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A Demência na atualidade

Portugal é um dos quatro países da OCDE com maior prevalência de Demência (1), existindo
cerca de 200.000 Pessoas com Demência atualmente no nosso país (2). De acordo com
projeções publicadas pela Alzheimer Europe, estima-se que em 2050 o número de casos de
demência aumente até perto das 350.000 (3). A estes dados, acresce o facto de esta ser uma
população particularmente vulnerável e em que se verifica uma perda de bem-estar e qualidade
de vida, assim como um elevado risco de isolamento e exclusão social. Adicionalmente, os
estereótipos e o estigma associados à Demência contribuem para criar uma atitude negativa
generalizada e a tendência para atribuir mais défices do que as capacidades reais da Pessoa com
Demência (4).
Em Portugal, apesar de existir uma estratégia na área da saúde para as Demências desde 2018, a
mesma não se encontra ainda implementada, não existindo percursos definidos e respostas
integradas, específicas e acessíveis a todos os cidadãos com Demência e respetivas famílias,
independentemente da sua situação financeira ou localização geográfica. Os poucos programas
disponíveis acontecem sobretudo no âmbito de uma intervenção não farmacológica formal,
realizada essencialmente em contexto de serviço de saúde ou equipamento social. Verifica-se
uma lacuna ainda maior de respostas na comunidade desenhadas para ir ao encontro das
necessidades e preferências das Pessoas com Demência e ajustadas às suas idiossincrasias.
Portanto, é fundamental implementar, de forma sistemática, respostas que estimulem as
capacidades intelectuais e criativas das Pessoas com Demência, que proporcionem a
oportunidade de se expressarem e que promovam a qualidade de vida, o envolvimento social e a
manutenção da dignidade e de um significado. Por outro lado, sabe-se que os cuidadores das
Pessoas com Demência também podem apresentar sobrecarga e exaustão emocional associada
aos cuidados que prestam, pelo que também beneficiam de apoio e suporte.
Novos paradigmas, novas respostas
A cultura e a arte têm sido um recurso progressivamente explorado nas intervenções de saúde
pública e têm contribuído para lidar com problemas complexos para os quais não existem
soluções adequadas, podendo fornecer uma lente e resposta holística, e situar os problemas de
saúde no seu contexto social e comunitário.
A Interdem - rede europeia de investigação na área das demências - destacou a importância da
adoção de intervenções baseadas na arte para atender às necessidades psicossociais das Pessoas
com Demência, promovendo a dignidade, autonomia, reciprocidade, diminuição do estigma e
inclusão social. Diversos estudos salientam o benefício que a arte proporciona, incluindo ao
nível do funcionamento cognitivo, perceção de bem-estar, autoestima e autoconfiança, evasão
de si e dos problemas do quotidiano, novas aprendizagens e crescimento pessoal, vínculos
estabelecidos e na participação e inclusão social (5, 6, 7, 8, 9, 10).
Os museus como agentes de mudança
Os museus têm-se assumido como instituições destinadas a servir a sociedade, com impacto e
valor dentro das suas comunidades e que devem ser envolvidos nos principais problemas da
sociedade contemporânea. Pelas suas características únicas são espaços que oferecem: a) um
ambiente “restaurador”, uma fuga do mundo exterior, que espelha tranquilidade e quietude, ao
mesmo tempo que reflete um mundo organizado, em que os artefactos ocupam o seu devido
lugar, em contraste com a confusão crescente e vibrante da vida quotidiana; b) um espaço no
qual podem ser contempladas semelhanças e diferenças, passado e presente, continuidade e
mudança; c) lugares valorizados, seguros e não estigmatizantes, pois não têm o foco na doença,
nem são ambientes onde se sente constrangimento, vergonha ou crítica por participar (11, 12,
13).
A nível internacional, programas de intervenção através da arte para Pessoas com Demência e
seus cuidadores são amplamente utilizados, como, por exemplo, o “Meet Me at MoMa”, no
Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, lançado em 2007, sendo o primeiro programa desse
tipo concebido especificamente para este público.
