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Componentes históricas dos direitos romanistas

O direito não foi criado de um dia para o outro, nem de uma noite para o dia, nem foi instituído,
antes é consequência de uma evolução secular. Na baixa idade média, o direito era diferenciado
do ponto de vista territorial, mas ao mesmo tempo estava sujeito a grandes correntes de
influência, nomeadamente as do direito da igreja e do direito letrado, tal como ele se
desenvolveu no ensino universitário, na base do direito romano.

Por outro lado, a influência das ideias que a Revolução Francesa de 1789 propagou em
numerosos países e das reformas que dai resultaram no plano do direito e das instituições foi tão
considerável, que se pode admitir que o período do fim do século XVIII e o início do século
XIX, constitui uma verdadeira censura na evolução jurídica.

É por isso que, no exame dos componentes históricas dos direitos romanistas, é preciso distinguir
duas grandes fases, a que segue e a que procede 1789, ano do início da Revolução Francesa.

A. DEPOIS DE 1789

Não obstante uma relativa estabilidade, o direito continuou a evoluir durante os séculos XIX e
XX, isso realizou-se:

 Pela promulgação de milhares de leis;


 Pelo desenvolvimento de uma jurisprudência própria de cada país;
 Pelo contributo da doutrina e
 Pela formação de novos costumes.

No domínio do direito público, é preciso constatar que as constituições dos diferentes países
receberam muito das constituições francesas de 791, 1814, e 1830 e também do direito
constitucional inglês e americano. A partir desta época, o direito publico continuou a evoluir, o
regime político tornou-se cada vez mais democrático pela extensão do direito de sufrágio e pela
participação activa dos governados na acção dos governantes, a intervenção do Estado estendeu-
se sobretudo n os domínios económicos e sociais.

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B. ANTES DE 1789

As constituições e os códigos franceses revogam tudo o que é contrário as regras jurídicas que
eles contêm. Desaparece desta forma tanto na Bélgica como na França e alguns outros países,
uma grande parte das leis da Revolução Francesa, as leis do antigo regime, os antigos costumes e
os antigos privilégios.

No entanto, os códigos, não rompem com o passado, antes constituem a síntese das correntes d
história do direito da Europa Ocidental durante vinte séculos. Estas correntes, são elas próprias
dominadas por diferentes elementos que formam os componentes históricos do direito do inícios
do século XIX, a saber:

a) O pensamento jurídico e político dos últimos séculos do antigo regime

No domínio político, começa a dominar o princípio da soberania nacional, que é elaborado


sobretudo na Inglaterra em França, no decurso dos séculos XVII e XVIII, sob a influência de
Locke, Rousseau, Voltaire e Montesquieu. Este principio leva a preponderância da lei como
fonte de direito, sendo a lei a expressão da vontade da nação soberana.

Ao mesmo tempo, as liberdades publicas são afirmadas em importantes declarações, tendentes


reconhecer e a garantir os direitos subjectivos dos cidadãos.

b) A legislação dos últimos séculos do antigo regime

A lei já desempenha um papel importante como fonte de direito a partir dos séculos XV e XVI.
O desenvolvimento dos grandes Estados modernos, o fortalecimento do poder monárquico, o
enfraquecimento do feudalismo, da Igreja e do espírito particularista levam a dar valor de lei à
vontade do soberano, isto é se o rei quer, tal quer a lei.

A legislação, conduz então a uma relativa unificação do direito em certos países, sobretudo em
França, muito menos noutros lugares (Alemanha, Itália, Espanha).

c) O costume medieval

O costume é a principal fonte do direito na Europa Ocidental, do século X ao século XIII e


continua a sê-lo, pelo menos no direito privado, ate ao fim do antigo regime.

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Este direito costumeiro é parcialmente reduzido a escrito a partir dos séculos XIII e XIV, embora
continue a evoluir. O costume constitui uma fonte muito conservadora do direito, sendo muito
lenta a sua evolução. Os princípios do direito costumeiro medieval são buscados nos direitos
romano e germânico, mas sobretudo, nas particularidades dos institutos medievais (feudalismo,
regime senhorial, regime dominial, desenvolvimento das cidades comerciais, etc)

d) O direito canónico

Este direito é o da igreja católica da comunidade de crentes. A sua influência sobre o direito laico
da Europa Ocidental é considerável, por diversas razões:

 O universalismo cristão da Idade Média; o mundo medieval no Ocidente é um mundo


cristão;
 O carácter escrito do direito canónico; este é, na Europa Ocidental, o único direito escrito
entre o fim do século IX e o século XIII;
 A atribuição aos tribunais eclesiásticos da competência exclusiva em numerosos
domínios da área do direito privado, tais como o casamento e o divórcio.

