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Tema 3: Período Romano


A conquista da Península pelos Romanos
Os romanos tiveram uma longa e muito significativa presença na nossa
península. Devemos cindi-la em duas fases: uma fase de conquista, que
termina em 19 a.C., com o domínio dos territórios cantábricos e ástures; e
uma fase de romanização, quer dizer, de progressivo conhecimentos e
assimilação, pelos povos autóctones, das formas de vida, da cultura e do
direito dos Romanos.
Durante a fase de conquista, aos Romanos a finalidade dupla de subjugar os
povos locais. Na fase de Romanização, os romanos tiveram a preocupação
de fazer participar os habitantes da Península da sua civilização, das suas
instituições políticas e administrativas e do seu direito.
A romanização da Península
Terminada a fase de conquita, iniciou-se a fase de romanização. Os povos
peninsulares permanecessem de todo alheios à cultura e à civilização bem
superiores dos Romanos.
A romanização metódica e intensiva só principiou depois de plenamente
dominado e pacificado o território cispirenaico. Devemos ressaltar 3
elementos: a assimilação lenta da cultura e da civilização dos Romanos
pelos povos autóctones; a concessão da latinidade aos habitantes da
Península, devida a Vespasiano e a concessão da cidadania romana aos
súbditos do Império em geral, no tempo de Caracala.
 Assimilação lenta da cultura e da civilização dos Romanos pelos
povos autóctones
Tudo o que integrava a cultura e a civilização dos Romanos só
paulatinamente foi absorvido pelos povos peninsulares. Esse processo
verificou-se de uma serie de fatores eu se tornaria difícil enumerar de
maneira exaustiva - ação das legiões romanas, dos funcionários
administrativos e dos colonos, abertura de estradas, superioridade da
técnica romana, desenvolvimento do regime municipal e culto religioso.
 Romanização jurídica
Operou-se mediante as duas providências: a concessão da latinidade e a
concessão da cidadania romana.
o A concessão da latinidade
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Distinção entre cidadãos, latinos e peregrinos – as pessoas


livres classificavam-se, pelo direito romano, em 3 categorias.
O cidadão romano tinha uma capacidade jurídica plena em
face do “ius civile”. Gozavam do direito de contrair
matrimónio e constituir família legitima. Em relação à esfera
publicística, possuía o direito de votar nos comícios e o direito
de ascender às magistraturas do Estado.
Os peregrinos eram habitantes das províncias submetidos ao
domínio romano, que não dispunham de nenhum dos
privilégios acabados de apontar.
Os latinos subdividiram-se em latinos antigos e latinos
junianos. Os latinos antigos eram os primitivos habitantes do
Lácio e os membros de outras cidades equiparadas, em
qualidade, às da velha liga latina. Consideravam-se latinos
coloniais os habitantes das províncias, a quem a latinidade fora
concedida como privilégio.
Tantos os latinos antigos como os latinos coloniais passariam
à categoria de cidadãos romanos quando desempenhassem
certos cargos públicos da terra a que pertenciam.
o Alcance da concessão da latinidade aos povos peninsulares
– as considerações precedentes habilitam a compreender a
importância que teve, como fator de romanização, no campo
do direito, a concessão da latinidade aos povos peninsulares.
o A concessão da cidadania – isolada a indivíduos que
prestavam serviços no exército, ou a cidades inteiras que
tinham ajudado ação política e administrativa de Roma.
Fontes de direito romano relativas à Península
A Península Hispânica e a sua antiga província da Bética, que abrangia a
região ao Sul do rio Guadiana, ou seja, mais ou menos, a Andaluzia, se
revelam bastante ricas em inscrições romanas. Um dos aspetos diz respeito
à organização administrativa da região mineira de Vipasca, seguindo o
modelo comum a todas as minas do fisco imperial, que divergia, em parte,
do regime municipal ordinário. Outro aspeto era ao sistema de concessão
das minas de Vipasca, que não eram exploradas diretamente pelo fisco.
Direito vigente na Península ao tempo das invasões germânicas. O
direito romano vulgar
As instituições jurídicas que vigoraram na Península pelos fins do período
romano. O direito que passou à época subsequente. Os estudos
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monográficos compreendem em virtude da grande falta de fontes


históricas. Existe um conhecimento reduzido do direito romano geral
aplicado à Península e também do direito hispânico.
O sistema jurídico hispânico encontrava-se longe da perfeição do direito
clássico romano. Vigorava o direito romano vulgar, difundiu-se largamente
em Portugal. São muitos os institutos e instituições romanas. No entanto,
poder-se-á invocar a Enfitense, contrato agrário muito utilizado em
Portugal e desmembrava o domínio das propriedades: direta – pertencia ao
senhorio; útil – o agricultor era chamado de enfiteuta.
Período germânico ou visigótico
Razão de ordem
Designa-se por período germânico ou visigótico, em virtude do contributo
de longe mais relevante devido aos Visigodos.
Os germanos antes das invasões
 Assentamento primitivo. Grupos em que se subdividiram
A primeira grande migração produziu-se em direção ao Norte, sendo
ocupada toda a Península da Escandinávia. Os germanos orientais
surgiram de um desmembramento dos germanos do Norte.
Alguns dos referidos grupos étnicos estavam autonomizados antes
das invasões: é o caso dos Visigodos e dos Ostrogodos.
 Cultura, religião e direito
Os germanos progrediram muito sob o aspeto cultural – de modo
particular os que se encontravam junto das fronteiras do Império
Romano, como sucedeu os Visigodos. Já não se apresentavam como
os germanos de costumes rudes e primitivos que César e Tácito
descreveram. O direito romano vulgar oferecia uma estrutura muito
mais evoluída do que o trazido pelos invasores.
As invasões germânicas
 Natureza e causas dominantes
Não foram um processo brusco, mas uma infiltração lenta. A
ocupação do Império Romano pelos Bárbaros fez-se duma maneira
quase insensível e prolongou-se por largo período. As causas que
contribuíram para tal foram os motivos de índole económica, o
caráter guerreiro e aventureiro dos povos germânicos e a própria
decadência económica, institucional e política do Império Romano.
 Formação dos novos Estados germânicos
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A organização política aparece denominada pelos autores latinos de


