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EDUCAÇÃO FÍSICA NA

EDUCAÇÃO INFANTIL
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os
seguintes objetivos de aprendizagem:

 Ser capaz de enunciar e definir conceitos centrais para pensar a


intervenção da Educação Física na Educação Infantil.
 Ser capaz de compor referências para estruturar atividades corporais
para a prática da Educação Física na Educação Infantil.
 Reunir proposições acerca da compreensão da infância com a
intenção de subsidiar uma educação física capaz de não reduzir a
prática corporal da criança a seu biologicismo.

Professores convidados:

Fábio Zoboli

Cristiano Mezzaroba

CONTEXTUALIZAÇÃO

Para começar os nossos estudos sobre Educação Física na Educação


Infantil, vamos tomar uma posição, marcar uma opinião sobre a ideia de
criança. Aqui, neste livro, o sentido da palavra criança é compreendido e
delineado a partir de várias dimensões que a caracterizam como igual às
demais, ao mesmo tempo em que é única e diferente de todas, ou seja,
guarda sua singularidade. A criança, assim como todo ser humano, é um
ser dotado de uma estrutura biológica e psicológica que lhe atribui
características, de certo modo, universais. No entanto, não podemos
reduzir a criança a isso, já que ela também possui um contexto cultural,
econômico e político mediado por pessoas e instituições.

Por isso, falar de infância é algo complexo, pois noção de criança tem na
sua base a fragilidade biológica e a estrutura psicológica em formação, ao
mesmo tempo em que está mergulhada em um contexto social que
denuncia o desenvolvimento econômico, social e político de um povo. Na
modernidade, esse momento contemporâneo em que vivemos, a infância
deixa de ser um recorte etário definido por oposição ao adulto e, por
consequência, aponta para a necessidade de projetos educativos e
demandas diferenciadas. Não por acaso, esta disciplina de Educação Física
Escolar está se dedicando a isso, não é mesmo?!

Vejamos um aspecto legal sobre isso que estamos argumentando. Em 1996,


a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e
bases da educação nacional, também conhecida como Lei de Diretrizes e
Bases da Educação – LDB, em seus arts. 29, 30 e 31, regulamenta esse nível
de ensino da seguinte maneira:

Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como
finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em
seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a
ação da família e da comunidade.

Art. 30. A educação infantil será oferecida em:

I – creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de


idade;

II – pré-escolas, para as crianças de quatro a seis anos de idade (BRASIL,


1996, s.p.).

Você consegue reconhecer, a partir do exposto acima, a diferença e a


integração entre essas duas noções, ou seja, de uma noção mais
“tradicional”, que pensa e age sobre a criança baseada em aspectos
biológicos, e de uma noção mais “atual”, de vertente culturalista, que
considera aspectos sociais, econômicos e culturais?

Não vamos nos esquecer de que toda criança tem  e é  um corpo! Você já


refletiu sobre isso, ou seja, sobre como essas formas de nomenclatura e
maneiras de denominar questões triviais de nosso cotidiano dizem muito
sobre o universo de nossas práticas e concepções? No caso acima, “ter” e
“ser” indicam diferenciação e integração de noções. Ao longo da nossa
conversa, vamos procurar ampliar essa discussão.

Assim, esse corpo  deve ser entendido como um dos alvos da Educação


Infantil, o que significa dizer que ele deve ser pensado para além de seus
limites enquanto estrutura biológica e orgânica. Somos e temos um corpo
principalmente quando nos apropriamos de linguagens, na medida em que
esse mesmo corpo corresponde, antes de tudo, a vetores semânticos e
sintáticos de diferentes formas de educação. Além do mais, quando
estamos pensando nesses dois termos, para sermos abrangentes – crianças
e corpos – em relação às possibilidades da Educação Física nesse nível de
ensino, há um outro termo que se torna inseparável e imprescindível:
estamos falando do lúdico!

A partir dessa fundamentação legal apontada pela LDB (citada


anteriormente), nos propomos, neste primeiro capítulo, a apresentar
modos de educar o corpo a partir da Educação Física inserida como parte
da Educação Infantil. Esta proposição está pautada em dois eixos: a) a
estimulação corporal para crianças de 0-2 anos; e b) as práticas corporais e
infância: brincar, interagir e experimentar.

ESTIMULAÇÃO CORPORAL PARA A CRIANÇA DE 0-2


ANOS

Se você não é pai ou mãe, ou se não teve ou tem contato com bebês e
crianças pequenas, muitas vezes sente-se inseguro ou com receio em lidar
com seres tão pequenos e que parecem ser tão frágeis, não é mesmo?!
Ocorre que aos professores e professoras de Educação Física, muitas vezes,
o ambiente da Educação Infantil se coloca como uma possibilidade
profissional e não podemos deixar de aproveitar e encarar essa (nova)
experiência.

Sabemos que poderíamos explorar essa questão para muitas e muitas


páginas, principalmente com os conhecimentos já produzidos no campo da
medicina e da psicologia, ou mesmo do desenvolvimento motor e da
famosa psicomotricidade. Entretanto, tivemos que fazer algumas escolhas,
como a todo momento nós, professores, somos obrigados a fazer quando
selecionamos conteúdos e pensamos nossas aulas.

Por que essa justificativa e argumentação? Porque o que traremos em


seguida compõe apenas algumas possibilidades que temos, enquanto
professores de Educação Física, em pensar esse universo educacional.
Universo esse que muitas vezes, no plano das redes educacionais no Brasil,
ainda é algo pouco usual, ou seja, a presença de professores e professoras
de Educação Física lidando com a Educação Infantil, principalmente com
crianças bem pequenas. Dito isso, vamos às nossas exposições!

Sabemos que os primeiros anos de vida da criança são fundamentais para


seu desenvolvimento, tornando evidente a relevância e responsabilidade da
Educação Infantil na formação integral do indivíduo. A Educação Física e a
Pedagogia, como áreas que atuam diretamente com crianças de 0 a 2 anos
em centros de Educação Infantil, têm papel central neste processo.

No ambiente de Educação Infantil, muitas vezes é notória uma grande


preocupação com o sono, alimentação e higiene da criança, muito mais do
que com a prática de estimulação corporal. O bebê, nas fases iniciais da
vida, se comunica com o universo através de seu corpo, seu corpo
demonstra alegria, dor, tristeza, medo, fome etc., bem como outros
sentimentos e emoções. Nesta etapa, as relações que o bebê estabelece
com o mundo, com o outro e consigo são extremamente sensório-motoras
– o bebê se descobre enquanto ser no mundo através do seu corpo.

Neste sentido é importante que o profissional que atuará com esse grupo
etário de crianças proporcione as mesmas vivências, sensações, estímulos
que refletem no seu corpo e atuam no seu cognitivo, estimulando seus
reflexos, buscando trabalhar suas múltiplas linguagens, oportunizando
desta forma um desenvolvimento integral do bebê. O desenvolvimento
psicomotor está atrelado ao desenvolvimento global do sistema nervoso –
central e periférico – e compreende funções que são as bases do
desenvolvimento das funções motoras das próximas etapas da vida da
criança.

Você já ouviu falar em Shantala? Trata-se de uma técnica de massagem que


foi desenvolvida por Frédérick Leboyer e certamente pode ser uma forma
interessante de encontrar possibilidades com os bebês, similar às
massagens que as mães fazem em seus bebês. A referência do livro é a
seguinte:

LEBOYER, Frédérick. Shantala: massagem para bebês. Tradução de Luiz


Roberto Benati e Maria Silvia Cintra Martins. São Paulo: Ground, 1995.
No vídeo indicado a seguir, de quase seis minutos, é possível aprender
como a Shantala pode ser feita com os bebês:
<https://www.youtube.com>

Também indicamos outro vídeo, com duração de quase 12 minutos, que


ensina a fazer a Shantala: <https://www.youtube.com>.

É importante lembrar que a Shantala  passou a ser um método das Práticas


Integrativas disponíveis no SUS aqui no Brasil.

O processo de desenvolvimento do ser humano, do nascimento à idade


adulta, recebe habitualmente a denominação de desenvolvimento. O
processo de desenvolvimento pode ser dissociado em dois componentes
fundamentais e distintos, sendo um deles o crescimento, que corresponde
às mudanças das dimensões corpóreas – que vamos considerar aqui como
o crescer físico – e o outro componente é o desenvolvimento funcional, ou
seja, a aquisição e o aperfeiçoamento de capacidades e funções, que
permitem à criança realizar coisas novas, progressivas, mais complexas,
com uma habilidade cada vez maior.

