p. 10)
ciedade do rendimento na for- - Os jogos escolares ser- "Afirma-se e defende-
ma de jogo — seja isto enten- vem para a fraternidade! Para se aqui, portanto, a escola
dido numa perspectiva positi- a socialização dos participan- como um lugar de produção
va ou crítica. O esporte de ren- tes! Para a prática salutar das de cultura. Cabe-lhe, então, ao
dimento condensa uma das atividades gimnodesportivas! tratar do esporte, produzir
categorias centrais para a ex- Para a Educação, enfim... outras possibilidades de se
plicação de nossa sociedade, o apropriar dele — é o proces-
prinicípio do rendimento. Esta - Seu Diretor, a sua es- so de escolarização do espor-
categoria que orienta a vida em cola participa dos Jogos Es- te — e, com isso, influenciar
todos os setores sociais, forne- colares? a sociedade para conhecer e

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usufruir de outras possibilida- um economista escrevendo no sobre esta relação, é possível


des de se apropriar do espor- Jornal a Folha de São Paulo, relacionar alguns lances ou
te. Buscar uma tensão perma- estabelecia uma interessante ocorrências do plano político

Especial . Temas Polêmicos


nente entre o espaço social da analogia entre o que se vive com lances como o que envol-
escola e o espaço social mais no esporte internacional e na veu o jogador Marcelinho
amplo. É isso que caracteriza economia globalizada. Citan- Carioca em jogo recente.
um movimento propositivo da do trechos de uma entrevista No dia 11/02/98 en-
escola em suas relações com do tenista Peter Sampras, o frentaram-se em Aracaju, pela
outras práticas culturais da autor argumentava que assim Copa do Brasil, o Cornthians
sociedade"(p.l2) como no tênis, como dizia Paulista e o Itabaiana de
"Não se trata, então, de Sampras, também na econo- Sergipe. O primeiro tempo
agir apenas para que a escola mia globalizada os competi- terminou com o placar de 1 x
tenha o 'seu' esporte. Trata-se dores precisam estar cada vez 0 a favor do Corinthians, com
de problematizar a prática cul- melhor preparados, pois a um gol marcado por Mar-
tural do esporte da sociedade cada dia torna-se mais difícil celinho Carioca numa cobran-
(que é ao mesmo tempo, o es- manter-se competitivo. Suge- ça de falta, cuja existência,
porte da e na escola), para ria o autor que deveríamos aliás, era questionada pelo lo-
reinventá-lo, recriá-lo, recons- extrair lições, enquanto país, cutor televisivo. No intervalo
truí-lo, e, ainda mais, produ- para nosso comportamento o Repórter da TV aproximou-
zi-lo a partir do específico da econômico. se de Marcelinho e perguntou
escola, para tencionar com Suspeitamos haver ou- o que ele havia achado do pri-
aqueles já citados, que a soci- tras possibilidades de aproxi- meiro tempo do jogo. Respos-
edade incorporou a ele (e para mar comportamentos do pla- ta de Marcelinho: com a for-
superá-los). Não sendo mesmo no esportivo com outros de ça de Jesus o Corinthians jo-
possível à escola isolar-se da diferentes esferas sociais, gou bem e saiu vencedor do
sociedade, já que a escola é, como forma, não só de suge- primeiro tempo (estou citan-
ela mesma, uma instituição da rir ações, mas, principalmen- do de memória). O repórter
sociedade, uma de suas tare- te, como forma alternativa de perguntou então sobre a falta;
fas, então, é a de debater o es- entender a vida social. se ela havia realmente acon-
porte, de criticá-lo, de produ- Muito já se escreveu tecido. Resposta do "crente"
zi-lo ... e de práticá-lo! Ora, sobre a relação entre o espor- jogador: pra bater falta é pre-
se se quer o confronto — a te e a sociedade. O esporte, em ciso "cavar"uma falta!!! É
tensão permanente — com os muitas análises, é considera- preciso também ser inteligen-
códigos e valores agregados do a sociedade em um seu te!!! Risos de todos.
ao esporte pela forma exemplo, em alguns casos, No mesmo dia do alu-
capitalista de organização radicalizando, uma fotografia dido evento esportivo o Pre-
social para construirmos ou um reflexo da estrutura e sidente da República reunia-
outros valores a partir da valores sociais. Por outro se com o Sr. Paulo Maluf para
escola (a solidariedade lado, também é entendido "negociar" votos do PPB
esportiva, a participação, o como um modelo ideal (con- para a reforma da Previdência
respeito à diferença, o lúdico, tra-fático) que antecipa o que (Folha de São Paulo de
por exemplo), é fundamental seria uma sociedade igualitá- 13/02/98, p.I.11). Maluf,
que o façamos para toda a so- ria e eminentemente me- aliás, é conhecido como um
ciedade", (p. 13) ritocrática — o sucesso é exa- político capaz de realizar
tamente proporcional ao ren- "jogadas inteligentes" — é
Bracht, Valter. Mar- cimento alcançado, sendo este detentor de uma "esperteza"
celinho Carioca, FHC e as rendimento produzido sob re- tomada por uma parcela
regras do jogo. (texto inédi- gras iguais para todos e em significativa da população
to, impresso), 1999. relações de concorrência. Sem como um valor positivo.
expressar opinião definitiva Lances como este, para per-
Há algum tempo atrás, manecer no linguajar esporti-

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vo, de Marcelinho(s) e de que, de tanto ser alardeada, lembra, baseando-se em J.


