Você está na página 1de 17

EDUCAÇÃO FÍSICA

NO ENSINO
MÉDIO: PRÁTICA
DOCENTE
Práticas corporais
no ensino médio
Beatriz Paulo Biedrzycki

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Planejar atividades de ensino da cultura corporal do movimento no ensino


médio.
>> Descrever atividades da cultura popular que promovam o desenvolvimento
da prática corporal.
>> Identificar os elementos básicos das modalidades presentes nas práticas
corporais no ensino médio.

Introdução
Última etapa da educação básica, o ensino médio tem preceitos e intencionali-
dade diferentes dos das demais etapas de ensino. Hoje em dia, diferentemente
da abordagem que havia em tempos passados, o ensino da educação física
no ensino médio compreende as práticas corporais como ferramentas de
linguagem e expressão, devendo, desse modo, proporcionar aos estudantes
reflexões e fomentar questionamentos.
Neste capítulo, apresentaremos as propostas dos documentos norteadores
para o ensino de educação física no ensino médio, de modo que você possa
compreender quais são os objetivos desse componente curricular e, a partir
disso, propiciar aos estudantes um desenvolvimento significativo de suas
competências. Para tanto, estabeleceremos relações entre a cultura corporal
do movimento e a cultura popular, dois conceitos fundamentais para pensar
a educação física escolar nos dias de hoje. Por fim, descreveremos algumas
2 Práticas corporais no ensino médio

propostas de como colocar em prática esses pressupostos teóricos, visando à


construção integral do estudante.

Educação física no ensino médio:


documentos norteadores e
objetivos de hoje
Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), o
ensino médio configura-se como a última etapa da educação básica, com
duração de três anos. Essa etapa do ensino tem como objetivos:

[...] a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino


fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; a preparação básica
para o trabalho e a cidadania do educando [...]; o aprimoramento do educando como
pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia
intelectual e do pensamento crítico; a compreensão dos fundamentos científico-
-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática,
no ensino de cada disciplina (BRASIL, 1996, art. 35).

Seguindo essa linha, os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino


Médio (PCNs) propõem um ensino de educação física que se afaste da lógica
das regras, dos conceitos e dos sistemas esportivos, em que o professor
exerce uma função de treinador e o aluno, de atleta. O documento afirma
que o papel da educação física na escola é o de uma “[...] área de estudo
fundamental para a compreensão e entendimento do ser humano, enquanto
produtor de cultura” (BRASIL, 2000, p. 34).
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), por sua vez, aponta que a
educação física no ensino médio deve possibilitar:

[...] aos estudantes explorar o movimento e a gestualidade em práticas corporais


de diferentes grupos culturais e analisar os discursos e os valores associados a
elas, bem como os processos de negociação de sentidos que estão em jogo na sua
apreciação e produção. Nesse sentido, estimula o desenvolvimento da curiosidade
intelectual, da pesquisa e da capacidade de argumentação (BRASIL, 2017, p. 483).
Práticas corporais no ensino médio 3

Nesse cenário, parece ser bastante significativa a linha que associa a


educação física com a produção de saúde, aptidão física e conhecimentos
sobre o funcionamento do corpo (BRASIL, 2000). É claro que esse é apenas
um dos caminhos possíveis para o ensino médio, isto é, ele não é a única
abordagem legítima dentro da educação física. Aulas que envolvam ginástica
de condicionamento físico ou de formação corporal são, sim, possibilidades.
Nelas, os alunos podem, por exemplo, realizar medidas antropométricas e
de aptidão física para comparar os efeitos que as atividades causaram no
seu corpo.
A BNCC apresenta, em 2017, a educação física sob outra ótica, muito mais
integrante da área das linguagens — ainda que, nos PCNs, a educação física
também pertença a essa área. Em relação às linguagens, a BNCC propõe que
os estudantes conheçam, discutam, debatam e reflitam acerca das mais
diferentes culturas e povos que formam a sociedade. Para tanto, o documento
prevê que eles:

[...] desenvolvam competências e habilidades que lhes possibilitem mobilizar e


articular conhecimentos desses componentes simultaneamente a dimensões
socioemocionais, em situações de aprendizagem que lhes sejam significativas e
relevantes para sua formação integral (BRASIL, 2017, p. 481).