Aqui é importante mencionar que quando falamos de atividades de


estimulação ligadas ao crescimento e desenvolvimento, não estamos
reduzindo a criança a seus aspectos corporais ligados ao organismo
biológico, que é algo que comumente acontece. Na nossa conversa, e para
esses nossos estudos, estamos sempre considerando que a criança é esse
ser em que todas as “dimensões” estão imbricadas: o biológico
(corporal/motor), o psicológico/cognitivo, o social, o cultural.

Pautada num modelo de criança universal, a Psicomotricidade desconhece


as diferenças de gênero, etnia e classe social, entre outras, trazendo, desde
a sua gênese, uma ideia de movimento como suporte das aprendizagens de
‘cunho cognitivo’. Ou seja, a Psicomotricidade se constituiu na escola e na
Educação Infantil como um suporte para as aprendizagens cognitivas. O
movimento, neste caso, serve de recurso pedagógico visando ao sucesso da
criança em outros campos do conhecimento (SAYÃO, 2002, p. 55).

ATIVIDADE DE ESTUDOS:

1) Há vários artigos e textos que trazem essa abordagem da criança


sem reduzi-la aos aspectos biológicos ou psicológicos. Sugerimos a
leitura do artigo de Márcia Buss Simão e Eloísa Acires Candal Rocha,
intitulado Crianças, infâncias, educação e corpo, publicado em 2007 na
Revista Nuances – Estudos sobre educação, para ter um contexto mais
amplo e conceitual das relações sociais, culturais e pedagógicas
quando pensamos as crianças e a infância ou as culturas infantis. O
texto está disponível no seguinte link: <http://revista.fct.unesp.br>.

Leia atentamente o texto e procure identificar os principais conceitos que


aparecem em relação ao que já tematizamos até o momento. Eles vão nos
ajudar, logo mais, quando adentrarmos no segundo tópico deste eixo da
Educação Infantil. Uma dica: os termos que compõem o título já sinalizam
alguns conceitos!

Responder

Apesar de representarem características muito próprias em cada indivíduo,


o crescimento e o desenvolvimento normalmente se processam numa
mesma sequência e com ritmos semelhantes, o que lhes garante certa
previsibilidade. Por sua vez, esta previsibilidade faz com que todo o
processo de maturação possa ser acompanhado, não apenas para avaliar a
normalidade de sua evolução, mas inclusive para que a criança possa
receber em cada etapa a estimulação mais adequada, contribuindo para
que o processo de crescimento e desenvolvimento transcorra da melhor
maneira possível.

Desde o nascimento até os dois anos de idade, as ações da criança são


essencialmente sensório-motoras, representando, assim, um
comportamento reflexo, dominado pelas necessidades orgânicas e ritmado
pela alternância alimentação-sono. Ela é movida pela necessidade de
movimentar-se e de explorar tudo o que a cerca, a criança enriquece sua
experiência motora e começa a diferenciar seu próprio corpo do mundo
dos objetos. Junto a essas vivências, dá-se a estruturação da imagem do
corpo, além da organização e estruturação de novas ações.

Perante isso, os pais, familiares e também as instituições de Educação


Infantil, de modo geral, têm um papel fundamental ao estimular a criança,
tomando sempre os cuidados para não exigir dela desempenhos
incompatíveis com a fase de amadurecimento em que se encontra, ou seja,
não queimar as etapas de seu processo maturacional. Os estímulos
corretos, nos momentos certos, acompanhados de cuidado, afeto,
sensibilidade, compreensão e apoio incondicional, certamente contribuirão
para o desenvolvimento do potencial da criança.
Sugerimos que você consulte o livro Compreendendo o desenvolvimento
motor – bebês, crianças, adolescentes e adultos, de David L. Gallahue e John C.
Ozmun. O livro apresenta, além dos aspectos conceituais e técnicos da
temática, numerosos auxílios pedagógicos em seus capítulos, que auxiliam
na compreensão do conteúdo.

GALLAHUE, David L.; OZMUN, John C. Compreendendo o


desenvolvimento motor: bebês, crianças, adolescentes e adultos. São
Paulo: Phorte Editora, 2003.

Sendo assim, passamos agora a apresentar os reflexos que as crianças de


0-2 anos apresentam e, a partir deles, como podemos propor atividades a
essas crianças pequenas. Basicamente são dois os tipos de reflexos que a
criança apresenta nessa fase da vida: reflexos posturais e os reflexos
primitivos/arcaicos. Mas, antes, o que são os reflexos?

Os reflexos são reações automáticas desencadeadas por estímulos que


impressionam diversos receptores. Tendem a favorecer a adequação do
indivíduo ao ambiente. Enraizados na filogenia, provêm de um passado
biológico remoto e acompanham o ser humano durante a primeira idade,
alguns durante toda a vida (CORIAT, 1977, p. 33).

Os reflexos posturais fornecem ao bebê a manutenção de uma postura


ereta em relação ao ambiente. Esses reflexos estão presentes já nos
primeiros meses de vida pós-natal, podendo persistir no decorrer do
primeiro ano. Conforme Gallahue e Ozmun (2005, p. 154), “esses reflexos
estão associados ao comportamento motor voluntário posterior e devem
ser cuidadosamente estudados por todos que se interessam pelo
desenvolvimento de padrões voluntários de movimento”.

Esses reflexos são importantes para pensarmos numa Educação Física para
os dois primeiros anos de vida da criança, por isso estaremos apresentando
na sequência do nosso texto esses reflexos e sugerindo algumas atividades
de estimulação.

Reflexos primitivos/arcaicos estão intimamente relacionados à alimentação


e proteção do bebê. Movimentos que facilitam atos como a amamentação,
a busca e a sucção, proteção (sustos), preensão palmar, preensão planar e
firmeza do pescoço, ou seja, tudo engloba o ato de alimentar e proteger-se.
Envolve ainda mobilidade dos olhos e do pescoço na procura do alimento,
sucção para sugar o alimento, reflexo nas mãos para pegar o alimento e
proteger-se, e nos pés para proteção.

Estes reflexos estão ligados à averiguação médica e não necessariamente


precisam ser estimulados, pois fazem parte de um repertório ligado ao
instinto humano – são estimulados somente em caso de retardo ou
prematuridade. Deste modo, somente apresentaremos estes reflexos de
forma sucinta para conhecimento dos professores e professoras de
Educação Física no trabalho cotidiano da Educação Infantil.

REFLEXOS POSTURAIS

Veremos, na sequência, que há algumas formas em relação aos reflexos,


como:

 Reflexos corretivos labirínticos e visuais.


 Reflexo de levantamento.
 Reflexos de amortecimento e de apoio.
 Reflexos corretivos do pescoço e do corpo.
 Reflexo de engatinhar.
 Reflexo primário de caminhar.

Vamos aprender sobre cada um deles e conhecer as sugestões de


atividades práticas?

a) Reflexos corretivos labirínticos e visuais

Os reflexos corretivos labirínticos e visuais podem ser provocados


segurando o bebê na posição ereta, então o educador o inclina para frente
e para trás como um pêndulo, também podem ser provocadom inclinando
o bebê para os lados. A reação esperada do bebê é uma reação contrária
com a cabeça ao sentido do movimento de seu tronco, a fim de manter a
cabeça ereta. Esse estímulo pode ser provocado de várias maneiras. Outra
maneira muito singular para avaliar o bebê é mencionada por Gallahue e
Ozmun (2005, p. 154): “o bebê se for seguro em posição inclinada e
reclinado para baixo, ele vai reagir levantando a cabeça”, ou seja, sempre
mantendo a cabeça em posição ereta. O reflexo corretivo visual é similar ao
reflexo labiríntico, exceto pelo fato de podermos acompanhar a
movimentação dos olhos do bebê, que acompanham o movimento da
cabeça, dirigindo os olhos para cima da cabeça.
“No reflexo corretivo labiríntico os impulsos que surgem no otólito do
labirinto fazem o bebê manter a cabeça em alinhamento apropriado com o
ambiente, mesmo quando outros canais sensoriais (isto é, a visão ou o tato)
são excluídos. O reflexo corretivo labiríntico ajuda o bebê a manter eretas a
cabeça e a postura corporal, contribuindo para o movimento para a frente
do bebê, por volta do final do primeiro ano” (GALLAHUE; OZMUN, 2005, p.
154).

O reflexo corretivo labiríntico faz sua aparição, em média, no segundo mês


de vida do bebê, desaparecendo por volta do sexto, quando toma lugar o
reflexo corretivo visual.

Figura 3 – Reflexos corretivos labirínticos

a) Ereto; b) inclinado para trás; c) posição pronada

Gallahue e Ozmun (2005).

