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Ações dos NEABIs relacionadas às sabedorias ancestrais na promoção da

Educação para Relações Étnico-raciais no IFSul.

Marcell da Silval1
Nei Fonseca Junior12

Resumo

Este estudo trata-se de um recorte do projeto de pesquisa de mestrado em


Educação Profissional e Tecnológica do ProfEPT/IFSul e tematiza os Núcleos
de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (NEABIs). O objetivo do estudo é
apresentar considerações sobre as ações dos NEABIs relacionadas às
sabedorias ancestrais na promoção da Educação para Relações Étnico-raciais
no IFSul. Utilizando a metodologia de caráter qualitativo, descreveremos as
ações dos NEABIs através das entrevistas semi-estruturadas realizadas com
os representantes dos NEABIs. O estudo demonstra a importância das ações
dos NEABIs na integração com comunidades quilombolas e indígena,
resultando em uma troca rica e valorosa que contribui para formação
pretendida pela instituição.
Palavras-chave: Educação para Relações Étnico-raciais. NEABIs, Saberes
Ancestrais..

Introdução
O presente artigo, é um recorte do projeto de pesquisa de mestrado, em
construção, para obtenção do título de Mestre em Educação Profissional e
Tecnológica do Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e
Tecnológica, ofertado pelo campus Charqueadas do Instituto Federal
Sul-rio-grandense. O projeto de pesquisa A Política educacional para as
Relações Étnico-raciais: Notas a partir da atuação dos NEABIs do IFSUL busca
identificar as ações dos NEABIs do IFSul voltadas às políticas educacionais
para Relações Étnico-raciais no IFSul. Assim sendo, o objetivo do nosso
estudo é apresentar considerações sobre as ações dos NEABIs relacionadas
às sabedorias ancestrais na promoção da Educação para Relações
Étnico-raciais.
Munanga já dizia que:

é necessário que, na educação, a discussão teórica e


conceptual sobre a questão racial esteja acompanhada da

1
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica, ProfEPT IFSul,
e-mail: marcelltrompete@gmail.com
2
Doutor em Educação pela Universidade Federal de Pelotas e professor do Programa de Pós-Graduação
em Educação Profissional e Tecnológica, ProfEPT IFSul, e-mail:.neijunior@ifsul.edu.br
adoção de práticas concretas. Julgo que seria interessante se
pudéssemos construir experiências de formação em que os
professores pudessem vivenciar, analisar e propor estratégias
de intervenção que tenham a valorização da cultura negra e a
eliminação de práticas racistas como foco principal. Dessa
forma, o entendimento dos conceitos estaria associado às
experiências concretas, possibilitando uma mudança de
valores. Por isso, o contato com a comunidade negra, com os
grupos culturais e religiosos que estão ao nosso redor é
importante, pois uma coisa é dizer, de longe, que se respeita o
outro, e outra coisa é mostrar esse respeito na convivência
humana, é estar cara a cara com os limites que o outro me
impõe, é saber relacionar, negociar, resolver conflitos, mudar
valores. (MUNANGA, 2005, p.149)

A Educação para Relações Étnico-Raciais (ERER) é uma perspectiva


que procura consolidar um projeto político antirracista na esfera educacional,
pois é através do trabalho em sala de aula e saídas de campos que abordem
temas como esse, é que poderemos combater a desigualdade racial e o
racismo estrutural, presente em toda sociedade, inclusive nas escola. A
definição de ERER da gloriosa Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, explica a
expressão, de forma objetiva e descomplicada.

A educação das relações étnico-raciais tem por alvo a


formação de cidadãos, mulheres e homens empenhados em
promover condições de igualdade no exercício de direitos
sociais, políticos, econômicos, dos direitos de ser, viver, pensar,
próprios aos diferentes pertencimentos étnico-raciais e sociais.
Em outras palavras, persegue o objetivo precípuo de
desencadear aprendizagens e ensinos em que se efetive
participação no espaço público. Isto é, em que se formem
homens e mulheres comprometidos com e na discussão de
questões de interesse geral, sendo capazes de reconhecer e
valorizar visões de mundo, experiências históricas,
contribuições dos diferentes povos que têm formado a nação,
bem como de negociar prioridades, coordenando diferentes
interesses, propósitos, desejos, além de propor políticas que
contemplem efetivamente a todos (SILVA, 2007, p. 3).