“civitas”. Os poderes supremos residiam numa assembleia popular,
integrada pelos homens livres da comunidade com capacidade para o
exercício das armas.
 Persistência do direito nos Estados germânicos
Ao principio da personalidade ou da nacionalidade do direito, quer
dizer, à coexistência de sistemas jurídicas diversos dentro do mesmo
território, devendo cada pessoa reger-se pelo direito da sua raça. Este
principio contrapõe-se ao da territorialidade do direito, que consiste
na aplicação de um único ordenamento a todas as pessoas que
habitam o mesmo território.
Fontes de direito dos Estados Germânicos. Documentos de aplicação
do direito
 Fontes do direito
Quanto ao seu modo de formação e relevação, o direito germânico
foi apenas consuetudinário; e, dai em diante, continuou também a sê-
lo predominantemente. As condições organizadas reproduzem, via de
regra, antigos preceitos jurídicos costumeiros, a que poucas
disposições inovadoras se acrescentam. O direito dos Estados
germânicos começa a integrar-se em monumentos escritos, de
conteúdo, extensão e importância muito desiguais. Classificam-se
em 3 categorias: leis populares, leis romanas dos bárbaros e
capitulares.
 Leis populares
 É inexato e pode levar a equívocos. Não constituem autênticas leis,
no sentido técnico-jurídico romano e também moderno, quer dizer,
diplomas destinados a criar preceitos novos e produto de um órgão
dotado de especial competência para o efeito. As leis populares
encontram-se com frequência elaboradas sem qualquer espécie de
ordem ou método e redigidas no latim corrente da época. Consoante
as afinidades que entre si manifestam ou a identidade étnica dos
povos a que dizem respeito.
 Leis romanas dos bárbaros
Pertencem à categoria das “leges romanae barbarorum” as coletâneas
de textos de direito romano organizadas nos Estados germânicos
com finalidades diversas. Ao aludir-se as leis romanas dos bárbaros,
não se pretende tomar partido antecipado sobre o âmbito de
aplicação de tais codificações de direito romano.
 Capitulares
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Eram normas jurídicas avulsas promulgadas pelos reis germânicos.


O seu nome deriva da divisão em capítulos. Constituem autênticos
diplomas legislativos. Quanto ao conteúdo, deve salientar-se que as
capitulares versavam direito público.
Documentos de aplicação do direito. Os formulários e os textos de atos
jurídicos
Os formulários e os textos que contêm atos jurídicos, possuem enorme
significado para a reconstituição do direito vivido.
Os formulários são coletâneos de fórmulas destinadas à celebração de
contratos e outros atos jurídicos. O que mais interessa à história do direito
peninsular é conhecido pela denominação de fórmulas visigóticas. A
respeito de documentos de atos jurídicos concretos observa-se que existem
muito poucos relativos à Península.
Traços gerais da história política da Península desde as invasões
germânicos até à queda do Estado Visigótico
Estabelecimentos, na Península, dos Alanos, Vândalos e Suevos
Constituíam povos inteiros, com todos os seus elementos populacionais, a
sua estrutura, os seus órgãos políticos, e não apenas tropas militares; por
outro lado, irromperam dentro das fronteiras do Império sem indícios de
contatos anteriores com os Romanos. O domínio romano continuou apenas
nas regiões mediterrâneas da Tarraconense e da zona oriental da
Cartaginense, que foram as que menos sofreram consequências da invasão.
O Reino Suevo (409/585). A figura de S. Martinho de Dume na história
sueva
Um facto significativo na vida deste Estado foi a crise de independência
que atravessou nos meados do século V. em 465, os visigodos, vindos da
Gália como aliados dos Romanos, lançaram uma forte ofensiva contra os
Suevos, de que saíram vitoriosos. Só em 576 é que os visigodos levaram a
efeito uma campanha destinada a alargar os seus domínios às regiões
ocupados pelos Suevos. É natural que tenham trazido instituições e
costumes germânicos em estado de maior pureza.
Ocupação da Península pelos Visigodos
Entre os povos germânicos que invadiram a Península, apresenta-se o dos
visigodos como aqueles que maiores contatos havia tido com os Romanos.
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Os visigodos rompem o tratado com os Romanos e efetuaram incursões


pelas zonas orientais do Império e através da Itália.
 Instalação na Gália
As regalias nesse tratado concedidos pelos Romanos aos Visigodos
constituem uma espécie de recompensa pelo facto de terem lutado na
Península.
 Incursões no território peninsular durante o século V
Os Visigodos realizaram frequentes incursões militares nos
territórios da Península Ibérica.
 Estabelecimento definitivo na Península
Os Visigodos iniciaram a ocupação, em larga escala, o território
peninsular. Aproveitou-se a desordem causada pela queda do
Império Romano do Ocidente. Os Visigodos perderam a Gália, salvo
a pequena região de Septimânia e da Provença, pelo que o seu reino
logo passou a confinar-se aos territórios hispânicos.
 O Estado Visigótico na Península
Em 576, o rei Leovigildo lançou uma campanha contra os suevos, que
terminaria, no ano de 585, com a anexação completa dos seus
territórios. A Península ficou visigótica, exceto na zona Sul. Os
visigodos lutaram contra os bizantinos, onde saíram definitivamente da
Península, em 622.
Condições em que os visigodos se instalaram na Península
Oferece manifesto interesse para a história do direito o aspeto politico e
social do estabelecimento dos germanos na Península. A respeito dos
visigodos, não existem indicações diretas relativas à Península. Contudo,
pensa-se que o sistema foi idêntico ao da Gália.
 Repartição de terras entre visigodos e hispano-romanos
Em 418, um “foedus” que disciplinava a instalação dos visigodos na
Gália. O acordo constituía uma retribuição dos Romanos pela ajuda
na luta contra os germanos fixados na Hispânia e era também uma
forma de os visigodos desistirem da ocupação dessa parte do
Império. Os romanos fizeram-no de maneira que estes não ficassem
em zonas isoladas, antes integrados na população galo-romana.
Admite-se que ao lado desse sistema, os visigodos ocupassem
também terras peninsulares na sua totalidade, já sem a observação de
qualquer divisão. Procuram-se vestígios da repartição de terras nos
topónimos derivados de explorações agrícolas eu tiveram a
denominação do seu proprietário romano ou visigodo.
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 Diferenças étnicas e culturais na Península depois da ocupação


visigótica. Seu desaparecimento lento
A instalação dos visigodos na Península levou a que passassem a
existir nela 3 núcleos populacionais com caraterísticas diversas:
Hispano-romanos, suevos e visigodos. A separação apresentava-se
mais marcada entre os hispano-romanos e os visigodos. Para isso
contribuíram as diferenças religiosas, assim como a proibição de
casamentos mistos, quer dizer, de pessoas de uma das raças com as
da outra, na medida em eu esta tenha recebido aplicação efetiva.
Resulta do exposto que se combinaram na Península dois elementos
culturais: o romano e o germânico.
As invasões germânicas não representaram a substituição de uma
civilização por outra muito diferente, mas o simples enxerto de um
elemento novo na romanidade “vulgarizada”. O elemento romano
não ficou, nem de longe, ofuscado pelo elemento germânico, na
contribuição que trouxe para a formação de novo quadro cultural da
Península.
Fontes de direito no período visigótico
Encontra-se superada a conceção que encarava as fontes visigóticas de um
puro ângulo germânico. Entende-se atualmente que essas fontes constituem
um inestimável repositório do chamado direito romano vulgar do Ocidente.
Abstraindo das controvérsias levantadas no âmbito das instituições,
podemos seriar os problemas seguintes: o do elenco das fontes normativas
visigóticas; o do caráter pessoal ou territorial destas; o da persistência de
um antigo direito consuetudinário; e o das fontes jurídico-canónicas.
 Referência sumária às principais fontes de direito do período
visigótico
Sucede com o Código de Eurico e o Código Revisto de Leovigildo.
Estes apresentam conexões entre si. Pode dizer-se que não se
relacionam com a evolução legislativa unicamente baseada nas
fontes que, sem quaisquer dúvidas ou com as maiores
probabilidades, se consideram visigóticas.
o Código de Eurico
Predomina a opinião de que existiram leis promulgadas pelos
monarcas visigodos, são as chamadas leis teodocianas. Esses
diplomas, só conhecidos de modo indireto, disciplinaram
vários aspetos privatísticos, com destaque para a repartição de
terras que resultou do acordo de hospitalidade militar entre
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Visigodos e Romanos. O Código Euriciano constituiu a