Durante o terceiro mês, o tono dos músculos da nuca e do pescoço vai


organizar-se em função das posições do eixo corporal. Quando a criança
passa da posição deitada e sentada com apoio, sua cabeça mantém-se bem
firme, o pescoço serve de suporte firme a fim de que a criança possa
orientar o olhar em direção de um estímulo visual ou sonoro (LE BOULCH,
1982, p. 56).

 Atividade sugerida
Promovendo balanços no bebê, ele permanecerá a olhar para frente.
Segurando o bebê pelas axilas, de frente para você, execute balanços na
posição para frente e para trás e, em seguida, para os lados, podendo até
levantá-lo, deixando em posição paralela ao solo, e ele continuará a olhar
para frente.

Prática 1: O praticante deve segurar o bebê com a palma da mão supinada


no peito do bebê, e com a outra mão dar sustentação às costas do bebê,
efetuando o movimento similar ao voo do aviãozinho. A criança deverá
manter a cabeça em direção ao horizonte (olhando para frente).

Prática 2: O praticante deve sentar, mantendo os pés apoiados ao solo e os


joelhos flexionados e unidos, formando assim uma cadeirinha  com o pé e
com a perna. Assim, o praticante deve projetar-se para trás, elevando as
pernas e provocando ao bebê um desequilíbrio para trás e, logo após,
retornando à posição original.

Figura 4 – Movimento inicial (a) – Movimento final (b)

Gallahue e Ozmun (2005).

b) Reflexo de levantamento

O reflexo de levantamento dos braços aparece por volta do terceiro ou


quarto mês, permanecendo, continuamente, durante o primeiro ano de
vida do bebê.
O reflexo de levantamento dos braços é uma tentativa involuntária do bebê
de manter-se em posição ereta. O bebê, sentado em posição ereta e seguro
por uma ou duas mãos, flexiona os braços para permanecer ereto, quando
inclinado para trás. Ele faz o mesmo se for inclinado para frente
(GALLAHUE; OZMUN, 2005, p. 154-155).

Figura 5 – Reflexo de levantamento

Gallahue e Ozmun (2005).

 Atividade sugerida

Prática 1: Posicione o bebê sentado de frente para você, segurando-o pelas


mãos. Vá soltando o apoio oferecido pelas mãos, forçando-o a inclinar-se,
lentamente, como se ele fosse deitar. Assim, ele estará provocando a flexão
dos braços e uma leve flexão do tronco, procurando manter a cabeça
elevada, como tentativa de manter-se ereto.

c) Reflexos de amortecimento e de apoio

Os reflexos de amortecimento e de apoio são de primordial importância


aos bebês, pois eles serão muito utilizados quando o bebê iniciar o
processo de aprendizagem da caminhada. Esse reflexo é uma ação
protetora que se utiliza dos membros em ocasiões de desequilíbrio ou de
súbita força deslocadora. Depende do estímulo visual, ou seja, esse reflexo
não ocorre no escuro.

A reação de amortecimento para a frente pode ser observada quando o


bebê é suspenso verticalmente e, então, inclinado em direção ao solo. O
bebê estende os braços para baixo na tentativa aparente de amortecer a
queda prevista. As reações de amortecimento para baixo podem ser
observadas caso o bebê seja mantido em posição ereta e, rapidamente,
abaixado em direção ao solo. Os membros inferiores estendem-se,
enrijecem-se e abduzem-se. Os reflexos de apoio podem ser provocados
empurrando-se o bebê levemente e, assim, desequilibrando-o, da posição
sentada, para a frente ou para trás (GALLAHUE; OZMUN, 2005, p. 155-156).

As respostas de amortecimento, para frente e para baixo, surgem por volta


do quarto mês, a resposta lateral por volta do sexto mês, e a resposta para
trás por volta do décimo segundo mês. Ambas persistindo além do
primeiro ano.

Figura 6 – Reflexo de amortecimento

Gallahue e Ozmun (2005).

 Atividade sugerida

Este reflexo depende do estímulo visual, não ocorrendo respostas no


escuro. Mais uma vez, com o bebê no colo, devemos proporcionar
desequilíbrios, visto que ele se utilizará dos membros para se proteger da
possível queda.

Surgimento das respostas:


o Para frente e para baixo – por volta do quarto mês.
o Lateral – por volta do sexto mês.
o Para trás – por volta do décimo segundo mês.
o Ambas persistem além do primeiro ano de vida do bebê.

Prática 1: O praticante segura o bebê com ambas as mãos pela barriga,


com os polegares próximos às axilas do bebê, e faz simulações de queda,
aproximando-o do solo, tanto com os braços quanto com as pernas.
Prática 2: O praticante segura o bebê com ambas as mãos próximo à
região do quadril do bebê. Assim, deixando-o sustentar o próprio peso com
os braços por alguns segundos, podendo aumentar o tempo
gradativamente, procurando não estender muito esse tempo.

Prática 3: Assim que o bebê efetuar a prática anterior, podemos realizar


uma variação da mesma. Ao invés de permanecermos parados,
projetaríamos o bebê à frente, dessa forma ele caminharia com as mãos,
como no carrinho de mão.

d) Reflexos corretivos do pescoço e do corpo

O reflexo corretivo do pescoço desaparece por volta do sexto mês.


Também por volta do sexto mês aparece o reflexo de correção do corpo,
permanecendo aproximadamente até o 18º mês de idade. O reflexo
corretivo do corpo forma a estrutura-base para a realização do rolamento
voluntário.

O reflexo corretivo do pescoço pode ser observado quando o bebê é


colocado em posição supina com a cabeça voltada para um lado. O restante
do corpo move-se reflexamente na mesma direção da cabeça. Primeiro os
quadris e pernas alinham-se, seguidos pelo tronco. No reflexo corretivo do
corpo, ocorre o oposto. Quando testado a partir da posição deitada lateral,
com as pernas e o tronco voltados para a mesma direção, o bebê voltará
sua cabeça reflexamente na mesma direção e colocará o corpo em
alinhamento com a cabeça (GALLAHUE; OZMUN, 2005, p. 156).

 Atividade sugerida

O reflexo corretivo do corpo forma a base para a futura realização do


rolamento voluntário.

Prática 1: O praticante, em decúbito dorsal, deita o bebê em decúbito


ventral em seu peito, efetua um rolamento lateral até a posição lateral, sem
completar o giro. O bebê encostará lateralmente ao solo e, logo em
seguida, retornará e continuará o giro com o praticante para o outro lado,
completando um giro total de 180 graus.

Figura 7 – Reflexo do corpo


Gallahue e Ozmun (2005).

Prática 2: O praticante coloca o bebê sobre uma grande toalha no solo, e


segura em uma das extremidades, ocasionando um desnível, levantando
gradativamente a toalha, provocando o rolamento do bebê, lateralmente.

Figura 8 – Reflexo do corpo

Gallahue e Ozmun (2005).


e) Reflexo de engatinhar

O reflexo de engatinhar surge desde o momento do nascimento até por


volta do terceiro ou quarto mês, havendo um espaço de tempo entre a
ação de engatinhar reflexa e a ação de engatinhar voluntária, que surge por
volta do sétimo mês.

O reflexo de engatinhar pode ser observado quando o bebê é colocado em


posição inclinada e aplica-se pressão à sola de um de seus pés. Ele
engatinhará de modo reflexo, usando tanto os membros superiores como
os inferiores. A aplicação de pressão na sola dos pés provoca o retorno da
pressão pelo bebê. A aplicação de pressão na sola de apenas um pé produz
o retorno da pressão e um impulso extensor da perna oposta (GALLAHUE;
OZMUN, 2005, p. 156).

Figura 9 – Reflexo de engatinhar

Gallahue e Ozmun (2005).

 Atividade sugerida

Prática 1: O praticante estimula e provoca a atenção do bebê para um


objeto, de preferência que seja colorido e que faça ruídos, assim o bebê
começará a pegá-lo e percebendo-o em sua mão, logo o ruído chamará
ainda mais sua atenção. Então, o praticante colocará o objeto a uma
pequena distância do bebê, que se encontra em decúbito ventral no solo. O
praticante dá o apoio aos pés do bebê, no qual ele deverá apoiar-se para ir
em frente.
Prática 2: Colocar o bebê em decúbito ventral, em um colchonete em
desnível, pôr o bebê em um local cuja lei da gravidade o ajude a descer
engatinhando, podendo ser utilizada a toalha também.

f) Reflexo primário de caminhar

O reflexo primário de caminhar está associado a habilidades de reagir às


forças gravitacionais e mudanças no equilíbrio. Estas reações são
involuntárias e dão suporte à criança para manter a postura. O reflexo de
caminhar surge normalmente por volta da sexta semana, porém se
intensifica a partir do quinto para o sexo mês. Pode parecer estranho
pensarmos que esse reflexo de caminhar começa tão cedo assim, não é
mesmo? Mas não estamos falando no ato de marcha/caminhada, e sim em
um movimento reflexo de manter a posição dentro de suas condições.