Por mais que existam algumas importantes diferenças conceituais e meto-


dológicas entre a BNCC e os PCNs, ambos os documentos buscam apresentar
seriedade e compromisso com a formação integral do estudante nas aulas
de educação física, equivalendo, dessa forma, esse componente curricular
com os demais. E isso somente se torna possível quando o professor planeja
e oferece aos estudantes aulas que estejam estruturadas em uma sequência
didática e que incorporem temas, debates e pesquisa (p. ex., a participação
nas feiras e mostras científicas das escolas) relevantes para que o aluno se
sinta parte do ambiente escolar (BRASIL, 2000).
No Quadro 1, é apresentado um comparativo entre as competências espe-
radas para a educação física no ensino médio pelos diferentes documentos
norteadores da educação básica brasileira.
4 Práticas corporais no ensino médio

Quadro 1. Competências esperadas pela BNCC e pelos PCNs para a educação


física no ensino médio

Parâmetros Curriculares
Base Nacional Comum Curricular (2017)
Nacionais (2000)

Compreender o funcionamento das diferentes Compreender o


linguagens e práticas culturais (artísticas, funcionamento do
corporais e verbais) e mobilizar esses organismo humano, de
conhecimentos na recepção e produção forma a reconhecer e
de discursos nos diferentes campos de modificar as atividades
atuação social e nas diversas mídias, para corporais, valorizando-as
ampliar as formas de participação social, o como recurso para a
entendimento e as possibilidades de explicação melhoria de suas aptidões
e interpretação crítica da realidade e para físicas.
continuar aprendendo.

Compreender os processos identitários, Desenvolver as dimensões


conflitos e relações de poder que permeiam conceituais de esforço,
as práticas sociais de linguagem, respeitando intensidade e frequência,
as diversidades e a pluralidade de ideias aplicando-as em suas
e posições, e atuar socialmente com base práticas corporais.
em princípios e valores assentados na
democracia, na igualdade e nos Direitos
Humanos, exercitando o autoconhecimento, a
empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e
a cooperação, e combatendo preconceitos de
qualquer natureza.

Utilizar diferentes linguagens (artísticas, Refletir sobre as


corporais e verbais) para exercer, com informações específicas
autonomia e colaboração, protagonismo e da cultura corporal, sendo
autoria na vida pessoal e coletiva, de forma capaz de discerni-las e
crítica, criativa, ética e solidária, defendendo reinterpretá-las em bases
pontos de vista que respeitem o outro e científicas, adotando
promovam os Direitos Humanos, a consciência uma postura autônoma
socioambiental e o consumo responsável, em na seleção de atividades
âmbito local, regional e global. e procedimentos para a
manutenção ou aquisição
da saúde.

Compreender as línguas como fenômeno (geo) Assumir uma postura ativa,


político, histórico, cultural, social, variável, na prática das atividades
heterogêneo e sensível aos contextos físicas, e consciente da
de uso, reconhecendo suas variedades e importância delas na vida
vivenciando-as como formas de expressões do cidadão.
identitárias, pessoais e coletivas, bem como
agindo no enfrentamento de preconceitos de
qualquer natureza.
(Continua)
Práticas corporais no ensino médio 5

(Continuação)

Parâmetros Curriculares
Base Nacional Comum Curricular (2017)
Nacionais (2000)

Compreender os processos de produção e


negociação de sentidos nas práticas corporais,
reconhecendo-as e vivenciando-as como
formas de expressão de valores e identidades,
em uma perspectiva democrática e de respeito
à diversidade.

Apreciar esteticamente as mais diversas


produções artísticas e culturais, considerando
suas características locais, regionais e globais,
e mobilizar seus conhecimentos sobre as Assumir uma postura ativa,
linguagens artísticas para dar significado e na prática das atividades
(re)construir produções autorais individuais e físicas, e consciente da
coletivas, exercendo protagonismo de maneira importância delas na vida
crítica e criativa, com respeito à diversidade de do cidadão.
saberes, identidades e culturas.