Os NEABIs têm como objetivo geral constituírem-se como centros de


referência que, através de ações relacionadas aos estudos afro-brasileiros e
indígenas, produzam conhecimentos e promovam a troca de informações,com
o propósito de fomentar ações que gerem debates importantes sobre África e
africanidade no Brasil, além de ações que garantam a ERER. Os NEABIs
acabam assumindo um papel de destaque na luta histórica contra o racismo e,
através de suas ações e articulações com os movimentos sociais, buscam
viabilizar a aplicação das Leis n.º 10.639/03 e n.º 11.645/08 que tornam
obrigatório o ensino da história das culturas africanas e indígenas nas escolas
de educação básica.
Os institutos federais buscam uma formação que possa contemplar a
construção da cidadania e do desenvolvimento local e regional. Assim sendo,
alguns conceitos são fundamentais para compreender e entender as
concepções que orientam os institutos federais, são elas: Formação Humana
Integral; Cidadania; Trabalho; Ciência; Tecnologia e Cultura; o Trabalho como
Princípio Educativo; o Educando Enquanto Produtor de Conhecimentos.

Metodologia

Para realizar esse estudo e responder o objeto proposto, escolhemos


realizar uma pesquisa de abordagem qualitativa, buscando o aprofundamento
da compreensão das ações dos núcleos pesquisados, não se preocupando
com a representatividade numérica.
Sobre a abordagem qualitativa, ressaltamos algumas características que
devem ser levadas em consideração, Denizin e Lincoln (2006) afirmam que,
esse tipo de pesquisa “[...] envolve uma abordagem interpretativa do mundo, o
que significa que seus pesquisadores estudam as coisas em seus cenários
naturais, tentando entender os fenômenos em termos dos significados que as
pessoas a eles conferem [...]”, assim sendo, precisaremos estar atentos a
descrição dos detalhes dos depoimentos dos envolvidos.
Quanto à escolha dos procedimentos, optamos por realizar um estudo
de caso, para Gil (2007), o estudo de caso consiste no estudo profundo e
exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira que permita seu amplo e
detalhado conhecimento.
Nessa perspectiva, realizamos um estudo de multicasos, uma vez que
investigamos as ações dos NEABIs presentes em câmpus do IFSul. Como não
queremos fazer um comparativo entre os câmpus pesquisados, acreditamos
que esse tipo de estudo de caso seja o mais adequado.
Trivinõs relata que:
Sem necessidade de perseguir objetivos de natureza
comparativa, o pesquisador pode ter a possibilidade de estudar
dois ou mais sujeitos, organizações etc. Trata-se então de
Estudos multicasos. Exemplo: estudo de duas escolas técnicas
que formam técnicos contábeis (aspectos físicos, história de
suas vidas, evolução; matrícula, tipo de professores, número de
técnicos formados, perspectivas dos estudantes em relação a
seu futuro no mercado ocupacional etc.) (TRIVIÑOS, 1987, p.
136).

