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Ministério Público do Estado do Espírito Santo

Promotoria de Justiça de Linhares


1º Promotor de Justiça da Infância e Juventude

NOTIFICAÇÃO RECOMENDATÓRIA n. 2021.0023.8863-23

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPIRITO SANTO, por seu


representante in fine assinado, no exercício de suas atribuições previstas nos
artigos 129, inciso II da Constituição Federal, 120, §1º, inciso II, da Constituição
Estadual, 27, parágrafo único, inciso IV da Lei 8.625/93 e 29, parágrafo único,
inciso III da Lei Complementar Estadual nº. 95/97,

CONSIDERANDO que o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função


jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e
dos interesses sociais e individuais, conforme preceitua o art. 127 da Constituição da
República;

CONSIDERANDO competir ao Ministério Público expedir recomendações visando ao efetivo


respeito aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, conforme contido no art.
29, parágrafo único, III, da Lei Complementar Estadual nº 95/97;

CONSIDERANDO que a recomendação tem por objetivo persuadir o destinatário a praticar ou


deixar de praticar determinados atos em benefício da melhoria dos serviços públicos e de
relevância pública ou do respeito aos interesses, direitos e bens defendidos pela instituição,
atuando, assim, como instrumento de prevenção de responsabilidades ou correção de
condutas, conforme determina o art. 1º da Resolução nº 164/2017 do Conselho Nacional do
Ministério Público;

CONSIDERANDO que é função institucional do Ministério Público zelar pelo efetivo respeito
aos Poderes Públicos e aos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Magna
Carta, promovendo as medidas necessárias à sua garantia, nos termos do artigo 129, II da
Constituição da República;

CONSIDERANDO que a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, deverá ser
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento
da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (art.
205 da CF);

CONSIDERANDO que a Constituição Federal em seu art. 206 estabelece princípios basilares
para o ensino brasileiro, como Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola
(inciso I), e a Garantia de padrão de qualidade (inciso VII);

CONSIDERANDO que o Princípio da Prioridade Absoluta, disposto pelo Estatuto da Criança e


do Adolescente, Lei nº 8069/90, assegura: primazia de receber proteção e socorro em
quaisquer circunstâncias; precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância
pública; preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; destinação
privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com proteção à infância e à juventude
(art. 4º, parágrafo único);

CONSIDERANDO que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº


9.394/96 também assegura a Igualdade de condições de acesso e permanência na escola,
prevista como princípio em seu art. 3º, I;

CONSIDERANDO que o mesmo diploma legal assegura em art. 5º que o acesso à educação
básica obrigatória é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos,
associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente
constituída e, ainda, o Ministério Público, acionar o poder público para exigi-lo. Ademais, prevê
no §1º, I deste artigo que o Poder Público, na esfera de sua competência, deverá recensear
anualmente as crianças e adolescentes em idade escolar, bem como os jovens e adultos que
não concluíram a educação básica;

CONSIDERANDO a ampla legislação infraconstitucional que assegura o direito fundamental à


Educação, como por exemplo, a Lei nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente; Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n.º 9.394/1996); Plano Nacional de Educação -
PNE (Lei nº 13.005/2014) e a Lei nº 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão);

CONSIDERANDO que o Plano Nacional de Educação - PNE, Lei nº 13.005, de 25 de junho de


2014 estabeleceu como estratégia para seu cumprimento a promoção de busca ativa em
parceria com órgãos públicos de assistência social, saúde e proteção à infância, à
adolescência e à juventude nas metas 1 (educação infantil), 2 (ensino fundamental), 3 (ensino
médio), 8 (elevar a escolaridade da população de 18 a 29 anos) e 9 (elevar a taxa de
alfabetização da população de 15 anos ou mais);

CONSIDERANDO que o Município de Sooretama, por meio de seu Plano Municipal de


Educação, também previu a promoção da busca ativa escolar;

CONSIDERANDO que a busca ativa é uma estratégia prevista em lei, que agrega mobilização
social a fim de garantir o acesso a bens e serviços públicos às camadas mais vulneráveis da
população;
CONSIDERANDO a Recomendação Técnica da UNCME, datada em 23/10/2019, aos
Conselhos Municipais de Educação sobre o processo de matrícula de fluxo contínuo na
Educação Infantil e no Ensino Fundamental no âmbito dos Sistemas Municipais de Ensino,
como forma de garantia do direito à educação e de estratégia para o enfrentamento à exclusão
escolar, em que recomenda aos Conselhos Municipais de Educação, no âmbito de suas
atribuições, a emissão de Instrução Normativa, de forma a regulamentar e subsidiar os
processos internos de organização da escola, e um olhar mais ampliado sobre os processos de
matrícula escolar, atendendo prioritariamente à garantia plena do direito à educação conforme
marcos legais da educação brasileira, em especial o atendimento ao princípio do acesso e
permanência, reafirmando que “Fora da Escola Não Pode. E na escola sem aprender também
não” (UNICEF);