primeira coletânea simultânea sistemática de direito visigótico.
Trata-se de uma fonte tradicionalmente enquadrada na
categoria das leis dos bárbaros.
o Breviário de Alarico
Consiste numa seleção de fontes romanas, quer dizer, de
“iura” e de “leges”. A “iura” é integrada por duas obras de
caráter elementar: o Epítome de Gaio e as Sentenças atribuídas
a Paulo, outro notável jurisconsulto da época clássica.
Tem importância a interpretação do Breviário. Na verdade,
sempre que se entendeu necessário, os excertos dos “iura” e
das “leges” foram acompanhados de interpretações.
o Código Revisto de Leovigildo
A denominada Lei de Teudis, que se destinou a reprimir
abusos cometidos na cobrança das custas judiciais. Porém, o
Código Revisto de Leovigildo significa a grande coletânea que
se segue cronologicamente ao Breviário.
o Código Visigótico
Assim surge o Código Visigótico por antonomásia, que recebe
as designações de “Lex Visigothorum Recesvindiana”, “Liber
Iudiciorum”, Liber Iuducim” e “Forum Iudicum”. A sua
promulgação ocorreu em 654. O Código Visigótico teve outras
duas formas: a forma ervigiana, ainda com carácter oficial, de
681, devida ao rei Ervígio; e a forma vulgata, de iniciativa
particular.
Dá-se o nome de forma vulgata do Código Visigótico a um
conjunto de manuscritos de épocas muito diversas, que vão
desde a última fase da dominação visigótica até à Reconquista.
Quanto à natureza intrínseca das suas disposições, o Código
Visigótico pode considerar-se um produto do cruzamento de 3
correntes jurídicas: romana, germânica e canónica. Discute-se
sobre os juristas e legisladores visigodos conheceram e
utilizaram as fontes justinianeias.
O problema da personalidade ou territorialidade da legislação
visigótica
Em diversos Estados germânicos vigorou o principio da personalidade ou
da nacionalidade do direito, o que significa que havia um ordenamento
jurídico para a população germânica e outro para a população romana.
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Oposto é o principio da territorialidade do direito, segundo o qual se aplica


em todo o Estado um único ordenamento jurídico.
 Tese de personalidade
Até aos meados do século XIX, aceitava-se sem grandes dúvidas que
a legislação visigótica tivesse de aplicação territorial. Sustentou, pela
primeira vez, a tese da personalidade. Suposta existência de dois
juízes entre os visigodos: o thiuphadus para julgar as causas em que
interviessem visigodos; e o iudex ou defensor para julgar as questões
dos Romanos.
O código de Eurico e o código de Leovigildo aplicavam-se somente
aos visigodos, ao passo que o Breviário de Alarico se destinava
apenas aos Romanos.
 Tese da territorialidade
Garcia-Gallo ressuscitou com bases cientificas a velha doutrina da
territorialidade. As leis teodoricianas foram de aplicação conjunta à
população goda e romana; o código de Eurico teria sido substituído
pelo Breviário de Alarico. Este cederia o lugar ao Código de
Leovigildo, também revogado, pelo Código de Recesvindo. Garcia-
Gallo apresenta como argumentos: a inexistência de qualquer fonte
narrativa ou disposição legal que, direta ou indiretamente,
testemunhe o principio da personalidade; a revogação do código de
Eurico e a existência de leis territoriais.
 Posição atual do problema
As duas orientações básicas que têm sido apresentadas a respeito da
natureza da legislação visigótica, distinguem-se em dois aspetos: um
deles consiste na territorialidade das várias codificações e leis
avulsas visigóticas; o outro é o da revogação do código de Eurico
pelo Breviário de Alarico e deste pelo código Revisto de Leovigildo.
Foi Paulo Merêa que chamou a atenção para os dois ângulos do
problema e para a possibilidade de harmonizá-los. As suas
conclusões constituem uma terceira posição – uma solução
conciliatória – a que estudos ulteriores acrescentaram novos e
valiosos créditos.
O código de Eurico terá continuado como lei geral. O Breviário
constituiu uma compilação organizada com o objetivo de limitar os
“iura” e as “leges” que podiam invocar-se em juízo.
Direito consuetudinário visigótico
Também se discute a eventual persistência de um antigo direto
consuetudinário visigótico. Seria um sistema efetivamente vivido, com
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diferenças marcadas em relação às normas do direito oficial escrito.


Estamos no domínio das conjeturas de investigação histórica de base
dedutiva. Mesmo que se admita a existência desse direito consuetudinário
germânico, terá de convir-se que no Estado visigótico triunfou o direito
escrito.
 Direito canónico. Os concílios de Toledo
A importância considerável do direito canónico, isto é, das normas
jurídicas próprias da Igreja Católica, no reino visigodo. Esse
ordenamento disciplinava, para além da estrutura da Igreja e dos
assuntos espirituais, certos aspetos seculares da vida dos fiéis.
Vigoravam no Estado Visigótico as normas jurídico-canónicas
comuns a toda a Igreja. Mas possuiu grande significado o direito
canónico nacional. Deve salientar-se a influência que os princípios
canónicos exerceram sobre os instintos jurídicos seculares, no
âmbito do direito público e do direito privado. Existia uma conexão
intima entre a legislação civil e os cânones conciliares.
Ciência do direito e prática jurídica na época visigótica
Ciência do direito. A personalidade e a obra de Santo Isidoro, bispo de
Sevilha
As escolas de direito romano da época pós-clássica parecem ter entrado em
franca decadência depois das invasões. As compilações legislativas
induzem a pressupor a participação de juristas de mérito considerável. O
monarca deveria procurar realizar sempre a justiça cristã. A condição régia
aparecia permanentemente vinculada ao desempenho concreto do próprio
oficio régio. O exercício politico do poder, onde se incluía a administração
pública, elevava-se a critério de existência.
Prática jurídica
Falta de documentos desta época. Os formulários
Resta o recurso aos formulários, isto é, às coletâneas de modelos ou
paradigmas que os notários tinham presentes para a redação dos vários atos
jurídicos. Trata-se de duas fórmulas contidas num códice. Uma delas
refere-se ao juramento das testemunhas, visando provar a inocência do réu.
A outra é a respeito à prova caldária, um dos denominados juízos de Deus
ou ordálios, que consistia: o acusado, na presença de um júri, mergulhava a
mão num recipiente com água a ferver e tirava dele um objeto; a mão era
depois untada e ligada; ao fim de certo nº de dias, o mesmo júri procedia ao
seu exame e, conforme estivesse ou não curada ou em vias de cura,
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considerava-se o acusado inocente ou culpado. O homem medieval era um