Para lograr êxito na pesquisa, organizamos os instrumentos de


pesquisa, ou seja, a forma como realizamos a coleta de dados. As técnicas de
coleta de dados são um conjunto de regras ou processos utilizados por uma
ciência, ou seja, corresponde à parte prática da coleta de dados (LAKATOS;
MARCONI, 2001)
Utilizamos duas ferramentas de coleta de dados, que é o questionário,
de forma estruturada, que segundo Lakatos e Marconi (1996, p. 88) consiste
em: “[...] uma série ordenada de perguntas, respondidas por escrito sem a
presença do pesquisador”. O questionário foi enviado para todos
representantes dos NEABIs do IFSul, sendo preenchido através da ferramenta
Google Forms, buscando em um primeiro contato, conhecer um pouco mais
sobre os Núcleos que eles representam, como eles funcionam, o perfil dos
participantes, a quantidade de participantes, ações realizadas desde sua
fundação, qual a periodicidade das reuniões, e também, saber se há interesse
em colaborar com a pesquisa, entre outras questões pertinentes. Outra técnica
que utilizamos não menos importante foi a entrevista semi estruturada.
De acordo com Gil (1999), a entrevista é uma das técnicas de coleta de
dados mais utilizadas nas pesquisas sociais. Esta técnica de coleta de dados é
bastante adequada para a obtenção de informações acerca do que as pessoas
sabem, creem, esperam e desejam, assim como suas razões para cada
resposta. A partir dessa técnica de coleta de dados, entrevistamos os membros
dos NEABIs, que responderam ao questionário anteriormente e se mostraram
dispostos a colaborar com a realização da presente pesquisa. Além do mais, o
questionário serviu como base para a elaboração da entrevista.
Optamos por realizar as entrevistas de forma virtual, já que o IFSul conta
com 14 câmpus, distribuídos por todas as regiões do estado, dessa forma,
conseguimos concentrar forças em realizar a maior quantidade de entrevistas
possíveis. As entrevistas foram realizadas através da plataforma Meet, e foram
gravadas com consentimento dos entrevistados, onde pudemos transcrevê-las
e realizar a análise de dados posteriormente.

Realizamos a análise de dados, que consistiu em compreender e


interpretar o material qualitativo que foi coletado ao longo da pesquisa.
Utilizamos a técnica de análise de conteúdo, a partir da perspectiva de Bardin
(1977, p. 42) que diz que é um

[...] conjunto de técnicas de análise das comunicações que


buscam obter, através de procedimentos sistemáticos e
objetivos de descrição do conteúdo das mensagens,
indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção e recepção
dessas mensagens.

Ao realizar a análise de dados, estabelecemos uma categoria


denominada "Conhecimentos Ancestrais na Promoção da Educação para
Relações Étnico-Raciais". Essa categoria aborda a temática com base em
entrevistas conduzidas com os coordenadores dos Núcleos de Estudos
Afro-Brasileiros e Indígenas (NEABIs) do IFSul, nos quais eles compartilham as
ações realizadas pelos NEABIs, incluindo visitas a comunidades Quilombolas e
Aldeias Indígenas. Pelo menos três núcleos mencionaram atividades que visam
adquirir conhecimentos ancestrais para compartilhar com os alunos do IFSul.

Resultados e discussão

Ao analisarmos os depoimentos dos coordenadores dos NEABIs sobre


as ações realizadas, identificamos a necessidade de criar uma categoria
denominada "Saberes Ancestrais". Essa categoria surgiu devido às atividades
de alguns NEABIs que chamaram nossa atenção, uma vez que envolviam
ações junto a comunidades quilombolas e indígenas, valorizando e resgatando
conhecimentos ancestrais. Sabemos que ERER busca uma educação que seja
capaz de romper com o racismo na educação, e ações decoloniais são
ferramentas de grande valia para que possamos ter uma educação antirracista
exitosa.
A compreensão dos saberes ancestrais presentes nessas comunidades
ressalta a importância de romper com a educação colonial, que tem sido
guiada por um padrão hegemônico eurocêntrico que historicamente
negligenciou a valorização de culturas e histórias além dos seus próprios
parâmetros. Ao reconhecer e valorizar os saberes ancestrais desses povos, é
possível apresentar uma realidade diversa e significativa, que o colonialismo,
de forma simplista, apagou ou relegou a um espaço de subalternidade. Essa
perspectiva é corroborada por Boaventura de Sousa Santos, que afirma que:

O colonialismo, para além de todas as dominações


porque é conhecido, foi também uma dominação
epistemológica, uma reflexão extremamente desigual entre
saberes que conduziu à supressão de muitas formas de saber
próprias dos povos e nações colonizados, relegando muitos
outros saberes para um espaço de subalternidade. (SANTOS,
2010, p. 23).