A nível nacional, são escassas as ofertas dos museus concebidas especificamente para este
público, que proporcionem uma oferta cultural e artística própria. Dentre elas destaca-se o
programa “EU no musEU", do Museu Nacional de Machado de Castro, desenvolvido em
parceria com a associação Alzheimer Portugal desde 2011 e, mais recentemente, contando com
a colaboração do Museu da Ciência e do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra, estando
a ser replicado em Viseu, no Museu Tesouro da Misericórdia e no Museu Nacional Grão Vasco,
desde 2018. Na zona Centro, tem também sido implementado o projeto “Eu sou no Museu” no
Museu Municipal de Pombal, com o apoio da mesma associação de doentes. No Porto, o Museu
Nacional de Soares dos Reis desenvolveu, desde 2014 até 2019, o projeto “Pela Arte Restaurar
Memórias, Desenhar Sorrisos”. Na Fundação Calouste Gulbenkian, as primeiras visitas
destinadas ao público com Demência e Cuidadores realizaram-se entre 2011-2013 e em 2019, o
Museu Gulbenkian (Coleção Moderna e Coleção do Fundador) retomou e ampliou o trabalho
com este público numa visita performativa protótipo, e colaborou na criação de formação
especializada destinada aos profissionais de museus em 2021, em parceria com a Alzheimer
Portugal.
Mais recentemente, o MAAT e o Museu de Lisboa também decidiram comprometer-se com este
público específico, e em parceria com a Alzheimer Portugal e a Acesso Cultura, e com o apoio
técnico-científico do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa, estão
a levar a cabo um programa denominado “Marcar o Lugar – Encontros no Museu” que assenta
num modelo replicável de fruição e envolvimento com a arte, através de processos artísticos e
participativos.
Museus inclusivos na Demência – Rede MID
Tendo em conta a situação e as necessidades acima descritas, doze entidades decidiram juntar-se
para criar uma rede de âmbito nacional para aumentar as ofertas culturais destinadas a este
público-alvo, disseminando-as pelo país, tornando os museus agentes ativos de mudança, com
vista a tornar a sociedade mais inclusiva.
A rede MID – Museus para a Inclusão na Demência, foi criada em Janeiro de 2023. São dez os
museus que constituem os membros fundadores desta rede informal: Centro de Arte Moderna da
Fundação Calouste Gulbenkian, Jardim Botânico da Universidade de Coimbra, MAAT – Museu
de Arte, Arquitetura e Tecnologia, Museu Calouste Gulbenkian, Museu da Ciência da
Universidade de Coimbra, Museu de Lisboa – EGEAC, Museu Municipal de Pombal, Museu
Nacional Grão Vasco – DGPC, Museu Nacional Machado de Castro – DGPC, Museu Tesouro
da Misericórdia de Viseu – SCMV. Para além dos museus, outras duas entidades fazem parte
dos membros fundadores da MID: a Acesso Cultura que promove o acesso – físico, social e
intelectual – à participação cultural e que, neste âmbito tem o papel de colaborar na construção e
implementação de programas adequados a Pessoas com Demência e respetivos cuidadores
contribuir para ao bom funcionamento da rede; e a Alzheimer Portugal que tem, no contexto
desta rede, o propósito de partilhar a experiência e os conhecimentos técnico-científicos
adquiridos ao longo de trinta e quatro anos de existência e de ajudar a fazer a ponte entre as
ofertas culturais/artísticas específicas e o respetivo público-alvo.
A MID tem como principais objetivos, numa fase inicial, implementar programas específicos
para Pessoas com Demência e seus cuidadores, de acordo com modelos testados e validados,
avaliar conjuntamente resultados, desenvolver e partilhar boas práticas, capacitar as equipas das
instituições culturais, divulgar as ofertas existentes e consciencializar a comunidade para o tema
das Demências, cada vez mais relevante do ponto de vista social e da saúde pública.
