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EDUCAÇÃO

O papel social do Direito na formação crítica e cidadã da sociedade

Carine Rezende Moura Neves1, Marcus Wagner de Seixas2.

Resumo
O curso de Direito da Universidade Federal Fluminense de Volta Redonda,
localizada no sul-fluminense do estado do Rio de Janeiro, foi criado em 2011 e
coordena diversos projetos de ensino, pesquisa e extensão visando à
complementação da formação acadêmica do futuro operador do Direito. Dentre as
várias ações de extensão desenvolvidas pelos docentes do curso, figura o projeto de
extensão Cidadania nas Escolas – subordinado ao programa da TV Universitária de
Volta Redonda - que promove visitas aos estudantes de terceiro ano do Ensino
Médio das escolas públicas e privadas do município. Consiste na aplicação de uma
dinâmica que visa demonstrar a dificuldade de se chegar ao consenso quando se
lida com diversos interesses, situação típica de um Estado Democrático de Direito. A
dinâmica aplicada estimula a capacidade de argumentação e articulação dos
estudantes, por provocar sua participação num jogo em que a negociação de
interesses é o foco principal. O contato com os estudantes possibilita o convite para
diversos eventos da Universidade Federal Fluminense, dentre eles os organizados
pela Comissão de Ação Social e Cultura do Centro Acadêmico de Direito, como
doações de sangue, saraus e visitas solidárias a abrigos e asilos da região sul-
fluminense.

Palavras-chave
Universidade, comunidade, cidadania, educação.

Abstract
The Law School of the Universidade Federal Fluminense in Volta Redonda, located
in the southern state of Rio de Janeiro, was established in 2011 and coordinates
several projects for teaching, research and extension in order to complement the
academic training of the future operator of Law. Among the various extension
activities developed by teachers of the course, figure the extension project
Citizenship in Schools - subordinate to the program of Volta Redonda University’s TV
- which promotes visits to the students of the third year of public and private high
school in the municipality. Consists of applying a dynamic that aims to demonstrate
the difficulty of reaching consensus when dealing with diverse interests, a situation
typical of a democratic state. The dynamics applied stimulates the ability of
argumentation and articulation of students, lead by their participation in a game in
which the negotiation of interests is the main focus. The contact with students allows
the invitation for various events at Universidade Federal Fluminense, including those
organized by the Commission for Social Action and Culture of the Academic Center
of Law, like blood donations, soirees and solidarity visits to shelters and nursing
homes in the south-Fluminense.

Key Words
University, community, citizenship, education.

1
Bolsista de extensão – PROEX/UFF. Contato: carinerezende@id.uff.br.
2
Professor do Departamento de Direito da UFF e coordenador da ação de extensão. Contato:
marcus_seixas@vm.uff.br
Introdução
Apesar de o Brasil adotar o regime político democrático, nem sempre
viver em um Estado Democrático de Direito permite à sociedade conhecer as regras
básicas que guiam o funcionamento das estruturas políticas nacionais, tampouco
significa que toda a comunidade exerça sua cidadania plenamente. Isto atenta para
a carência de ensino das escolas brasileiras, que priorizam o ensino das disciplinas
teóricas tradicionais, em detrimento da educação nas áreas do conhecimento
destinadas à formação do aluno não apenas como profissional, mas como ser
humano, como ética, filosofia, sociologia e noções sobre política e direito, que
cumprem o papel de estimular o senso crítico do indivíduo.
A extinta disciplina “Educação Moral e Cívica”, apesar da distorção
criada no contexto ditatorial para estimular o nacionalismo na população, tinha como
objetivo inicial o ensino sobre deveres morais e cívicos, direitos políticos e os
conceitos inerentes a este exercício, conhecimentos desejáveis a qualquer
sociedade.
A volta ao currículo do Ensino Médio brasileiro das disciplinas de
filosofia e sociologia já foi aprovada desde a promulgação da Lei 11.684 de 02 de
junho de 2008, que alterou o art. 36 da Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996, a qual
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, tornando tais conteúdos
obrigatórios. Contudo, permanece em discussão no Congresso Nacional a
reinserção da disciplina “Educação Moral e Cívica” no currículo escolar, obviamente
com o objetivo de que sejam lecionadas de forma diversa daquela que se verificou
no contexto ditatorial.
Visando suprir minimamente esta carência de ensino e auxiliar no que
for possível na formação crítica e cidadã dos estudantes de terceiro ano do ensino
médio, as visitas às escolas estimulam a discussão política com temas como o que é
a democracia e como funciona o processo democrático, o exercício efetivo da
cidadania e a produção e aplicação das normas jurídicas no Brasil. Além disso,
busca-se estreitar a relação entre universidade e comunidade, agentes sociais de
transformação que muito têm a trocar em termos de aprendizados. Para os alunos
de Ensino Médio, as visitas promovem discussões que ampliam sua formação
pessoal e profissional; para os estudantes de graduação, a experiência fora de sala
de aula contribui para a conversão da realidade do operador do Direito, de simples
operador técnico da ciência para um agente ativo de transformação social na
utilização de seu conhecimento em prol da comunidade.
Ao mesmo tempo, como finalidades secundárias, as visitas também se
tornam um meio para obter uma pesquisa de campo acerca de como os alunos
enxergam o Direito e sua função na sociedade. Os encontros possibilitam, por fim, a
divulgação do recente curso de Direito da Universidade Federal Fluminense de Volta
Redonda, haja vista que os alunos visitados cursam o último ano do Ensino Médio e
têm grandes chances de ingressar no Ensino Superior.