CONSIDERANDO o Memorando de Entendimento celebrado entre o Conselho Nacional do


Ministério Público – CNMP, a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil -
ATRICON, o Instituo Rui Barbosa - IRB e o Fundo das Nações Unidas para a Infância -
UNICEF, em 20 de março de 2020, para estabelecer as diretrizes e os compromissos entre os
partícipes, destinados a apoiar municípios e estados brasileiros no desenvolvimento e na
implementação de políticas, programas e ações públicas voltadas ao enfrentamento da
exclusão e do fracasso escolar, incluindo as estratégias de Busca Ativa Escolar de crianças e
adolescentes fora da escola e Trajetórias de Sucesso Escolar para enfrentamento da cultura de
fracasso escolar;

CONSIDERANDO que o direito à educação encontra na infrequência, no abandono e na


evasão escolar, compreendidos como formas de negligência, violência e discriminação contra
crianças, adolescentes e jovens, significativos obstáculos à sua concretização, cujas causas
encontram origem não apenas nas políticas educacionais, mas em ambientes ou políticas
externas a elas;

CONSIDERANDO que a não oferta efetiva do direito à educação é capaz causar impactos
diversos como prejuízos no desenvolvimento cognitivo e nas competências socioemocionais do
indivíduo, bem como na sua vida familiar e nos seus relacionamentos em geral. Além de
possíveis repercussões na renda individual e nas chances de inserção produtiva; no
desenvolvimento econômico e na redução das desigualdades; assim como dados de violência e
segurança pública;

CONSIDERANDO que as escolas, além de espaços dedicados ao fomento e aprendizado de


cultura formal, são ambientes, por excelência, vocacionados à proteção e observância de
direitos fundamentais de crianças e adolescentes, constituindo a limitação do acesso físico às
instituições de ensino e, consequente, distanciamento de seus educadores fator decisivo para
majoração de riscos e vulnerabilidades como submissão à violência física, psicológica, moral e
sexual;

CONSIDERANDO que mais de 5 milhões de brasileiros em idade escolar não tiveram


acesso à educação em 2020, em meio à pandemia do coronavírus, conforme revelou o
estudo Cenário da Exclusão Escolar no Brasil[1], elaborado pelo Fundo das Nações Unidas
para a Infância e pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Educação e Ações Comunitárias
(Cenpec) e apresentado em abril de 2021;

CONSIDERANDO que, de acordo com levantamento[2] do UNICEF – Fundo das Nações


Unidas para a Infância, em novembro de 2020, quase 1,5 milhão de crianças e adolescentes
de 6 a 17 anos não frequentavam a escola (remota ou presencialmente) no Brasil. Outros
3,7 milhões de estudantes matriculados não tiveram acesso a atividades escolares e não
conseguiram estudar em casa (41% tinham de 6 a 10 anos de idade; 27,8% tinham de 11 a
14 anos; e 31,2% tinham de 15 a 17 anos);

CONSIDERANDO que situações como a falta de ambiente escolar acolhedor, aprovações


automáticas e deficiência outras traduziram-se em números, através de pesquisa encomendada
pelo banco digital C6 Bank, realizada pelo Instituto Datafolha[3], apontando que cerca de 4
milhões de estudantes brasileiros, com idade entre 6 e 34 anos, abandonaram os estudos
em 2020, o que representa uma taxa de 8,4% de evasão escolar;

CONSIDERANDO que, segundo o levantamento, os estudantes de classes sociais mais baixas


também lideraram os índices de abandono, sendo a taxa 54% maior entre os alunos das
classes D e E (dados os parâmetros de faixa de renda geral, renda per capita, escolaridade
média familiar, acesso a serviços como saneamento básico, energia elétrica, dentre outros);

CONSIDERANDO o recente Enunciado nº 02 da Comissão Permanente de Educação do Grupo