Há estudos que mostram que a prática precoce e persistente do reflexo de


caminhar afeta diretamente o processo de caminhar voluntário e mostra-se
efetiva devido ao fortalecimento da musculatura dos membros inferiores,
fundamentais para a ação de caminhar.

“O bebê, quando segurado de forma ereta, com o peso do corpo colocado


para a frente em superfície plana, reage ‘caminhando’ para a frente. Esse
movimento de caminhada envolve somente as pernas” (GALLAHUE;
OZMUN, 2005, p. 156).

Figura 10 – Reflexo primário de caminhar


Gallahue e Ozmun (2005).

 Atividade sugerida

O reflexo de caminhar surge normalmente por volta da sexta semana e


permanece até o quinto mês. A prática precoce e persistente de caminhar
afeta diretamente o processo de caminhar, pois o fortalecimento da
musculatura dos membros inferiores é fundamental para a ação de
caminhar.

Prática 1: Simular a caminhada, segurando o bebê pelo tronco, dando


alguns passos, procurando-o manter em pé por alguns segundos,
ajudando-o assim a fortalecer a musculatura dos membros inferiores.

Prática 2: Simular caminhadas, segurando-o pelas mãos, assim,


trabalhando também um pouco da musculatura superior, além da
musculatura inferior.

ATIVIDADE DE ESTUDOS:

1) Até o momento, abordamos e exemplificamos quanto aos seis


reflexos posturais. Vamos recapitular o que aprendemos até aqui?
Propomos que você procure recuperar os termos, e a partir de suas
palavras, escreva o que significa cada um deles. Preparado? Vamos lá!
Se quiser complexificar a atividade, procure pensar em outras formas de
atividades práticas, diferentes das demonstradas nas figuras, simulando a
sua atuação enquanto professor de Educação Física trabalhando com
crianças pequenas.

Responder

REFLEXOS PRIMITIVOS/ARCAICOS

Nos dois links que indicamos a seguir é possível aprender um pouco mais
sobre o que são os reflexos primitivos/arcaicos:

 <https://www.fcm.unicamp.br>.
 <https://www.portaleducacao.com.br>.

Acesse e confira!

Com relação aos reflexos chamados de primitivos/arcaicos, temos os


seguintes tipos:

 Reflexo de Moro e de choque.


 Reflexos de busca e sucção.
 Reflexos buço-manuais.
 Reflexo de preensão palmar.
 Reflexo de preensão plantar e de Babinski.
 Reflexos tônicos assimétricos e simétricos de pescoço.

Seguimos na tentativa de compreender, resumidamente, cada um deles,


com algumas sugestões visuais de atividades!

a) Reflexo de moro e de choque

Para provocar este reflexo, coloca-se o bebê na posição supina e, com uma
leve batida no abdômen, ou com a produção do sentimento de
insegurança, falta de apoio, ou até mesmo pode ser autoinduzido por um
barulho alto, provocado por tosse ou espirro do bebê.

No reflexo de Moro, há repentina distensão e flexão dos braços e expansão


dos dedos. As pernas e os dedos dos pés realizam as mesmas ações, mas
menos vigorosamente. Os membros então voltam à posição flexionada
normal contra o corpo. O reflexo de choque é similar em todos os sentidos
ao reflexo de Moro, exceto pelo fato de que envolve a flexão dos membros
sem distensão prévia (GALLAHUE; OZMUN, 2005, p. 149).

O reflexo de Moro é comum nas primeiras semanas de vida do bebê e vai


perdendo sua intensidade, gradualmente, até que este se manifeste como
um simples movimento espástico do corpo em relação ao estímulo
provocado.

Figura 11 – Reflexo de Moro – a) fase de extensão; b) fase de flexão

Gallahue e Ozmun (2005).


Compreender o que significa “espasmos” é algo importante àqueles que
estarão em contato com bebês. Por isso, sugerimos que você faça uma
pesquisa na internet procurando termos e vídeos diversos para aprofundar
seu estudo sobre esse termo. Vamos pesquisar?

Sugerimos que você acesse o link a seguir para aprender mais sobre os
espasmos. Inclusive, na reportagem, há o acesso a um vídeo que nos ensina
como identificar um espasmo.

Disponível em: <https://revistacrescer.globo.com>.

b) Reflexos de busca e sucção

Podemos também chamá-lo de reflexo de descoberta e sucção, pois é por


meio desse reflexo que o recém-nascido consegue obter o alimento de sua
mãe. Quando estimulado na região ao redor da boca, o bebê direciona a
cabeça para o lado de onde provém o estímulo (reflexo de busca). Esse
reflexo é comum e permanece normalmente nas primeiras três semanas
de vida, e vai sendo substituído, gradualmente, pela reação direcionada de
posicionamento da cabeça, controle que se torna refinado e demonstra ser
um comportamento proposital para colocar a boca em contato com o
estímulo.

O reflexo de sucção tem duas fases: a fase expressiva (mamilo da mãe


pressionado entre a língua e o palato), e a fase de sucção (pressão
negativa na cavidade bucal). O reflexo de busca permanece mais ou menos
até o fim do primeiro ano de vida do bebê. Já o reflexo de sucção
desaparece na forma de reflexo por volta do terceiro mês de vida, tornando
uma ação voluntária.

c) Reflexos buço-manuais
São dois os reflexos buço-manuais presentes no recém-nascido. O reflexo
palmar-mental, que ao estimular (coçar) a base da palma da mão, ocasiona
uma contração dos músculos do queixo, erguendo-o para cima. Esse
reflexo desaparece relativamente cedo. O outro reflexo buço-manual é o
reflexo palmar-mandibular ou reflexo de Babkin, que é a aplicação de
pressão em ambas as palmas da mão, ocasionando a abertura da boca,
fechamento dos olhos e flexão da cabeça para frente. Esse reflexo também
desaparece muito cedo, tornando-se imperceptível até o terceiro mês de
vida do bebê.

d) Reflexo de preensão palmar

No início da vida do bebê, geralmente ele mantém as mãos, na maioria do


tempo, fechadas, e bem fechadas. Quando a mão é estimulada, ele vai
fechá-la, fortemente, em torno do objeto de estímulo, sem a utilização do
polegar. A força aumenta conforme há uma resistência aplicada na
tentativa de soltar o objeto da mão do bebê, podendo chegar a ponto de
suportar o peso do próprio corpo, suspendendo-o, tamanha é a resistência
aplicada pelo bebê. Essa característica está presente do nascimento até por
volta do quarto mês de vida do bebê. Segundo Gallahue e Ozmun (2005, p.
12), “um aperto fraco ou a persistência do reflexo após o primeiro ano pode
ser um sinal de retardo no desenvolvimento motor ou de hemiplegia, caso
isso ocorra somente de um lado”.

Figura 12 – Reflexo de preensão palmar


Gallahue e Ozmun (2005).

e) Reflexo de preensão plantar e de Babinski

No recém-nascido, o reflexo de Babinski causa a distensão dos dedos,


originada por uma batida na sola do pé. À medida que o sistema
neuromuscular amadurece esse reflexo, Babinski é substituído pelo reflexo
plantar, em que ao estimular a sola do pé há a contração dos dedos.

O reflexo de Babinski está normalmente presente no nascimento, mas é


substituído pelo reflexo de preensão plantar, por volta do quarto mês, que
pode persistir até cerca do 12º mês. O reflexo de preensão planar pode ser
mais facilmente provocado quando se pressiona os polegares contra a
parte de trás dos dedos do bebê (GALLAHUE; OZMUN, 2005, p. 152).

f) Reflexos tônicos assimétricos e simétricos de pescoço

Os reflexos tônicos do pescoço estão presentes na maioria dos bebês


prematuros, porém não é uma reação obrigatória, pois não acontecem em
todo o momento em que o avaliador posiciona a cabeça do bebê. Já nos
bebês com idades entre 3 e 4 meses, estes assumem a posição em 50% do
tempo, ou seja, metade dos testes devem ser respondidos conforme o
avaliador posiciona o bebê. Segundo Gallahue e Ozmun (2005, p. 153), a
descrição do reflexo tônico assimétrico é:

Para provocá-lo, o bebê é colocado em posição supina por um examinador


treinado e o pescoço é virado, de maneira que a cabeça fique de frente
para um dos lados. Os braços assumem posição similar à posição do
esgrimista “em guarda”, isto é, o braço estende-se do lado do corpo, na
direção em que a cabeça está voltada, e o outro braço assume posição
extremamente flexionada. Os membros inferiores assumem posição similar
à dos braços.