Mobilizar práticas de linguagem no universo


digital, considerando as dimensões técnicas,
críticas, criativas, éticas e estéticas, para
expandir as formas de produzir sentidos, de
engajar-se em práticas autorais e coletivas, e
de aprender a aprender nos campos da ciência,
cultura, trabalho, informação e vida pessoal e
coletiva.

Fonte: Adaptado de Brasil (2017) e Brasil (2000).

Note que, ainda que existam algumas diferenças entre eles, ambos os
documentos colocam em evidência as práticas corporais, a abordagem cultural
e as discussões sobre o corpo e suas diferentes formas de expressão. Sendo
assim, podemos constatar que tanto a BNCC quanto os PCNs negam a abor-
dagem tecnicista do ensino de educação física, que visa ao aperfeiçoamento
de gestos esportivos.
Essa opção se deve à maior autonomia e à capacidade mais desenvolvida
de abstração e reflexão sobre o mundo que os estudantes do ensino médio
têm, o que amplia as suas chances de participar de produções culturais,
científicas e sociais. Tais produções podem se manifestar das mais diferen-
tes formas, como, por exemplo, em vídeos, músicas, danças, manifestações
diversas da cultura corporal, moda, exposições nas mídias sociais, debates,
apresentações, etc., de modo a explorar as diversas maneiras de construir
conhecimento significativo (BRASIL, 2017). Nesse sentido, isto é, visando à
6 Práticas corporais no ensino médio

construção de conhecimento significativo, é importante conhecer e consi-


derar os interesses dos estudantes, seus conhecimentos pregressos e suas
necessidades, sempre valorizando o diálogo. Para isso, é necessário ter uma
proposta pedagógica condizente com os reais objetivos da educação física
para o ensino médio (METZNER et al., 2017).
Impolcetto e Darido (2007) apontam os jogos e as brincadeiras como
partes integrantes das aulas de educação física também no ensino médio.
Isso porque tais práticas oferecem aos estudantes vivências motoras e sociais
muito importantes, pois permitem visualizar e vivenciar valores, como o
respeito, o trabalho em equipe, a superação de desafios, o diálogo, a justiça,
o cumprimento das normas, a criação de regras justas para todos, entre
outros. Tudo isso de maneira leve, despreocupada e divertida, de modo que,
na maioria das vezes, os estudantes não percebem todas as habilidades e
competências que estão sendo desenvolvidas. A construção coletiva das
regras de um jogo, por exemplo, é uma excelente experiência de diálogo e
cooperação, na qual os estudantes desenvolvem o valor de honrar com sua
palavra, cumprindo os acordos estabelecidos — mesmo que não haja uma
punição para o descumprimento, uma vez que ele, por si só, significa uma
ruptura na confiança construída com os seus pares.
Para Metzner et al. (2017), os objetos do conhecimento da educação física
(esportes, jogos, lutas, danças, ginásticas e exercícios físicos) são partes inte-
grantes da sociedade atual, podendo, em algumas situações, ser objetificados,
isto é, transformados em produtos de consumo. Por esse motivo, os autores
acreditam que tais manifestações devem ser tratadas de maneira crítica e
com profundidade, em aulas de educação física usadas “[...] como tempo e
espaço para alargar possibilidades de movimento, de sentidos e significados
nas diversas manifestações da cultura de movimento” (METZNER et al., 2017,
p. 113). Sendo assim, a educação física no ensino médio tem como objetivo
central construir uma autonomia crítica, que possibilite ao estudante vivenciar
novas experiências, percebendo seus desejos e potencialidades e permitindo
que ele tome consciência de suas vinculações socioculturais.
É importante percebermos que, ao se abordar a educação física à luz da
cultura corporal do movimento e dos documentos norteadores, o movimento
é entendido como um meio, e não como produto final. Ou seja, importa mais o
processo para a construção do movimento do que o seu resultado. Sendo as-
sim, o objetivo dessa proposta é criar condições para que o estudante elabore
estratégias para entender e refletir sobre o porquê dos movimentos, o que
são reações biológicas e fisiológicas e o que existe de interferência cultural
e social na maneira como nos movimentamos ou não nos movimentamos.
Práticas corporais no ensino médio 7

