Você está na página 1de 12

Educação, poder e sociedade no império brasileiro

Educação, poder e sociedade


no império brasileiro
josé gonçalves gondra
alessandra schueler

aeroestúdio 3a prova 19/05/2008


Gondra e Schueler

de aula de um colégio interno dirigido por freiras, tendo como perso-


nagens centrais três mulheres: Maria Augusta, Maria da Glória e Maria
José. Amigas inseparáveis, elas ganham de seus colegas e professores o
apelido de “as três Marias”. O romance é um importante marco na li-
teratura brasileira e um dos mais populares em toda a obra de Rachel
de Queiroz, tendo sido adaptado para novela, produzida e exibida pela
TV Globo, entre 1980-1981.
Representando o “exílio necessário”, co-
A sobrevivência desta mo descreve o médico-higienista Riant (1877),
forma escolar se constitui
em sinal de que tal o internato vai se afirmando como modelo
equipamento ainda embala educativo e/ou reeducativo, uma tecnologia
os sonhos de que a
reclusão total consiste inventada para a sociedade para proteger a in-
na melhor estratégia para
interferir no curso da fância pobre, preparando-a para o mundo do
vida, formando trabalho. Curiosamente, essa fórmula também
trabalhadores e dirigentes
exemplares. é adotada para bem educar a infância rica.
Ainda que não tenha se tornado dominan-
te, este modelo persiste, mantido pelo aparelho do Estado ou pela
iniciativa privada. A sobrevivência desta forma escolar se constitui em
sinal de que tal equipamento ainda embala os sonhos de que a reclusão
total se constitui na melhor estratégia para interferir no curso da vida,
formando trabalhadores e dirigentes exemplares.

Colégios e liceus
“Nós levamos nas mãos, o futuro
De uma grande e brilhante Nação
Nosso passo constante e seguro
Rasga estradas de luz na amplidão.
Nós sentimos no peito, o desejo
De crescer, de lutar, de subir
Nós trazemos no olhar o lampejo
De um risonho e fulgente porvir.
Vivemos para o estudo

124
aeroestúdio 3a prova 19/05/2008
Educação, poder e sociedade no império brasileiro

Soldados da ciência
O livro é nosso escudo
E arma a inteligência.
Por isso sem temer
Foi sempre o nosso lema
Buscarmos no saber
A perfeição suprema.
Estudaram, aqui, brasileiros
De um enorme e subido valor
Seu exemplo, segui companheiros
Não deixemos o antigo esplendor.
Alentemos ardente a esperança
De buscar, de alcançar, de manter
No Brasil a maior confiança
Que só pode a ciência trazer.
Vivemos para o estudo
Soldados da ciência
O livro é nosso escudo
E arma a inteligência.
Por isso sem temer
Foi sempre o nosso lema
Buscarmos no saber
A perfeição suprema”.
Hino oficial do Colégio Pedro II, executado e cantado pela primeira vez em 2 de dezembro de 1937.
Letra: Bacharel Hamilton Elia. Música: Maestro Francisco Braga.

— Pedro II, tudo ou nada?


— Tudo!
— Então, como é que é?
— É tabuada! — 3 x 9, 27
— 3 x 7, 21
— Menos 12, ficam 9
— Menos 8, fica 1
— Zum, zum, zum,
— Paratimbum,
— Pedro II!
Tabuada (grito de guerra dos alunos do Colégio Pedro II).