FHC(s) não ferem as regras acaba assumida pela popula- Searle, que existem dois tipos
formas do jogo (esportivo ou ção, provocando uma atitude de regras: as constitutivas, que
político). Um parênteses: nos- de indignação conformista. fazem, por exemplo, do fute-
so interesse aqui não é ressal- Indignação que muitas vezes bol o futebol e as regras
tar a contradição entre a evo- é metamorfoseada para uma regulativas que estão implíci-
cação de Jesus e o cinismo a espécie de auto-zombaria; fa- tas, por exemplo, no fair play
la "Lei de Gérson" presente na zemos piada de nós mesmos, como norma das interações
atitude/fala do jogador, mui- de nossas mazelas anti-demo- humanas. Estas segundas, di-
to menos os, cada vez mais cráticas. Estas imperfeições, zem respeito, portanto, a nor-
freqüentes, apelos ao divino faz-se crer, são inevitáveis, mas seguidas ao nos mover-
do nosso Presidente da Repú- são próprias do jogo, assim mos no interior das regras
blica. Nossa atenção recai so- como inevitável é a globa- constitutivas. Eu posso afron-
bre uma das características lização impostas pelas leis do tar o fair play, mesmo não in-
mais vinculadas à vida demo- mercado (com certeza, este o fringindo as regras cons-
crática, que é o respeito às re- Deus de quem tanto se fala). titutivas de um esporte. As-
gras. Frente ao inevitável é inútil sim, para o autor, o problema
O presidente FHC não reagir. ético ainda não está colocado
infringe as regras formas do Mas voltemos à analo- quando nos limitamos à ques-
jogo quando negocia os votos gia e à questão da regras do tão da observância ou não das
para aprovar a reforma da pre- jogo. É senso-comum o enten- regras do jogo. A questão éti-
vidência ou quando edita me- dimento de que liberdade de- ca se coloca no âmbito do
didas provisórias — embora, mocrática não significa viver "como" respeitamos as regras.
da a sua performance recor- na ausência de regras, mas, Exemplifiquemos com o es-
dista, levante a forte suspeita escolher (democraticamente) porte. Relevante eticamente,
de que haja aí inconstitu- sob quais regras vamos con- aquilo que afeta a noção de
cionalidade, mas... quem jul- viver. Parece-nos que o con- justiça, não foi o fato de
ga? Aliás, em relação à regu- ceito de auto-referencialidade Marcelinho afrontar as regras
lamentação das medidas pro- (desenvolvido por H. Ma- constitutivas do futebol; isso
visórias, Sandra Starling na turana na biologia e utilizado ele não o fez. Relevante eti-
Folha de São Paulo de 13/02/ por N. Luhmann na sociolo- camente, é o fato de buscar
98, p. I.3, mostra como a ati- gia) cabe bem à democracia. vantagem no jogo simulando
tude/ação do Presidente é Não se chega à democracia uma violação. No caso famo-
oportunista e esperta — sem como um ponto final, ela se so da "mão santa" de Ma-
que seja necessário desrespei- constrói, e só se constrói de- radona na Copa do Mundo de
tar as regras formais. Mas, o mocracia democraticamente, Futebol de 1986, pelo fato
que poderíamos obstar se es- ou como escreveu F.Weffort, dele esconder que havia co-
tes "jogadores" todos produ- a luta entre as diferentes con- metido uma violação. E neste
zem este espetáculo atendo-se cepções de democracia preci- plano que devemos discutir
as suas regras constitutivas? sa acontecer no plano da pró- sobre a moralidade ou não das
Também muito se es- pria democracia. Assim, a ações. Oferecer cargos em tro-
creveu sobre as limitações ou construção e o respeito às re- ca de votos a favor da refor-
imperfeições da democracia gras assume fundamental im- ma da previdência, divulgar
representativa. A esquerda portância no debate em torno dados que interessam e omi-
não cansa de apontá-las e a da democracia. tir os que não interessam (Lei
direita de justificá-las, não ra- O filósofo alemão K.- de Ricupero), por um lado, e
ramente com pitadas de O. Apel (em Diskurs und por outro "cavar" uma falta
cinismo explícito. A direita Verantwortung, 1987), en- (Lei de Marcelinho) ou dar
liberal fala inclusive de uma frentando a questão da eti- um passo para fora da área
imperfeição natural e cidade das regras esportivas, para enganar o árbitro —
inevitável

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como fez Nilton Santos em dos hospitais, na carta de de- bservo que o rendimento está
caso famos e alardeado como missão do emprego. Seus im- presente em maior ou menor
grau em toda prática esportiva,
exemplo de esperteza do jo- pactos, no entanto, são absor- no entanto, numa determinada