Já quanto ao reflexo tônico simétrico do pescoço:

O reflexo tônico simétrico do pescoço pode ser provocado em uma posição


sentada e apoiada. A distensão da cabeça e do pescoço produzirá a
distensão dos braços e a flexão das pernas. Se a cabeça e o pescoço
estiverem flexionados, os braços flexionam-se e as pernas estendem-se
(GALLAHUE; OZMUN, 2005, p. 153).

Figura 13 – a) Reflexo tônico assimétrico do pescoço; b) Reflexo tônico


simétrico do pescoço

Gallahue e Ozmun (2005).


Sugerimos que você assista ao vídeo Saúde da Criança – Reflexos primitivos,
elaborado pela Universidade Aberta do SUS. Com ele é possível recapitular
tudo o que apresentamos até aqui, em linguagem fácil e ilustrativa.
Acesse <https://www.youtube.com>.

Sugerimos, caso seja possível, uma visita a alguma instituição de Educação


Infantil (ou mesmo, se conhecer algum amigo ou amiga próximo de você e
que atualmente tenha criança pequena), procurando observar essas
características em crianças pequenas, e na medida do possível, elaborar um
relato dessa sua experiência a partir dos conhecimentos que acabamos de
abordar. Mãos à obra!!!

PRÁTICAS CORPORAIS E INFÂNCIA: BRINCAR,


INTERAGIR E EXPERIMENTAR

Como vimos, no primeiro eixo que abordamos aqui na nossa imersão


quanto às questões da Educação Física na Educação Infantil, o enfoque foi
mais voltado à perspectiva do ponto de vista biológico em relação às
crianças pequenas. Na sequência, neste segundo eixo, vamos tratar de uma
perspectiva lúdica, que envolve, basicamente, aspectos pedagógicos,
sociológicos e antropológicos da cultura infantil.

Para não cairmos em associações ligeiras e superficiais, apresentaremos


algumas breves notas sobre o que vem a ser a perspectiva lúdica.

O termo vem de Johan Huizinga, a partir da sua obra Homo ludens: o jogo


como elemento da cultura (1992), em que ludus  significa lúdico, ou
simplesmente jogo, embora a compreensão de lúdico transcenda a ideia do
simples jogar ou de se divertir. O lúdico também não deve ser pensado
como algo intrínseco apenas à cultura infantil, pois se trata de uma
condição humana que extrapola determinações etárias ou sociais.

Diante disso, você já chegou a questionar sobre o que vem a ser o lúdico e
de que maneira ele se apresenta? Podemos dizer que o lúdico se manifesta
em contextos como o do jogo e da brincadeira, ou seja, nas interações
sociais que envolvem a corporeidade dos sujeitos. Suas características
podem ser observadas a partir da espontaneidade, ao caráter
desinteressado, ao caráter de não seriedade, ao prazer, a não obrigação, à
espontaneidade, à autonomia e à liberdade – esse conjunto contextual é o
que permite pensarmos o que vem a ser o lúdico.

Conforme Huizinga (1992), o lúdico se caracteriza como “uma atividade


livre, conscientemente tomada como ‘não séria’ e exterior à vida habitual,
mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e
total. É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material, com
a qual não se pode obter lucro, praticada dentro de limites espaciais e
temporais próprios, segundo uma certa ordem e certas regras”.

Oferecemos, como possibilidade para uma maior aproximação ao termo


lúdico, o texto de Rubem Alves – É brincando que se aprende, publicado na
Folha de São Paulo On-line em 2002: <https://goo.gl/bJXJAp>.

Assim, vamos tomando contato e vamos aprendendo que o conjunto de


saberes e conhecimentos dos mais variados campos vão nos permitindo
adentrar nesse universo das crianças e entendê-lo, ao mesmo tempo, na
sua particularidade, mas também na sua universalidade, com o intuito,
sempre, de alargar as possibilidades de compreensão, pois assim podemos
pensar numa intervenção mais segura e que impacta em boas práticas
pedagógicas.

Antes de adentrarmos às questões definidas para este segundo eixo –


Práticas corporais e infância: brincar, interagir e experimentar – cabe-nos
um último comentário em relação às complementações e aprofundamento
que faremos quanto aos termos e conceitos que aparecem aqui pela
primeira vez, principalmente em relação ao jogo, ao brinquedo e à
brincadeira, ou seja, esses temas serão melhor abordados, de maneira mais
específica e mais completa, no Capítulo 2, em que trataremos da Educação
Física nas séries iniciais do Ensino Fundamental.

Vamos aprender um pouco mais sobre um conceito bem recente da


Educação Física e que ajuda a compormos esse segundo eixo que
abordamos agora? Trata-se do conceito de práticas corporais. Para isso,
sugerimos uma visita ao link: <https://goo.gl/ugs2iq>.

Clicando nele, você terá acesso ao artigo O termo práticas corporais na


literatura científica brasileira e sua repercussão no campo da Educação Física,
cujos autores são: Ari Lazzarotti Filho, Ana Márcia Silva, Priscilla de Cesaro
Antunes, Ana Paula Salles da Silva e Jaciara Oliveira Leite, todos professores
de Educação Física da Universidade Federal de Goiás. Aprender um pouco
mais sobre os nomes que damos às “coisas” é algo bastante importante à
nossa formação e atuação profissional. Vamos à leitura?

Com relação ao conceito de infância, sugerimos a leitura do livro de


Philippe Ariès, História social da criança e da família. Trata-se de uma
abordagem historiográfica que contextualiza a questão das crianças e da
(invenção da) infância e as relações dialéticas entre sujeitos e sociedades,
ou seja, como as questões culturais vão permitindo compreender
diferenciações entre crianças e adultos, bem como as singularidades das
crianças.

Na faixa etária de 3-6 anos, que compreende o último ano da creche (três
anos) e a etapa da pré-escola (4-6 anos), as atividades de Educação Física
precisam estar pautadas sumariamente em aspectos lúdicos ligados ao
brincar. Esse brincar tem relação muito mais com a ideia de experimentar
uma brincadeira do que necessariamente se apropriar de uma
determinada técnica que o brinquedo manipulado exige. Por exemplo, a
criança, ao brincar com um pião, não precisa necessariamente saber
enrolá-lo ou soltá-lo conforme se informa no manual de instruções. Ela
experimenta girar o pião de diversas formas com sua mão. Joga e
estabelece uma relação com o brinquedo que vai lhe acrescendo
movimentos a seu vocabulário motor e cognitivo pelo simples fato de
experimentar o brincar e o brinquedo. Não faz sentido que a criança
brinque com o pião numa perspectiva em que ela obtenha coordenação
motora fina manual e habilidades para diminuir a probabilidade de erros.
Perspectiva esta bastante comum e recorrente das intenções dos
professores de Educação Física nos mais variados níveis de ensino quando
trazem seus conteúdos e atividades. Este é um típico comportamento
ligado ao âmbito esportivo na nossa área.

A brincadeira deve ser valorizada como um importante e necessário


recurso pedagógico na Educação Infantil, por fazer parte da vida da criança,
por ser parte da identidade dela. Ao ser utilizada a brincadeira e o
brinquedo, devemos, como professores, pensar e planejar a partir do
contexto social e cultural da(s) criança(s) envolvida(s), respeitando-se,
também, os limites físico-estruturais. Isso desde que não se considere o
espaço como algo totalmente limitante, pois apesar da estrutura física
limitar determinadas atividades, o espaço não pode ser determinante para
a escolha ou realização de brincadeiras que permitam ao corpo brincar.

No artigo O lúdico no processo pedagógico da educação infantil: importante,


porém ausente, os autores realizaram uma pesquisa empírica em relação à
presença do lúdico na Educação Infantil. Como o título indica, em geral o
lúdico é apontado em seu nível de importância àqueles que trabalham com
crianças, mas observaram que no cotidiano pedagógico é uma dimensão
ausente. A partir de experiências investigativas como esta, aprendemos
sobre o cotidiano pedagógico e como podemos (re)pensar nosso
planejamento e nossas práticas! Acesse: <https://goo.gl/vnKhH9>.
O brincar é um ato humano, o homem enquanto espécie é um ser que
brinca – Huizinga, escritor de um dos livros mais clássicos sobre essa
característica humana do brincar, denomina o Homem como “Homo
ludens”. Somos seres complexos que se assumem não tão somente
no faber (a dimensão do agir) que há em nós, mas também secretamos o
mito, a magia e o rito da brincadeira. O brincar e o brinquedo nos reportam
a uma dimensão, não somente enquanto crianças, porque o brincar não é
exclusivo da criança e sim do humano – que, em determinado momento, se
experimentou no mundo enquanto criança.