125
aeroestúdio 3a prova 19/05/2008
Gondra e Schueler

A historiografia, ou parte dela, construiu uma representação do Impe-


rial Colégio de Pedro II como a de instituição modelar do ensino secun-
dário do Brasil desde o Império, como o clássico estudo de Doria (1997).
Mais recentemente, esta leitura tem sido problematizada, procurando
dar a ver, na própria História da instituição, os acontecimentos que edi-
ficaram essa memória, tão fortemente presente em seu hino oficial.
Memória que parece ter sido edificada após o centenário da instituição,
em 1937, em uma conjuntura de exceção que fabricou inúmeros símbo-
los para unificar a nação, dentre eles, o do Imperial Colégio, como gran-
de modelo a ser seguido no quadro da conjuntura do Estado Novo. O
hino oficial, também de 1937, recorrendo a metáforas da guerra, para
descrever o estudo como forma de combate às trevas, parece ser um
bom indicador da memória que se procurou construir da instituição.
Com isso não se quer dizer que o projeto de nacionalizar o ensino secun-
dário, tendo por base uma instituição central, deva ser descartado. A
questão a se pensar é até que ponto e em que grau esse ambicioso pro-
jeto precisou ser matizado em nome de interesses locais, como demons-
tra os estudos de Haidar (1972).
Em relação ao ensino secundário nas províncias do Império, Silva
(1969) afirma que o mesmo se caracterizou como um tipo autônomo de
educação, separado horizontalmente dos de-
O ensino secundário mais tipos de ensino médio (os liceus e aulas
funcionava como uma
ponte de passagem, avulsas) e sem articulação vertical com o ensi-
momento de preparação
para os exames de
no primário. Em geral, o ensino secundário —
ingresso nos cursos tanto os colégios e as aulas isoladas, como os
superiores do Império.
Colégios, liceus, aulas cursos de preparatórios — funcionavam como
isoladas e cursos de uma ponte de passagem, momento de prepara-
preparatórios tinham
prestígios sociais diversos ção para os exames de ingresso nos cursos su-
e visavam a objetivos
pedagógicos diferentes,
periores do Império. Em função dessa estrutu-
distinguindo-se ra, as escolas elementares e secundárias não
nitidamente em suas
organizações didáticas, representavam graus sucessivos e contínuos do
na preparação e nas processo educativo. Ao contrário, eram, em
condições de trabalho
de seus professores. larga medida, cursos justapostos, organizações

126
aeroestúdio 3a prova 19/05/2008
Educação, poder e sociedade no império brasileiro

paralelas, que se diferenciavam à base do nível social das respectivas


clientelas e da finalidade social a que obedecia a sua formação educa-
tiva. Tinham prestígios sociais diversos e visavam a objetivos pedagógi-
cos diferentes, distinguindo-se nitidamente em suas organizações didá-
ticas, na preparação e nas condições de trabalho de seus professores
(Silva, 1969). Para exa­minar alguns traços do ensino secundário no Impé-
rio, vamos focar nossa reflexão no caso do Colégio Imperial.
Fundado à época do Período regencial bra-
sileiro, o Imperial Colégio de Pedro II integrava O Imperial Colégio de
Pedro II integrava um
um projeto civilizatório mais amplo, do qual projeto civilizatório mais
faziam parte a fundação do Instituto Histórico amplo — o de preparar os
quadros da elite nacional.
e Geográfico Brasileiro e o Arquivo Público do Desse modo, sob a forma
Império, seus contemporâneos. No que diz res- de um internato
masculino, a instituição
peito ao curso secundário oficial, localizado na deveria ser capaz de
formar homens para
Capital, pretendia-se alongar a formação esco- postos da alta
lar, de modo a melhor preparar os quadros da administração pública.

elite nacional. Desse modo, sob a forma de um


internato masculino, a instituição deveria ser capaz de formar homens
para postos da alta administração, principalmente pública.
O Colégio nasceu da reorganização do antigo Seminário de São
Joaquim, conforme projeto apresentado à Regência de Araújo Lima
(1837-1840) pelo então Ministro Bernardo Pereira de Vasconcelos. Inau-
gurado em 1837, na data de aniversário do Imperador-menino (2 de de-
zembro), foi denominado Imperial Colégio de Pedro II. O ato foi oficiali-
zado por Decreto Regencial a 20 daquele mesmo mês e as aulas tiveram
início em março do ano seguinte, em 1838.
A maioria dos alunos pertencia à elite econômica e política do
país, apesar de haver a previsão para estudantes destituídos de recur-
sos. Imbuído dos valores europeus de civilização e progresso, os alunos
do Imperial Colégio saíam com o diploma de Bacharel em Letras, aptos
a ingressar nos cursos superiores. A questão aqui é que saíam poucos,
já que se constituía em curso seriado com duração de sete anos e mui-
tos preferiam caminhos alternativos (mais rápidos e mais facilitados)