Numa fase posterior, pretende-se produzir um manual de boas-práticas, contribuir para
apoiar/avaliar os programas nos museus com o eventual recurso a consultores externos com
experiência e competências comprovadas, incluindo, como consultores da Rede, as Pessoas com
Demência e os seus cuidadores, e trabalhar em parceria com as Universidades para produzir e
publicar conhecimento técnico/científico conjunto.
Além de se pretender alargar a rede a outros museus em 2024, também se pretenderá considerar
a eventual integração de outros equipamentos culturais, como teatros e bibliotecas.
Concluindo, de olhos no futuro
Os museus são um recurso valioso para intervenções de saúde pública e, em colaboração com
instituições do terceiro setor, podem responder aos problemas da inclusão social e, neste
sentido, atuar como catalisadores de mudanças sociais positivas, tanto a nível individual como
comunitário. Acresce que o estabelecimento de pontes com este setor é fundamental para a
continuidade dos projetos que envolvem públicos específicos, assim como a sua integração em
esquemas de "prescrição social”, em parceria com os serviços de saúde, realidade que começa a
ser timidamente implementada em Portugal.
Imbuída desta visão colaborativa e transformadora, a MID nasce com o propósito último de
contribuir para que, em Portugal, as pessoas vivam melhor com Demência, assim como os seus
familiares. Oxalá tenha o maior sucesso neste seu importante desígnio!
Referências bibliográficas
1) OECD (2018). Care Needed: Improving the Lives of People with Dementia, OECD Health
Policy Studies, OECD Publishing, Paris, https://dx.doi.org/10.1787/9789264085107-en.
2) Dementia in Europe Yearbook 2019 - Estimating the prevalence of dementia in Europe
https://www.alzheimer-europe.org/Publications/Dementia-in-Europe-Yearbooks
3) Dementia in Europe Yearbook 2019 - Estimating the prevalence of dementia in Europe
https://www.alzheimer-europe.org/Publications/Dementia-in-Europe-Yearbooks
4) Windle, G., Newman, A., Burholt, V. Woods, B., O’Brien, D., Baber, M., Hounsome, B.,
Parkinson, C. & Tischler, V. (2017). Dementia and Imagination: a mixed-methods protocol for
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5) Windle, G., Joling, K. J., Howson-Griffiths, T., Woods, B., Jones, C. H., van de Ven, P. M.,
Newman, A. & Parkinson, C. (2018). The impact of a visual arts program on quality of life,
communication, and well-being of people living with dementia: a mixed-methods longitudinal
investigation. International Psychogeriatrics. 30(3), 409-423. doi:10.1017/S1041610217002162
6) MacPherson, S., Bird, M., Anderson, K., Davis, T. & Blair, A. (2009). An Art Gallery Access
Programme for people with dementia: ‘You do it for the moment’, Aging & Mental Health,
13:5, 744-752, DOI: 10.1080/13607860902918207
7) Rosenberg, F. (2009). The MoMA Alzheimer's Project: Programming and resources for
making art accessible to people with Alzheimer's disease and their caregivers. Arts & Health: An
International Journal for Research, Policy and Practice, 1:1, 93-97, DOI:
10.1080/17533010802528108
8) Zeilig, H., Killick, J. & Fox, C. (2014). The participative arts for people living with a
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9) Scholar, H., Innes, A., Sharma, M. & Haragalova, J. (2019). ‘Unlocking the door to being
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10) Camic, P.M., Tischlerb, v. & Pearmanb, C.H. (2014). Viewing and making art together: a
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11) Rounds, J. (2006). Doing Identity Work in Museums. Curator The Museum Journal. 49(2),
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13) Salom, A. (2008). The therapeutic potentials of a museum visit. International Journal of
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http://dx.doi.org/10.24972/ijts.2008.27.1.98

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