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Viver na Fronteira significa que você

Glória Anzaldúa

não é hispana india negra española


ni gabacha, eres mestiza, mulata, mestiça
presa no fogo cruzado entre os campos
enquanto carrega todas as cinco raças nas costas
sem saber pra onde correr, ou fugir;

Viver na Fronteira significa saber


que a índia em você, traída por 500 anos,
não está mais falando com você,
que mexicanas chamam você rajetas,
que negar o Anglo dentro de você
é tão ruim quanto ter negado o Índio ou o Negro;

Quando se vive na fronteira


pessoas passam por você, o vento rouba sua voz,
você é burra, toupeira, bode expiatório,
precursora de uma nova raça,
meio a meio – mulher e homem, nenhum deles –
um novo gênero;
Viver na Fronteira significa
colocar chile em uma borche,
comer tortilhas de farinha de trigo,
falar Tex-Mex com um sotaque de Brooklyn;
ser parada pela migra nos controles da fronteira;
Viver na Fronteira significa que você luta
para resistir ao atraente elixir de ouro da garrafa,
contra a puxada do gatilho,
contra a corda esmagando sua garganta;
Na Fronteira
você é o campo de batalha
onde os inimigos são parentes;
você está em casa, uma estranha,
as disputas na fronteira cessaram
a chuva de disparos acabou com a trégua
você está ferida, fraca
morta, reagindo;
Viver na Fronteira significa
que o moedor, de dentes brancos, quer dilacerar
sua pele oliva, tirar o grão, seu coração
te socar te apertar te esticar
que você cheire a pão branco, mas morto;
Para sobreviver à Fronteira
você deve viver sem fronteiras
ser um cruzamento.
Sou Humana?

Com que direito você é estrangeira?


Quem é estrangeira?

"Inicialmente, o estrangeiro é situado como benéfico ou


maléfico para esse grupo social e para o seu poder e, por
essa razão, ele deve ser assimilado ou rejeitado."
KRISTEVA, Julia, 1941/1994, p.101
Sem direitos políticos?
Um direito à depreciação?
"O estrangeiro está reduzido assim a um objeto passivo:
os estrangeiros não votam e não participam nem do
Estado, nem do Parlamento, nem do governo, eles são
"alienados" em relação à ordem jurídica - como à
ordempolítica e ao conjunto das instituições da sociedade
da qual vivem."
(LOCHAK, Danièle apud KRISTEVA, Julia 1941/1994, p.106
A condição de estrangeiro implica uma denegação do "direito
subjetivo"[...] Enfim, o poder é dado à administração, de apreciar,
de interpretar, até mesmo de modificar por regulamentos e
decretos a jurisdição corrente, induz a fazer do direito dos
estrangeiros "um direito à depreciação". [...] Os estrangeiros se
encontram excluídos dos "efeitos simbólicos da lei".

KRISTEVA, Julia, 1941/1994, p.107


Ele tem alguma coisa que não o temos, tem a palavra
(ATWOOD, 1985/2017, p. 109).

"O estrangeiro é um "sintoma" (Danièle Lochak):


Psicologicamente, ele significa a nossa dificuldade de viver
como outro o com os outros; politicamente, assinala os limites
dos Estados-nações e da consciência política nacional que os
caracteriza e que todos nós interiorizamos profundamente, ao
ponte de considerar como normal que existam estrangeiros,
isto é, pessoas que não tem os mesmos direitos que nós."
(KRISTEVA, Julia, 1941/1994, p.108)

" A feminização da imigração irregular"