Assim, apresentamos o que Deborah Sayão escreveu e que nos


embasamos para considerar e tratar em relação ao brincar enquanto
esfera preponderante da Educação Física na Educação Infantil:

Brincar de diferentes formas; construir brinquedos; brincar em diferentes


espaços; utilizar objetos culturais durante as brincadeiras alterando-os pela
imaginação ou pela ação transformadora em brinquedos, favorecer a
imaginação e a criação de múltiplas formas de brincar; discutir as regras
das brincadeiras e a ocupação dos espaços; alternar constantemente os
espaços onde brincam; favorecer a linguagem oral e expressiva durante as
brincadeiras; exercitar a observação do espaço onde circulam; recriar os
espaços para a brincadeira. Essas são algumas formas possíveis de inclusão
das dimensões humanas no trabalho pedagógico, que consideram as
especificidades da infância (SAYÃO, 2002, p. 60). 

Que tal ler a entrevista com Gilles Brougère, renomado professor e


pesquisador francês que se dedica às questões da criança e do brincar?
Disponibilizamos o link <https://goo.gl/zHyJGA>, confira!
É sempre bom e bem-vindo aquele conhecimento que vai se sedimentando
em um determinado campo do saber. Nesse sentido, sugerimos a leitura do
artigo de Gilles Brougère, professor, pesquisador e escritor francês, autor
bastante conhecido aqui no Brasil por seus estudos quanto às crianças,
infância, lúdico e cultura infantil.

Em uma passagem do artigo que ora indicamos, ele assim argumenta: “[...]
Brincar não é uma dinâmica interna do indivíduo, mas uma atividade
dotada de uma significação social precisa que, como outras, necessita de
aprendizagem” (BROUGÈRE, 2004).

Vamos aprender mais sobre essa temática imprescindível àqueles que se


dedicam a estudar, pesquisar e trabalhar com crianças? O link para acessar
o artigo A criança e a cultura lúdica é este: <https://goo.gl/yk7LUU>. Boa
leitura.

Vimos um pouco sobre a dimensão do brincar e que tal dimensão não está
descolada do contexto onde o ser humano brinca. Significa dizer que o
homem se realiza na sua particularidade de ente humano pela e na cultura.
Logo, sua dimensão lúdica emerge e se afirma a partir de seu contexto
cultural. O brincar e o brinquedo têm relações com o lugar onde nascemos
e a época da qual experimentamos nossa infância enquanto “profissionais
do brincar”, pois, muitas vezes, nós, professores de Educação Física,
possuímos (para o bem e para o mal) essa representação social de que
nossas aulas são brincadeiras, são jogos ou são esporte, não é mesmo?

Assim, vamos seguir nossa conversa e nosso conteúdo trazendo aspectos


quanto ao brinquedo. Ou você pensa que brincar, jogar e brinquedo são
sinônimos? Guardam semelhanças, certamente, mas devemos
compreender o que significam para depois pensá-los enquanto meios
pedagógicos para nossas práticas e seus fins.

De forma sucinta, podemos organizar o que eles significam da seguinte


maneira:

 A brincadeira é a ação que a criança desempenha ao concretizar


certas “regras” do jogo, ou seja, é a ação lúdica em si.
 O jogo envolve a presença de um sistema de regras específicas.
 O brinquedo possui uma dimensão material, cultural e técnica,
sendo, geralmente, o suporte da brincadeira.

Esse texto vem apresentar o brinquedo basicamente como um fator de


cultura, e nesse ponto encontramos e reconheçamos o seu viés
pedagógico, sua função na formação da criança. Uma das autoras mais
utilizadas e citadas no Brasil quando se abordam as questões relativas ao
brinquedo e à brincadeira é Kishimoto (2008), professora e pesquisadora da
USP, que apresenta algumas manifestações das quais a brincadeira e o
brinquedo se manifestam:

 Brinquedo educativo (jogo educativo): entendido como recurso


que ensina, desenvolve e educa de forma prazerosa.
 Brincadeiras tradicionais infantis: ligada ao folclore e à oralidade,
incorpora a mentalidade popular e guarda a produção espiritual de
um povo em certo período histórico.
 Brincadeiras de faz-de-conta: é a brincadeira simbólica;
sociodramática, surge com o aparecimento da representação e da
linguagem, em torno de 2-3 anos.
 Brincadeiras de construção: consideradas de grande importância
por enriquecer a experiência sensorial, estimular a criatividade e
desenvolver habilidades da criança.

Vamos saber mais sobre esses termos – jogo, brinquedo, brincadeira –


relacionados ao contexto educacional? Sugerimos este livro organizado pela
profª. Tizuko Morchida Kishimoto, intitulado Jogo, brinquedo, brincadeira e a
educação!

ATIVIDADES DE ESTUDOS:

1) Vamos fazer um levantamento em relação às possibilidades que


temos com brinquedos, brincadeiras e jogos quando trabalhamos com
crianças? Esse tipo de pesquisa e material que produzimos,
inventariando formas conhecidas, depois serve como material
pedagógico e nos auxilia na preparação e montagem de nossas aulas.
Para isso, você pode utilizar a estruturação comentada anteriormente,
ou seja, pesquisando quanto a jogos educativos, brincadeiras
tradicionais infantis, brincadeiras tradicionais e brincadeiras de faz-
de-conta.

Propomos o preenchimento a partir do quadro a seguir:


Tipos BRINQUED
BRINCADEIR BRINCADEIR O
BRINCADEIR
AS AS DE EDUCATIV
AS DE FAZ-
TRADICIONAI CONSTRUÇÃ O (JOGO
Aspectos DE-CONTA
S INFANTIS O EDUCATIV
O)

Descrição
atividade

Aspectos
materiais

Aspectos
espaciais

Observaçõ
es gerais

Responder

2) Sabemos que brincando, a gente aprende. Vamos colocar isso em


prática, “brincando” de avaliar e fixar o que aprendemos até aqui
quanto às questões que envolvem jogo, brinquedo e brincadeira?
Relacione a coluna da esquerda, em que constam exemplos, com a
coluna da direita:

I - Construir casas, móveis ou cenários (   ) Brinquedo educativo


para as brincadeiras simbólicas.

II - Quebra-cabeça, brinquedos de (   ) Brincadeiras tradicionais infantis


tabuleiro, brinquedos de encaixe etc.

III - Envolve a situação imaginária; (   ) Brincadeiras de faz-de-conta


representação de papéis.
IV - Amarelinha, pião, parlendas etc. (   ) Brincadeiras de construção

Responder

O jogo, a brincadeira, os brinquedos e o movimento são os vetores que vão


dar suporte à formação da cultura infantil. Mediar essa cultura, construindo
e reconstruindo aspectos que estimulem e desafiem a criança em meio a
ela é papel fundamental dos professores que atuam na Educação Infantil, e
nesse sentido, cabe aos professores de Educação Física o conhecimento
que valorize a dimensão corporal das crianças, compreendendo a
importância das variadas brincadeiras e jogos no processo de acesso e
socialização dessas crianças ao universo cultural, possibilitando-lhes as
mais diversas experimentações e interações.

O brinquedo e a brincadeira, como componentes do universo infantil, na


menção de Brougère (2004), apresentam características que as legitimam
enquanto conteúdo pedagógico, por assumir e conter as seguintes
características:

 Não são neutras.


 Não são vazias de significados.
 São culturais.
 Apresentam possibilidades de trocas constantes.
 Exigem regras geradas pelas circunstâncias (mesmo que regras
simples).
 Possuem regras flexíveis e construídas coletivamente.
 Caracterizam-se por serem espaço para criatividade e liberdade de
escolha.
 Permitem que a criança invente configurações e possibilidades sem
riscos.
 Possuem uma dimensão aleatória.

Agora chegou a hora de seguirmos a discussão sobre outra dimensão que


deve ser considerada quando estamos lidando com a Educação Infantil.
Falaremos sobre a interação e sua importância.

Quando pensamos numa educação institucionalizada, com a intenção de


fazer com que a criança se aproprie de um mundo/cultura, sempre
acabamos por nos remeter à ideia moderna de pensar na relação de um
professor/adulto que ensina a um aluno/criança.

No âmbito familiar essa relação está centrada também nessa hierarquia, ou


seja, nos pais adultos – e muitas vezes também nos irmãos mais velhos –,
na responsabilidade de fazer com que a criança se torne culturalmente
apta (instruída, preparada) para se relacionar. No entanto, quando estamos
considerando o universo da Educação Infantil e suas práticas, sabemos que
essa esfera da interação é algo que é presente e constante nas relações
professores-crianças, crianças-crianças, família-instituição e assim por
diante. 