Especial . Temas Polêmicos


gador brasileiro — situam-se vidos via ressemantização/ manifestação esportiva o rendi-
no mesmo plano sob a pers- ressignificação a partir do có- mento é elevado à categoria
pectiva ética. Portanto, não digo da inevitabilidade da glo- central, ao elemento definidor e
organizador das ações. É a este
basta para a construção da de- balização econômica e das leis esporte que estaremos chaman-
mocracia respeitar as regras de mercado: privatização dos do de esporte de rendimento.
constitutivas do jogo, e preciso serviços de saúde por um lado, 2
Já que foi no interior ou a partir
observá-las a partir de prin- e por outro, flexibilização dos das Escolas de Educação Física,
cípios éticos, como por exem- contratos de trabalho — melhor Departamentos e Centros de
plo o fair play, que claro é tan- um emprego virtual do que Educação Física das Universida-
des que no Brasil desenvolveu-se
to desrespeitado por Mar- nenhum. uma vertente que faz críticas
celinho quanto por FHC. Marcelinho e FHC, no contundentes à função social do
Mas, nestes tempos pós- esporte e na política, escolhe- esporte. Ou seja, é no âmbito
modernos e de globalização, ram jogar o jogo respeitando as acadêmico da EF que existem
resistências ao fenômeno es-
tentar estabelecer pontos de regras (constitutivas). Mas portivo na forma como ele se
referência éticos soa sempre como eles se movem no inte- apresenta em nossa sociedade.
como retrógrado, ultrapassado, rior do quadro balizado por 3
Em relação às análises críticas
tem cheiro de mofo iluminista. estas regras, a forma como eles do fenômeno esportivo reme-
O que conta é o imediatismo as respeitam é questionável temos o leitor a uma vasta
pragmático; o que conta é o eticamente. No entanto, isto literatura que compreende entre
outros: Brohm (1978); Har-
que aparenta ser e não o que é, parece provocar mais a greaves (1982); Kunz (1994) e
mesmo porque não se admite aquiescência de boa parte dos Bracht (1997).
mais a possibilidade de espectadores do que uma 4
Não ignoro outras e anteriores re-
diferenciar a versão da indignação mobiliza-dora, ações críticas ao esporte presentes
realidade ou decidir sobre a talvez porque não se infrinja na história da EF, no entanto, elas
verdade da versão. A disputa é frontalmente as regras, apenas apresentam caráter esporádico. Um
movimento mais sistemático e de
pela imposição da versão, daí a o fair play implícito, que diga- alguma repercussão parece mesmo
necessidade de manter o se de passagem, não fez escola só ter acontecido a partir da década
controle, via aliciamento nem na política nem no esporte. de 80.
político-financeiro, dos meios Aliás, existem boas chances do 5
A prática esportiva com
de propagação das versões. A esporte moderno e da sociedade sentido diferente daquele
versão dominante não o é pelo capitalista serem incompatíveis predominante no esporte de
rendimento já está presente no
seu conteúdo de verdade, mas com o fair-play. Neste sentido
âmbito da cultura. Trata-se,
pela sua capacidade de sedução o esporte e a política reforçam portanto, de tematizar também
— a espe-tacularização os seus times reciprocamente, estas práticas esportivas, que na
(esportivização) da política sendo que a derrota é da maiorira das vezes são
marginais no âmbito do sistema
segue este princípio. Os atores, democracia e consequen-
esportivo, ou quando rivalizam
sejam políticos ou jogadores ou temente da maioria da popu- com o sentido oficial, tendem a
jogadores políticos, atuam na lação brasileira. ser incorporadas e resignifi-
cena social sob a égide da cadas.
6
espeta-cularização ou Observe-se que não sou contra
teatralização dos NOTAS as classificações pura e sim-
plesmente. Elas têm função
acontecimentos, onde ficção e
l
A adjetivação do esporte como didática importante, na medida
realidade se confundem. em que simplificam, organizam
de rendimento solicita por si só
Produz-se uma hiper-realida-de a realidade de uma determinada
uma discussão aprofundada, o
que só é rompida com extrema que tomaria todo o espaço aqui forma de maneira a torná-la in-
telegível. O problema está em
dificuldade. É rompida disponível. Assim, apenas o-
como se trabalha com elas, com
momentaneamente nas filas os conceitos na forma de tipos

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Movimento - Ano VI - Nº 12 - 2000/1

ideais. O que estamos obser- 7Esta perspectiva de crítica ao pectiva a transformação da soci-
vando na EF é um uso abusivo esporte de rendimento Eichberg edade capitalista. Ver a respeito:
e equivocado das classifica- (1979) denomina de "cristã-con- Saviani (1983) e Silva (1999).
ções, principalmente, das ditas servadora".
tendências pedagógicas. A sim- 8 *Valter Bracht é professor de
Desenvolvi este tema em Bracht
plificação das classificações é Educação Física do Departa-
novamente simplificada, ge- (1996).
mento de Ginástica do Centro de
9
rando um simplismo e Estou entendendo por Pedago- Educação Física e Desportos da
maniqueísmo extremamente gia Crítica uma vertente da Universidade Federal do Espí-
prejudiciais. pedagogia que tem como pers- rito Santo.

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