homem profundamente religioso, apelava-se a Deus para que desse um
sinal que permitisse a condenação ou absolvição do suspeito.
Fórmulas visigóticas
Dá-se a designação ao conjunto de 46 fórmulas descobertas num códice da
Catedral de Oviedo. Refere-se a atos privados: manumissões, doações,
testamentos, permutas, etc. Merece destaque a fórmula 20, à “morgengabe”
ou dote germânico, que consistia no presente oferecido pelo noivo à noiva,
como retribuição da sua castidade. Corresponde a uma instituição
germânica que não se encontra na legislação visigótica. Quanto à redação e
ao estilo, o formulário analisado baseia-se no sistema documental romano.
Também, pelo que toca ao conteúdo, pode dizer-se que reflete um ambiente
romano e cristão. As influências germânicas mostram-se reduzidas.
Casamentos de juras: é a forma não solene do casamento, também
designada a furto. Carateriza-se pela troca dos recebimentos ou
palavras de presentes, efetuada fora da Igreja e em qualquer lugar,
embora, por via de regra, na presença de testemunhas e, muitas
vezes, na presença de um clérigo que desempenhava funções de
testemunha qualificada ou até as da de um oficial público.
Período do domínio muçulmano e da reconquista cristã
A invasão muçulmana e o seu significado
A quebra da unidade estadual conduzir a uma paralela dualidade jurídica
básica. Os invasores trazem para a Península o direito muçulmano que
continuam a adotar. A desorganização político-administrativa provocada
pela queda do Estado Visigótico faz com que, entre os Cristãos, o
ordenamento jurídico tradicional, baseado no “Liber Iudiciorum”, fique
entregue ao seu próprio destino, sujeito à influência de múltiplos fatores.
Caraterizou-se pelo sincretismo ou combinação de elementos culturais dos
extensos e muito diferentes povos dominados, alguns deles com fortes
influências helénicas e romanas.
Breve nótula sobre a política dos Muçulmanos na Península
Os muçulmanos chegaram à península como aliados do partido
rebelde de Vitiza contra o rei Rodrigo, tendo-se os árabes apercebido
da decadência do país, transformou-se numa campanha de conquista
que acabou com o estado visigótico e alargou a dominação dos
invasores à quase totalidade da península.
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Certos “territórios” ou “condados” conservaram a sua organização,


mediante pactos ou tratados que envolviam o reconhecimento da
soberania muçulmana.
As áreas peninsulares conquistadas pelos árabes ficaram a constituir
uma espécie de província do grande Estado Muçulmano, sob a
suprema autoridade política e religiosa do Califado de Damasco.
Os invasores e o seu direito. As fontes do direito muçulmano
A fixação dos árabes na península conduziu à perda da unidade
jurídica, que, pelo menos, em princípio, o Código Visigótico
polarizava. O direito que os invasores trouxeram consigo tinha
natureza confessional. Afirmava-se como um sistema jurídico
personalista, que apenas abrangia a comunidade de crentes que
integrava o mundo islâmico.
O contributo árabe para a evolução do direito peninsular consistiu
em o direito dos muçulmanos, quando estes chegaram à península, se
encontrava numa fase de formação, como decorre da referida
confessionalidade, que a criação do direito não oferece autonomia
substancial relativamente à revelação divina.
O Alcorão consiste no conjunto de revelações de Alá que os fiéis se
habituaram a recitar e, que segundo Maomé, lhe foram feitas de
modo explicito.
A “Sunna” corresponde à conduta pessoal de Maomé, traduzida em
atos, palavras e silêncios tidos como concordância ao que
presenciava.
O Alcorão e a “Sunna” estavam longe de proporcionar resposta a
todas as questões jurídicas. Desenvolveram-se as fontes
complementares do direito maometano. Adquire importância o
consenso unânime da comunidade, que era considerado uma
manifestação indireta e difusa da vontade de Deus.
O progresso dos estados muçulmanos levaria à admissão de normas
juridicas emanadas da autoridade soberana.
Os cristãos e os judeus submetidos ao domínio muçulmano
A doutrina islâmica distinguia entre os idólatras ou pagãos e as
“gentes do Livro”, como os cristãos e os judeus, possuíam textos
sagrados resultantes de revelações divinas anteriores a Maomé. Os
primeiros estavam obrigados a converter-se ao islamismo, sob pena
de serem liquidados; enquanto os segundos, mediante o pagamento
de um imposto de capitação podiam conservar o seu credo religioso.
Converteram-se ao islamismo, pessoas da classe servil, a quem o
Alcorão garantia a liberdade no caso de aceitarem a religião
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muçulmana. Aos que mantiveram a fé cristã é dado o nome de


moçárabes.
Do ponto de vista judicial, conservaram os seus juízes próprios,
perfeitamente diferenciados dos muçulmanos. Também continuavam
a reger-se, nas relações privadas, pelo direito que vinha da
monarquia visigótica, designadamente o que deriva do Liber
Iudiciorum, e em matéria canónica, da Collectio Hispana.
Apresenta caraterísticas diversas dos cristãos que viveram sempre
fora do domínio islâmico. Este elemento moçárabe exerceu uma
influência considerável nos estados cristãos, quer por efeito das
migrações, quer devido às conquistas efetuadas pelos respetivos
monarcas.

A Reconquista. Formação dos Estados cristãos


Foi nas Astúrias, de facto, que nasceu a primeira monarquia cristã. No
entanto, independência absoluta e plena só ficou possuindo a nova
monarquia asturiense.
A história da Reconquista gravita em torno dos pólos: a maior ou menor
unidade dos árabes, diversificados do ponto de vista étnico e que apenas os
vínculos de uma religião recente, os interesses conjunturais, aproximavam;
e a maior ou menor coesão dos Cristãos.
O poder dos árabes e as constantes cisões dos nobres cristãos dificultaram o
êxito da reconquista. A cada cisão dos cristãos correspondia um
enfraquecimento do ímpeto da reconquista.
Com o progresso da reconquista, ao longo de 8 séculos, produziu-se, nos
estados cristãos, um fenómeno simétrico ao dos moçárabes: o dos
muçulmanos que permaneciam em território conquistado, mantendo a
religião, o direito e os costumes próprios.
A separação de Portugal. O problema jurídico da concessão da terra
portucalense a D. Henrique
Na época de Afonso VI houve a separação de Portugal. Pelos finais do
século XI chegou à península o D. Raimundo e D. Henrique que
desposaram 2 filhas para uma ligação extraconjugal. Ao mesmo tempo,
Alexandre Herculano predominava a orientação de que a outorga da terra
portucalense constituíra o dote de D. Teresa e que revestiu a natureza de
senhorio hereditário.
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Defende Merêa que a concessão da terra portugalense se traduziu numa