No contexto das atividades que envolviam saídas de campo, é


fundamental ressaltar a importância dessas experiências na construção de
novos saberes e conhecimentos, uma vez que proporcionam um contato direto
com realidades diversas das vivenciadas pela maioria das pessoas. No que se
refere a esses saberes, destaco a seguinte citação de Gustavo Manoel da Silva
Gomes:

problematizando temas, conceitos, valores e práticas; propondo


novos referenciais sociais, culturais, políticos e históricos;
experimentando novos conteúdos e formas na produção do
conhecimento; buscando perceber e compreender o lugar e a
ótica de identidades negras na sociedade brasileira;
estimulando práticas curriculares “não-formais”; provocando
uma educação pelos sentidos do corpo e pelos sentidos da
fala, portanto, por uma educação problematizando temas,
conceitos, valores e práticas; propondo novos referenciais
sociais, culturais, políticos e históricos; experimentando novos
conteúdos e formas na produção do conhecimento; buscando
perceber e compreender o lugar e a ótica de identidades
negras na sociedade brasileira; estimulando práticas
curriculares “não-formais”; provocando uma educação pelos
sentidos do corpo e pelos sentidos da fala, portanto, por uma
educação estética: aquela que mexe com sentidos,
sentimentos e saberes dos sujeitos envolvidos (GOMES, 2018,
p. 24).

Algumas narrativas descrevem a forma como essas ações são


realizadas, e é evidente a potência dessas atividades, uma vez que os
estudantes têm a oportunidade de vivenciar uma realidade distinta do ambiente
escolar cotidiano, além de compartilhar conhecimentos com as comunidades
envolvidas, que são diferentes daqueles experimentados por muitos. Essa
troca de experiências proporciona aos alunos a oportunidade de conhecer
saberes ancestrais das comunidades indígenas e quilombolas, os quais muitas
vezes não são contemplados nos livros didáticos e são transmitidos oralmente
durante esses encontros, uma forma de transmissão de conhecimento
altamente valorizada nas comunidades indígenas e quilombolas. A respeito
desse aspecto, TESTA afirma:

Por outro lado, essa associação entre palavra e alma traz


consigo a idéia de que, nas trocas entre interlocutores, as
palavras-almas que passam entre narrador e ouvinte não se
limitam a sons depositários de sentidos. Mais do que uma
situação de expressão verbal, por meio da narração das suas
próprias experiências de vida, o narrador doa ou empresta algo
que lhe constitui, por isso, receber suas palavras é
relacionar-se, não apenas com o interlocutor e todos os
saberes e as experiências que o constituem, mas também
percorrer as perspectivas que ele acessa para receber ou
produzir esses saberes. (TESTA, 2007, p.300).

Os depoimentos dos coordenadores evidenciam o empenho dos NEABIs


em compreender a realidade dessas comunidades, principalmente devido à
presença de estudantes pertencentes a esses grupos nos Institutos Federais. A
inclusão desses alunos impulsionou a necessidade de conhecer e atender às
especificidades dessas comunidades, promovendo uma educação mais
inclusiva e contextualizada.

vivências culturais na aldeia, que a gente veio construindo junto


com a aldeia e partiu de uma necessidade da Aldeia de
comunicar com a comunidade local e regional e com o Instituto
Federal como parceiro, então a gente a cada… isso seria umas
duas vezes por ano, mas a questão da pandemia nos trouxe
muitas preocupações né, de ir até Aldeia nesse momento, tanto
que hoje esse fim de semana, tem uma vivência cultural na
aldeia que a gente ainda não tinha se estruturado
suficientemente para acompanhar. Então é a primeira que vem
depois da pandemia, todos os cuidados da pandemia e as
preocupações disso, a gente não desenvolveu nos últimos dois
anos, mas é uma atividade que vinha sendo realizada todos os
anos, umas duas vezes por ano principalmente em abril e
Novembro, que é em Novembro especialmente o ano-novo
Guarani, então essa é uma atividade que nós levávamos os
estudantes do IF e de outras escolas da região até Aldeia para
uma série de atividades lá, realizadas pelos integrantes da
Aldeia, e é uma atividade muito importante no sentido de um
aprendizado real, um aprendizado concreto, onde eles entram
em contato ali com as crianças, com os mais velhos, com os
jovens, os adultos, experienciam uma realidade que é muito
profunda né na questão humana que a gente desenvolve.
(Coordenador Cambará - Entrevista semi estruturada)

O depoimento do coordenador Cambará apresenta a experiência do


campus ao qual está vinculado, destacando que o aprendizado efetivo ocorre
por meio da prática. Ao visitarem uma aldeia indígena, os alunos têm a
oportunidade de entrar em contato direto com os membros desse grupo,
vivenciando uma realidade distinta daquela que estão acostumados. Essa
vivência proporciona uma aprendizagem enriquecedora e significativa para os
estudantes.