Desta forma, o interagir assume papel importante no âmbito da Educação


Infantil. Vejamos como Deborah Sayão, autora que nos ajuda a pensar
essas questões, aborda quanto à dimensão da interação:

Interagir com as outras crianças do grupo, com os adultos, com crianças


de outros grupos etários, com as famílias, com a comunidade circundante
[...], o que significa considerar que aquilo que diferencia os seres humanos
de outras espécies é a sua infinita capacidade de produção de cultura, que
se dá pelas interações. Quanto às crianças pequenas, é a interação com
outros sujeitos que lhes possibilita serem humanas (SAYÃO, 2002, p. 60-61).

Quando estamos falando sobre desenvolvimento humano  institucionalizado,


pressupõe-se que a compreensão do ser humano ocorre sob determinados
aspectos, sejam eles corporais/motores, cognitivos, sociais, afetivos e
culturais, ou seja, aquilo que faz com que um ser se torne ser humano. Essa
perspectiva aponta para o Homem como alguém que é produto e produtor
de uma determinada/localizada cultura. Sobre isso, dois importantes
teóricos contribuíram às questões educacionais e socializadoras: Piaget
(costumeiramente relacionado ao Construtivismo) e Vygotsky (relacionado
ao Sociointeracionismo). Qual tal uma rápida pesquisa sobre esses dois
autores para entender suas ideias principais no campo da educação e da
formação humana? Além disso, procure interpretá-los, também, em relação
a como concebem a dimensão da interação em suas teorias.
A estrutura de corpo da criança – enquanto organismo – possibilita-lhe
sentir, pensar e agir, mas a cultura fornece os sentidos e significados de
seus sentimentos, pensamentos e ações, (re)criando e (re)construindo
novos universos e novos corpos. Corpo e infância são construções sociais,
culturais e históricas, presentes em todas as sociedades humanas. Deste
modo, temos que entender a educação como uma educação do corpo. Por
educação do corpo aqui entendemos as técnicas e práticas corporais
transmitidas culturalmente cuja razão se explica por significações sociais
que representam suas incorporações, assim, educar os corpos implica
transmitir discursos políticos e sentidos estéticos – seja de forma explícita
ou de modo indireto, como argumenta Galak (2016).

Assim, quando a criança interage na Educação Infantil, ela começa a


construir valores, comportamentos, representações, habitus. Essa
apropriação faz com que a criança se torne um ser de cultura. Para
Bourdieu (1998), o  habitus representa a naturalização dos comportamentos
sociais de um grupo, depositada em cada organismo sob a forma de
esquemas de percepção, apreciação e ação que tendem, com mais firmeza
do que todas as normas explícitas (aliás, geralmente congruentes com
essas disposições), a assegurar a conformidade das práticas para além das
gerações.

As noções de certo/errado, de respeito, de partilha, comportamentos de


gênero, de cumprimento de papéis sociais, usos do corpo, as noções de
público/privado, tudo isso passa nessa fase em que a criança está na
Educação Infantil. Entra aí a importância do professor de manipular
questões axiológicas através dos jogos e brincadeiras. Nas estórias de “faz
de conta”, a criança submerge no mundo fantasioso e pode jogar com
valores ao mesmo tempo em que encena com situações cotidianas de seu
grupo social.

Indicamos o livro De bem com a vida – Ética para crianças, da Coleção


Marcha Criança, da Editora Scipione (2002), em que são apresentadas
questões interdisciplinares, sugestões de livros e vídeos e também aborda a
dimensão da avaliação. Sugere como atividades as brincadeiras de cantiga,
que envolvem girar, correr e brincar, cantando. Assim vão sendo
apresentadas a poemas e poesias, conversam a respeito das estórias
dessas cantigas, são estimuladas a conversarem, depois, em casa, com pais
e avós sobre essas brincadeiras, e nesse sentido vão interagindo com uma
ampla rede de possibilidades.

Para a criança se apropriar dessa cultura, respeitando o seu universo


infantil, faz-se necessário que o professor se utilize das mais diversas
linguagens. Assim a criança, a partir de seu mundo, acessa o mundo sem
necessariamente ter que ser adulta, mas se apropriando de
comportamentos culturais.

Seguindo nosso diálogo com Deborah Sayão, que nos ajuda a elaborar esse
material, vemos como ela argumenta em relação às possibilidades
de manifestação em diferentes linguagens:

Manifestar-se através de diferentes linguagens, o que significa permitir e


reconhecer que a oralidade, a escrita, o desenho, a dramatização, a música,
o toque, a dança, a brincadeira, o jogo, os ritmos, as inúmeras formas de
movimentos corporais, são todos eles expressões das crianças, que não
podem ficar limitadas a um segundo plano. Em nossa cultura, a escrita tem
ocupado um espaço considerável nas intervenções educativas em
detrimento de outras linguagens que também são manifestações humanas.
Descobrir junto com as crianças essas “outras” linguagens é um desafio a
ser superado (SAYÃO, 2002, p. 60-61). 

O conceito de afecções de Spinoza pode nos ajudar a pensar num devir


criança a partir das mais variadas linguagens que formam os componentes
curriculares da Educação Física. Assim, a cultura infantil deve estar
alicerçada por práticas que estimulem a criatividade, ludicidade e
ampliação de suas experiências de movimento.

Afecções: “As imagens das coisas são afecções do corpo humano, cujas
ideias representam os corpos exteriores como presentes a nós [...], isto é
[...], cujas ideias envolvem a natureza de nosso corpo e, ao mesmo tempo, a
natureza presente de um corpo exterior. Assim, se a natureza de um corpo
exterior é semelhante à de nosso corpo, então a ideia do corpo exterior que
imaginamos envolverá uma afecção de nosso corpo semelhante à do corpo
exterior” (SPINOZA, 2013, p. 195).

Começamos discutindo sobre as afecções, apresentamos o conceito técnico


de afecções e queremos mostrar agora um exemplo deste conceito e como
isso pode ser observado em relação à dança. Para isso, sugerimos que você
acesse o link: <https://goo.gl/kq59Bh>.

Trata-se de um recorte do espetáculo “Play”, da Companhia Katakló (Itália).


Reserve quase oito minutos para visualizá-lo e aprecie a maneira como os
dançarinos e dançarinas “brincam” com as modalidades esportivas! Ao final,
procure refletir em relação à(s) forma(s) como isso lhe causou curiosidade,
surpresa, prazer, descoberta, enfim, como essa expressividade corporal lhe
afetou.

Assim, para este livro trazemos um exemplo a partir da dança: Como a


criança na Educação Infantil pode experimentar essa linguagem chamada
dança? O corpo está a serviço do experimentar ou da performance da
dança?

Pense numa resposta, também, a partir do seguinte fragmento elaborado


por Deborah Sayão: “As crianças estão imunes aos apelos midiáticos que
pretendem multiplicar Carla Perez, Eliana, Xuxa, Xanddy e outros? Temos
dado atenção aos apelos que a mídia imputa às crianças limitando
drasticamente outras possibilidades de movimento?” (SAYÃO, 2002, p. 57).
Podemos atualizar esses nomes artísticos aos dias atuais, pensando que
essa geração das crianças atuais conhece, escuta, canta e dança com a
Anita, Pablo Vittar, JoJo Todynho, Ludmila. Tenhamos o cuidado, apenas, de
não fazer juízo de moral em relação a esses exemplos e possibilidades
reflexivas.
Muitas questões, quando pensadas e tratadas “para” as crianças, correm o
risco de gerar uma grande polêmica. A partir de nosso exemplo quanto à
dança, e também em relação aos nomes que citamos para ilustrar esse
universo (Carla Perez, Xuxa, Xanddy, Anita, JoJo Todynho, entre tantos
outros(as), o que deve ser feito quando esse tipo de música e dança
adentra a instituição de Educação Infantil: simplesmente recusar/ocultar ou
tematizar/discutir com as crianças sobre essas questões?

Spinoza (2013) apresenta o corpo como um grau de potência que é


expresso através de seu poder de afetar e ser afetado, e as afecções que
fazem variar esse seu poder. Essa definição de corpo nos leva diretamente
a pensar acerca dos conceitos de afecções, afectos e potência.

As afecções dizem respeito ao estado do corpo afetado, implicando a


presença do corpo afetante (DELEUZE, 2002); são as inscrições ou marcas
de um corpo no outro diante de um encontro entre os mesmos. Já os
afectos consistem na transição de um estado a outro (DELEUZE, 2002).

Dito de outra forma, é a variação ou passagem (aumento ou diminuição) de


um grau menor a um maior (ou vice-versa) da potência dos corpos, a qual é
justamente dessa potência que decorre a capacidade de agir do corpo: o
afecto é a nossa própria potência em variação a partir das afecções que o
corpo sofre.