doação de senhorio hereditário, com vinculo de vassalagem. Representaria
uma doação alodial, a titulo de apanágio para compensar D. Teresa
relativamente à sucessão.
A doutrina de Merêa abrange dois aspetos: o da doação de senhorio e o da
hereditariedade. Toca à natureza da doação, tratar-se de uma concessão
hereditária de tipo feudal, sem transferência de domínio pleno. Outros
autores voltam-se para a figura da tenência hereditária, uma instituição de
raízes transpirenaicas.
O enigma acerca da natureza jurídica da concessão da terra só
desapareceria com o conhecimento do ato que a formalizou. As
circunstâncias ratificaram a solidez e a hereditariedade de concessão.
Caraterísticas e elementos constitutivos do direito de reconquista
As exposições precedentes habilitam a compreender a estrutura do direito
da Reconquista. A persistência do direito visigótico em amplas zonas da
Península, é forçoso reconhecer que muitas outras tiveram ordenamentos
locais. Chegou-se a um lastro comum resultante de sucessivos elementos
que as sobrepuseram, combinaram ou convergiram.
Era um direito consuetudinário. Mas assumiram um certo relevo as
decisões judiciais, que, umas vezes, fixavam ou esclareciam o costume e
chegavam a enunciar, de modo casuístico, preceitos ínsitos na consciência
coletiva.
As disposições dos reis e de outros senhores autónomos possuem a
natureza de preceitos especiais, que atribuíram privilégios ou isenções.
Conhecemos este direito através de amplas compilações designadas foros
ou costumes e também dos forais. Daí a caracterização geral do sistema
jurídico da Reconquista como um direito consuetudinário e foraleiro.
Têm-se centrado no direito da Reconquista grandes esforços de
reconstituição do elemento primitivo. Poderá admitir-se que determinadas
instituições, afastadas pelo direito romano-hispânico conservaram-se num
estado latente. A falta de dados históricos seguros torna sempre arriscada
qualquer afirmação categórica acerca da influência exercida pelas
instituições primitivas na formação do direito peninsular.
O mais importante é o elemento romano, o que está em causa é o chamado
direito romano vulgar, que a própria legislação visigótica reflete
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largamente. A expressão relativa do elemento romano e do elemento


germânico.
O alcance expressivo do contributo germânico para a formação do sistema
jurídico da Reconquista. O código visigótico manteve-se como fonte do
direito, além de várias instituições que floresceram nessa época de via
consuetudinária, máxime em matéria de direito politico, de direito penal e
de processo.
Conta-se o elemento cristão e canónico. O seu reflexo na formação do
direito peninsular produziu-se de uma forma indireta, através da legislação
romana posterior a Constantino, designadamente dos preceitos incluídos no
Breviário de Alarico. A respeito do elemento muçulmano, não só a
natureza confessional do direito islâmico, mas ainda a autonomia jurídica e
judicial de que gozou uma grande parte da população que se manteve
cristã.
Terça é a quota (1/3) que o testador pode livremente dispor. Persistiu no
direito português até à reforma republicana de 31 de outubro de 1910.
Situa-se num plano subalterno o elemento hebraico. Trata-se de um direito
confessional. Autores antigos e modernos têm chamado a atenção para o
elemento franco. Será exagerado atribuir qualquer preponderância franca
no direito hispânico medieval.
Considera-se provada a origem franca da “posse de ano e de dia”, que
colocava o possuidor, em relação á coisa possuída, perante terceiros, numa
posição jurídica privilegiada. É uma figura jurídica que determina a
prescrição da ação reivindicativa do proprietário, quando o demandado
tenha a posse da coisa reivindicada, pelo menos há um ano e um dia.
Estava-se numa conjuntura em que a organização social era ditada pelas
necessidades militares, se desconheceu uma autoridade central forte e a
economia assentava na produção agrícola e familiar.
Extra: “Direito de Avoenga” é o direito de os parentes do vendedor preferirem na
compra de bens de proveniência familiar. Também denominado retrato familiar, no seu
ratio (objetivo) era evitar que tais bens fossem cair nas mãos de um estranho.

Período da individualização do direito português


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Decorrem desde a fundação da nacionalidade, ou mais corretamente, desde


o ano em que D. Afonso Henriques passou a intitular-se rei (1141) e,
termina em meados do século XIII, ou seja, desde o inicio do reinado de D.
Afonso III (1248-1279), ou seja, começou em 1141 e terminou em 1248. O
direito romano que renascia no resto da Europa desde os séculos XI-XII
ainda não chegava a Portugal, havendo ausência da ciência jurídica, assim,
o direito desta época era caraterizado por ser empírico, rudimentar,
imperfeito, primitivo.
 Fontes:
Anteriores à segunda metade do século XIII (até 1248), fase que
representa a continuação do quadro jurídico tradicionalmente
estabelecido. Sabendo que o nosso país surgiu de um
desenvolvimento do Reino de Leão, não admira que as fontes do
direito leonês tenham vigorado no inicio da sua independência.
Fontes do Reino de Leão que se mantiveram em vigor:
“Código Visigótico”, constituía o único corpo de legislação geral capaz de,
ao tempo, servir de lastro jurídico comum ou referência dos povos
peninsulares, inclusive para efeitos supletivos. Começaram a escassear as
referências a este código nos documentos portugueses, a partir do século
XIII, como reflexo de uma progressiva perda da sua autoridade. Pode ser
devido à oposição de preceitos consuetudinários locais e, sobretudo ao
incremento da legislação geral e da eficácia do direito romano-canónico.
Em Leão e Castela, o Código Visigótico teve uma vigência mais
prolongada. Na primeira metade do século XIII, com Fernando III, deu-se
em revitalização desse corpo legislativo.
“Lei demandadas de Cúrias (nobreza) ou Concílios (clero) em Leão,
Coiança e Oviedo”, leis gerais saídas de algumas Cúrias (reuniões de
nobreza) ou Concílios (reuniões do clero) que se realizaram antes da
fundação da nacionalidade. A Cúria era um órgão auxiliar do rei que tinha
um carater eminentemente politico, desta resultou, mais tarde, a instituição
das Cortes. A diferença consiste no facto de, nestas ultimas, os
representantes do clero, nobreza e povo poderem tomar a iniciativa de
propor assuntos a apreciação e decisão: os chamados agravamentos e,
depois, os artigos e capítulos. Os Concílios caraterizavam-se pela sua
natureza eclesiástica. Para a diferenciação, deve atender-se à entidade
convocante, às matérias versadas e à sanção canónica ou região das
decisões tomadas. Assim, pode-se dizer, com algum rigor, Cúria de Leão,
Concílios de Coiança e de Oviedo. Aplicação em Portugal: Leão e Coiança,
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encontram-se em cartulários portugueses; Oviedo as foram juradas por D.