No relato do coordenador Limoeiro, é mencionada a iniciativa de


estabelecer uma aproximação com a Aldeia Kaingang Foxá devido à presença
de uma aluna pertencente a esse grupo étnico. O objetivo dessa aproximação
foi proporcionar aos demais alunos a oportunidade de conhecer a cultura, que
muitas vezes é percebida como "diferente" por ser representada por uma
colega de classe. No entanto, o coordenador ressalta que a aluna não concluiu
o curso na instituição e, desde então, não houve mais alunos provenientes
daquela aldeia.

E além disso a gente teve um movimento importante que foi


uma aproximação da Aldeia kaingang foxá, que tem aqui perto,
nós temos uma aluna, que ela foi nossa aluna do curso, no
primeiro ano que a gente teve integrado aqui, que a gente não
tinha integrado só tinha subsequente, a gente teve integrado
em automação industrial. e essa menina foi nossa aluna, só
que ela não conseguiu aprovação no primeiro ano ela acabou
saindo da escola, indo trabalhar, estudar em outros lugares eu
acho, então essa aproximação com a aldeia foi muito legal,
uma pena que não teve continuidade. Nós fomos por exemplo
na aldeia algumas vezes, levamos nossos estudantes na festa
do Kiki que teve, presenciar a cultura, eles conheceram
bastante da cultura indígena, ela fazia parte do grupo de dança,
a mãe e a tia também foram falar lá sobre artesanato. A aldeia
é quem vai a Cruzeiro do Sul próximo aqui, aí, como ela saiu
depois, não tivemos mais estudantes de lá. Só que que eu
acho que dificulta bastante é, por exemplo a questão de que é
falta de estrutura mesmo, fazer um trabalho mais efetivo sabe,
nós não temos um ônibus para levar os estudantes lá, para
trazer também eles aqui só tem um único carro que não tem
motorista sabe, então a questão da estrutura acho que
prejudica bastante, assim que a gente conseguisse fazer um
trabalho mais né. (Coordenador Limoeiro - Entrevista semi
estruturada)

O coordenador Ipê relata que uma das atividades do NEABI consiste em


visitar quilombos e aldeias indígenas próximos ao campus. O objetivo é
envolver a comunidade nesses encontros, incluindo a participação desses
grupos étnicos em atividades realizadas dentro do próprio campus. Dessa
forma, busca-se proporcionar à comunidade escolar, que não participa das
saídas de campo, a oportunidade de entrar em contato com esses povos. O
diálogo entre o NEABI e essas comunidades é uma prática constante dentro da
instituição, ocorrendo de forma formal em alguns momentos e como uma troca
de informações e espaços em outros.

A gente faz visitas, ali em XXXXX, tem um quilombo,


remanescente de um quilombo, então a gente faz visitas ali, a
gente tem no horto florestal uma comunidade indígena, indo
para XXXXX tem também uma outra comunidade, então às
vezes a gente traz eles quando a gente tem feiras, assim
Mocitec, a gente sempre tenta fazer esse diálogo, e trazer eles
para comunidade também conhecer. Então esse diálogo sobre
essa temática ele é constante, às vezes uma linha mais
acadêmica, às vezes numa linha mais de troca de informações
de diálogo e de espaços. (Coordenador Ipê - Entrevista semi
estruturada)

O coordenador Limoeiro destaca a contribuição do NEABI no processo


de reconhecimento de uma comunidade como quilombola, oferecendo auxílio
essencial nessa conquista. A participação ativa do NEABI, impulsionada pela
presença de estudantes oriundos de um quilombo local, desempenhou um
papel significativo no alcance do reconhecimento oficial da comunidade. Além
disso, os conhecimentos ancestrais transmitidos por meio das histórias orais
têm desempenhado um papel fundamental na valorização e no reconhecimento
da identidade quilombola.Esses aspectos fizeram com que o núcleo se
tornasse uma referência para outras comunidades que buscam o
reconhecimento como comunidades quilombolas. Esse reconhecimento está
respaldado pela Constituição Brasileira de 1988, mais especificamente pelo
artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que
consagra o direito à propriedade das terras das comunidades quilombolas. O
referido artigo estabelece claramente que os remanescentes das comunidades
quilombolas que estejam ocupando suas terras têm o reconhecimento da
propriedade definitiva, com o dever do Estado de emitir-lhes os títulos
correspondentes.