127
aeroestúdio 3a prova 19/05/2008
Gondra e Schueler

Liceus e ateneus foram


para ingresso nos cursos superiores. Neste sen-
criados em diversas tido é que cabe a problematização de Haidar
províncias, como medida
para consolidar o (1972), quando chama atenção para as formas
secundário regular, o que concorrenciais e mais freqüentes de se obter a
indicia uma vez mais as
disputas existentes no quetitularidade correspondente à do secundário,
se refere à forma escolar
do ensino secundário
o que se processava por meio dos exames pre-
no Império. paratórios. Igualmente, há que se observar a
existência de liceus e ateneus em diversas pro-
víncias, como medida para consolidar o secundário regular, com cadei-
ras reunidas, o que indicia uma vez mais as disputas existentes no que
se refere à forma escolar do ensino secundário no Império. A respeito
dos liceus provinciais e ateneus, conferir Alves (1992), Amorim (2006),
Arriada (2004), Barros (2002), Gally (2002), Nunes (2000), Oliveira
(2000) e Vechia (2005), por exemplo.
A partir de 1857, a instituição dividiu-se em Internato e Externato,
sendo a primeira modalidade instalada no bairro da Tijuca no ano se-
guinte (1858), onde permaneceu até 1888, quando suas dependências
foram transferidas para o Campo de São Cristóvão. Ter funcionado co-
mo internato durante longos anos supõe considerar dois outros aspec-
tos que ajudam a problematizar a tese de colégio padrão e grande
formador da elite brasileira: a questão de gênero e a questão dos cus-
tos para se manter um aluno na instituição por sete anos. No primeiro
caso, trata-se de pensar a instituição como um internato de meninos,
sendo o caráter misto consolidado no período republicano, embora a
legislação não impedisse a freqüência de meninas.
No século XIX houve inclusive uma curta experiência com a presen-
ça de meninas, quando o Dr. Cândido Barata Ribeiro matriculou suas
filhas Cândida e Leonor Borges Ribeiro, em 1883, sendo elas aceitas por
não haver no regulamento do colégio nenhuma restrição quanto à ma-
trícula de meninas. Em 1885, o Imperial Colégio de Pedro II (CPII) já
possuía um total de 15 alunas e cinco ouvintes. O reitor Dr. José Joa-
quim do Carmo solicitou, então, a nomeação de inspetoras, consideran-
do mais conveniente, entretanto, que as alunas fossem transferidas ou

128
aeroestúdio 3a prova 19/05/2008
Educação, poder e sociedade no império brasileiro