Teresa e D. Afonso Henriques.
“Forais em terras portuguesas anteriores à independência”, estes forais do
século XI e XII continuaram a ter plena eficácia após 1141. Tipos:
outorgados pelos monarcas leoneses, entende-se por foral ou carta de foral,
o diploma concedido pelo rei, ou por um senhorio laico ou eclesiástico, a
determinada terra, contendo normas que disciplinam as relações dos
povoadores ou habitantes, entre si, e destes com a entidade outorgante.
Representa o foral a espécie mais significativa das “cartas de privilégio”
(diplomas que criam para certas comunidades ou localidades uma
disciplina jurídica especifica e mais favorável do que a comum).
Inicialmente, observam-se documentos muito rudimentares que se
estruturam essencialmente como contratos agrários coletivos: cartas de
povoação, onde avulta o intuito de povoar o que está ermo ou apenas atrair
nova mão-de-obra a locais já habitados (espécie de contrato de adesão).
Muitos desses atos ficariam na base de núcleos populacionais autónomos.
Não existe verdadeira quebra entre este e o foral. A dimensão e conteúdo
dos forais é variável. Em regra, os seus preceitos disciplinam: liberdades e
garantias das pessoas e dos bens; impostos e tributos; serviço militar, etc.
incluem-se essencialmente, normas de direito público, nos forais os
preceitos de direito privado têm um plano secundário.
“Costume”, nesta época abrange-se todas as fontes de direito tradicionais
que não tenham caráter legislativo. Neste sentido mais amplo ou residual e
não rigoroso como o de hoje, incluem-se as sentenças da Curia Régia
(“costumes da corte”); de juízes municipais e juízes arbitrais; juristas
consagradas.
“Leis gerais dos primeiros monarcas”, não houve um grande movimento
legislativo, pois os monarcas estavam absorvidos com problemas de
consolidação da independência, definição dos limites territoriais e ações de
fomento. Contudo, sabe-se da existência de alguma legislação: lei de
Afonso Henriques, de data ignorada, através de referências que lhe são
feitas em bulas pontificas; provisão de Sancho I (1210). Com Afonso II a
legislação começa a tomar incremento, após a subida ao trono, convocou
uma reunião extraordinária da Cúria, em Coimbra no ano de 1211 (inicia-se
a nova legislação em Portugal). Dela saíram várias leis que apresentavam
uma certa ligação e sistematização. Nesse conjunto de preceitos legislativos
assume relevo a garantia das liberdades individuais e a condenação
expressa da “vindicta privada”, assim com a defesa das classes populares
contra as prepotências dos poderosos. Desde Afonso II, então, a tendência é
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para sobrepor a lei ao costume, embora aquela não seja ainda o produto
direto da vontade do rei. Segue-se o reinado de Sancho II, não se conhece
qualquer texto legislativo deste tempo, ter-se-á limitado a republicar e
ampliar uma lei de Afonso II.
“Forais”, conjuntamente às cartas de povoação, constituem, até Afonso III
(1248/1279) uma das mais importantes fontes de direito português.
Compensaram a escassez de leis gerais. As preocupações de conquista e de
povoamento das terras determinaram a necessidade de conceder cartas de
povoação forais.
“Concórdias e concordatas”, acordos efetuados entre o rei e as autoridades
eclesiásticas, comprometendo-se, reciprocamente, a reconhecer direitos e
obrigações relativos ao Estado e à igreja. Os primeiros que se conhecem
recuam aos reinados de Sancho I (1185/1211), Afonso II (1211/1223) e
Sancho II (1223/1247).

Época da receção do direito romano renascido e do direito canónico


renovado (direito comum)
O Império Romano do Ocidente caiu em 416 d.C. e, até ao século XII, o
direito romano manteve-se “adormecido”.
ESCOLA DE GLOSADORES
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O verdadeiro renascimento do direito romano, isto é, o estudo sistemático e


a divulgação em largas dimensões da obra justinianeia, inicia-se no séc. XII
com a Escola de Bolonha (também conhecida por Escola de Glosadores).
Esta não surgiu logo como universidade, inicialmente tratava-se de um
pequeno centro de estudos baseados nas lições de Irnério (fundador,
apelidado de “lucerna iuris” = candeia do direito). A estes iam estudantes
de toda a parte, ia assim formando discípulos que, regressando às terras
levavam consigo os conhecimentos adquiridos. A Irnério reconhece-se o
mérito de conferir ao ensino do direito autonomia e de estudar os textos
justinianeus numa versão completa e originária.
Assim, a pequena escola, transformou-se numa autêntica universidade que
era o polo europeu de irradiação da ciência jurídica.
Também designada por Escola dos Glosadores, pois o principal método
cientifico ou género literário utilizado foi a glosa
(processo de interpretação textual, pequeno esclarecimento imediato com o
objetivo de tornar mais acessível algum passo considerado obscuro; nótulas
ou apostilhas tão breves que se inseriam entre as linhas dos manuscritos
(glosa marginal).
Os glosadores estabeleceram uma divisão do “corpus iuris civilis” diferente
da originária (sistematização, entre nós, seguida até à reforma pombalina):
Digesto Esforçado; Digesto Novo; Código; Volume Pequeno. Têm como
método de trabalho a glosa
um aspeto de destaque é que tinham um respeito quase sagrado pelo
Corpus Iuris Civilis. Estudaram-no com uma finalidade prática, ou seja,
com o objetivo de resolver os problemas da vida.
Para este efeito utilizam o método exegético, que consistia na interpretação
literal dos textos do direito. Por isso se diz que os glosadores foram meros
exegetas dos textos legais.
Esta escola teve o seu período áureo no séc. XII. Nas primeiras décadas do
séc. XIII começaram os sinais de decadência da sua metodologia: já não se
estudava diretamente o corpus iuris civilis, mas a glosa respetiva, faziam-se
glosas de glosas.
No séc. XIII, Acúrsio, ordenou esse enorme material caótico selecionando
as glosas mais antigas e conciliando-as com as opiniões discordantes mais
credenciadas. Assim, surgiu a Magma Glosa que encerra o legado
cientifico acumulado por gerações sucessivas de juristas.
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Acúrsio, nascido em Florença, foi então um dos maiores expoentes desta


escola. A sua obra alcançou tal importância que, dai em diante, as cópias
do corpus iuris civilis apresentavam-se acompanhadas de Glosa Acursiana;
e, ao lado do corpus iuris civilis, foi a plicada nos tribunais dos países do
Ocidente Europeu. A Magma Glosa encerrou um ciclo da ciência do
direito.
ESCOLA DOS COMENTADORES
Durante o séc. XIV desenvolveu-se uma nova metodologia jurídica.
Corresponde à Escola dos Comentadores, assim chamada porque os seus
representantes utilizavam o “comentário” como instrumento de trabalho.
Também designada por Escola Escolástica (devido à sua matriz cientifica,
com precedentes nas esferas teológico-filosóficas) ou Bartolista (devido ao
seu jurista mais representativo: Bártolo).
Tem como causas da origem: a decadência da Escola dos Glosadores; o
prestígio e generalização do método dialético ou escolástico.
Os novos esquemas de interpretação dos textos legais são agora
acompanhados de um esforço de sistematização das normas e dos institutos
jurídicos muito mais perfeito do que a dos Glosadores.
Voltaram-se para uma solução dos problemas concretos, mas,
gradualmente, desprenderam-se do Corpus iuris civilis.
Através dos seus comentários, pareceres e monografias os juristas desta
escola criaram uma literatura jurídica cujo prestígio se difundiu pela
Europa. Período mais criativo – Início do séc. XIV até meados do séc. XV.

