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Escola Superior de Artes e Design de Caldas da Rainha

Arte e Objecto de Arte I

Alexandra dos Santos


3110627
Escola Superior de Artes e Design de Caldas da Rainha
Arte e Objecto de Arte I

Introdução
Após a leitura de todos os textos entregues e estudados no âmbito da cadeira de Arte
e Objecto de Arte I do 1º ano do curso superior de Artes Plásticas, acabei por me identificar
com o texto de Charles Baudelaire, sendo esse o escolhido para analisar segundo as regras que
a docente nos propôs.

O trabalho, em conformidade com o texto original, desenvolve-se em quatro capítulos


procurando de alguma forma organizar e reflectir sobre os seus conteúdos. Aquele que
entendi mais relevante, III O artista, homem do mundo, homem das multidões e criança, foi o
que mais elaborei com argumentos pessoais por ser, por um lado, o que se aproxima mais das
questões que nós como futuros artistas colocamos face às nossas espectativas, por outro, por
ser o menos abstrato nas suas intenções.

Alexandra dos Santos


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Arte e Objecto de Arte I

Charles Baudelaire - O Pintor da Vida Moderna

Charles Baudelaire publica, no final de 1863, no jornal Figaro, um ensaio que se


tornaria referência para a noção de modernidade na arte e literatura: “O Pintor da Vida
moderna”, no qual o poeta francês descreve e analisa a obra de um artista, Constantin Guys,
que, para ele, captaria alguns dos aspectos definidores da vida moderna: a instantaneidade, o
transitório, o fugidio, o contingente.

I - O Belo, a Moda e a Felicidade

 A importância da pintura de costumes do presente


 Passado – importância pela beleza extraída dele pelos artistas e pelo seu valor
histórico
 Gravuras de moda do passado – dupla natureza (artístico e histórico) – encontra-se a
moral e a estética da altura
 A ideia que o ser humano tem do belo traduz-se no seu vestuário – acaba por
assemelhar-se aquilo que gostaria de ser
 História da moda francesa – processo evolutivo sem lacunas onde se poderia inserir o
pensamento filosófico de cada época – profunda harmonia que existe em todos os
episódios da história
 Presente – o mesmo que o passado mais qualidade essencial do presente (da
actualidade)

Belo para Baudelaire:


 Tem uma dupla dimensão: tem um elemento eterno, invariável - cuja quantidade é
excessivamente difícil de determinar (a alma da obra)
 Tem um outro elemento circunstancial: a época, a moda, a moral, a paixão. (o corpo
da obra)
 Dois exemplos:
a arte hierática (religiosa): as obras de arte estão dominadas pela religião (e suas
regras) a que o artista pertence
a arte moderna (fruto das sociedades civilizadas): na obra o belo está expresso, por
factores como a moda e o temperamento pessoal do artista
 A dualidade da arte é uma consequência fatal da dualidade do homem.

“O belo não é senão a promessa da felicidade” – Stendhal


 Aproxima o belo da felicidade e afasta-o do seu caracter mais “rígido e aristocrático”.
Isto quer dizer que quando se cria algum objeto de arte procura-se a felicidade, algo
muda, deixa de existir aquela nuvem de desejo e concretiza-se o sonho, torna-se êxito,
alegria por algo que se transformou palpável.

Alexandra dos Santos


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Arte e Objecto de Arte I

II - O croqui dos costumes

Há na vida comum uma mudança contínua das coisas, um movimento rápido que exige
do artista idêntica velocidade de execução.
Esta ideia é percursora do Impressionismo, que surgiu um pouco mais tarde (O nome
do movimento é derivado da obra Impressão, nascer do sol (1872), de Claude Monet).
Para ajudar a identificar esta relação seguem algumas das principais características do
impressionismo:
 a pintura deve mostrar as tonalidades que os objetos adquirem ao refletir a luz do sol
num determinado momento, pois as cores da natureza mudam constantemente,
dependendo da incidência da luz do sol;
 é também, com isto, uma pintura instantânea (captação o momento), recorrendo,
inclusivamente, à fotografia;

III - O artista, homem do mundo, homem das multidões e criança

O autor aqui refere Constantin Guys como exemplo de artista que não se identifica nas
suas obras e rejeita a fama como criador, constam nas suas obras uma alma resplandecente e
que desdenham a aristocracia, é um apaixonado pela multidão e pelo incógnito.
Quando começou a pintar, tardiamente, desenhava como um bárbaro, como uma
criança, irritando-se contra a sua falta de jeito e desobediência dos seus instrumentos,
segundo Baudelaire.
Guys era um artista autodidata pois descobriu sozinho os pequenos truques do seu
ofício, foi também apaixonado pelas viagens e cosmopolita (esteve em Espanha, Turquia e
Crimeia) onde se fartou de desenhar como correspondente para um jornal.
A ingenuidade, por vezes, dos seus traços facilita o registo e a perceção da impressão
e torna-se testemunho da verdade (sem falseados virtuosos dos artistas que procuram
embelezar as cenas).
Este “começou contemplando a vida e só muito tarde se esforçou para aprender os
meios para expressá-la. Disso resultou uma originalidade extraordinária”1.

