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Movimento - Ano VI - Nº 12 - 2000/1
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Quando então, na EF, sendo, a como ele se apresenta objetivo. O que é fundamental
sob a influência das teorias historicamente. E no caso da a perceber é que a técnica é
críticas da educação e da so- pedagogia crítica da EF com (deve ser assim considerada)
ciologia crítica do esporte se vistas a sua superação, o que sempre meio para atingir fins.
faz a crítica ao esporte, prin- significa, buscar colaborar para Estabelecer fins/objetivos
cipalmente ao de rendimento, que este esporte assuma outras (sentido) é que é um predicado
no sentido do seu papel e- características, estas então, humano, portanto a técnica
ducativo no âmbito escolar, mais adequadas a uma outra deve ser sempre subordinada às
acabam por se instalar uma sé- (alternativa à hegemônica hoje) finalidades humanas. Se variam
rie de mal-entendidos e equí- concepção de homem e as finalidades, os sentidos da
vocos, que, infelizmente ainda sociedade. prática esportiva, é
grassam em nosso meio conseqüente que variem
(alguns, para meu quase de- A negação do esporte também as técnicas, bem como
sespero, já se cristalizaram). não vai no sentido de aboli-lo seu valor relativo.
Ao tratá-los espero poder dei- ou fazê-lo desaparecer ou en-
xar clara minha posição e co- tão, negá-lo como conteúdo das Tanto num jogo de tênis
laborar para uma melhor com- aulas de EF. Ao contrário, se pela Taça Davis, quanto num
preensão do tema. pretendemos modificá-lo é jogo de frescobol numa praia
preciso exatamente o oposto, é qualquer, a técnica está
preciso tratá-lo pedagógica- presente (movimentos apren-
EQUÍVOCO/MAL ENTENDIDO 1 mente. É claro que, quando se didos para realizar fins). No
adota uma perspectiva peda- entanto, o valor relativo da
Quem critica o esporte é gógica crítica, este "tratá-lo técnica empregada, o sentido e
contra o esporte. Criticar o pedagógicamente" será dife- o resultado social do emprego
esporte ficou sendo entendido rente do trato pedagógico dado das técnicas são muito di-
como uma manifestação de ao esporte a partir de uma ferentes nos dois casos. Por-
alguém que é contrário ao perspectiva conservadora de tanto, o que a pedagogia crítica
esporte no sentido lato. Com educação. em EF propôs/propõe, não é a
isso criou-se uma visão ma- abolição do ensino de técnicas,
niqueísta: ou se é a favor, ou se ou seja, a abolição da
é contra o esporte. A EF foi EQUÍVOCO/MAL ENTENDIDO 2 aprendizagem de destrezas
dividida por este raciocínio motoras esportivas. Propõe
tosco, entre aqueles que são Tratar criticamente o sim, o ensino de destrezas
contra, de um lado, e aqueles esporte nas aulas de EF é ser motoras esportivas dotadas de
que são a favor do esporte, de contra a técnica esportiva. novos sentidos, subordinadas a
outro. Portanto, os que não são crí- novos objetivos/fins, a serem
ticos são tecnicistas. Por outro construídos junto com um novo
Esta visão tosca trabalha lado, aqueles que dizem tratar sentido para o próprio esporte.5
com o pressuposto de que o criticamente o esporte na EF
esporte é algo a-histórico. Com negam a técnica, são contra o No caso da lógica do
efeito, é comum ouvir-se falar ensino das técnicas esportivas. sistema esportivo, o rendi-
neste contexto em "essência do mento almejado é o máximo,
esporte", em "natureza do Quando um determina- não o possível ou o ótimo,
esporte". Ora, o esporte é uma do bem é valorizado social- considerando as possibilidades
construção histórico-social mente, busca-se aperfeiçoar os individuais e dos grupos. No
humana em constante procedimentos para a sua sistema esportivo o próprio
transformação e fruto de efetivação (produção), ou seja, rendimento máximo tornou-se
múltiplas determinações. As- investe-se no desenvolvimento o objetivo a atingir. Desta
sim, críticas ao esporte só po- de técnicas com este forma, os meios (técni-
dem ser endereçadas ao seu
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como o rendimento está con- prática, e sim entender que a to cultural mais amplo aden-
dicionado à capacidade física, própria prática, a própria for- tram a escola, ou seja, são
acusa-se aqueles que defen- ma do movimentar-se espor- escolarizados para compor os
dem o esporte enquanto jogo, tivo precisa ser reconstruída.8 currículos escolares. Dois as-
de negarem a aptidão física ou pectos neste processo nos in-
a atividade física enquanto teressam de perto: a) a escola
promotora de saúde. Não se CONSIDERAÇÕES FINAIS seleciona, vale dizer, privilegia
trata de negar os benefícios determinados saberes; b) esco-
das práticas corporais para a Minhas reflexões ante- lariza os saberes, ou seja, eles
saúde, embora isto precisasse riores partem de um pressu- passam por uma mediação di-
ser mais relativizado do que posto que me parece óbvio, dático-pedagógica (muitas ve-
querem alguns apologetas da mas que talvez precise ser zes se fala em transposição di-
atividade física como promo- explicitado. No meu entender dática). Questões importantes
ção de saúde. Trata-se apenas o esporte na escola, ou seja, o derivam destes dois pontos. A
de não reduzir o sentido des- esporte enquanto atividade partir de quais critérios, sabe-
tas práticas a este objetivo e escolar só tem sentido se in- res são considerados relevan-
também, de não entender que tegrado ao projeto pedagógi- tes ou irrelevantes para mere-
a especificidade da EF (e sua co desta escola. Como conse- cerem a atenção da escola?