outra frente também que eu acho que foi bem importante é com
uma comunidade, duas Comunidades Quilombolas aqui, nós
tivemos duas alunas uma não chegou a concluir o curso e saiu
e a outra nossa aluna do integrada, que é do quilombo do
Planalto, que é aqui bem próximo do IFSul né. Essa
comunidade então, também já tiveram lá né, já fizeram
palestras, enfim, já falaram sobre a comunidade, já tem o
reconhecimento né. E também tem uma aproximação agora
com outro grupo que é do loteamento é 17 aqui no morro 25
que tá buscando esse reconhecimento, então a gente tá de
alguma maneira auxiliando né, através da história oral deles,
fazendo, tentando assim ajudar que ele consigam esse
reconhecimento. (Coordenador Limoeiro - Entrevista semi
estruturada)

As ações propostas e implementadas pelos NEABIs têm o propósito de


superar a concepção de uma educação direcionada exclusivamente às
comunidades negra ou indígena, buscando uma formação social inclusiva para
todos os membros da comunidade escolar. Essas iniciativas visam derrubar
preconceitos e barreiras originados por uma educação colonial que
historicamente depreciou a memória e a história dos povos colonizados.

Ao romper com esse paradigma, os NEABIs promovem uma educação


que valoriza e respeita a diversidade cultural, reconhecendo a importância de
todas as identidades presentes na comunidade escolar. Essa abordagem
busca equidade, justiça social e a construção de uma consciência crítica,
contribuindo para a formação de cidadãos conscientes, atuantes e capazes de
questionar e transformar as desigualdades sociais. Dessa forma, os NEABIs
desempenham um papel fundamental na construção de uma educação que
promove a igualdade, o respeito e o reconhecimento de todas as trajetórias e
experiências, rompendo com estereótipos e valorizando a pluralidade de
narrativas históricas e culturais.

O resgate da memória coletiva e da história da comunidade


negra não interessa apenas aos alunos de ascendência negra.
Interessa também aos alunos de outras ascendências étnicas,
principalmente branca, pois ao receber uma educação
envenenada pelos preconceitos, eles também tiveram suas
estruturas psíquicas afetadas (MUNANGA, 2005, p.16).

Os relatos das atividades de saída de campo para as comunidades


quilombolas e indígenas revelam uma riqueza cultural que, por mais simples
que possam parecer, é de imensa importância. Ao reconhecermos e
valorizarmos sua cultura e história, estamos dando o devido destaque às suas
raízes, algo que o pensamento eurocêntrico negligenciou ao considerar seus
corpos como objetos e inferiores, propensos à exploração e escravização.
Essas atividades proporcionam uma oportunidade de encontro e diálogo
com as tradições, saberes e modos de vida dessas comunidades. Ao fazê-lo,
estamos promovendo a valorização de suas identidades e contribuindo para a
construção de uma perspectiva mais inclusiva e respeitosa.

Essa abordagem nos permite romper com a visão discriminatória e


excludente que historicamente prevaleceu, abrindo caminho para uma
compreensão mais ampla e enriquecedora da diversidade cultural brasileira. Ao
reconhecermos a grandiosidade cultural dessas comunidades, estamos
estabelecendo um respeito mútuo e construindo um processo educativo mais
justo, igualitário e empoderador para todos os envolvidos.