Desenvolvimento com Fundamentação Teórica


As visitas às escolas públicas e particulares do município de Volta
Redonda visam colaborar na efetivação do direito social à educação, assegurado no
art. 6º da Constituição Federal, conforme se observa:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o


trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição (redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010).
O direito à educação é detalhado nos arts. 205 a 214, sendo prevista,
no art. 205, caput, a relação entre educação e formação cidadã do indivíduo:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da
família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício
da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Desta forma, os conhecimentos adquiridos pelo estudante de Direito,
sejam do ponto de vista acadêmico ou moral, são utilizados na fomentação de
debates que permitem o crescimento profissional e pessoal dos alunos de Ensino
Médio. Apesar de os jovens se mostrarem mais atentos ao seu papel cidadão na
mudança das estruturas políticas do país – os recentes protestos e manifestações
em vários estados do Brasil são prova disto –, ainda se verifica carente o
conhecimento sobre noções democráticas básicas, o que por consequência obsta o
exercício pleno dos seus direitos constitucionais
A completa formação do estudante de terceiro ano se mostra ainda
mais relevante quando se considera que estes alunos estão, em regra, na faixa
etária à qual se permite o direito facultativo ao voto, segundo o art. 14, §1º, II, c, da
Magna Carta, abaixo transcrito:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo
voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei,
mediante:

I - plebiscito;

II - referendo;

III - iniciativa popular.

§ 1º - O alistamento eleitoral e o voto são:

I - obrigatórios para os maiores de dezoito anos;

II - facultativos para:

a) os analfabetos;

b) os maiores de setenta anos;

c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.

Considerando que nem todos os estudantes têm conhecimento sobre as


normas gerais que regem a escolha dos legisladores ou dos chefes do executivo, os
quais determinam em última instância as políticas públicas que são aplicadas à
população em geral, verifica-se fundamental a participação do estudante de ensino
superior, futuro operador do Direito, na incitação de debates sobre estes valores.

Metodologia
Em sala de aula, a apresentação dos representantes discentes da ação
de extensão inicia o encontro. Posteriormente, questiona-se aos alunos se têm
ciência da existência do curso de Direito da Universidade Federal Fluminense de
Volta Redonda, abrindo-se espaço para uma conversa sobre o surgimento do curso
e de seu desenvolvimento até o momento atual. Também se indaga aos estudantes
sobre o que consideram ser o Direito e o que consideram ser a função social de seu
operador dentro da comunidade.
A principal atividade desenvolvida baseia-se na aplicação de uma
dinâmica que visa demonstrar a dificuldade de se chegar ao consenso quando se
lida com diversos interesses, situação típica de um Estado Democrático de Direito.
Dividem-se os alunos em seis grupos e a cada uma das equipes é entregue uma
folha na qual é descrita uma situação hipotética que gira em torno do uso de um
terreno baldio, ocupado por um grupo de sem-teto. Vários são os atores
interessados em dar uso ao terreno e o objetivo da gincana é negociar e
compatibilizar os interesses de cada um deles.
Cada grupo, aleatoriamente, assume a figura de um ator social. As
equipes recebem, segundo os atores que representam, panfletos nos quais constam
os pontos que adquirem de acordo com as escolhas realizadas para a utilização do
terreno, no que tange a cada uma das seguintes dimensões: o que construir, quanto
investir, como gerir o empreendimento e que matérias-primas serão utilizadas. Desta
forma, é disponibilizado um tempo para que cada grupo decida suas opções. Findo o
prazo, um integrante do grupo “subprefeitura” vai à frente da sala lançar sua
proposta, que deve ser aceita integralmente por todos os grupos remanescentes.
Caso este quórum não seja verificado, procede-se a um novo debate.