Nacional de Direitos Humanos (COPEDUC/GNDH), aprovado em 12/05/2021 pelo Colégio
Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça (CNPG), nos termos seguintes: “O Ministério
Público deverá priorizar, para o enfrentamento dos altos índices de exclusão escolar, a
atuação extrajudicial, no âmbito coletivo, em trabalho colaborativo e de forma articulada
com as demais instituições, para implementação da Busca Ativa Escolar, inclusive
durante as atividades educacionais não presenciais e no retorno híbrido. Ante a
obrigação legal de que os gestores realizem busca ativa desses estudantes, o Parquet
deverá primar pela identificação das causas do afastamento da escola e fomento à
implementação de ações para enfrentamento dessa problemática, pelas escolas e demais
atores da rede de atendimento, sem prejuízo do monitoramento dos resultados, bem
como da atuação jurídica para superação das causas da exclusão escolar”;

CONSIDERANDO que não existe uma única maneira ou ferramenta para realizar a Busca Ativa
Escolar, embora entenda-se que a articulação intersetorial potencializa as ações de garantia de
direitos, tendo em vista que a atuação conjunta permite identificar mais facilmente as
populações em situação de vulnerabilidade, estabelecendo vínculo com elas e incluindo-as nas
redes de atendimento;

CONSIDERANDO que a estratégia da Busca Ativa Escolar, desenvolvida no âmbito da


iniciativa Fora da Escola Não Pode!, foi criada com o intuito de colaborar com um engajamento
coletivo, a partir do uso de uma ferramenta tecnológica de apoio aos municípios no
enfrentamento da exclusão escolar. Assim, a adesão do município à estratégia é um importante
passo na direção de garantir a universalização do acesso à educação básica;
CONSIDERANDO que a Busca Ativa Escolar objetiva identificar e (re)matricular toda e
qualquer criança ou adolescente em situação de exclusão escolar. Para isso, é de extrema
importância a realização de parcerias entre os diversos órgãos públicos que se relacionam com
o tema em maior e menor grau, como os de educação, assistência social, saúde e proteção à
infância, adolescência e juventude. E cabe destacar que se entende que a atuação intersetorial
é fundamental para alcançar as crianças e os adolescentes excluídos, enfrentar as causas da
exclusão e garantir o acesso e a permanência das crianças e adolescentes na escola;

CONSIDERANDO que o Comitê Gestor da Busca Ativa Escolar é responsável pela mobilização
da sociedade local para o enfrentamento dos problemas relacionados à exclusão escolar. Além
da adaptação à realidade do município, esse grupo tem o desafio de realizar ações
mobilizadoras e de articulação política para a resolução dos casos encontrados;

CONSIDERANDO a instauração do Procedimento Administrativo nº 2021.0023.8863-23, para


acompanhamento de medidas adotadas para o controle/combate à exclusão escolar, bem como
que o município de SOORETAMA já aderiu à Busca Ativa Escolar:

NOTIFICA

O MUNICÍPIO DE SOORETAMA, na pessoa de seu Prefeito o Sr. Alessandro Broedel


Torezani, a fim de:

I. Realize o recenseamento anual de crianças e adolescentes em idade escolar,


conforme Art. 5º, § 1º, I da Lei Nº 9.394/1996;
II. Faça o levantamento do número de crianças e adolescentes fora da escola no
município;
III. Adote estratégias utilizadas para a identificação, localização e (re)matrícula de
crianças e adolescentes fora da escola no município em cumprimento das metas 1, 2 e 3 e
estratégias 1.15, 2.5 e 3.9 do Plano Nacional de Educação - Lei Nº 13.005/2014;
IV. Proceda a composição do Comitê Gestor e elaboração do Plano de Ação com
definição dos atores envolvidos, prazos e metas estabelecidas em cada fase;
V. Organize a realização de reuniões periódicas dos gestores das diversas secretarias e
organizações municipais que se alinhem com a causa e atuem para a garantia dos direitos de
crianças e adolescentes;
VI. Promova ações articuladas no enfrentamento das causas de exclusão escolar, por
meio de constituição de uma rede integrada e atuante para a garantia do direito de aprender de
cada criança e adolescente do município;
VII. Promova formação sobre a metodologia e o uso da ferramenta do Busca Ativa
Escolar aos atores estratégicos para a implementação da Busca Ativa Escolar, como
supervisores institucionais; técnicos verificadores; agentes comunitários; dentre outros
envolvidos na Busca Ativa Escolar;
VIII. Promova ações de comunicação comunitária para participação e engajamento da
população, focadas em um esforço conjunto para a identificação de meninos e meninas fora da
escola, envolvendo também a sociedade civil organizada, os movimentos sociais e religiosos,
associações de moradores, etc;
IX. Encaminhe a esta Promotoria de Justiça, de forma periódica, relatórios extraídos do
painel disponibilizado na Busca Ativa Escolar, com dados das crianças e adolescentes fora da
escola; números de alertas criados, causas identificadas de abandono/evasão escolar;
(re)matrículas realizadas, bem como gráficos sobre a evolução da busca ativa, as causas de
exclusão e mapa dos casos do município.