Como mencionamos anteriormente, a etapa do ensino médio favorece


debates em profundidade, os quais podem ser organizados de muitas formas.
Então, cabe ao professor, mais do que passar um conteúdo, instigar a crítica
e a análise de temas, bem como a construção de materiais diversos como
forma de expressão de si, do conhecimento e da sociedade. A seguir, aprofun-
daremos o nosso estudo sobre o conceito de cultura corporal do movimento,
analisando como ele se assemelha com outro conceito, o de cultura popular,
a fim de reconhecermos as proximidades existentes entre eles.

Cultura corporal do movimento e


cultura popular: encontrando conexões
Até esse ponto, pudemos perceber que, apesar das inúmeras diferenças
entre as suas formas de abordagem e entendimento da condução metodo-
lógica, os PCNs e a BNCC se alinham no que diz respeito à compreensão do
movimento como parte de um todo, e não como um gesto motor que deve
ser melhorado e aperfeiçoado. Dessa forma, é importante compreendermos
o pilar fundamental desses dois documentos norteadores: o conceito de
cultura corporal do movimento.
Considerar a cultura corporal do movimento é entender o movimento
corporal como forma de expressão da cultura e da sociedade em que o su-
jeito que se movimenta está inserido, sendo este capaz de influenciar e ser
influenciado por ela. Para além disso, é compreender que os gestos motores
apresentam diferenças e semelhanças entre si, têm histórias particulares e
atendem a finalidades variadas, entre as quais estão o lazer, a expressão de
sentimentos, afetos e emoções, e, até mesmo, a promoção, a recuperação e
a manutenção da saúde.

Publicados em 1998, os PCNs revolucionaram a educação física escolar


brasileira, ao propor um ensino completamente diferente do que
havia até então. O surgimento do conceito de cultura corporal do movimento
em meio a um contexto no qual o ensino de educação física seguia uma tradição
esportivista e tecnicista tornou necessária a desconstrução do que era entendido
como educação física escolar. A partir daí, o movimento passou a ser visto sob
uma nova ótica: mais inclusiva, plural e interdisciplinar, e menos interessada
no rendimento físico do estudante. Essa mudança é tão importante, que ela
permanece atual e segue inspirando documentos norteadores, como é o caso
da BNCC, que se baseou nos PCNs para a criação do seu texto (BRASIL, 1998).
8 Práticas corporais no ensino médio

