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A

R
Influência do Grau de Substituição e da Distribuição
T
de Substituintes Sobre as Propriedades de Equilíbrio
I
G de Carboximetilcelulose em Solução Aquosa
O
José Cláudio Caraschi e Sérgio P. Campana Filho

T Resumo:: Amostras de carboximetilcelulose foram preparadas por reação heterogênea de polpa soda/antraquinona
É obtida de fibras pré-hidrolisadas de bagaço de cana-de-açúcar. As amostras com os menores graus de substi-
tuição (GS < 1,0) e as mais substituídas (GS > 1,0) apresentaram comportamentos diferentes quanto a: i)
C variação de constante aparente de acidez (pkap) com o grau de dissociação; ii) concordância entre os valores de
GS determinados por titulações e por espectroscopia 1H rmn e iii) concordância entre os valores experimentais
N de coeficientes de transporte e os previstos pelo modelo de Manning. Todas as amostras apresentaram um
padrão de substituição em blocos que, nas amostras menos substituídas são curtos e espaçados, favorecendo
I interações associativas que levam à agregação. Efeitos de volume excluído eletrostático, mais importantes nas
amostras mais substituídas, inibem a agregação e explicam o comportamento observado nesses casos.
C
O Palavras-chave:: Carboximetilcelulose, grau de substituição, constante de acidez, coeficiente de transporte

C
Introdução sas, do grau médio de substituição (GS), definido como
I o número médio de grupos hidroxila substituídos por
Dentre os produtos obtidos através de modifica- unidade D-glicopiranosil da cadeia polimérica, e da
E ções químicas de celulose, a carboximetilcelulose distribuição dos grupos carboximetila. Este último fa-
(CMC) é um dos que mais se destaca em função da tor, a distribuição dos grupos carboximetila ao longo
N sua importância econômica como agente espessante e das cadeias, influencia fortemente suas propriedades,
pela variedade de aplicações[1,2]. Carboximetilcelulose o comportamento reológico de suas soluções e a
T é um derivado hidrossolúvel obtido industrialmente a abrangência de sua aplicações. Os produtos industrial-
partir da reação em suspensão (“slurry process”) de mente importantes apresentam graus médios de substi-
Í celulose, hidróxido de sódio e ácido monocloroacético. tuição inseridos em uma faixa relativamente restrita
Este derivado é, em geral, preparado e utilizado na (0,5 < GS < 1,5) e, considerando que são obtidos por
F forma sódica (CMCNa) que, uma vez dissolvido em reação heterogênea, a distribuição dos substituintes in-
I água, apresenta as características típicas de poliele-
trólitos. Suas propriedades e aplicações dependem,
seridos nas cadeias de celulose depende da acessibili-
dade dos reagentes aos sítios reativos da macromolécula,
C essencialmente, da viscosidade de suas soluções aquo- sendo uma característica de difícil controle.

O José Cláudio Caraschi e Sérgio P. Campana Filho, USP, Instituto de Química de São Carlos, C.P. 780; CEP: 13560-970 , São Carlos/SP , E-mail:
scampana @iqsc.sc.usp.br

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HOH2C * OH2C HOH2C HOH2C
O O O O
HO OH HO OH HO OH HO OH
HO HO *O HO
OH OH OH *O

*OH2C HOH2C * OH2C * OH2C


O O O O
HO OH HO OH HO OH HO OH
*O *O HO *O
OH *O *O *O

Figura 1. Estruturas das oito possíveis unidades repetitivas presentes nas cadeias de carboximetilcelulose e correspondentes a introdução de até três
grupos carboximetila por resíduo de glicose. O símbolo (* * ) identifica as posições em que o grupo - CH2COO-Na+ (ou - CH2COOH) foi introduzido.