No âmbito da Política Municipal de Educação:

I. Regulamente o processo de matrícula de fluxo contínuo;


II. Realize a divulgação de Campanhas pelo Direito à Educação e não apenas pela divulgação
de um período de matrícula;
III. Promova a normatização dos procedimentos para ampliação do período de matrícula -
matrícula a qualquer tempo - na rede municipal de ensino, bem como a realização de formação
para as equipes escolares para superação de obstáculos administrativos e burocráticos à
concretização da referida matrícula em qualquer tempo e continuidade dos estudos da criança
ou adolescente;
IV. Proceda a implementação de condições objetivas de acesso, acolhimento e enturmação,
sempre que necessário, de todos aqueles que forem identificados nos processos de Busca
Ativa Escolar;
V. Promova a realização de avaliações diagnósticas para nortear as ações e estratégias para
combater a defasagem de aprendizagem;
VI. Desenvolva iniciativas e/ou projetos de recuperação da aprendizagem para enfrentar
situações de distorção idade-série e defasagens na aprendizagem decorrentes do período
pandêmico;
VII. Implemente procedimentos para identificação, encaminhamento e acompanhamento de
casos de violência contra crianças e adolescentes, dentro e fora da escola, em consonância
com o Art. 70-A, III da Lei 8.069/1990;
VIII. Promova medidas de conscientização, de prevenção e de combate a todos os tipos de
violência, especialmente a intimidação sistemática (bullying), no âmbito das escolas, conforme
artigo 12, IX da Lei 9.394/1996;
IX. Elabore protocolo de atendimento e acompanhamento de estudantes infrequentes e
encaminhamentos aos órgãos competentes;
X. Oriente as Unidades de Ensino para que que notifique ao Conselho Tutelar a situação de
estudantes com quantidade de faltas acima de 30% do percentual permitido em lei, conforme
disposto no art. 12, VIII, da Lei nº 9.394/96.

No âmbito das Políticas Municipais de Assistência Social e Saúde:

I. Seja realizada a inclusão da informação sobre frequência escolar nos sistemas de informação
utilizados pelas secretarias municipais envolvidas na estratégia, no momento de atendimento,
cadastro das famílias e de crianças e adolescentes residentes do município, no intuito de
proporcionar o registro de casos de abandono/evasão escolar e a criação de alerta na
ferramenta Busca Ativa Escolar;
II. Providencie a mobilização e formação das equipes das secretarias envolvidas na estratégia,
em especial as de Saúde e de Assistência social, para que durante o atendimento às famílias e
crianças e adolescentes residentes no município possam observar e registrar situações de
infrequência escolar e informar aos profissionais responsáveis pela criação de alertas na
ferramenta da Busca Ativa Escolar;
III. Organize o fluxo de trabalho por meio de mapeamento e definição dos atores envolvidos de
cada Secretaria - supervisores institucionais, agentes comunitários e técnicos verificadores - e
suas respectivas áreas de abrangência no território do município; definição de procedimento
para produção de alertas na ferramenta da Busca Ativa Escolar, pesquisa de campo, análise
técnica e gestão do caso, bem como formação das equipes para identificação de crianças e
adolescente fora da escola e das causas de exclusão escolar e encaminhamentos necessários
para a resolução dos casos.

Fixa-se o prazo de 60 dias para que seja enviada resposta a respeito do atendimento ao
presente.

O descumprimento da presente Notificação Recomendatória poderá acarretar a propositura da


competente ação civil pública, além de outras medidas judiciais e extrajudiciais com o fito de
alcançar os objetivos pretendidos no presente instrumento e na legislação em vigor.

Linhares, 16 de agosto de 2022.

CLEANDER CESAR DA CUNHA FERNANDES


PROMOTOR DE JUSTIÇA

[1] Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/media/14026/file/cenario-da-exclusao-escolar-no-brasil.pdf

[2] Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56909255

[3] Disponível em: https://www.redebrasilatual.com.br/educacao/2021/02/evasao-escolar-brasil-pandemia/

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