para a Escola Normal da Corte15 ou para o Liceu de Artes e Ofícios, ou


para o curso noturno secundário de fundação do professor José Manoel
Garcia. Esta ação se concretizou em 1885, quando o ministro Barão de
Mamoré16 proibiu o acesso das meninas à instituição, alegando que não
havia dinheiro para a contratação das referidas inspetoras.
Esse acontecimento permite pensar dois aspectos importantes. O
primeiro diz respeito ao regimento da Escola Normal da Corte de 1881,
no qual foi inserida a contratação de inspetores e inspetoras. Como a
presença feminina nessa instituição era bem aceita, esse regulamento
visou atender à solicitação da contratação de funcionárias que ocorre-
ra no ano anterior à sua promulgação. Enquanto isso, no CPII não havia
tal previsão por não se esperar matrículas do sexo feminino no estabe-
lecimento.
O segundo ponto se refere ao curso noturno secundário do profes-
sor José Manoel Garcia, inaugurado em 1883 e que funcionava no pré-
dio do Externato do CPII, oferecendo um conjunto de disciplinas a se-
rem administradas em cinco anos: português, italiano, francês, inglês,
alemão, latim, matemáticas elementares, geografia, história geral,
cosmografia, corografia do Brasil, história do Brasil, retórica e poética,
história literária, literatura nacional, gramática histórica da língua
portuguesa, filosofia racional e moral, ciências físicas e naturais, higie-
ne, economia doméstica, legislação usual e pedagogia. De acordo com
o secretário Theophilo das Neves Leão, o Curso Noturno Gratuito de
ensino secundário para o sexo feminino se comprometia em conservar
a mobília que fosse utilizada e indenizar a importância da despesa do
gás que excedesse ao uso do colégio.
As famílias que desejassem uma formação mais estendida para suas
filhas tinham três alternativas: a contratação de preceptoras, o envio à
malha de escolas privadas femininas existentes nas províncias ou a clau-
sura dos conventos. Uma consulta aos periódicos do século XIX das diver-

15  Sobre a Escola Normal da Corte, conferir trabalho de Uekane (2005).


16  Francisco Antunes Maciel, nascido no Pará. Graduou-se em Ciências Sociais e Jurídicas pela Faculdade de
São Paulo e presidiu diversas províncias do Império.

129
aeroestúdio 3a prova 19/05/2008
Gondra e Schueler

As famílias que
sas províncias possibilita um reconhecimento
desejassem, e pudessem dos anúncios de contratação de professores(as)
pagar, uma formação mais
por parte das famílias abastadas, o anúncio de
estendida para suas filhas
tinham três alternativas:serviços docentes oferecidos por vários profes-
a contratação de
preceptoras, o envio à sores, bem como a propaganda feita pelos pro-
malha de escolas privadas
femininas existentes nas
prietários de escolas privadas, masculinas e fe-
províncias ou a clausura mininas. Os almanaques produzidos no século
dos conventos.
XIX são uma fonte importante para se observar
essa movimentação. Para aprofundar esse debate, recomendamos os
trabalhos de Haidar (1972), Lopes, Faria Filho e Veiga (2003), Pinho
(2005), Barreto e Pinho (2006), Menezes (2006) e Limeira (2007).
Outro aspecto diz respeito aos custos para se manter um menino
no colégio. Ao lado das mensalidades, há que se considerar também o
que se gastava com os “enxovais”. A título de exemplo, o regulamento
aprovado em 17 de fevereiro de 1855 estabelecia quatro classes de
alunos: pensionistas de 1a classe, pensionistas de 2a classe, meio-pen-
sionistas e externos. Para todos, a matrícula custava 12$000, sendo a
diferença evidenciada no valor pago a cada três meses, o que tinha
efeito naquilo a que cada aluno teria direito. Vejamos os valores:

Pensionistas de 1a classe: 100$000


Pensionistas de 2a classe: 75$000
Meio-pensionistas: 37$000
Externos: 24$000

Os pensionistas de 1a classe residiam no colégio e tinham direito a


repetidores para as horas de estudo, médico e botica nas enfermidades,
alimentação sadia e abundante, banhos de asseio durante todo o ano e
banhos especiais no verão, roupa lavada e engomada regularmente duas
vezes por semana e cama, cuja roupa seria trocada, pelo menos, todos
os sábados. Já os de 2a classe não teriam a roupa lavada e engomada,
sendo esta uma responsabilidade da família. Os externos só teriam direi-
to às explicações dos professores.