De modo geral, as amostras de carboximetil- dentes e são analisadas quanto a constantes intrínse-
celulose obtidas através da reação heterogênea são cas de acidez.
constituídas por cadeias que podem conter até oito Com os objetivos de avaliar a ocorrência de dis-
unidades repetitivas diferentes (Figura 1). tribuições uniformes de substituintes em carboxi-
A preparação de CMC por reação heterogênea de metilcelulose e sua influência sobre as propriedades
carboximetilação de celulose resulta em produtos cuja do polímero, este trabalho também emprega o mode-
distribuição de substituintes ocorre em blocos, nos lo de Manning[9] para calcular valores de coeficientes
quais os grupos carboximetila são mais freqüentes de transporte das cadeias poliméricas e compara es-
nas posições 2 e 6 dos resíduos de glicopiranose[3-6]. sas previsões com os valores determinados experi-
Por outro lado, distribuições mais uniformes de mentalmente através de titulações condutimétricas.
substituintes são obtidas através da carboximetilação
em meio homogêneo[3,7], por reação heterogênea à
Experimental
medida que GS aumenta[3,4], e perfeitamente regula-
res quando a cadeia celulósica é completamente subs-
Obtenção e purificação das amostras de
tituída (GS = 3).
carboximetilcelulose
Apenas nesse último caso soluções molecularmente
dispersas de derivados de celulose podem ser obtidas As amostras de carboximetilcelulose foram pre-
sendo que, incluso o caso de CMC de baixo grau de paradas em meio heterogêneo pelo processo em sus-
substituição (GS <1) dispersa em meio aquoso[6], amos- pensão de isopropanol/água, empregando a polpa
tras parcialmente substituídas levam à formação de es- branqueada soda/AQ de fibras pré-hidrolisadas de
truturas agregadas ou autoassociadas[6,8]. bagaço de cana-de-açúcar como fonte de celulose[10,11].
Assim, a distribuição de substituintes ao longo Os sítios reativos nas unidades de glicopiranose são
das cadeias poliméricas e a presença de agregados as hidroxilas ligadas aos carbonos 2, 3 e 6 (Figura 2).
em solução podem afetar as caracterizações de CMC As purificações das amostras de CMC foram rea-
e influenciar suas propriedades de equilíbrio. lizadas através de procedimento experimental que
Para avaliar a influência do grau médio de substi- consiste em dissolução da amostra em meio aquoso
tuição e da distribuição dos substituintes carboximetila contendo excesso de NaCl, filtração da solução re-
sobre as propriedades de CMC, as amostras deste tra- sultante e adição de etanol absoluto até precipitação,
balho são caracterizadas quanto a graus médios de seguida de lavagens com misturas etanol/água para
substituição determinados por duas técnicas indepen- eliminação de excesso de sal. Após a execução dessa

(6) (6)
CH2OH O ClCH2COOH CH2OR O
(4) (1) O (4) (2) (1) O
(2) NaOH (5)
(5)
O (3) OH O (3) OR
HO RO

Figura 2. Representação esquemática da introdução do grupo carboximetila no anel de glicopiranose, com R = H ou CH2COO-Na+.

