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R
Influência do Grau de Substituição e da Distribuição
T
de Substituintes Sobre as Propriedades de Equilíbrio
I
G de Carboximetilcelulose em Solução Aquosa
O
José Cláudio Caraschi e Sérgio P. Campana Filho
T Resumo:: Amostras de carboximetilcelulose foram preparadas por reação heterogênea de polpa soda/antraquinona
É obtida de fibras pré-hidrolisadas de bagaço de cana-de-açúcar. As amostras com os menores graus de substi-
tuição (GS < 1,0) e as mais substituídas (GS > 1,0) apresentaram comportamentos diferentes quanto a: i)
C variação de constante aparente de acidez (pkap) com o grau de dissociação; ii) concordância entre os valores de
GS determinados por titulações e por espectroscopia 1H rmn e iii) concordância entre os valores experimentais
N de coeficientes de transporte e os previstos pelo modelo de Manning. Todas as amostras apresentaram um
padrão de substituição em blocos que, nas amostras menos substituídas são curtos e espaçados, favorecendo
I interações associativas que levam à agregação. Efeitos de volume excluído eletrostático, mais importantes nas
amostras mais substituídas, inibem a agregação e explicam o comportamento observado nesses casos.
C
O Palavras-chave:: Carboximetilcelulose, grau de substituição, constante de acidez, coeficiente de transporte
C
Introdução sas, do grau médio de substituição (GS), definido como
I o número médio de grupos hidroxila substituídos por
Dentre os produtos obtidos através de modifica- unidade D-glicopiranosil da cadeia polimérica, e da
E ções químicas de celulose, a carboximetilcelulose distribuição dos grupos carboximetila. Este último fa-
(CMC) é um dos que mais se destaca em função da tor, a distribuição dos grupos carboximetila ao longo
N sua importância econômica como agente espessante e das cadeias, influencia fortemente suas propriedades,
pela variedade de aplicações[1,2]. Carboximetilcelulose o comportamento reológico de suas soluções e a
T é um derivado hidrossolúvel obtido industrialmente a abrangência de sua aplicações. Os produtos industrial-
partir da reação em suspensão (“slurry process”) de mente importantes apresentam graus médios de substi-
Í celulose, hidróxido de sódio e ácido monocloroacético. tuição inseridos em uma faixa relativamente restrita
Este derivado é, em geral, preparado e utilizado na (0,5 < GS < 1,5) e, considerando que são obtidos por
F forma sódica (CMCNa) que, uma vez dissolvido em reação heterogênea, a distribuição dos substituintes in-
I água, apresenta as características típicas de poliele-
trólitos. Suas propriedades e aplicações dependem,
seridos nas cadeias de celulose depende da acessibili-
dade dos reagentes aos sítios reativos da macromolécula,
C essencialmente, da viscosidade de suas soluções aquo- sendo uma característica de difícil controle.
O José Cláudio Caraschi e Sérgio P. Campana Filho, USP, Instituto de Química de São Carlos, C.P. 780; CEP: 13560-970 , São Carlos/SP , E-mail:
scampana @iqsc.sc.usp.br
Figura 1. Estruturas das oito possíveis unidades repetitivas presentes nas cadeias de carboximetilcelulose e correspondentes a introdução de até três
grupos carboximetila por resíduo de glicose. O símbolo (* * ) identifica as posições em que o grupo - CH2COO-Na+ (ou - CH2COOH) foi introduzido.
De modo geral, as amostras de carboximetil- dentes e são analisadas quanto a constantes intrínse-
celulose obtidas através da reação heterogênea são cas de acidez.
constituídas por cadeias que podem conter até oito Com os objetivos de avaliar a ocorrência de dis-
unidades repetitivas diferentes (Figura 1). tribuições uniformes de substituintes em carboxi-
A preparação de CMC por reação heterogênea de metilcelulose e sua influência sobre as propriedades
carboximetilação de celulose resulta em produtos cuja do polímero, este trabalho também emprega o mode-
distribuição de substituintes ocorre em blocos, nos lo de Manning[9] para calcular valores de coeficientes
quais os grupos carboximetila são mais freqüentes de transporte das cadeias poliméricas e compara es-
nas posições 2 e 6 dos resíduos de glicopiranose[3-6]. sas previsões com os valores determinados experi-
Por outro lado, distribuições mais uniformes de mentalmente através de titulações condutimétricas.
substituintes são obtidas através da carboximetilação
em meio homogêneo[3,7], por reação heterogênea à
Experimental
medida que GS aumenta[3,4], e perfeitamente regula-
res quando a cadeia celulósica é completamente subs-
Obtenção e purificação das amostras de
tituída (GS = 3).
carboximetilcelulose
Apenas nesse último caso soluções molecularmente
dispersas de derivados de celulose podem ser obtidas As amostras de carboximetilcelulose foram pre-
sendo que, incluso o caso de CMC de baixo grau de paradas em meio heterogêneo pelo processo em sus-
substituição (GS <1) dispersa em meio aquoso[6], amos- pensão de isopropanol/água, empregando a polpa
tras parcialmente substituídas levam à formação de es- branqueada soda/AQ de fibras pré-hidrolisadas de
truturas agregadas ou autoassociadas[6,8]. bagaço de cana-de-açúcar como fonte de celulose[10,11].