A cultura corporal engloba os esportes, as danças, as ginásticas, as lutas,


os jogos e as brincadeiras populares. Cada uma dessas práticas corporais
oferece ao sujeito a possibilidade de acessar uma dimensão de conhecimen-
tos e experiências a que ele não teria acesso de outro modo. Isso porque a
“[...] vivência da prática é uma forma de gerar um tipo de conhecimento muito
particular e insubstituível [...]”, e ela se torna significativa quando é problema-
tizada e desnaturalizada de modo a evidenciar a pluralidade de significados
que os diferentes grupos sociais atribuem às diferentes manifestações da
cultura corporal de movimento; logo, “[...] as práticas corporais são textos
culturais passíveis de leitura e produção” (BRASIL, 2017, p. 214).
Uma vez que estamos tratando de aspectos culturais que se relacionam
com as danças, as lutas, as ginásticas, os jogos, as brincadeiras e, até mesmo,
os esportes, torna-se necessário compreendermos o significado de cultura
popular. Em constante transformação e formada ao longo do tempo, a cul-
tura popular é uma expressão das crenças e da forma de viver de um povo,
incluindo comidas, músicas, danças, roupas, culinária, brincadeiras e todos os
aspectos que agem sobre esses sujeitos ao mesmo tempo em que são por eles
construídos. Ela caracteriza um conjunto de elementos culturais específicos
da sociedade de uma nação ou região, sendo a cultura e o tradicionalismo
vividos no dia a dia de um povo (CASCUDO, 1983).
Desse modo, como podemos perceber, muitas das manifestações cultu-
rais populares podem e devem ser abordadas e desenvolvidas nas aulas de
educação física. As danças são um bom exemplo, uma vez que elas aparecem
ao logo de toda a educação básica. Muitas delas são oriundas da cultura
popular, como as cantigas de roda e a dança de salão, da qual fazem parte o
samba e o forró, representantes expressivos da cultura popular de algumas
regiões do Brasil.
Muitos dos esportes também são frutos da cultura popular de determinadas
sociedades e permanecem influenciando-as e sendo influenciados por elas.
Na Índia, por exemplo, o críquete é um esporte muito popular, estreitamente
relacionado com a cultura local — por outro lado, ele não tem grande apelo
em outras localidades do mundo. Já no Brasil, é o futebol que se destaca
como um esporte que molda não apenas nosso lazer, mas também os ideais
de sucesso, a maneira de se vestir e, até mesmo, a forma como organizamos
a nossa semana. É necessário que as aulas de educação física considerem
todos esses elementos, isto é, as relações sociais que acontecem a partir e
por causa dos esportes, não se restringindo à história, à técnica e aos gestos.
A riqueza da cultura popular também se manifesta nas lutas. A capoeira,
por exemplo, é representativa da herança africana na cultura do país. Sendo
Práticas corporais no ensino médio 9

assim, ela abre espaço para muitas discussões, uma vez que traz à tona as-
suntos como a escravidão, o preconceito e a intolerância religiosa. Como se
trata de temas complexos e delicados, a profundidade com que cada um deles
vai ser abordado deverá estar de acordo com o ciclo escolar do estudante.

Em 2014, a roda de capoeira foi reconhecida pela Organização das


Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como
Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. Para saber mais, visite o site do
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Ao olharmos atentamente para as atividades da cultura popular, encon-


tramos particularidades que apontam como uma determinada sociedade
entende o lazer, a infância e as relações de poder e de gênero. Além disso,
esse olhar atento também nos possibilita constatar algumas similaridades
entre as formas de brincar dos diferentes povos e, principalmente, entre as
infâncias de sociedades distintas (CALEGARI; PRODÓCIMO, 2006).
Aprofundando essa questão, Daolio (2004) afirma que o principal conte-
údo da aula de educação física é a cultura, pois é dela que as manifestações
corporais humanas são produto. A partir dessa concepção, não é o movimento
em si o objeto de ensino com o qual o professor de educação física vai tra-
balhar, mas, sim, as manifestações culturais que as diferentes modalidades
expressam e como essas se tornaram uma forma de expressão. Para tanto,
é necessário que o professor seja capaz de abordar esses aspectos de cada
um dos movimentos que ensina.
Ao se movimentar, o corpo tem uma intencionalidade, a qual é compre-
endida como uma cultura corporal que também pertence à cultura popular.
O entendimento da proximidade entre esses dois conceitos possibilita ao
professor de educação física incorporar à sua aula algumas práticas que não
são tradicionalmente utilizadas nas aulas de educação física, ou, de outro
modo, levar aos alunos conteúdos tradicionais, mas em uma nova roupagem.
Portanto, relacionar a cultura corporal do movimento à cultura popular é:

[...] uma ferramenta de diversificação e valorização das aulas práticas, desenvolven-


do capacidades corporais e sociais de maneira espontânea devido à característica
lúdica dessas atividades, permitindo uma expressão autêntica e verdadeira do ser
humano (MARQUES, 2013, p. 4).
10 Práticas corporais no ensino médio

Além disso, esse tipo de abordagem permite relacionar, construir e mo-


dificar regras, e desenvolver novas formas de realizar movimentos, jogos ou
brincadeiras, de modo a se adequar ao espaço, ao clima e à região em que o
encontro acontece, bem como aos sujeitos participantes, garantindo, assim,
o envolvimento de todos nas aulas (MARQUES, 2013).
Podemos perceber, portanto, que há uma relação bastante próxima entre
a cultura corporal do movimento, a cultura popular e as competências a
serem desenvolvidas ao longo do ensino médio. A seguir, veremos como os
exemplos apresentados nesta seção podem ser desenvolvidos nessa etapa
de ensino, com atenção para as particularidades dos estudantes a fim de se
alcançar uma aprendizagem significativa.