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etapa, amostras purificadas na forma sódica (CMCNa) 162E
GS = (2)
foram obtidas como pós brancos que são fácil e com- P − 80E
pletamente dispersos em meio aquoso[10].
onde: P = massa em gramas de amostra de CMC ;
E = número de equivalentes de base utilizada em
Caracterizações equivalentes/L.
As amostras purificadas de carboximetilcelulose A partir das curvas de titulações condutimétricas
foram caracterizadas quanto a graus médios de subs- das amostras de carboximetilcelulose na forma ácida
tituição (GS), coeficientes de transporte (f) e cons- com LiOH e KOH, os coeficientes de transporte (fexp.)
tantes de acidez intrínseca (pk0), conforme descrito a foram calculados pela expressão abaixo:
seguir.
(σ K + − σ Li + ) eq10 −3
fexp = (3)
C P ( λ K + − λ Li + )
Graus de substituição, coeficientes de transporte
e constantes de acidez
onde: σeq = condutância (Ω-1cm2) da solução no ponto
Os graus médios de substituição (GS) das amos- de equivalência, o subíndice (K+ ou Li+) indicando o
tras de CMC foram determinados por espectroscopia cátion metálico presente na base utilizada na titulação;
de ressonância magnética nuclear do próton[12] e por CP = concentração (eq/L) da solução de carboximetil-
titulações condutimétricas e potenciométricas[13]. celulose na forma ácida; λ = condutância equivalente
No primeiro caso, após hidrólise da amostra em (Ω-1cm2eq-1) do contra-íon, o subíndice indicando o
D2O/D2SO4 (2:1 v/v), ácido acético glacial foi adici- contra-íon metálico presente na base utilizada na
onado como referência interna e uma alíquota foi titulação.
transferida para o tubo adequado à aquisição do es- O modelo de Manning[9] foi empregado para os
pectro em equipamento Brucker 200. Os valores de cálculos de coeficientes de transporte (fManning) atra-
graus de substituição foram obtidos através da razão vés das expressões abaixo, válidas para soluções di-
entre as integrais dos prótons metilênicos dos grupos luídas de polieletrólitos em presença de contra-íons
carboximetila e as integrais dos prótons pertencentes monovalentes:
ao anel da unidade β-D-glicopiranosil ligados aos car-
0,55λ2
bonos C2, C3, C4, C5 e C6 (Figura 2), empregando a para λ < 1 vem: fManning = 1 − (4)
seguinte expressão: λ + 3,14
a
( GS ) = 2 (1)
b para λ > 1 vem: fManning = 0,87 (5)
6 λ
onde: a = integral referente aos prótons metilênicos Nas expressões acima, λ é a densidade linear de
da carboximetila (3,8ppm < δ < 4,3ppm); b = integral carga definida por Lifson-Katchalsky[14] que, para
referente aos 6 prótons ligados ao anel da unidade carboximetilcelulose, pode ser expressa por:
β-D-glicopiranosil (2,8< δ < 3,8 ppm).
α GS e 2
As titulações condutimétricas e potenciométricas λ= (6)
das soluções de CMC com bases fortes foram reali- b DkT
zadas após a conversão das amostras de CMC em
onde: α = grau de dissociação; GS/b = número de gru-
suas respectivas formas ácidas por passagem em co-
pos iônicos por unidade de comprimento; e = carga do
luna de troca de cátions Amberlite IR-120H, condi-
elétron; D = constante dielétrica do meio; k = constante
cionada na forma ácida. As amostras de CMCNa
de Boltzman; T = temperatura absoluta.
foram dissolvidas em água deionizada após 18 ho-
Considerando que CMCNa dissolvido em água a
ras de agitação a temperatura ambiente, as concen-
25°C está totalmente dissociado (α→1), e substituin-
trações finais das soluções de CMCH empregadas
do o valor de b na expressão (6) pelo comprimento
nas titulações foram de aproximadamente 1g/L e os
da unidade repetitiva (b = 5,15 Angstrons), vem[15]:
valores de GS foram calculados a partir da seguinte
expressão: λ = 1,38GS (7)

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6,0
A partir das curvas das titulações de CMC na for-
5,8
ma ácida (CMCH) com solução padronizada de NaOH,
5,6
as constantes aparentes de acidez das amostras (pkap)
são determinadas para cada etapa da neutralização 5,4

através da expressão abaixo: 5,2

5,0

ap
pkap = pH + log 1 − α

p k
(8) 4,8
α
4,6
Nessa expressão, α corresponde ao grau total de 4,4
dissociação do polieletrólito, considerando também a 4,2
sua autodissociação a cada incremento de pH, tal que: 4,0