A influência do direito canónico decresce a partir do seculo XVI, o direito dos Estados laiciza-se
desde esta época. A partir da Revolução Francesa, a religião passa a ter pouca influência sobre o
direito, pelo menos em França. O direito canónico continua a ser um dos fundamentos históricos
de todo o direito ocidental, apesar dos progressos do racionalismo e do jusnaturalismo nos
séculos XVII e XVIII.

e) O direito germânico

O sistema jurídico dos povos germânicos que viviam a leste do reno e a norte dos Alpes na época
romana eram ainda um direito tribal arcaico e pouco desenvolvido, alguns destes povos
invadiram a parte Ocidental do Imperio Romano, sobretudo no século V; assim, os Francos
instalaram-se nos territórios da Bélgica actual e do Norte da França, e no Sudoeste da França.

O seu direito continua a evoluir, sobretudo no contacto com populações romanizadas da Europa
Ocidental. A partir da época carolíngia, a fusão dos dois sistemas jurídicos (o romano e
germânico), realizou-se aí, mas num quadro político e social novo, que dá origem a um Sistema
jurídico de tipo feudal (séculos X a XII).

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A contribuição do direito germânico arcaico para a formação dos direitos modernos foi
relativamente reduzida, tal como aconteceu com o sistema jurídico dos povos celtas que viviam
no ocidente europeu antes de uma ocupação pelos romanos.

f) O direito romano

Os romanos foram os grandes juristas da antiguidade. Eles conseguiram realizar um sistema


jurídico notável, tanto no domínio do direito privado, como no do direito público. Os seus
jurisconsultos, sobretudo os doa séculos II e III, foram os primeiros na história da humanidade a
conseguir elaborar uma técnica jurídica e uma ciência do direito, graças a análise profunda das
instituições e a formulação precisa das regras jurídicas.

O direito romano não desaparece com a derrocada do Império Romano no Ocidente, no século
V, subsiste no Oriente, no Império romano do Oriente ou Império Bizantino, em que vai
conhecer uma evolução própria durante dez séculos (séculos V-XV).

No ocidente, o direito romano sobrevive durante algum tempo nas monarquias germânicas que se
formaram aí, graças à aplicação do princípio da personalidade do direito. Depois de um eclipse
de alguns séculos (sécs. IX-XI), o direito romano, tal como tinha sido codificado em Bizâncio no
séc. VI, na época de Justiniano, reaparece no ocidente, graças ao estudo que os juristas dele
fazem no seio das universidades nascentes (sécs. XII e XIII).

Este renascimento do direito romano constitui um facto capital na formação do direito moderno
da Europa Ocidental. Pois o direito romano que se encontra na base do nosso sistema jurídico é
menos o do império romano que o que se estuda e ensina nas universidades medievais, ou seja, o
direito romano tal como é compreendido, interpretado e exposto pelos romanistas da Idade
Média e da época moderna.

A influência do direito romano manifesta-se de uma forma tripla:

 Até aos finais do século XVIII, o direito romano é (com o direito canónico) o único
direito ensinado nas universidades; trata-se de um direito letrado, muito diferente do
direito vivo, ou seja, do direito consuetudinário e legislativo m vigor nos diferentes países
europeus. No entanto, os juristas formados nas universidades suplantam
progressivamente, dos séculos XIV a XVIII, os juízes populares, pelo menos nas

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jurisdições superiores, e adquirem o monopólio enquanto advogados da defesa dos
interesses dos particulares perante estas jurisdições;
 Do séc. XIII ao séc. XVIII, assiste-se à penetração progressiva do direito romano no
direito ocidental, infiltração inicialmente lenta; depois, nos sècs. XVI e XVII, verdadeira
recepção; o direito romano é reconhecido como direito subsidiário, suprindo as lacunas
do direito de cada região;
 Desde antes do século XIII, o direito romano influenciou a formação de numerosos
costumes da Europa ocidental, influencia devida à romanização mais ou menos intensa
das diversas regiões; a Gália, por exemplo, tinha sido romanizada durante cinco séculos.
g) Os direitos da antiguidade

O direito da República, e, depois, do Império romano, é ele próprio proveniente de uma evolução
milenária do direito na bacia do Mediterrâneo. Deve muito ao direito grego; as cidades gregas,
sobretudo Atenas, atingiram um alto grau de desenvolvimento cultura, político e jurídico;
historiadores e filósofos analisaram aí as instituições do seu tempo e elaboraram sistemas
teóricos de governo ideal da cidade, dando assim origem à ciência política.