130
aeroestúdio 3a prova 19/05/2008
Educação, poder e sociedade no império brasileiro

Para se apreender aspectos do funcionamento do Colégio, cabe


observar o enxoval exigido dos pensionistas. De acordo com o artigo 13
do Regulamento de 1855, o enxoval consistia em:

Uma casaca de pano verde ordinário com botões amarelos;


Seis jaquetas de duraque preto;
Dez coletes de fustão branco;
Quatro coletes de sarja de lã preta;
Seis pares de calça de brim cru traçados sem listras;
Seis pares de calça de brim branco traçado sem listras;
Três calças de pano preto ordinário;
Um chapéu preto;
Um boné de pano azul com pala;
Doze pares de ceroulas compridas de pano de linho;
Vinte e quatro camisas lisas de morim com dois botões
de madrepérola no peito;
Seis camisas compridas de riscadinho com dois botões
de madrepérola no peito;
Oito lençóis de pano de linho sem babados;
Quatro fronhas, de pano de linho sem babados;
Seis tolhas de mão de pano de linho, sem babados e franjas;
Duas colchas de chita com babados;
Um cobertor de papa encarnado;
Quatro guardanapos de algodão;
Vinte e quatro lenços brancos de assuar;
Quatro lenços de seda preta;
Quatro lenços de cassa branca lisa;
Trinta e dois pares de meias curtas de algodão brancas;
Três pares de suspensórios de meia de algodão;
Uma escova de facto e outra de sapatos;
Duas escovas de limpar dentes;
Um pente fino e outro de alisar cabelo;
Seis pares de sapatos grossos;

131
aeroestúdio 3a prova 19/05/2008
Gondra e Schueler

Dois pares de botins finos;


Uma tesoura de unhas;
Uma bacia de arame de palmo e meio de diâmetro;
Uma bacia de louça branca;
Um par de ceroulas de baetilha branca.

Considerar os valores pagos para se manter no Imperial Colégio,


associado aos custos de um enxoval como o descrito, fornece alguma
idéia do público que podia ingressar e lá permanecer. Pertenciam à
chamada “boa sociedade”, embora seu regulamento previsse o atendi-
mento a alunos internos gratuitos, até o limite de 20, indicados pelo
Governo, ouvido o reitor do Colégio. No entanto, a presença de órfãos
e pobres, ainda que limitada a 12 alunos, não se efetivava, conforme
testemunha o médico, literato, homem da política e professor do CPII,
Joaquim Manuel de Macedo (1862). Quanto aos outros gratuitos, teriam
preferência os filhos dos professores públicos com bons serviços pres-
tados e alunos pobres das escolas primárias que tivessem se distinguido
por seu talento, aplicação e moralidade. Mas também os filhos dos
oficiais do Exército e da Armada até a patente de capitão ou primeiro-
tenente, assim como os empregados públicos que tivessem mais de dez
anos de serviço quando sobrecarregados de família e pobres. Ainda que
fosse considerado o ingresso do aluno pobre no secundário oficial, sua
permanência era dificultada pelas regras disciplinares voltadas para os
“gratuitos”. No caso do aluno gratuito, se fosse reprovado em qualquer
ano, perderia seu lugar no Colégio, exceto se o Reitor informasse haver
sido tal fato decorrente de doença. Previa-se, igualmente, o atendi-
mento a 12 meio-pensionistas gratuitos e também externos.
Como se vê, a gratuidade se constituía em exceção e, além disto,
a permanência só era assegurada aos que fossem bem-sucedidos. Mais
um indicador de que o ensino secundário público e gratuito consiste em
mercadoria escassa no século XIX.
Com a Proclamação da República no país (1889), o nome da insti-
tuição foi alterado para Instituto Nacional de Instrução Secundária e,