α = αN + αH (9) 3,8
0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9
onde: αN = grau de neutralização do polieletrólito; α
α H = [H + ] / C p = grau de autodissociação do Figura 3. Curvas de constante aparente de acidez (pka) versus grau total
de dissociação (α) para as amostras de CMC: A (n); B (l); C (s); D (t);
polieletrólito; Cp = concentração do polieletrólito em E (u); F (+).
eq/L.
Os valores de constantes intrínsecas de acidez (pk0) correspondentes a amostras menos substituídas (cur-
são determinados a partir das curvas de pkap versus vas contínuas) e mais substituídas (curvas tracejadas).
α, construídas através do emprego da expressão (8), Nas amostras menos substituídas, pkap aumenta li-
por extrapolação à situação em que o primeiro grupo nearmente com o aumento do grau de dissociação do
carboxílico está dissociado (α → 0). polieletrólito, o que sugere que os grupos acessíveis ao
titulante estão relativamente distantes e regularmente
espaçados. Tal possibilidade é sugerida pelas diferen-
Resultados e Discussões
ças entre GStit e GSrmn (Tabela 1), indicativas da pre-
sença de agregados, que tornam alguns grupos
Constantes de acidez, graus médios de substituição e
carboxílicos indetectáveis por titulação, e cuja forma-
distribuição de substituintes
ção é favorecida pela ocorrência de um padrão de subs-
Diferentemente do que ocorre com ácidos fracos tituição em blocos[8] semelhante ao proposto acima.
comuns, como ácido acético, as curvas de titulação As curvas das amostras mais substituídas podem
de poliácidos fracos, como CMCH, não apresentam a ser subdivididas em dois segmentos lineares com in-
típica região tampão. clinações diferentes. No segundo ramo dessas cur-
No caso de CMCH, à medida que a cadeia vas (α > 0,6), embora as variações de pkap com o
polimérica vai portando progressivamente mais car- aumento de α sejam menores, a extrapolação desses
gas negativas devido à reação de neutralização, ener- segmentos de retas para a determinação dos valores
gia adicional vai sendo necessária para separar os de pk0 (α → 0), leva à conclusão que os grupos
prótons remanescentes dos grupos iônicos da cadeia. carboxílicos remanescentes são mais difíceis de se-
Disso resulta que a constante aparente de acidez (pkap) rem dissociados (4,3 < pk0 < 4,7).
aumenta com a dissociação do poliácido (Figura 3). A extrapolação dos segmentos de retas do pri-
Esse efeito, decorrente da natureza polieletrolítica e meiro ramo (α < 0,6) das curvas das amostras mais
independente do grau de polimerização, pode ser afe- substituídas leva à conclusão que os primeiros 3/5
tado pela densidade e pela distribuição de cargas nas dos seus grupos carboxílicos também são menos áci-
cadeias[16]. dos (pk0 ≅ 3,65) que os correspondentes das amostras
O ajuste polinomial dos pontos experimentais re- menos substituídas (3,0 < pk0 < 3,2).
sulta em valores de pk0 (Tabela 1) que são semelhan- Nessa comparação entre os dois grupos de amos-
tes a outros descritos na literatura[15,17]. Entretanto, tras, resulta aparente que o aumento do número de
embora os valores de pk0 sejam muito próximos en- grupos carboximetila é responsável pelo aumento de
tre si, ou seja, um efeito ligado à densidade de carga pk0, mas outros resultados sugerem que a distribui-
não é claramente observado, dois tipos distintos de ção desses grupos também pode ter um papel muito
comportamentos podem ser identificados (Figura 3), importante.