Neste contexto assume particular relevância:


o O método escolástico: é constituído por 3 momentos
essenciais (o primeiro é a lectio ou lição – leitura de um texto
cuja letra comentada/explicada pelo mestre; o segundo é a
questio ou questão – problema ou pergunta para que se
procurava uma solução ou resposta no texto; o terceiro é o
disputatio ou disputa – raciocínio desenvolvido);

o Ars inveniendi: a Escola de Comentadores considerava que os


direitos romanos e canónicos continham aspetos ainda por
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explorar. Assim, o método escolástico adquiriu maior rigor e


passou a ter utilização sistemática da dialética aristotélica
(“arte de discutir”). Momentos essenciais: o primeiro é a leges
– interpretação dos textos do corpus iuris civilis que tinha em
conta as diversas aceções das palavras, desta interpretação era
extraída uma conclusão; o segundo é o rationes –
fundamentação das conclusões com recurso a argumentos
fornecidos pela dialética (arte de bem falar) e pela retórica
(arte de convencer); o terceiro é o autorictas – reforço dos
argumentos invocados por autoridades (ex. os doutores).
Importava determinar quais as opiniões que gozavam de maior
autoridade, por isso, com o aparecimento da communis opinio
(opinião comum), recorreu-se sucessivamente a 3 critérios:
quantitativa (solução definida pelo maior número de doutores,
a maior parte investiga melhor a verdade); qualitativa (solução
defendida pelos juristas mais renomados); misto (só a opinião
dos jurisconsultos ilustres que mais se dedicaram ao problema
a tratar).
A escola dos comentadores acabou também por entrar em declínio mais
tarde, em virtude de ter caído na rotina devido à mera repetição dos
argumentos dos autores (segunda metade do séc. XV).

Direito português entre 1248 e 1446/1447: depois da época de


individualização.
Direito comum
Sistema normativo de fundo romano que se consolidou com os
comentadores e constituiu a base da experiência jurídica e europeia até aos
finais do séc. XVIII. Já há a ciência do direito juntamente com a influência
do direito romano justinianeu e do novo direito canónico. (João de Deus e
João das Regras – formados em Bolonha e trouxeram para Portugal a
ciência jurídica).
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Fontes:
 Leis: diplomas do rei que eram manifestação expressa da sua
vontade (direito romano – lei = vontade do imperador). A partir de
Afonso III temos uma certa supremacia das leis gerais no quadro das
fontes do direito, todavia, era ainda o costume que dominava tanto
em Portugal como no resto da Europa. A lei deixa de constituir uma
fonte esporádica e transforma-se no modo corrente de criação do
direito;
 Resoluções régias: respostas dos soberanos aos “agravamentos”
feitos pelos representantes das 3 classes sociais nas cortes;
 Costume: aqui no sentido de uma prática social constante e reiterada
que se observa ao longo dos anos (elemento material, corpus)
acompanhada da convicção do que é juridicamente obrigatório
(elemento espiritual, animus). Continua a ser fonte de direito, mas a
lei passou a ter primazia na criação do direito.
 Forais e foros ou costumes: Forais: mantiveram-se, ainda se
conhecem bastantes de D. Afonso III e D. Dinis. Porém, a partir de
D. Afonso IV, praticamente deixaram de outorgar-se novos forais.
Foros ou costumes: compilações medievais concedidas aos
municípios ou simplesmente organizados por iniciativa destes.
Elementos utilizados na sua elaboração: preceitos consuetudinários,
sentenças de juízes, etc.
 Concórdias e concordatas: acordos efetuados entre o rei e as autoridades eclesiásticas
mantiveram-se.
 Direito subsidiário: quando estas fontes não respondiam à solução
do problema, recorria-se ao Direito Castelhano. Porém, a integração
das lacunas só veio a ser regulada mais tarde com as ordenações.

Regime senhorial: território mais ou menos extenso, no qual um senhor ou


entidade eclesiástica exerce poderes soberanos moldados nos poderes do
rei, embora de menor amplitude. Nesse, o senhor substitui o monarca no
exercício de alguns poderes soberanos (cobrança de tributos,
superintendência na administração, administração na justiça, organização
militar, etc.). Um senhorio (circunscrição territorial onde o senhor exerce
funções que o rei exerce no resto do território) podia ser criado de várias
formas de que resultavam diversos tipos:
 Couto: senhorio criado por documento régio (carta de couto) através
da qual se concede a soberania de um território específico a um
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nobre ou a uma entidade eclesiástica, que o demarcava mediante


marcas ou padrões (coutos), este senhorio gozava de imunidade, em
virtude do rei se inibir de cobrar tributos;
 Honra: criado por usurpação do território por um nobre que o
delimitava e na qual passa a exercer as mesmas funções (também
imune perante a autoridade régia que se abstinha de cobrar tributos).
A sua razão de ser, justificação: retribuição dos serviços prestados ao
rei;
 Beetria: território cujo senhor é escolhido pelos habitantes e a quem
reconhecem o exercício das funções de soberania (normalmente
fazem-no por necessidade de proteção). A palavra provém de
“benefactoria” – relação entre um homem livre e alguém mais
poderoso que favorecesse e protegesse.

Contratos de exploração agrícola e de crédito: a exploração agrícola era


uma base importante da economia medieval existindo, para o efeito, vários
contratos, nomeadamente a enfiteuse e a complantação. O princípio
subjacente a estes contratos é o princípio da conquista da propriedade
através do trabalho.
 Enfiteuse: contrato de exploração agrícola cujo efeito é a
fragmentação da propriedade. Operava-se a repartição do terreno
pelos 2 contraentes: o (antigo) proprietário tornava-se a titular do
domínio direito gozando da faculdade de receber da enfiteuta uma
pensão anual que, geralmente, era uma parte proporcional dos frutos
produzidos; o agricultor (enfiteuta) ficava com o domínio útil. Os
proprietários destes domínios podiam transmiti-los “inter vivos” ou
“mortis causa”. O senhorio tinha ainda o direito de preferência
quando e se a enfiteuta quisesse vender o domínio útil, se o senhorio
se recusasse a enfiteuta ficava obrigado a dar-lhe 2% do lucro da
venda. Interesse em causa: senhor-renda; enfiteuta – adquire uma
propriedade que não tinha.
 Complantação: o proprietário de um terreno cedia-o a um agricultor
para que o fertilizasse, em regra, com espécies duradouras.
Decorrido o prazo (entre 4 a 8 anos) procedia-se à divisão do prédio
entre ambos, em regra, em duas partes iguais: ½ para o (antigo)
proprietário, ½ para o agricultor. Assim, o proprietário perdia ½ do
terreno, mas ganhava ½ de plantação; o agricultor perdia ½ do
trabalho, mas ganhava ½ do terreno.
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Desenvolveram-se mais tarde outros 2 negócios que, embora tendo a terra


como objecto, desempenhavam uma função de crédito ou financeira:
 Compra e venda de rendas: contrato de crédito, através do qual o
proprietário de um terreno, carecia de dinheiro, o onera para que,
com os seus rendimentos (produtos ou rendas) a dívida e os juros
sejam pagos. O devedor é quem, no vencimento da dívida, for o
proprietário;
 Penhor imobiliário: contrato de crédito que consistia numa garantia
dada a um credor de que seria pago por determinado prédio com
preferência sobre qualquer outro credor. Este instituto evoluiu para a
hipoteca de moldes romanos.