Hoje, a luta contra a exploração/dominação implica,


sem dúvida, em primeiro lugar, o engajamento na luta pela
destruição da colonialidade do poder, não só para terminar com
o racismo, mas pela sua condição de eixo articulador do padrão
universal do capitalismo eurocentrado. Essa luta é parte da
destruição do poder capitalista, por ser hoje a trama viva de
todas as formas históricas de exploração, dominação,
discriminação, materiais e inter-subjectivas. O lugar central da
‘corporeidade’ neste plano leva à necessidade de pensar, de
repensar, vias específicas para a sua libertação, ou seja, para a
libertação das pessoas, individualmente e em sociedade, do
poder, de todo o poder.(QUIJANO, 2010, p. 113)

Além da citação de QUIJANO, gostariamos de mencionar outra autora


que embasou nosso referencial teórico, Djamila Ribeiro. Em sua obra, ela
aborda questões relacionadas a identidades e corpos, destacando como
aqueles que se diferenciam do padrão estabelecido não são sequer tratados
como seres humanos. Djamila Ribeiro chama a atenção para a forma como o
corpo, quando diverge dos padrões normativos impostos pela sociedade, é
desumanizado e marginalizado. Suas reflexões evidenciam a necessidade de
reconhecermos e valorizarmos a pluralidade de corpos e identidades,
combatendo assim a perpetuação de preconceitos e discriminações.

Quando discutimos identidades, estamos dizendo que o


poder deslegitima umas em detrimento de outras. O debate,
portanto, não é meramente identitário, mas envolve pensar
como algumas identidades são aviltadas e ressignificar o
conceito de humanidade, posto que pessoas negras em geral e
mulheres negras especificamente não são tratadas como
humanas. Uma vez que o conceito de humanidade contempla
somente homens brancos, nossa luta é para pensar as bases
de um novo marco civilizatório. É uma grande luta, que
pretende ampliar o projeto democrático (RIBEIRO, 2018, p. 21).

Ao adotarmos as contribuições de Djamila Ribeiro em nosso referencial


teórico, almejamos fomentar uma perspectiva inclusiva e respeitosa, que
reconheça a humanidade e dignidade de todas as pessoas,
independentemente de sua aparência ou identidade. Através dessa
conscientização, buscamos impulsionar o progresso em direção a uma
sociedade mais justa, na qual todos os corpos sejam valorizados e respeitados
em sua totalidade.

Considerações finais

O presente estudo traz um recorte da nossa pesquisa, denominado de


"Saberes Ancestrais" no contexto das ações dos NEABIs em comunidades
quilombolas e indígenas. Essa categoria surgiu devido à valorização e resgate
dos conhecimentos ancestrais presentes nessas comunidades, em
contraposição à educação colonial eurocêntrica.
A compreensão e valorização dos saberes ancestrais desses povos
destacam a importância de romper com a educação colonial, que
historicamente negligenciou outras culturas e histórias além dos parâmetros
eurocêntricos. Ao reconhecer e valorizar esses saberes, é possível apresentar
uma realidade diversa e significativa, que o colonialismo simplificou ou apagou.
As saídas de campo e visitas a quilombos e aldeias indígenas permitem
aos estudantes ter contato direto com essas realidades diferentes, promovendo
uma aprendizagem enriquecedora. Durante esses encontros, os saberes
ancestrais são transmitidos oralmente, uma forma de transmissão valorizada
nessas comunidades.
Os depoimentos dos coordenadores dos NEABIs evidenciam o empenho
em compreender a realidade dessas comunidades, especialmente devido à
presença de estudantes pertencentes a esses grupos nos Institutos Federais.
O diálogo entre o NEABI e as comunidades é constante, tanto de forma formal
quanto por meio de trocas de informações e espaços.
Essas ações dos NEABIs vão além da valorização das culturas negra e
indígena, buscando uma educação inclusiva para toda a comunidade escolar.
Ao superar a educação colonial, esses núcleos promovem uma formação social
que valoriza a diversidade cultural e busca equidade e justiça social. Dessa
forma, contribuem para a construção de uma consciência crítica e cidadãos
capazes de questionar e transformar as desigualdades sociais.
Por fim, os NEABIs desempenham um papel fundamental na construção
de uma educação antirracista e inclusiva, valorizando e resgatando os saberes
ancestrais das comunidades quilombolas e indígenas. Ao romper com a
educação colonial e promover o diálogo e a valorização da diversidade cultural,
esses núcleos contribuem para a formação de uma sociedade mais justa e
igualitária.

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