Os próprios gregos eram herdeiros das civilizações mais antigas, que se desenvolveram no
Egipto e na Asia Menor.

O Império egípcio durou perto de trinta séculos; o direito atingiu aí, já na época do Antigo
Império (sécs. XXVIII a XXV a.C), um alto grau de desenvolvimento, tanto na organização do
Estado como no funcionamento das instituições de direito privado.

Na Ásia Menor, os direitos que se chama “ cuneiformes” também conheceram a partir do III
milénio, um grande desenvolvimento, sendo os primeiros a formular por escrito regras jurídicas
que, agrupadas em colecções formam os primeiros códigos da história. Os direitos dos Hititas
(sécs. XVIII a XIII a.C), desconhecidos até há algumas décadas, revela-se também um elo
importante da transmissão dos sistemas jurídicos da antiguidade.

Por fim, o direito dos Hebreus, direito intimamente ligado à religião, exerceu uma influência não
negligenciável sobre o direito moderno, mais especialmente por intermédio do direito canónico.

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OS GRANDES SISTEMAS JURÍDICOS

Costuma-se distinguir por um lado, os sistemas romanistas e os que lhe são aparentados, o
common law e os direitos socialistas dos países de tendência comunista; por outro lado, os
numerosos sistemas jurídicos que existem ou existiram noutros lugares do mundo, sobretudo os
direitos muçulmano, hindu, chinês e africanos.

a) Os direitos romanistas

Os direitos da maior parte dos países da Europa ocidental pertencem a um conjunto, uma família
de sistemas jurídicos a que se chama, geralmente, direitos romanistas, em virtude da influência
exercida pelo direito romano sobre a sua formação.

Provieram na sua maior parte, da ciência romanista do direito que se desenvolveu nas
universidades dos países latinos e também dos países germânicos. Em virtude da importância
destes últimos países no desenvolvimento da ciência jurídica no fim da Idade Média.

A quase totalidade dos direitos dos países europeus pertence à família romanista, salvo o direito
inglês (common law) e o irlandês.

O sistema de direito romanista impôs-se fora da Europa nos países que foram colonizados p0or
países da Europa continental.

b) O Common Law

O sistema do Common law nasceu em Inglaterra, sobretudo por acção dos tribunais reais na
Baixa Idade Média (sécs. XIII a XV). É um judge made law, ou seja, um direito elaborado
pelos juízes, logo a principal fonte de direito é a jurisprudência, o precedente judiciário.

O common law escapou em larga medida à influência do direito romano e da ciência jurídica
das universidades medievais e modernas. Os seus conceitos jurídicos e a terminologia são
muito diferentes dos sistemas jurídicos da família romano-germânica.

O common law tornou-se no direito de todos os países que foram dominados ou colonizados
pela Inglaterra, nomeadamente o País de Gales, a Irlanda, os Estados Unidos (salvo a

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Lusiana), o Canadá (salvo o Québec), a Austrália, a Nova Zelândia e numerosos países
africanos.

c) Os direitos dos países socialistas de tendência comunista

Um sistema jurídico novo nasceu na Rússia depois da Revolução de 1917. Baseado numa nova
doutrina filosófica e política, o marxismo-leninismo, mo direito da União Soviética e u7m
sistema revolucionário de direito que visa alterar os fundamentos da sociedade pela
colectivização dos meios de produção; tende a instaurar uma sociedade comunista, na qual não
haveria nem Estado nem direito, pelo desaparecimento dos constrangimentos nas relações
sociais. Para passar de uma sociedade capitalista a uma sociedade comunista é necessária,
todavia, uma fase intermediária, já admitida por Marx e analisada sobretudo por Lenine. Durante
esta fase, o Estado deve realizar, pela ditadura do proletariado, as necessárias reformas por via
legislativa, elaborando um direito socialista. A influência do sistema romanista de direito
continua no entanto a constituir uma parte considerável nos direitos socialistas, nomeadamente
nos conceitos e na terminologia jurídica.

d) O direito muçulmano

O direito muçulmano é como o direito hindu e o direito chines, um sistema no qual a distinção
entre direito e religião é quase nula; são chamados geralmente direitos religiosos. O direito
muçulmano é o direito dos Muçulmanos, ou seja, da comunidade de fiéis que professam a
religião islâmica. Os Muçulmanos observam um com junto de regras de vida derivadas do
Alcorão, a lei divina; estas regras dizem respeito tanto às relações sociais que nós chamamos
jurídicas, como aos comportamentos de carácter moral ou religioso.