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Tabela 1. Valores médios de graus de substituição (GS) e de constantes
intrínsecas de acidez (pk0) das amostras de carboximetilcelulose. amostras são previamente hidrolisadas e todas as uni-
dades das cadeias de CMC sujeitas à análise
Amostras [GSRMN](a) [GSTIT](b) [pk0](c)
espectroscópica, sem qualquer interferência ligada ao
A () 0,82 0,67 3,07
caráter macromolecular e ao comportamento associa-
B () 0,87 0,72 3,10 tivo do polímero e, assim, os seus valores de GS são
C ( ) 1,00 0,89 3,02 maiores.
D ( ) 1,46 1,28 3,19 Por outro lado, o tratamento para converter
E () 1,65 1,54 3,35 CMCNa (forma sódica) em sua forma ácida (CMCH),
F (+) 1,78 1,71 3,20 que é realizado antes das titulações potenciométricas
a) valores médios obtidos através de duas determinações independentes e condutimétricas, pode favorecer a agregação
empregando espectroscopia 1H rmn; b) valores médios obtidos de macromolecular em solução.
titulações independentes com soluções aquosas de NaOH, LiOH e KOH;
c) valores determinados pela extrapolação das curvas da Figura 1, sendo
Evidência nesse sentido foi relatada em estudo re-
as amostras identificadas pelos símbolos da primeira coluna da tabela. cente sobre a distribuição de substituintes, no qual a
lactonização envolvendo grupos carboxila e hidroxila
Assim, as determinações de composição e análi- de CMC (0,76 < GS < 2,24) foi observada após o trata-
ses de 1H rmn revelam que o número de unidades mento para conversão das amostras à forma ácida, re-
repetitivas dicarboximetiladas e tricarboximetiladas sultando em efetivo intercruzamento[5]. Além disso,
aumenta exponencialmente com o aumento do grau amostras de CMC com GS < 1,0, preparadas na presen-
de substituição no intervalo considerado[3,4], e que as ça de excesso de ácido monocloroacético, são substan-
posições 2 e 6 do anel glicopiranosídico são mais cialmente insolúveis em meio aquoso neutro, o que pode
favorecidas para substituição[3,4,18]. ser atribuído à ocorrência de interações, por ligações de
Tal padrão de substituição, em que a proximida- hidrogênio ou de intercruzamentos covalentes, envol-
de entre grupos substituintes é maior, pode facilitar vendo os grupos hidroxila e carboximetila de CMCH[20].
as interações entre grupos carboxílicos de unidades A conversão dos grupos carboxilato às suas formas áci-
adjacentes e dificultar a sua dissociação, o que justi- das resulta em considerável diminuição da densidade
ficaria as diferenças observadas entre amostras mais linear de carga das cadeias macromoleculares na solu-
e menos substituídas de CMC deste trabalho. ção aquosa diluída (pH≅3,0) obtida após o tratamento.
De fato, a dissociação de poliácidos dicarboxílicos, De fato, a partir dos valores de pk0 das amostras de
tais como poli(ácido fumárico) e poli(ácido maleíco), CMC (Tabela 1), pode ser estimado que, em todos os
parece ser um processo em duas etapas em que gru- casos, no máximo 50% dos grupos carboxílicos estão
pos com diferentes constantes de acidez são ionizados em solução aquosa diluída de pH≅3,0. Nessa
ionizados[19]. Nesses casos, a proximidade entre gru- situação o enovelamento das cadeias poliméricas e tam-
pos carboximetila é maior e o efeito de suas interações bém a ocorrência de agregação são mais acentuadamen-
sobre pk0 são mais importantes. te favorecidos nos casos das amostras menos substituídas,
A comparação entre os valores médios de graus pois interações repulsivas de natureza eletrostática, que
de substituição determinados por espectroscopia de contribuem para a expansão das cadeias, são menos im-
ressonância magnética nuclear e através de titulações, portantes nesses casos. Nas amostras mais substituídas
também revela diferenças entre as amostras mais e a densidade de carga é maior e, na mesma situação dis-
menos substituídas. cutida acima (pH≅3,0), as interações eletrostáticas são
Para as amostras menos substituídas o emprego de mais importantes, contribuindo para expandir o novelo
1
H rmn resulta em valores de GS até 20% maiores que polimérico e, por conseqüência, desfavorecendo proces-
os determinados por titulações. Por outro lado, a con- sos associativos.
cordância entre os valores determinados pelas duas téc- À medida que mais cargas vão sendo introduzidas
nicas é melhor quanto maior o valor de GS (Tabela 1). nas cadeias de celulose, como ocorre na preparação
Este padrão já foi descrito na literatura e sua ocor- de amostras mais substituídas de CMC, os efeitos
rência atribuída a processos de agregação, mais favo- eletrostáticos se tornam mais importantes, os proces-
recidos no caso das amostras menos substituídas, que sos de agregação são menos favorecidos e o efeito do
afetam as titulações, mas não as determinações caráter macromolecular e do comportamento
espectroscópicas de GS [12]. associativo do polímero sobre as determinações de
De fato, nas determinações de GS por 1H rmn as GS por titulações é paulatinamente reduzido.

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1,0
De fato, é atualmente reconhecido que algumas
das principais premissas do modelo de Manning não
0,8
são aplicáveis a polieletrólitos em um amplo interva-
lo de densidade linear de carga e, além disso, sua
aplicação fornece previsões mais coerentes quando
fmanning

0,6 macromoléculas rígidas são consideradas[21].