"a curiosidade pode ser considerada como ponto de partida do seu génio2"

Não era um artista, mas um HOMEM DO MUNDO


Baudelaire faz uma distinção clara daquilo que era o artista da época como a sua visão
pessoal chamado Homem do Mundo.
O Artista era um escravo subordinado ao seu instrumento, vive pouquíssimo no
mundo moral e político (ou até nem vive) e fecha-se no seu atelier e no seu pequeno mundo.

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Charles Baudelaire, O Pintor da Vida Moderna.
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Charles Baudelaire, O Pintor da Vida Moderna.

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São, segundo Baudelaire, brutos muito hábeis, simples artesãos, inteligências provincianas,
mentalidades de cidade pequena. A conversa do artista, forçosamente limitada a um círculo
muito pequeno, torna-se insuportável para o homem do mundo.
O Homem do Mundo - Homem que compreende o mundo e as razões misteriosas e
legítimas de todos os seus costumes. Quer saber, compreender, apreciar tudo o que o rodeia.
Vive em convalescença (a convalescença é como voltar à infância – tal como a criança, o
convalescente interessa-se muito mais intensamente pelas coisas, mesmo as mais banais), este
parágrafo faz-me recordar o caso de um amigo que teve um adenoma na Hipófise, que lhe
provocou um derrame cerebral, em que tudo o que via e ouvia, naquela altura pouco
promissora da sua vida, era como se fossem âncoras para se agarrar ao mundo para esquecer
a mortalidade.
A criança vê tudo como novidade, está sempre como se “bêbada” perante o
maravilhoso do mundo, pessoalmente identifico-me muito com esta forma de experimentar o
mundo, a novidade, as cores, o absorver de tudo o que me rodeia e deslumbrar-me com tanta
inspiração. Inspiração é equiparada à alegria com que a criança absorve a forma e a cor. A
inspiração provoca um estremecimento nervoso (como o friozinho no estômago) que vai até
ao cérebro. O homem de génio tem os nervos fortes, sabe filtrar e gerir a informação que
recolhe no dia a dia e depois transforma-a em objeto de Arte (a razão ajuda a controlar a
experiência) enquanto que a criança tem os nervos fracos, isto é, deixa-se apoderar pela
inspiração (é dominada pela sensibilidade). Este texto tocou-me para a noção da realidade que
por ventura me teria passado despercebida, consciencializou-me de que já não sou a tal
"criança inebriada", que evoluí com o tempo e esforço e que posso então denominar-me como
mulher do mundo porque aprendi a organizar a informação recolhida e a metamorfoseia-la. O
génio é a infância redescoberta sem limites, expressando-se com a capacidade analítica para
gerir os conteúdos assimilados.
Constantin Guys – eterno convalescente e um homem-criança, constantemente
dominado pelo génio da infância, sempre curioso diante de todos os detalhes do mundo. Para
Baudelaire o C.G. poderia ser um dândi, personalizava a essência mais pura do carácter
humano e uma compreensão de todo o mecanismo moral deste mundo, por outro lado
faltava-lhe a insensibilidade dos dândis, sendo consumido por uma paixão voraz pelo sentir e
pelo ver.
Aproveito para fazer aqui um parênteses e contextualizar o que é um dândi: (Dândi é
aquele homem de bom gosto e fantástico senso estético, mas que não necessariamente
pertencia à nobreza. O dândi é o cavalheiro perfeito, é um homem que escolhe viver a vida de
maneira leviana e superficial. Como uma máscara, ou um símbolo, é uma subespécie de
intelectual que não desprime o esteticismo e a beleza dos pormenores. É um pensador,
contudo diletante, ocupando o seu tempo com lazer, atividades lúdicas e ociosas. Tem uma
obsessão pela classe e é um dissidente do vulgar3).

“Amo apaixonadamente a paixão” – Santo Agostinho – traduz bem a maneira de ser de


C.G.

O dândi é aborrece-se, ou finge, com assuntos da política e do mundo, Guys tem


horror ao tédio e às pessoas entediadas, possui a arte difícil de ser sincero sem ser ridículo.
Poderia ser filósofo, se o seu amor pelas coisas mais palpáveis, reais e concretas não o fizesse
desprezar aquelas mais abstratas e teóricas. Se Baudelaire fala em pensamento sublime como

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Alexandra dos Santos


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Arte e Objecto de Arte I

posso cessar o coração e escrever apenas sobre a mente? Porque não tentar exprimir os dois
num só corpo? Este texto fez-me recordar quem realmente sou e como eu vejo a arte, a que
supostamente faço e a que supostamente aprecio.
A multidão é o seu universo, é o meu universo. Sua profissão é casar-se com a
multidão.
Para o perfeito flâneur (para o observador apaixonado, o deambulador) é uma alegria
imensa fixar-se no meio da multidão, no ondulante, no movimento, no fugidio, e no infinito.
Tal como eu.
"O observador é um príncipe que frui por toda a parte pelo facto de estar incógnito"4.
O amador da vida faz do mundo a sua família. Eu faço do mundo a minha família. Por
exemplo tenho desenvolvido alguns trabalhos sobre fotografia. Saio à rua com a minha
máquina analógica/digital com o intuito de imortalizar aquela flor, aquele desgaste de tinta
nas velhas paredes de uma casa abandonada, o sorriso de uma criança, um beijo em contraluz.
Saio a rua e sinto-me capaz de fazer tudo porque estou com a minha família.

