“Conto de escola”, de Machado de Assis, nos fala sobre o cotidiano escolar na
primeira metade do século XIX. O narrador da história, um menino com vivo interesse nas coisas do mundo, relembra uma passagem de sua vida escolar que lhe rendeu várias lições... Vamos destacar algumas passagens, solicitando que sejam feitas análises sobre elas com base nos textos destacados.
Já na abertura do conto, o narrador traz informações importantes sobre a escola:
“A Escola era na Rua do Costa, um sobradinho de grade de pau. O ano era de
1840.”
De acordo com o texto “A construção da escola pública no Rio de Janeiro Imperial”, da
profa. Tereza Fachada. Associe a informação destacada do conto às explicações da autora sobre a escola à época do conto e analise como a descrição acima comporta características da escola naquele período. (Valor= 3,0)
Em relação ao trecho destacado e de acordo com o texto, observa-se que, embora
havendo alguns debates no cenário político quanto à necessidade de construção de prédios para o funcionamento da instituição escolar pública, até a primeira metade do século XIX, o local para o exercício da escola pública encontrava-se nos espaços privados dos professores – suas residências -, diz-se mais, também de alguns alunos, somente na segunda metade do século XIX, ocorreram construções de edificações para o funcionamento de escolas públicas no Rio de Janeiro. Outro detalhe refere-se ao desprezo com os investimentos necessários para a educação pública, principalmente no que diz respeito à educação popular, pois foi identificou-se um total abandono através das classes dirigentes. Portanto, mesmo após as primeiras construções de espaços para as atividades educacionais na esfera pública e o reconhecido avanço nos regimentos e estatutos, a precarização no âmbito da educação pública fora perpetuada (CARDOSO, 2003). 2) Na trama principal do conto, nós acompanhamos um pedido de ajuda de um estudante a outro. Observando essa circunstância à luz do texto “Os Métodos de Ensino no Brasil do Século XIX”, do prof. André Castanha, vemos que o professor do conto não parece seguir a metodologia escolar definida pela “Lei de 15 de outubro de 1827”. Conte-nos a que método aludimos, como ele funcionava e porque a história contada parece não adotá-lo. (valor= 3,0)
O método discutido pelo pesquisador trata-se do lancasteriano ou monitorial -
desenvolvido na Inglaterra no início do século XIX -, sobretudo diante dos desdobramentos da revolução industrial. Desse modo, consistia na seguinte prática: o professor separava dois grupos de alunos respectivamente; i) os ditos mais avançados e os ii) menos avançados. Nesse sentido, os mais avançados recebiam os ensinamentos para reproduzirem aos demais grupos. Havia um processo mecânico de repetição dos exercícios supervisionado pelo monitor – cada classe tinha um aluno monitor responsável -, em adição, também havia “um inspetor que atendia a esses monitores e auxiliava o professor no repasse das lições e no controle da disciplina” (CASTANHA, 2017, p. 1058). O método em ascensão na Europa, especialmente para dar conta do grande número de crianças nas ruas – no contexto do crescimento industrial/urbano -, principalmente na questão quantitativa; repercutiu uma ampla discussão historiográfica a respeito do lancasteriano/monitorial, que se tornou densa na conjuntura brasileira, mas o principal foco encontra-se no que se refere sobre a não utilização ou aplicabilidade pelo professor no conto machadiano. Primeiramente, a negação se deu na narrativa simplesmente por não existir as características descritas acima. E segundo lugar, é preciso pontuar que o conto demonstra a falta de infraestrutura e a precarização do espaço escolar; se pode também associar o contexto dos debates políticos, principalmente se tratando dos documentos oficiais discutidos por Castanha (2017), na qual, inúmeras autoridades discutiam e disputavam o território entre: ser ou não ser o método eficaz, sobretudo diante do interesse de cunho religioso. Em terceiro, o método funcionou no contexto europeu para suprir instituições escolares com grandes classes de alunos, o que diferia a título de exemplo comparativo com o conto. Portanto, no âmbito de um ensino não obrigatório, uma instabilidade na assiduidade e quantitativo de alunos, na escassez de um processo formativo para os professores e diante de uma demanda que se exigia uma infraestrutura pedagógica e didática, a aplicabilidade no cenário brasileiro não foi longeva (CASTANHA, 2017). 3) Há passagens no conto que nos permitem inferir três coisas importantes sobre a educação escolar naquela época:
a – a educação escolar não era obrigatória;
b – a escola não trazia entusiasmo aos estudantes;
c – a escola estava apartada dos acontecimentos do mundo.
Pensando essas questões, considere os textos “Crianças e escolas na passagem do
Império para a República”, da profa. Alessandra Schueler, e escolha trechos do conto que corroborem ou contradigam as afirmações acima (a, b, e c), respaldando suas considerações nos textos mencionados. (Valor= 3,0). A) É preciso explicar que o contexto histórico narrado no conto baseou-se no ano de 1840, portanto, até então, não havia obrigatoriedade para a escola denominada de primeiras letras. A justificativa que o menino (Pilar) ponderou para escolher entre ir à escola ou ficar na rua brincando teria sido a surra que levou do pai, pois o mesmo aspirava para o filho à formação para fins comerciais – a única opção possível para a formação dos meninos pobres, ou seja, ler, escrever e contar -, no entanto, também é necessário lembrar que a partir do Regulamento de 1854, se legitimou para os meninos pobres o ensino primário como suficiente, logo, negando a possibilidade de ascensão social, econômica e intelectual. Assim, o regulamento tornou gratuito e obrigatório o ensino primário (SCHUELER, 1999). B) Sem dúvida nenhuma, a prática punitiva através da palmatória não consistia num fator motivacional para se estar no ambiente escolar. No primeiro diálogo entre Pilar e Raimundo, é bem expositivo no sentido do arrependimento do menino Pilar de ter feito a opção para estar naquela manhã na escola. Desse modo, diante de um ambiente aterrorizante e sem nenhum atrativo, retornar a escola era um enorme sacrifício para Pilar. Afinal, que tipo de experiência a escola lhe proporcionava? Dor e terror? As ruas eram mais sedutoras e prazerosas, o que consistia num grande problema paras as classes dirigentes, sobretudo para a cidade do Rio de Janeiro – a capital do Império -, as discussões pairavam no sentido de recolher e formar as crianças pobres no intuito de construir a classe de trabalhadores braçais (SCHUELER, 1999). C) O conto apresentou o estado fervilhante no contexto político do fim da regência, motivo que fazia o professor Policarpo devorar as folhas de um jornal da época. O menino Pilar indagava-se se o professor fazia parte de algum partido, mas nada era exposto ou discutido a respeito. O mestre não fazia caso da escola, sua postura era de total indiferença. Não cabia a escola – do período tratado -, o papel de agência de contextualização, problematização e muito menos de transformação social, apenas de reprodução e disciplinarização dos corpos, o que também pôde se constatar nas pesquisas de Schueler (1999), principalmente diante do recorte histórico abordado pela autora, as políticas públicas no campo da educação serviram de justificativas para inúmeros interesses “civilizatórios” de acordo a visão de mundo das classes dirigentes.