Dentre as considerações questionáveis do mode-
lo de Manning, as seguintes são as mais importantes:
0,4 i) o potencial eletrostático médio, adotado para des-
crever a distribuição de contra-íons em torno do
polieletrólito, não leva em conta a flutuação des-
0,2 ses contra-íons e seu efeito sobre as proprieda-
1 2 3 4
λ = 1,38 x GS
des conformacionais das cadeias poliméricas;
Figura 4. Variação do coeficiente de transporte (fManning) de CMC em ii) a simetria esférica do potencial eletrostático,
função do seu grau médio de substituição (GS) segundo o modelo de como é proposto através da abordagem de Debye-
Manning. Valores experimentais determinados por titulações (GStit: l) e Hückel aplicada a eletrólitos de baixa massa mo-
por espectroscopia 1H rmn (GSrmn: n).
lar e estendida para polieletrólitos, não é
A aplicação do modelo de Manning[9] para calcu- adequada para descrever as vizinhanças de ca-
lar os coeficientes de transporte (fmanning) em função deias poliméricas carregadas, a não ser as sufi-
da densidade linear de carga das cadeias de cientemente rígidas;
carboximetilcelulose permite prever que, à medida iii ) a aproximação linearizada da equação de
que cadeias mais substituídas são consideradas, seus Poisson-Boltzman, adotada para descrever o po-
valores são paulatinamente menores até que o valor tencial eletrostático em torno do polieletrólito,
limite (fManning = 0,21) é atingido quando GS = 3,0. subestima a intensidade do campo potencial a
A comparação entre as previsões de Manning e os que estão sujeitos os contra-íons, mesmo nos
valores experimentais de coeficientes de transporte de- casos de cadeias pouco carregadas no limite de
terminados por titulações condutimétricas não apresen- diluição infinita.
tam boa concordância, sejam os valores correspondentes Especificamente no que diz respeito às previsões
de densidade linear de carga (λ) calculados a partir dos de Manning para as propriedades de equilíbrio de
graus de substituição determinados por titulação (GStit) carboximetilcelulose preparada por reação heterogê-
ou por espectroscopia 1H rmn (GSrmn) (Figura 4). nea, uma limitação adicional do modelo empregado
Essa comparação sugere que as distribuições de pode ser identificada, o que restringe ainda mais sua
substituintes não são uniformes em nenhum dos dois aplicação a esse sistema.
casos, mas também que as amostras menos substituí- Esta limitação está ligada ao fato que tal modelo
das de CMC são mais homogeneamente carboxime- não considera a ocorrência de interações entre cargas
tiladas do que as mais substituídas. cada vez mais próximas ao longo das cadeias (na mes-
Nos casos das amostras menos substituídas não ma unidade repetitiva e em unidades adjacentes) e a
há uma variação coerente do coeficiente de transpor- influência que têm sobre as propriedades do polieletrólito.
te com o grau médio de substituição, mas os valores
experimentais e previstos são mais próximos. Por
outro lado, os valores de coeficientes de transporte Conclusões
experimentais e calculados das amostras com GS > 1,0
são menos semelhantes. Entretanto, a tendência de A ocorrência de processos associativos, que levam
decréscimo do coeficiente de transporte com o au- à formação de agregados mais ou menos estáveis, pode
mento de GS, como teoricamente previsto, é obede- justificar os desacordos entre os valores de graus de
cida. substituição de CMC determinados através de titulações
O desacordo quantitativo entre os valores previs- e por espectroscopia 1H rmn, e explicar as diferenças
tos e os resultados experimentais pode ser em parte entre amostras mais e menos substituídas.
atribuído à natureza associativa do polímero mas tam- A estabilidade dos agregados formados depende
bém à inadequação do modelo. da natureza associativa das interações dos grupos en-