Sugerimos que você pesquise na internet os vídeos que possam ser


apresentados, exemplificados e que suscitem possibilidades de utilização e
discussão nas aulas de Educação Física em relação à questão da afecção.
Procure, em especial, companhias de dança (do Brasil e de outros países)
ou mesmo espetáculos circenses (como do famoso Cirque Du Soleil).

Pensar os regimes de afecções da dança em relação ao corpo é importante


no sentido de produzir experiências singulares, criar novos hábitos,
despertar novas disposições. Afinal, é por um regime de afecções que se
gera o desejo dos sujeitos para determinados fins; em outros termos,
consideramos ser necessário à Educação Física (enquanto uma prática
pedagógica que lida com o corpo e o movimento) pensar uma possível
atitude frente aos regimes de afecções produzidas pelo campo da dança a
fim de desterritorializar e reterritorializar a dança como expressão corporal
também da cultura infantil.

O que é dançar, senão uma disciplina? Você tem uma música – um ritmo –
sob o qual já se tem uma infinidade de gestos – figuras – sob o qual seu
corpo precisa se apropriar para enfim dizer: Sei dançar! Consigo dançar!
Isso é disciplina, isso é política, isso é educação do corpo. Se tocar um
samba, para eu dizer ou mostrar que sei dançar, tenho que “encaixar meu
corpo” dentro daquele ritmo.

No entanto, podemos criar outros “devires” com o samba, podemos criar


outras afecções com o samba, principalmente quando estamos
trabalhando com crianças, em que há uma liberdade de criação e de
movimentos não padronizados (quando pensamos nos adolescentes e
jovens, com seus “gostos” já mais definidos e sedimentados).

Também podemos esquecer o samba e pedir para o aluno dançar a


preguiça, dançar o pôr do sol, dançar o amor que a mãe dele tem por ele. E
dançar, também podemos dançar sem música. Ou não? A música disciplina
o corpo, ela diz: “você tem que dançar assim!” – e tem toda uma diversidade
e variedade de gestos técnicos que temos que reproduzir. Reflitamos a
partir da seguinte narrativa:

São oito horas da manhã e estou vestida de rosa. A música do piano faz o
chão vibrar e sinto uma imensa vontade de dançar pulsar em mim,
entretanto, tenho que esperar a minha vez na fila, tenho que iniciar sempre
os gestos com meu lado direito, tenho que controlar qualquer impulso de
um movimento livre, só posso mover-me quando autorizada. São nove
horas da manhã e dancei menos do que podia, diferentemente do que
queria e além do que deveria.

São oito horas da manhã e estou vestida de rosa. A dor lateja nas pernas
cansadas, fico atenta ao controle de cada músculo e ao sinal de qual
direção seguir. São nove horas e fiquei boa parte do tempo fazendo o
mesmo gesto repetidas vezes. Segui a contagem padronizada e dancei
como disseram para dançar. Senti menos a música, já não recordo qual
instrumento cadenciava aquela sequência.

São oito horas da manhã e estou vestida de rosa. Conheço menos de mim.
Sinto-me estranha. O que controla meu corpo? O que sou capaz de fazer
sem que alguém me diga como? Como eu dançaria se não fosse assim? Por
que parece que ao pensar o passo, ao invés de senti-lo, eu erro? Sinto como
se ocorresse um desencontro, uma ruptura, um distanciamento... Também
percebo que pensar bastante sobre um passo não me faz acertá-lo por
completo. O que faz meu corpo dançar? Por que cada pessoa não pode
dançar a sua própria dança?

São oito horas da manhã de um dia qualquer. Senti uma vontade enorme
de arrancar de mim a dança que formata, aprisiona e sufoca. Não vesti
mais a roupa rosa. Escolhi sair do enquadramento, não apenas por mim,
mas por todos os meus alunos que estavam por vir.

Fonte: Zylberberg (2014, p. 75).

Pensar essa relação da música enquanto disciplina é pensar em outras


afecções, podemos dançar com um pensamento, com um sentimento.
Pensamos como seria pegar um dançarino e dizer: dance as dores de um
ancião. E esse dançarino criaria sua própria coreografia. Depois chegar para
um percursionista e dizer a ele: faça uma música sobre as dores de um
ancião. E pense no dia em que esses sujeitos se encontrarem no palco para
se apresentarem juntos, sem nunca terem se visto. E a apresentação seria
única, não mais se repetiria, um dança e outro toca as dores de um ancião.

Quando mencionamos que talvez dançar sem música, ou dançar um samba


com música de valsa, não significa que estamos dizendo: não queremos
ensinar a dança enquanto cultura (que tem um molde a ser reproduzido
historicamente). 

Achamos superimportante e necessário dançar a cultura, o tradicional. Mas


também achamos importante romper com o tradicional e criar o devir.

Assim, acreditamos que primeiramente a questão passa pela consideração


de que a prática pedagógica da Educação Física, quando inserida no
contexto da Educação Infantil, possa ser pensada como um circuito de
afectos e em como estes podem produzir outros sujeitos distintos daqueles
produzidos pela cultura da dança.

Isso quer dizer que cabe à Educação Física, em suas mediações, oportunizar
aos sujeitos novas relações com o corpo e o movimento que se diferenciem
das formas propagadas pela dança enquanto cultura/disciplina/modelo,
isto é, uma produção de novas subjetividades que permitam a estes
sujeitos novas maneiras de serem afetados, o que não significa
desconsiderarmos as afecções da cultura/disciplina/modelo.

Afinal, isso para nós é visto como algo impossível, haja vista a onipresença
da dança enquanto manifestações de um povo, de uma cultura, de um
entorno midiático que deve ser tratado na escola, logo, não podemos
ignorar essa dimensão da dança.

A Educação Física, então, enquanto prática pedagógica, precisa possibilitar


aos sujeitos aprender a entrar em relações de composição com o outro,
com o novo, com uma nova prática corporal, compor-se com ela. Pensando
isso no âmbito da dança, para finalizar com nosso exemplo, ela deve dar a
possibilidade dos sujeitos produzirem outros corpos, outros modos de vida,
outros territórios existenciais. Isto é, os afectos produzidos a partir do
encontro com a dança devem permitir aos sujeitos ampliar sua condição de
existência no sentido de produzir outras condições a partir desse
aprendizado.

Desta forma, acreditamos que o sujeito acaba tendo outras alternativas


para viver seu corpo, outras alternativas para “coreografar” sua vida. Há
oportunidade melhor que isso em plena infância, com professores que não
caem em estigmas e estereótipos? Que permitem que as crianças
experimentem múltiplas formas de expressão? Que dançam brincando ou
brincam dançando?

Sugerimos que você assista ao documentário brasileiro intitulado A


invenção da infância, produzido no ano de 2000, cuja diretora é Liliana
Sulzbach. Trata-se de uma reflexão sobre o que é ser criança no mundo
contemporâneo, ou como diz uma frase do documentário: “Ser criança não
significa ter infância”. Ótima frase para pensarmos o que tratamos neste
material sobre Educação Física e Educação Infantil, não é mesmo?! O
documentário tem 25 minutos de duração e pode ser visto no seguinte link:
<https://goo.gl/6fHCTg>.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

A Educação Infantil compreende a educação da criança de zero a seis anos


de idade e é oferecida em creches e pré-escolas. Essa etapa educacional
assume uma centralidade na vida da criança, pois é nessa fase que ela
amplia seu convívio social e laços afetivos para além dos limites fronteiriços
da família.

Pensando nessa etapa de vida escolar, este capítulo objetivou enunciar e


definir conceitos centrais para que o acadêmico possa pensar a intervenção
da Educação Física na Educação Infantil. Assim, pensamos práticas
psicomotoras de estimulação para a faixa de zero a dois anos como uma
forma do acadêmico criar um vínculo com esta etapa, em que todo o
aspecto corporal da criança se projeta para a aquisição da postura ereta e
do caminhar.

Para a fase posterior apresentamos “o brincar, o interagir e o experimentar”


como bases para pensar as práticas corporais na infância. Espera-se que a
compreensão destes três eixos contribua para que o acadêmico possa
compor referências para estruturar atividades corporais para a prática da
Educação Física nessa etapa da Educação Infantil.

No entanto, sempre é necessário lembrar que a infância deve ser pensada


a partir das culturas infantis e não da ideia de que esse ser é um “adulto em
miniatura”. O mundo infantil é lúdico e corporal. Neste sentido, devemos
estar sempre atentos ao não maniqueísmo das atividades, bem como
compreender o corpo infantil para além de sua estrutura de organismo
biológico. O corpo é o instrumento que a criança manipula para
experimentar o mundo.

O mundo só existe para nós através de um lugar: o corpo.

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