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Alexander Calder - a arte e os

brinquedos
Calder conseguiu encontrar uma forma de criar
objectos artísticos, lúdicos e de consumo emocional
que não possuem limites de idade e que, mesmo
por causa disso, não necessitam de uma prévia
formação cultural. Se é verdade, e nisso acredito
piamente, que a função da obra de arte é aumentar
o conhecimento do sujeito sobre o universo que o
rodeia e que a mesma definição pode ser aplicada
ao brinquedo, então vejo em toda a obra de Calder
a fantástica capacidade de encontrar um espaço de
produção material e intelectual que consegue
originar objectos com verdadeiras qualidades
intelectuais, materiais e, sobretudo, lúdicas e, por
isso, emocionais.
a importância da educação para o desenvolvimento das
capacidades artísticas do sujeito, com uma maior ênfase no
campo da Arquitectura. O que está em causa é, de facto, a
utilidade de uma educação disciplinada e apoiada em
actividades lúdicas e brinquedos que, de alguma forma,
consigam despertar nas crianças (apesar de fazer mais falta
nos adultos...) um conjunto de sensibilidades e capacidades
próprias da prática do projecto de Arquitectura. A percepção
e interpretação do espaço tridimensional, o desenho e a
representação são, entre outras, algumas das competências
que distinguem uma predisposição para a Arquitectura.
Nesta sentido, a personagem acerca da qual irei falar a seguir
é, sem dúvida, um dos exemplos mais paradigmáticos neste
âmbito. Nesta história conceitos como educação, formação,
brincadeira ou como arte e ciência, encontram-se misturados
em torno de uma vida dedicada à produção artística onde
arte e brincadeira se fundiram até se tornarem uma única
coisa. A sua herança não se limitou ao campo das artes: nos
quartos e nos berços de milhões de crianças de todo o mundo
encontram-se pendurados num contínuo, lento e infinito
movimento objectos que possuem uma forma e um
funcionamento que pode ser considerado herdeiro das suas
obras e que costumamos chamar mobile. Trata-se do artista
norte-americano Alexander Calder.
Em 1906, o pequeno Alexandre recebeu as
suas primeiras ferramentas para trabalhar
madeira e ferro com as quais criou jóias para
as bonecas da irmã com algumas contas e
uma ponta de fio de cobre que alguns
electricistas tinham deixado na rua. O
próprio Calder mais tarde chegou a
comentar as condições nas quais costumava
construir os próprios brinquedos enquanto
criança
Se por um lado se compreende
como Calder se tornou um grande
artista plástico, por outro lado não
se compreende como tenha
sobrevivido a uma infância
circundada por latas, serrotes, fios
eléctricos e brinquedos em chamas
Dois anos mais tarde, no Natal de 1909, com somente 11
anos de idade, Calder doou aos seus pais duas pequenas
esculturas - um cão e um pato - feitos de chapa de latão. O
pato é uma peça de particular interesse porque demonstra
uma enorme capacidade de abstracção formal e em
manusear os vários materiais. Além disso é uma das
primeiras experiências cinéticas de Calder porque tendo o
fundo curvo fica a balouçar quando se carrega na calda. O
ano seguinte construiu, por ocasião do aniversário do pai,
um jogo de estratégia que consistia num tabuleiro dividido
em quadrados onde se movimentavam cinco animais em
madeira: um tigre, um leão e três ursos.
Em 1926 Calder decidiu visitar a Europa mas, infelizmente,
não tinha dinheiro para pagar a passagem. Esta condição
de pobreza, demonstrada nas frequentes cartas aos pais a
pedir dinheiro para pagar os vários encargos, o
acompanhará ao longo da primeira fase da vida e o
obrigará, entre outras coisa, a ser extremamente inventivo
na forma de produzir objectos e de obter lucro. Mesmo
assim consegue, com a ajuda do seu professor Clinton
Balmer, ser admitido como tripulante do barco inglês
Galileo que fazia a rota de Nova Iorque para a cidade
inglesa de Hull. Em troca da sua mão-de-obra como pintor
do casco do navio terá a sua primeira passagem para a
Europa paga.