Segundo os inquisidores Kramer e Sprenger (2020/1430), as


mulheres seriam o pivô das tragédias individual e coletiva,
perversas por natureza, sendo mais propensas a hesitar na sua
fé, transgredindo a lei do Pai, “tal como indica a etimologia da
palavra que lhe designa o sexo, pois femina (a palavra latina para
‘mulher”) vem de ‘fé’ e de ‘minus’ (menos)” (KRAMER;SPRENGER,
2020/1430, p. 159, grifos do autor).
“quase poderíamos afirmar que a mulher [Weib] inteira
constitui tabu” (1918/2019, p. 162). Por um lado, tabu
seria algo proibido, mesmo sem qualquer
fundamentação, embora pareça algo natural para
quem se encontrar sob seu domínio. Por outro lado,
pode significar algo
“sagrado”, “consagrado”; por outro, “sinistro”,
“perigoso”, “proibido”, “impuro” (FREUD,
1913/2019).
Teríamos uma tendência a nos protegermos a qualquer mudança, a
qualquer nova fase, sendo percebido por nós como algo perigoso.
Nesse sentido, Freud (1918/2019) destaca que, em todas as regras
de evitação e tabu, se encontra expresso um horror fundamental à
mulher e que provavelmente esse horror estaria justificado pelo
fato de a mulher ser diferente do homem. Eternamente
incompreensível, estranha e, por isso, parece hostil.
Em entrevista, Iannini afirmar que “faz muita
diferença entender o feminino como estranho (fremde) e
entender o feminino como infamiliar
(unheimliche)” (2021, p. 77, grifos do autor). Compreender a
mulher no registro do estranho e
ameaçador remeteria às fantasias masculinas de castração.
"Expostas a afrontas físicas e sexuais, as mulheres eram
radicalmente desempoderadas as serem excluídas de todo
conhecimento..."

"Essas mulheres são atiradas pelo sistema a posições de ignorância


involuntária: "eu não sabia para onde estava indo", "eles não
explicam nada para você."

"Não somos autorizadas a fazer perguntas" Elas são mantidas, escreve


Herd, fora da "pele" da linguagem."

"Qualquer coisa que tenham dito ou tentado dizer não deixa nenhum
rastro. (Uma razão crucial para o projeto refugge Tales)
"O que essas mulheres vivenciam está mais próximo de
uma aniquilação da identidade, na qual se perde todo o
autoconhecimento de si: "eu não sabia mais quem eu
era", "pareço não existir", "é como se você já estivesse
dentro de um túmulo.
"Em grande parte, a situação de "saber e não saber"
permite que o resto do mundo siga
despreocupadamente seu caminho através da
"produção cultural da ignorância".
Vivíamos, como de costume, por ignorar. Ignorar não é a mesma coisa que
ignorância, você tem que se esforçar para fazê-lo. Nada muda
instantaneamente: numa banheira que se aquece gradualmente você seria
fervida até a morte antes de se dar conta. Havia matérias nos jornais, é
claro. Corpos encontrados em valas ou na floresta, mortos a pauladas ou
mutilados, que haviam sido submetidos a degradações, como costumavam
dizer, mas essas matérias eram a respeito de outras mulheres, e os homens
que faziam aquele tipo de coisas eram outros homens. Nenhum deles eram
os homens que conhecíamos. As matérias de jornais eram como sonhos
para nós, sonhos ruins sonhados por outros. Que horror dizíamos, e eram,
mas eram horrores sem ser críveis. Eram demasiadas melodramáticas,
tinham uma dimensão que não era a dimensão de nossas vidas. Éramos as
pessoas que não estavam nos jornais. Vivíamos nos espaços brancos não
preenchidos nas margens da matéria impressa. Isso nos dava mais
liberdade. Vivíamos nas lacunas entre as matérias.

Margareth Atwood
As mulheres em busca de asilo são imediatamente
tratadas como culpadas, mesmo quando, como no caso
de tráfico, foi o seu agenciador que cometeu o crime.
"Por que eles não tentaram prender o homem que
roubou meu passaporte? Por que não fazem nada a
esse respeito?
"Me perdoem por estar pensando demais"

"o que é que vai acontecer com minha cabeça?"


Parece haver em algum lugar a suposição de


que a solicitante de asilo nunca age sob coação
(ela é uma manipuladora criminosa, não
alguém que poderia se manipulada.)

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