Cultura corporal do movimento nas aulas


de educação física: proposições práticas
No ensino médio, assim como nas demais etapas, a educação física se afirma
como uma prática pedagógica que tematiza diferentes formas de movimentar
o corpo visando à expressão corporal, tais como jogos, danças, ginásticas
e lutas, formando, assim, a cultura corporal, que compreende as relações
culturais existentes entre os gestos motores (MARQUES, 2013). A seguir, apre-
sentaremos alguns exemplos de propostas pedagógicas que contemplam
práticas corporais pertencentes à cultura popular.

Danças
Marques (2013) aponta que as danças devem ser um meio de superação de
limites físicos e sociais. Aliando a essa prática os aspectos culturais e regionais
específicos de cada ritmo, é possível vivenciar diferentes estilos, recriar core-
ografias e, até mesmo, estimular a expressão livre dos movimentos durante as
aulas de educação física. Podem ser abordadas danças folclóricas, danças de
salão, dança de rua, danças circulares, etc. — enfim, o que o professor achar
pertinente e for do interesse da turma. Para essa escolha, o professor deve
estar consciente de que não existe um ritmo certo, mais adequado ou melhor
que os outros. Todos eles são igualmente aceitos nas aulas de educação física
para a construção de conhecimentos sobre as suas origens, o papel do corpo
e o papel social da dança.
Práticas corporais no ensino médio 11

A dança de rua, por exemplo, pode ser uma proposta interessante. Levando-
-se em consideração os elementos que com ela se relacionam (p. ex.: vestuário,
música e grafite), é possível analisar em aula a história dessa dança, a sua
evolução, as eventuais mudanças em seus princípios e valores, a relação
das pessoas com ela, entre outros aspectos. Em um segundo momento,
os estudantes podem se organizar em grupos para pesquisar informações
sobre cada um dos estilos de dança de rua existentes e, posteriormente,
apresentar os seus achados para a turma, lançando mão de vídeos e fotos
que ilustrem as características de cada ritmo. Para enriquecer o debate,
o professor pode fazer perguntas aos estudantes: de que ritmos mais gosta-
ram? Quais são os ritmos mais presentes na mídia? Por quê? Após as exposi-
ções e as conversas, pode-se partir para a elaboração de um produto final.
Os estudantes podem, por exemplo, gravar um videoclipe mostrando movi-
mentos dos estilos de dança de rua que apresentaram, criar paródias, fazer
colagens, editar vídeos abordando algum tema social que eles considerem
importante, etc. (COLOMBERO, 2011).

Esportes
Como mencionamos, a abordagem dos esportes nas aulas de educação física
não deve seguir a tradição esportivista e tecnicista. Por outro lado, como
bem aponta Marques (2013), essa abordagem também não deve se limitar a
proporcionar aos estudantes momentos de lazer despreocupado. Com essas
restrições, é possível pensar que atualmente os esportes não têm lugar nas
aulas de educação física; mas isso não é verdadeiro, conforme pudemos
compreender até aqui. Os esportes devem ter, sim, o seu espaço nas aulas de
educação física, contanto que sejam abordados considerando-se os elementos
sociais, históricos e culturais que estão atrelados a eles.
Os esportes possibilitam ao professor desenvolver aspectos relacionados
à aptidão física. Por exemplo, em grupos, os estudantes podem pesquisar
quais são as valências físicas mais exigidas para determinado esporte e,
ao praticar certas modalidades, mostrar aos colegas como cada uma dessas
valências se apresenta. A partir disso, podem-se discutir as semelhanças e
as diferenças existentes entre as diferentes modalidades no que diz respeito
tanto aos aspectos relativos à aptidão física quanto a questões relacionadas
às diferenças de treinamento, público e incentivos, por exemplo.
12 Práticas corporais no ensino médio

Também é uma alternativa interessante propor aos estudantes pesquisar


esportes que não são difundidos na região onde eles vivem e, então, refletir
sobre os possíveis motivos para isso. Um passo seguinte para essa proposta
pode ser tentar adaptar um desses esportes para a realidade do lugar em
que a escola está localizada.