Instalado em Paris em 1926 (em finais de Agosto já tinha
alugado uma casa e um atelier), Calder consegue
sobreviver desenhando ilustrações para o jornal Le
Boulevardier. Apesar deste empenho não deixa de
projectar e construir brinquedos, além de figuras
humanas e animais com vários materiais. A qualidade
dos seus brinquedos e a sua falta de dinheiro eram tais
que, no mesmo ano, quando um comerciante de
brinquedo sérvio o encoraja a pensar numa possível
produção em larga escala dos seus brinquedos, Calder
resolve produzir uma grande série de figuras em arame
e madeira. Como o mesmo Calder comentou mais tarde,
a sua capacidade de construir brinquedos era
claramente fruto da sua anterior formação
O comerciante sérvio nunca mais apareceu mas Calder não quis
parar e a serie de brinquedos acabou por ser a primeira versão
do Cirque Calder, um espectáculo complexo de bonecos em
movimento que foi sujeito a alterações e actualizações ao longo dos
seguintes cinco anos. O conjunto reunia pequenos artistas, animais
e objectos que tinha observado no Ringling Brothers Circus. Com
fios, peles, roupas e outros materiais que eram encontrados, o
Circo Calder era projectado, construído e dirigido pessoalmente por
Calder. Além disso todo o conjunto era pensado para poder ser
arrumado em 5 malas permitindo a Calder actuar em qualquer
lugar. O espectáculo demorava cerca de duas horas e existiu ao
longo de 40 anos tendo sido apresentado centenas de vezes nos
contextos e diante das assistências mais diferentes.
A partir dos anos ’30 Calder começa a ter os primeiros
reconhecimentos artísticos da sua obra e, apesar de ainda não ser
economicamente autónomo (em 1930 escreve aos pais a pedir
dinheiro para pagar a renda e as suas frequentes viagens aos
Estados Unidos, e continuas mudanças de residência e de escritório,
parecem ser mais para fugir aos credores que outra coisa), já é
muito conhecido nos círculos artísticos mais exclusivos de Paris.
Conhece e frequenta com regularidade os ateliers de artistas como
Joan Miró, Fernand Léger, James Johnson Sweeney, Piet Mondrian e
Marcel Duchamp. Com o treino ganho na criação de material para o
circo em fio de ferro, Calder começou a fazer retratos em arames de
figuras públicas, encontrando mais uma fonte de rendimento. Em
1928 teve a primeira exposição sozinho na Weyhe Gallery de New
York, seguiram-se outras como as de Paris ou de Berlim. Numa das
viagens entre Paris e Nova York de navio conheceu Louisa James,
sobrinha do escritor Henry James; casaram-se em 1931.
Ainda 1931 Calder criou a obra que irá, sucessivamente,
caracterizar a sua produção mais conhecida: uma
escultura cinética que inaugurava uma forma de arte
inovadora. A primeira experiência foi uma peça accionada
por um sistema de manivelas e motores que Marcel
Duchamp apelidou “mobile” (em francês “mobile”
significa quer movimento como motivação). Mais tarde
Calder abandonou o uso de motores e de mecanismos de
movimento quando percebeu que as suas peças eram
muio mais interessantes quando movidas pelas correntes
de ar. Jean-Paul Sartre chegará a escrever, num texto
escrito em ocasião de uma exposição de Calder, que a sua
obra questionava a definição de escultor porque não
trabalhava com a massa parada mas com elementos
bidimensionais que se mexiam no espaço. Desta forma,
dizia Sartre, “A "mobile,
O resto da história seria mais uma tediosa descrição do
sucesso artístico e profissional de Calder: exposições,
prémios e grandes obras pautaram a vida deste artista até
1976, ano em que, com 78 anos de idade, morreu. Após
mais de três décadas de produção artística, as esculturas
de Calder habitam muitas cidades do mundo e os seus
mobiles agitam-se, sem parar, por baixo das grandes
coberturas de museus ou outros edifícios públicos.
Não são certamente os poucos brinquedos desenhados
por ele que ainda se encontram em produção que
representam a sua principal herança. O que Calder
conseguiu foi reconhecer um território e neste traçar
alguns caminhos. Um território onde arte, engenharia e
brinquedos se cruzam e se enriquecem reciprocamente e
ganham novos significados.

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