Resultados com Discussão


A dinâmica aplicada estimula a capacidade de argumentação e
articulação dos estudantes, por provocar sua participação num jogo em que a
negociação de interesses é o foco principal. Os alunos mostram-se tímidos ao início
da atividade, mas a partir do segundo momento de debate já se percebe sua
dedicação na conciliação dos diferentes objetivos. Os estudantes percebem o
quanto é difícil alcançar o consenso e os alunos de graduação, então, tomando por
base a dinâmica aplicada, fomentam o debate sobre a dificuldade de exercício da
democracia. Desenvolve-se uma rápida explicação sobre os sistemas majoritário e
proporcional, a eleição de senadores por Unidade da Federação e os parlamentares
que nos representam na Câmara dos Deputados, cada um lutando por seus
interesses, objetivando mostrar aos estudantes como a compatibilização das
pretensões se torna ainda mais complexa.
Assim, o encontro permite o esclarecimento de noções políticas nem
sempre óbvias ao estudante de ensino médio, as quais são fundamentais para sua
completa formação, considerando que estão prestes a ingressar no mercado de
trabalho. A ação de extensão, por outro lado, também contribui para efetivar o
próprio exercício do papel social do Direito, haja vista que os alunos que
desenvolvem estas atividades se tornarão operadores desta ciência. O projeto,
então, colabora para a troca de aprendizados entre universidade e comunidade,
atores sociais que devem estar sempre em interação.
Por fim, a conversa com os jovens de ensino médio permite que se
constate como os estudantes enxergam o Direito de forma restrita, desligado de
suas implicações sociais e valorativas. O Direito é visto por eles não como um
conjunto de meios destinados à promoção da justiça, mas como uma vasta
compilação de leis a serem decoradas e aplicadas mecanicamente, sendo o
advogado a única figura a qual se remetem, atentando para a carência de
informações a respeito das profissões que a formação em Direito pode desencadear.

Considerações Finais
Para que se desse início ao trabalho da ação de extensão Cidadania
nas Escolas, foi necessário, antes de tudo, um mapeamento das escolas públicas e
particulares do município de Volta Redonda. Uma das grandes dificuldades foi obter
uma lista de contatos atualizada, visto que os números disponibilizados na internet,
em grande parte, já se encontravam defasados. Verificou-se também a necessidade
de formalizar uma permissão junto à Secretaria Estadual de Educação para que
fosse facilitada a entrada nas escolas, de forma que o projeto se tornasse
reconhecido na cidade.
Possibilitadas as visitas, reconhece-se que tais encontros tiveram muito
valor no esclarecimento de dúvidas sobre o curso de Direito e na própria divulgação
do curso na cidade de Volta Redonda, visto que se iniciou recentemente e em um
bairro diverso daquele em que se encontravam os cursos mais conhecidos, como
Engenharia, o que tornava ainda não muito acessível o conhecimento sobre esta
graduação.
As visitas também permitiram a comunicação com os alunos por e-mail,
visto que ao fim de cada encontro uma lista foi passada para o preenchimento desta
informação. O contato com os estudantes possibilita o convite para diversos eventos
da Universidade Federal Fluminense, dentre eles os organizados pela Comissão de
Ação Social e Cultura do Centro Acadêmico de Direito, como doações de sangue,
saraus e visitas solidárias a abrigos e asilos da região sul-fluminense.
Ressalte-se que a submissão e aprovação de um pôster sobre a ação
de extensão Cidadania nas Escolas ao IV Congresso da Associação Brasileira de
Pesquisadores em Sociologia do Direito (ABraSD), a ser realizado dos dias 11 a 13
de novembro de 2013, cujo tema geral é “Sociologia do Direito em Perspectiva: para
uma cultura de pesquisa”.

Referências
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. 1988.
NUNES, Nataly; REZENDE, Maria José de. O ensino da Educação
Moral e Cívica durante a ditadura militar. Disponível em: http://www.uel.br/grupo-
pesquisa/gepal/terceirosimposio/natalynunes.pdf . Acesso em: 15 ago. 2013.
PEREIRA, Cassiane Leonor Sartori. Educação Moral e Cívica no
currículo escolar. Disponível em: http://www.mundojovem.pucrs.br/artigos/educacao-
moral-e-civica-no-curriculo-escolar . Acesso em: 15 ago. 2013.

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