132
aeroestúdio 3a prova 19/05/2008
Educação, poder e sociedade no império brasileiro

logo em seguida, para Ginásio Nacional. Mais tarde, em 1911, passou a


utilizar a designação atual de Colégio Pedro II.
Até a década de 1950, seu programa de ensino funcionou como
referência para os programas dos colégios secundários que solicitavam
ao Ministério da Educação o reconhecimento de seus próprios certifica-
dos, justificando a semelhança de seus currículos com o do Colégio
Pedro II.
Com as reformas sucessivas, o colégio deixou de funcionar como
internato e como colégio para meninos, alargando o raio de atendi-
mento ao público. Nos anos 1980, passou a atender a alunos a partir de
seis anos, iniciando o atendimento no primeiro ano do ensino funda-
mental, caracterizando-se como uma instituição de ensino básico e
não mais exclusivamente como de ensino secundário.
Não poderíamos encerrar esse ponto sem comentar que a consoli-
dação do ensino secundário, que passou de sete para três anos, a partir
de uma nova concepção do que seria o ensino fundamental, também
foi submetida a mudanças e que, atualmente, corresponde a nove anos
de escolaridade obrigatória. Também não poderíamos deixar de assina-
lar a manutenção do caráter propedêutico desse nível de ensino, a des-
peito das políticas voltadas para lhe impor uma terminalidade como, por
exemplo, com o ensino profissional obrigatório ou a não equivalência
entre o secundário profissionalizante e aquele considerado de formação
geral. Outro traço que se mantém e que se en-
contra associado à concepção preparatória do Nos séculos XIX e XX,
houve a consolidação do
ensino secundário remete aos chamados pré- ensino secundário. Como
vestibulares. Trata-se de uma forma de escola traço de permanência,
no século XXI, o ensino
existente fora do sistema formal de ensino, am- secundário ainda mantém
um caráter propedêutico.
plamente disseminada, cujo objetivo é prepa- Outro traço que se
rar os jovens para os processos de seleção ao mantém e que se encontra
associado à concepção
ensino superior, os chamados “vestibulares”. preparatória do ensino
secundário nos remete
Uma forma, enfim, que guarda alguma seme-
aos chamados pré-
lhança com os “preparatórios” do século XIX e vestibulares.

133
aeroestúdio 3a prova 19/05/2008
Gondra e Schueler

que, de alguma forma, podem substituir ou suprir o que a escolaridade


formal não proporcionou.

Faculdades e academias superiores


O discurso científico, reivindicando para si o estatuto de saber especia-
lizado ou de verdade a conduzir os destinos da sociedade e dos indiví-
duos, também se fez presente na invenção do Brasil e dos brasileiros.
A mutação operada na ciência e nas sociedades ao longo dos sécu-
los XVIII e XIX teve efeito nos trópicos. Em nosso caso, trata-se da
criação de um Estado independente que, para ser levado a cabo, tam-
bém precisou modernizar o campo da ciência. Esforços nesta direção
podem ser evidenciados nas viagens regulares de brasileiros ao exte-
rior, sobretudo à Europa; nas expedições científicas de estrangeiros ao
Brasil; pela criação de equipamentos culturais como bibliotecas, mu-
seus, teatros, institutos, sociedades e imprensa; lugares de exploração
da flora exótica, como o Jardim Botânico; de minerais, como a Escola
de Minas de Ouro Preto, mas também escolas de formação superior,
como as escolas médicas, jurídicas e sociais, de comércio, militares,
de engenharia e belas-artes.
Por intermédio dessas ações, organizou-se no Brasil uma malha
que pouco a pouco foi se tornando mais complexa. Para tanto, basta
observar as reformas a que cada uma destas instituições foi submetida
ao longo do século XIX.
No caso da medicina, é possível reconhe-
cer três dispositivos complementares ativados
O discurso científico,
reivindicando para si pelos médicos no sentido de construir o campo
o estatuto de saber
da ciência médica ou da vida, de forma cada
especializado ou de
verdade a conduzir os vez mais autônoma: a instituição de formação
destinos da sociedade
e dos indivíduos, também (a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro —
se fez presente na FMRJ), a organização da corporação (a Acade-
invenção do Brasil
e dos brasileiros. mia Imperial de Medicina — AIM) e a produção

134
aeroestúdio 3a prova 19/05/2008

Você também pode gostar