função na escola) seria exata- qüência é necessário analisar Porque, por exemplo, o espor-
mente a promoção da saúde. o quadro das concepções pe- te deve ser um saber escolar ou
dagógicas e fazer opções. É compor as atividades da esco-
preciso analisar o tipo de edu- la? Quais interesses, que gru-
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cação possível a partir de cada pos de pressão definem se o es-
uma das manifestações do es- porte fará ou não parte das ati-
Tratar criticamente do
esporte na escola é abando- porte, integrando estas análi- vidades escolares? Ou ainda,
nar o movimento em favor da ses discursiva e praticamente na mediação didático-pedagó-
reflexão. na concepção pedagógica gica do esporte, transforman-
eleita. Assim, a realização de do-o em atividade escolar, por
Outro equívoco que se uma pedagogia crítica9 em EF quais mudanças ele deve pas-
construiu foi o de que os críti- está condicionada por aquilo sar? ou ele deve aparecer na es-
cos do esporte de rendimento que acontece na escola como cola tal qual se apresenta no
enquanto conteúdo de ensino um todo, e muito provavel- plano cultural mais geral?
da EF, quereriam substituir o mente apresentará os avanços
ensino das destrezas esportivas e as contradições deste con- Porque o esporte foi
pelo discurso sociológico ou texto. A mudança na EF está escolarizado? Sem poder me
filosófico sobre o esporte, condicionada pela mudança alongar neste ponto, diria que
transformando as aulas de EF da escola e esta pela da socie- vários foram os interesses que
em aulas de sociologia/filoso- dade. Para um projeto políti- pressionaram neste sentido,
fia do esporte (de preferência co-pedagógico que não enten- entre eles os interesses do pró-
desenvolvidas em sala de aula de como problemático educar prio sistema esportivo com o
- aula teórica). no sentido da integração ao objetivo de socializar consu-
sistema societal vigente, a midores e produzir futuros e
Não se trata de substi- maioria das críticas ao espor- potenciais atletas. Aliado do
tuir o movimento pela refle- te de rendimento feitas pela sistema esportivo, na maioria
xão, mas de fazer esta acom- pedagogia crítica, não fazem dos casos, foram os Estados,
panhar aquele. Para isso, não sentido. o poder público, que se colo-
é preciso ir para a sala de aula! cou como tarefa intervir no
Mas é preciso também, não re- Sabemos da sociologia sentido de que a nação, o es-
duzir a mudança apenas ao ato do currículo que nem todos os tado ou o município fosse bem
de acrescentar a reflexão à saberes produzidos no contex- representado nas disputas es-
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portivas nos diferentes níveis. dificuldades de realizar uma Daí também a necessidade do
Para o sistema esportivo inte- prática pedagógica crítica em debate para fortalecer o cará-
ressava que a escola, ao incor- EF envolvendo o fenômeno ter público das decisões, para
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como fez Nilton Santos em dos hospitais, na carta de de- bservo que o rendimento está
caso famos e alardeado como missão do emprego. Seus im- presente em maior ou menor
grau em toda prática esportiva,
exemplo de esperteza do jo- pactos, no entanto, são absor- no entanto, numa determinada
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ideais. O que estamos obser- 7Esta perspectiva de crítica ao pectiva a transformação da soci-
vando na EF é um uso abusivo esporte de rendimento Eichberg edade capitalista. Ver a respeito:
e equivocado das classifica- (1979) denomina de "cristã-con- Saviani (1983) e Silva (1999).
ções, principalmente, das ditas servadora".
tendências pedagógicas. A sim- 8 *Valter Bracht é professor de
Desenvolvi este tema em Bracht
plificação das classificações é Educação Física do Departa-
novamente simplificada, ge- (1996).
mento de Ginástica do Centro de
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rando um simplismo e Estou entendendo por Pedago- Educação Física e Desportos da
maniqueísmo extremamente gia Crítica uma vertente da Universidade Federal do Espí-
prejudiciais. pedagogia que tem como pers- rito Santo.
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