Amor em Flor, Alexandra dos Santos, 2012 Jardim de Stª Bárbara em Braga.

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Charles Baudelaire, O Pintor da Vida Moderna.

Alexandra dos Santos


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Em contraluz, Alexandra dos Santos, 2012, Pinhal da ESAD.CR.

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Arte e Objecto de Arte I

Os "Viannenses", Alexandra dos Santos, 2011, Café Vianna em Braga.

Quando saio a rua faço-me acompanhar sempre pelas minhas máquinas, tenho a
intenção de recordar aquele momento, aquele lugar, aquele olhar que pode ser único, a coisa
mais maravilhosa do mundo ou algo que possa parecer banal aos olhos de quem não vê o que
vejo. Tenho a intenção de levar comigo, para o meu ninho, um pedaço do mundo e da
multidão onde vivi, de eternizar todos os sabores e cheiros que as máquinas captam.
Tal como Constantin Guys, adoro viajar por mundos desconhecidos, experimentar
novas texturas, ler nos olhos das cidades a cultura que nelas pesa. Quando viajo, quando saio a
rua não sei para onde vou, onde vai dar aquela rua, chego a encontrar-me com becos sem
saída mas acho maravilhoso, conheço pessoas de etnias variadas, conheço-me mais a mim,
absorvo cada vez mais e mais inspiração que me faz querer fazer mais e mais objetos de arte.
Quando saio a rua não quero entrar mais em casa, quero ficar lá, no mundo que é a minha
família.
Constantin Guys quando acorda maravilha-se com o sol e com o dia, e tem remorsos
porque já perdeu muito tempo de luz, sai de casa e contempla o mundo, as paisagens
citadinas, as pessoas, como se vestem, as carruagens, até aos detalhes mais ínfimos. Chega a
noite, ao contrário dos homens comuns que regressam a casa depois de um longo e cansativo

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dia de trabalho Guys aproveita ainda todas as centelhas de luz, poesia, de música e de vida nos
cabarés, nos bares, nas ruas. Quando os outros dormem ele está curvado sobre a sua mesa,
debatendo-se consigo próprio, desenhando freneticamente com medo que as
imagens/experiências que testemunhou lhe escapem.

“A fantasmagoria foi extraída da natureza. Todos os materiais


atravancados na memória classificam-se, ordenam-se, harmonizam-se e sofrem essa
idealização forçada que é o resultado de uma perceção infantil, isto é, de uma
perceção aguda, mágica à força de ser ingénua!”5

IV - A modernidade

O que procura este homem? Não será apenas o ser um simples flâneur, apenas
testemunhar as circunstâncias do mundo. Procura algo, ao qual se pode chamar a
Modernidade.
Tirar da moda (aqui moda pode ser lido com um sentido mais universal, a moda é tudo
o que o rodeia, o presente) o que esta pode ter de poético no seu histórico. Extrair o eterno do
transitório (daquilo que acontece nos vários momentos do dia).
Baudelaire, como dândi volta a reflectir sobre o papel da moda/roupa nas obras dos
artistas que lhe eram contemporâneos denunciando a falsidade de se representarem cenas
contemporâneas com as personagens vestidas com roupa da idade média, renascimento ou
oriente. Chama-lhes preguiçosos – porque não se davam ao trabalho de procurar os detalhes e
pormenores de qualidade do vestuário actual, refugiando-se em receitas de vestuário
exploradas já no passado.
A Modernidade é o transitório, o efémero, o fugaz – isto é metade da obra de arte
(especificamente o que Baudelaire entende pelo corpo da obra de arte conforme referido no
capítulo I).
A outra metade é a sua capacidade de se tornar eterna e imutável (designadamente a
alma da obra).
Defende que houve uma modernidade nos pintores antigos, em que estes retratavam
as cenas e personagens, caracterizando os costumes daquela época. São obras harmoniosas: a
roupa, os penteados, os olhares, os gestos (cada época tem o seu porte, seu olhar e seu
sorriso) e continua a defender a ideia da evolução da arte associada aos costumes e modas ao
longo dos tempos com vários exemplos.
Por último, se o homem comum olha a natureza (o que o rodeia)
desinteressadamente apenas como um meio para os seus fins pessoais, já Constantin Guys
absorve-a continuamente, tendo a memória e os olhos cheios dos seus muitos pormenores.

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Charles Baudelaire, O Pintor da Vida Moderna.

Alexandra dos Santos


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