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volvidos (-COOH e -OH), de sua distribuição e de Doutorado concedida a José Cláudio Caraschi e à
seu número, da taxa com que essas interações são FAPESP pelo apoio financeiro outorgado durante a
quebradas e reconstituídas e, certamente, das realização deste trabalho.
repulsões entre grupos carregados (-COO(-)).
No caso das amostras de CMC pouco substituí-
das, devido ao pequeno número de grupos substi- Referências bibliográficas
tuintes, pode ser concluído que as interações
eletrostáticas repulsivas são minimizadas e que a con- 1. Juste, K.E.; Majewicz, T.G.; “Cellulose ethers”,
formação enovelada das cadeias é favorecida, propi- in: Encyclopedia of Polymer Science and
ciando muitas interações associativas que são Engineering 2.ed., v.3, p.226-269; Kroschwitz,
quebradas e reconstituídas rapidamente nos microdo- J. I. ed.; New York, John Wiley & Sons (1985).
mínios em que ocorrem. A ocorrência desses
2. Yalpani, M.; “ Polysaccharides Synthesis,
intercruzamentos reversíveis aumenta a atração efeti-
Modifications and Structure/Property Relations”,,
va entre segmentos poliméricos, reduzindo sua afini-
cap.1, p.1-7; Amsterdam, Elsevier (1988).
dade pelo solvente e favorecendo a agregação[8].
Assim, a distribuição em blocos curtos, pouco nu- 3. Heinze, T.; Erler, U.; Nehls, I.; Klemm, D.; Ang.
merosos e relativamente espaçados de grupos carboxi- Makromol. Chem. 215, p. 93-106 (1994).
metila ao longo das cadeias dessas amostras menos
substituídas, como discutido, deve ser um fator muito 4. Caraschi, J.C.; Rocha, G.J.M.; Campana Filho,
importante para estabilizar tais interações associativas. S.P.; “Determination of the substituent pattern
Para as amostras mais substituídas, o padrão de subs- of carboxymethylcellulose by using high-
tituição também corresponde a blocos de grupos performance liquid chromatography ”, in :
carboximetilas que, no entanto, vão se tornando mais Proceedings of the Fifth Brazilian Symposium
longos e menos espaçados à medida que GS aumen- on the Chemistry of Lignins and Other Wood
ta[3,4,12]. Nesses casos um efeito de volume excluído Components, p. 99-106, Curitiba – PR, ago/set
eletrostático, devido à presença de mais grupos iônicos (1997).
ao longo das cadeias, contribui para que uma conforma- 5. Tezuka, Y.; Tsuchiya,Y.; Shiomi, T.; Carbohydr.
ção mais estendida seja adotada, o que desfavorece a Res. 291, 99-108 (1996).
ocorrência de interações associativas e a estabilidade
dos agregados formados. Assim, embora as cadeias 6. Schulz, L.; Burchard, W.; Dönges, R.; “Evidence
poliméricas das amostras mais substituídas de CMC con- of supramolecular structures of cellulose deriva-
servem parte de sua capacidade de interagir associati- tives in solution”, in: Cellulose Derivatives:
vamente, as estruturas agregadas são menos estabilizadas modification, characterization, and nanostruc-
e, portanto, mais facilmente dissociadas. Devido ao tures, cap.16, p.218-238; Thomas J. Heinze &
menor grau de agregação em solução, as determinações Wolfang G. Glasser (eds.); American Chemical
de GS por titulações e através de espectroscopia 1H rmn Society , Washington (1996).
dessas amostras apresentam melhor concordância que 7. Liebert, T.; Heinze, T.; “Induced phase separation:
nos casos das amostras menos substituídas. a new synthesis concept in cellulose chemistry”,
De maneira geral, as limitações do modelo de in : Cellulose Derivatives: modification,
Manning e o fenômeno de agregação/associação de characterization, and nanostructures, cap.4,
cadeias de CMC podem ser os fatores responsáveis p.61-72; Thomas J. Heinze & Wolfang G.
pelas discordâncias entre os resultados experimentais Glasser eds.; American Chemical Society , Wa-
obtidos com diferentes métodos analíticos e também shington (1996).
pelo desacordo entre as previsões teóricas e os valo-
res experimentais de coeficientes de transporte. 8. Rubinstein, M.; Dobrynin, A.V.; TRIP 5, p.181
(1997).
9. Manning, G.S.; J. Chem. Phys. 51, p. 924 (1969).
Agradecimentos
10. Caraschi, J.C. – “Estudo das relações estrutura/
Os autores agradecem ao CNPq pela bolsa de propriedades de carboximetilcelulose obtida por

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derivatização de polpa de bagaço de cana-de- 16. Milas, M.; “Polieletrólitos”, p.42-45; R.A.M.C.
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