Nascido aos sécs. VII e VIII, inicialmente na Arábia, e depois nos territórios da África e da Ásia
conquistados pelo Islão, o direito muçulmano, desenvolveu-se, sobretudo, pelo idjmâ, o acordo
unânime da comunidade muçulmana de facto o dos doutores da lei.

e) O direito hindu

O direito hindu é o direito da comunidade religiosa brâmane, também chamada hinduísta. É


aplicado sobretudo na Índia e em algumas partes do Sudeste asiático.

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A religião hindu impõe aos seus fiéis uma certa concepcão do mundo e das relações sociais,
baseada essencialmente na existência de castas. As regras de comportamento aparecem sob a
forma de princípios religiosos que subsistem as normas jurídicas.

O direito hindu continuou a ser aplicado, na Índia, durante a colonização britânica. O


desenvolvimento político e económico da República da Índia, instituída em 1947, põe problemas
complexos de adaptação.

f) O direito chinês

Na China tradicional, o direito tinha apenas um papel secundário na vida social. O essencial, aí
era o “lí” ou seja, as regras de convivência, e de decência, que impunham um comportamento em
harmonia com a ordem natural das coisas. Esta concepção, nascida sobretudo do pensamento de
Confúcio (séc. VI a.C) manteve-se até aos princípios do século XX.

g) Os direitos africanos

Os direitos dos povos da África Negra e de Madagáscar constituem sistemas jurídicos


geralmente mais arcaicos do que os direitos religiosos da África e do Islão. Direitos arcaicos,
mas não direitos primitivos, pois eles conheceram também uma longa evolução interna, com
fases descendentes e ascendentes, por vezes muito complexas. É, de resto, difícil estudar estas
evoluções, pois os direitos africanos são direitos não escritos. A base essencial destes sistemas
jurídicos é a coesão do grupo, a família o clã, a tribo, a etnia, cuja solidariedade interna dita a
maior parte das relações sociais.

O costume é aí a fonte quase única do direito, havendo em África um número muito elevado de
costumes diferentes, em estádios muito diferentes de evolução.

Colonizados tanto pelos Muçulmanos como pelos Europeus, os povos africanos sofreram a
influência dos sistemas jurídicos dos seus colonizadores. A partir do acesso à independência,
no decurso dos anos 1955 e 1965, os Estados africanos têm procurado soluções novas, umas em
ruptura com os seus direitos tradicionais, outras na conciliação de sistemas jurídicas
frequentemente muito diferentes uns dos outros, por fim, na busca de uma autenticidade africana.

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AS FONTES DE DIREITO

A expressão fontes de direito pode ser entendida em três sentidos diferentes: fontes históricas do
direito, fontes reais do direito, fontes formais do direito.

a) Fontes históricas do direito

São todos os elementos que contribuíram, ao longo dos séculos, para a formação do direito
positivo actualmente em vigor num dado país. Por exemplo, as fontes históricas dos direitos
romanistas são os costumes, a legislação e a jurisprudência do Antigo Regime, o direito
canónico, o direito romano, etc.

b) Fontes reais do direito

São os factores que contribuem para a formação do direito, elas respondem à pergunta: de onde
vem a regra de direito? As fontes reais variam segundo a concepção religiosa ou filosófica dos
homens: forças sobrenaturais, místicas, divinas, noções de justiça, equidade, bem-estar social,
factores sociais, económicos, políticos, ou mesmo geográficos, etc.

c) Fontes formais do direito

São os instrumentos de elaboração do direito num grupo sociopolítico dado numa época; são
também modos ou formas através das quais as normas de direito positivo se exprimem. Alguns
juristas admitem que existe um certo número de fontes formais de direito, nomeadamente: a lei
nacional, a lei estrangeira, a convenção internacional, o costume, a jurisprudência, a doutrina, os
princípios gerais do direito e a equidade.

Entre as diversas fontes formais de direito, a lei e o costume são as mais importantes na evolução
e na formação dos sistemas jurídicos.

A lei é uma norma ou um conjunto de normas de direito, relativamente gerais e permanentes, na


maior parte dos casos escritas, impostas por aqueles que exercem o poder num grupo
sociopolítico mais ou menos autónomo.

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O costume é um conjunto de usos de natureza jurídica que adquiriram força obrigatória num
grupo sociopolítico, dado pela repetição de actos públicos e pacíficos durante um lapso de tempo
relativamente longo.

A jurisprudência é um conjunto de normas jurídicas extraídas das decisões judiciárias. De uma


forma geral, as decisões judiciárias não valem senão entre as pessoas que são parte no processo;
não enunciam normas jurídicas gerais e, mesmo que o façam na sua motivação, estas normas não
tem força vinculativa erga omnes.

A doutrina é um conjunto de normas jurídicas formuladas por grandes juristas nas suas obras.

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