Lutas
As lutas são manifestações humanas que trazem consigo muita história e
representam valores culturais de povos que as criaram e/ou praticaram.
Sendo assim, analisá-las é uma forma de compreender o funcionamento
de sociedades. As aulas de educação física podem contemplar as lutas, por
exemplo, desenvolvendo jogos de oposição, organizando visitas a academias
de diferentes modalidades de lutas e propondo pesquisas sobre essas mo-
dalidades por meio de análises de vídeos e filmes (MARQUES, 2013).
Os filmes de ação podem suscitar diversas discussões. Por exemplo,
a partir de uma determinada cena, os estudantes podem avaliar se o que
está sendo mostrado é uma luta ou uma briga, refletindo sobre os pontos
que as diferenciam. Também se pode propor aos alunos que, analisando
os movimentos dos personagens, tentem reconhecer a modalidade de luta
que está sendo apresentada. Para além disso, pode ser objeto de debate
o fato de os filmes de ação serem bastante populares e rentáveis. Enfim,
é possível analisar essas obras de inúmeras formas, não sendo necessário
que a atividade se restrinja a apenas um encontro. O professor pode elaborar
uma sequência de aulas em que, por exemplo, os alunos pesquisam acerca
de uma determinada modalidade de luta, visitam uma academia, debatem as
informações obtidas e as suas impressões, gravam um vídeo para divulgar os
conhecimentos construídos, assistem a um filme e, a partir da análise dele,
escrevem um artigo.
Importa salientar que as atividades podem ter caráter interdisciplinar.
Nesse sentido, o caso da capoeira é exemplar. Como já expusemos, ela é
uma luta que dialoga estreitamente com a história brasileira, em particular
no que se refere ao longo período de escravidão e às marcas deixadas por
ela em nossa sociedade. Sendo assim, uma maneira de abordar essa luta com
maior profundidade é organizar aulas em conjunto com outros componentes
curriculares, como literatura, arte, sociologia e história, por exemplo.
Práticas corporais no ensino médio 13

Jogos e brincadeiras populares


Por apresentarem um caráter lúdico e demandarem gestos motores simples,
os jogos e as brincadeiras populares podem ser amplamente trabalhados
com estudantes de diferentes faixas etárias. Para além disso, não há regras
institucionalizadas para essas práticas, o que permite a organização de regras
pela turma (MARQUES, 2013). Construir regras coletivamente, com a partici-
pação de todos os estudantes, oferece a eles uma vivência social bastante
interessante e rica. Com essa proposta, é possível debater, por exemplo, se o
espaço de práticas corporais é acessível a todos e se as regras permitem que
todos participem dos jogos e das brincadeiras. Além disso, o professor pode
levantar discussões sobre o jogo limpo e a valorização das características
individuais para a obtenção de um objetivo (IMPOLCETTO; DARIDO, 2007).
Nesse sentido, é interessante estabelecer alguns impedimentos para os
participantes, como, por exemplo, impedir alguns de usar uma das mãos
e outros, de falar. Ainda, é possível estabelecer que alguns participantes
podem se deslocar apenas com as pernas unidas. A partir da análise das
regras criadas, a turma pode debater o caráter inclusivo ou não delas, pro-
pondo maneiras de tornar o espaço acessível a todos. Cabe ressaltar que,
nesse exemplo, o jogo surge como uma atividade de fruição, com o intuito
de mobilizar os estudantes para refletir sobre um determinado assunto.
Em um segundo momento, a aula pode ser direcionada para análises teóricas
e conceituais sobre direitos humanos, cidadania, etc. Aqui, é importante
perceber que o jogo não foi o fim, mas um meio para promover debates e
reflexões a respeito de questões sociais relevantes.