Assim, a distribuição de substituintes ao longo Os sítios reativos nas unidades de glicopiranose são
das cadeias poliméricas e a presença de agregados as hidroxilas ligadas aos carbonos 2, 3 e 6 (Figura 2).
em solução podem afetar as caracterizações de CMC As purificações das amostras de CMC foram rea-
e influenciar suas propriedades de equilíbrio. lizadas através de procedimento experimental que
Para avaliar a influência do grau médio de substi- consiste em dissolução da amostra em meio aquoso
tuição e da distribuição dos substituintes carboximetila contendo excesso de NaCl, filtração da solução re-
sobre as propriedades de CMC, as amostras deste tra- sultante e adição de etanol absoluto até precipitação,
balho são caracterizadas quanto a graus médios de seguida de lavagens com misturas etanol/água para
substituição determinados por duas técnicas indepen- eliminação de excesso de sal. Após a execução dessa
(6) (6)
CH2OH O ClCH2COOH CH2OR O
(4) (1) O (4) (2) (1) O
(2) NaOH (5)
(5)
O (3) OH O (3) OR
HO RO
Figura 2. Representação esquemática da introdução do grupo carboximetila no anel de glicopiranose, com R = H ou CH2COO-Na+.
5,0
ap
pkap = pH + log 1 − α
p k
(8) 4,8
α
4,6
Nessa expressão, α corresponde ao grau total de 4,4
dissociação do polieletrólito, considerando também a 4,2
sua autodissociação a cada incremento de pH, tal que: 4,0
α = αN + αH (9) 3,8
0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9
onde: αN = grau de neutralização do polieletrólito; α
α H = [H + ] / C p = grau de autodissociação do Figura 3. Curvas de constante aparente de acidez (pka) versus grau total
de dissociação (α) para as amostras de CMC: A (n); B (l); C (s); D (t);
polieletrólito; Cp = concentração do polieletrólito em E (u); F (+).
eq/L.
Os valores de constantes intrínsecas de acidez (pk0) correspondentes a amostras menos substituídas (cur-
são determinados a partir das curvas de pkap versus vas contínuas) e mais substituídas (curvas tracejadas).
α, construídas através do emprego da expressão (8), Nas amostras menos substituídas, pkap aumenta li-
por extrapolação à situação em que o primeiro grupo nearmente com o aumento do grau de dissociação do
carboxílico está dissociado (α → 0). polieletrólito, o que sugere que os grupos acessíveis ao
titulante estão relativamente distantes e regularmente
espaçados. Tal possibilidade é sugerida pelas diferen-
Resultados e Discussões
ças entre GStit e GSrmn (Tabela 1), indicativas da pre-
sença de agregados, que tornam alguns grupos
Constantes de acidez, graus médios de substituição e
carboxílicos indetectáveis por titulação, e cuja forma-
distribuição de substituintes
ção é favorecida pela ocorrência de um padrão de subs-
Diferentemente do que ocorre com ácidos fracos tituição em blocos[8] semelhante ao proposto acima.
comuns, como ácido acético, as curvas de titulação As curvas das amostras mais substituídas podem
de poliácidos fracos, como CMCH, não apresentam a ser subdivididas em dois segmentos lineares com in-
típica região tampão. clinações diferentes. No segundo ramo dessas cur-
No caso de CMCH, à medida que a cadeia vas (α > 0,6), embora as variações de pkap com o
polimérica vai portando progressivamente mais car- aumento de α sejam menores, a extrapolação desses
gas negativas devido à reação de neutralização, ener- segmentos de retas para a determinação dos valores
gia adicional vai sendo necessária para separar os de pk0 (α → 0), leva à conclusão que os grupos
prótons remanescentes dos grupos iônicos da cadeia. carboxílicos remanescentes são mais difíceis de se-
Disso resulta que a constante aparente de acidez (pkap) rem dissociados (4,3 < pk0 < 4,7).
aumenta com a dissociação do poliácido (Figura 3). A extrapolação dos segmentos de retas do pri-
Esse efeito, decorrente da natureza polieletrolítica e meiro ramo (α < 0,6) das curvas das amostras mais
independente do grau de polimerização, pode ser afe- substituídas leva à conclusão que os primeiros 3/5
tado pela densidade e pela distribuição de cargas nas dos seus grupos carboxílicos também são menos áci-
cadeias[16]. dos (pk0 ≅ 3,65) que os correspondentes das amostras
O ajuste polinomial dos pontos experimentais re- menos substituídas (3,0 < pk0 < 3,2).
sulta em valores de pk0 (Tabela 1) que são semelhan- Nessa comparação entre os dois grupos de amos-
tes a outros descritos na literatura[15,17]. Entretanto, tras, resulta aparente que o aumento do número de
embora os valores de pk0 sejam muito próximos en- grupos carboximetila é responsável pelo aumento de
tre si, ou seja, um efeito ligado à densidade de carga pk0, mas outros resultados sugerem que a distribui-
não é claramente observado, dois tipos distintos de ção desses grupos também pode ter um papel muito
comportamentos podem ser identificados (Figura 3), importante.