“Vindicta privada”. Reação.


Século XIII, o estado não existia, a organização política portuguesa está em
construção (havia vários focos de poder dispersos), não havia organismos
predispostos à proteção dos direitos dos cidadãos portugueses. Quando
falta a tutela ou é muito insipiente as pessoas protegem-se a si próprias:
autotutela ou tutela privada.
Injustiças.
 A vítima podia não ter força, pelo que, um criminoso ficaria impune
(ofensa sem reparação);
 Embora com força suficiente, a vitima reagia “a quente” e, por isso,
exageradamente (desproporcionalidade).

Reação: conjunto de medidas que procuravam afastar a vingança privada.


Nomeadamente a paz (pax):
 De el-rei: proibição da vingança privada nos locais onde o rei
estivesse ou por onde passasse, ele era o juiz máximo e quando
estivesse presente recorrer-se-ia a ele em caso de conflito;
 Do conselho: vedava a vindicta privada quando estivesse reunida a
assembleia dos vizinhos, para que esta decretasse sem sobressaltos;
 Do mercado: proibia a vindicta privada nos mercados para facilitar
as transacções;
 Da igreja: estes eram locais sagrados e de culto, não deviam ser
profanadas;
 De casa: inviolabilidade do domicílio.
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 Tréguas: pausa da luta em determinadas alturas (pascoa ou natal –


tréguas de Deus) estabelecido por um pacto entre os tais inimigos ou
por imposição régia;
 Asílio: permitia que um criminoso se refugiasse nas terras as quais
era concedido o asílio. Este também podia ser concedido por uma
igreja ao criminoso que nela se refugiasse.

Administração da justiça: o nosso território começa a ser invadido por


tribunais:
 Os “julgados”: tribunais em que o juiz é nomeado pelo rei (atuais
tribunais de comarca);
 Os “senhoriais”: tribunais em que o juiz é um funcionário do senhor
ou o próprio senhor;
 Os “concelhios”: tribunais dentro dos territórios pertencentes ao
concelho, os juízes eram nomeados pelas assembleias municipais.

Já nesta altura se admitia o recurso para tribunais superiores, pelo que


tínhamos:
 Casa da Justiça da Corte: tribunal ambulatório, circulante, que
acompanha o rei nas suas deslocações. No reinado de D. Afonso V
(ordenações afonsinas) passou a designar-se “casa da suplicação” e,
a seguir à revolução liberal (séc. XIX), supremo tribunal de justiça;
 Casa do cível: tribunal fixo, primeiro em Santarém e mais tarde
transferido para Lisboa. Assim a justiça ficou muito centralizada
nessa cidade, tornando-se difícil para as populações de outras
cidades. Com as ordenações filipinas foi transferida para o Porto
passando a designar-se relação do Porto.

Coletâneas privadas: careciam nesta época, de aprovação por qualquer


rei, não tendo, portanto, vigorado oficialmente. Porém, segundo o autor do
nosso livro, estes foram trabalhos preparatórios para as ordenações
afonsinas.
 Livro das leis e das posturas: elaboração em finais do séc. XIV –
início séc. XV. Dela constavam preceitos de D. Afonso II, D. Afonso
III, D. Dinis e D. Afonso IV e uma lei, posteriormente acrescentada,
de D. Pedro (futuro D. Pedro I). Obra que teve apenas o objetivo de
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coligir e não coordenar a legislação, careceu de um plano sistemático


e nela ocorreram várias repetições de textos;
 Ordenação de D. Duarte: assim designadas por terem sido
encontradas na biblioteca deste rei, este limitou-se a acrescentar-lhe
um índice e um discurso sobre as virtudes do bom julgador. Reuniu
as leis de D. Afonso II a D. Duarte e possuía uma organização:
diplomas agrupados por reinados e, dentro de cada um deles,
agrupados em função das matérias.

Breve referência a:
 Lei das sesmarias: 1375 (1ª reforma agrária) “sesmos”, do latim
seximsu (= o sexto), divisão da terra em seis partes (conforme os
dias da semana, exceto domingos). Cada terra ficava a cargo do
seu sesmeiro. Mais tarde, com a redução das terras a repartir,
passou a haver no concelho apenas um ou dois sesmeiros
nomeados pelo rei. A agricultura era a principal fonte de riqueza,
era importante que os terrenos fossem produtivos. Porém, a peste
negra que atingiu o país no séc. XIV levou a uma falta inicial de
mão-de-obra urbana, aumentaram os salários das profissões
artesanais, incentivo da fuga dos campos para as cidades
(carência da mão-de-obra rural, diminuição da produção
agrícola). Neste contexto, D. Fernando criou a lei das sesmarias,
mais tarde incluída nas ordenações afonsinas. Conteúdo:
 Proprietário das terras obrigado a lavrá-las e semeá-las, e
ainda possuírem o gado necessário de trabalho;
 As autoridades podiam expropriar o proprietário que não
cumprisse as diretivas e entregar as terras a outrem;
 Aqueles que não fossem proprietários e tivessem menos de
500 libras (ex. filhos de mendigos) tinham de trabalhar as
terras pelo salario fixado localmente;
 Só podiam mendigar aqueles certificados pelas autoridades
locais (ex. incapazes de trabalho).
 Lei mental: quando um nobre ou um clérigo ajudava o rei
português, este recompensava-lhe dando-lhe terras conquistadas.
Assim, havia um clero e uma nobreza poderosos face a um rei
empobrecido. A lei mental trata-se de uma resolução tomada pelo
rei D. João I (1393) mas nunca traduzido, durante a sua vida em
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forma de lei. Definia que, sendo os bens da coroa inalienáveis, as


doações efetuadas pelo rei podiam ser sujeitas a condicionalismos
de nível sucessório. Conteúdos:
 Princípio da indivisibilidade: terreno é um património
familiar, que devia ser entregue apenas a um herdeiro e não
o repartir.
 Princípio do primogénito: herdeiro (filho mais velho ou
os seus descendentes na legitima.
 Princípio da masculinidade: bens só transmitidos ao filho
e não à filha.

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