Nas variadas possibilidades de abordagem de diferentes elementos da


educação física que foram apresentadas nesta seção a partir do conceito de
cultura corporal do movimento, podemos reconhecer um ponto em comum.
Tais propostas, ainda que tivessem uma prática motora evidenciada, não
tinham como objeto de estudo ou como finalidade o seu aperfeiçoamento.
Essas práticas serviram apenas como ferramentas para fomentar discussões
acerca de temas importantes que envolvem a cultura corporal do movimento
e, assim, desenvolver competências, como (BRASIL, 2017):

„„ compreender o funcionamento das diferentes linguagens e práticas


culturais;
„„ compreender os processos identitários e relações de poder que per-
meiam as diferentes linguagens;
14 Práticas corporais no ensino médio

„„ utilizar diferentes linguagens para se expressar;


„„ compreender as variações das linguagens conforme o contexto cultural
em que estão inseridas;
„„ perceber como as práticas corporais surgiram e evoluíram ao longo
do tempo;
„„ conhecer, respeitar e apreciar as manifestações culturais das mais
diferentes culturas;
„„ conseguir utilizar as mídias digitais como uma forma de expressão.

Repare que essas competências não mencionam a melhoria de gestos


motores. Elas enfocam as vivências, as reflexões, o respeito e o entendimento
do mundo em que o estudante está inserido. Com isso, busca-se criar condi-
ções para a construção do pensamento crítico e científico pelos sujeitos, os
quais devem se tornar capazes de perceber e refletir o mundo à sua volta,
encontrando possibilidades de mudanças (BRASIL, 2017).
Além disso, esse tipo de abordagem do ensino de educação física con-
tribui para o desenvolvimento das competências socioemocionais, isto é,
da capacidade de interagir com o ambiente, com as diferenças e com os sen-
timentos. Essas competências são de suma importância para a construção de
relações interpessoais e, desse modo, estão entre as principais ferramentas
demandadas pela vida adulta, sendo muito valorizadas pelo mercado de
trabalho (CURY, 2019).
Portanto, uma educação física pautada em elementos da cultura corporal
do movimento e da cultura popular cria oportunidades para que os estudantes
desenvolvam competências que serão relevantes para a sua vida adulta. Por
esse motivo, cabe ao professor transformar as aulas em espaços de apren-
dizagem que permitam o desenvolvimento plural do estudante.

Referências
BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, DF,
ano 134, n. 248, seção 1, p. 27833–27841, 23 dez. 1996. Disponível em: https://pesquisa.
in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=1&data=23/12/1996&tot
alArquivos=289. Acesso em: 28 fev. 2021.
BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular. Brasília, DF: Ministério
da Educação, 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/
BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 28 fev. 2021.
BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros curriculares nacionais: educação física.
Brasília, DF: MEC, 1998. Disponível em: https://cptstatic.s3.amazonaws.com/pdf/cpt/
pcn/volume-08-educacao-fisica.pdf. Acesso em: 28 fev. 2021.
Práticas corporais no ensino médio 15

BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros curriculares nacionais: ensino médio.


Brasília, DF: MEC, 2000. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf/
BasesLegais.pdf. Acesso em: 28 fev. 2021.
CALEGARI, R. L.; PRODÓCIMO, E. Jogos populares na escola: uma proposta de aula
prática. Motriz, Rio Claro, v. 12, n. 2, p. 133–141, maio/ago. 2006.
CASCUDO, L. C. Civilização e cultura. 2. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1983.
COLOMBERO, R. M. M. P. Danças urbanas: uma história a ser narrada. São Paulo: FEUSP,
2011. Disponível em: http://www.gpef.fe.usp.br/teses/agenda_2011_09.pdf. Acesso
em: 28 fev. 2021.
CURY, A. Inteligência socioemocional: ferramentas para pais imperadores e professores
encantadores. Rio de Janeiro: Sextante, 2019.
DAOLIO, J. Educação física e o conceito de cultura. Campinas: Autores Associados, 2004.
IMPOLCETTO, F. M.; DARIDO, S. C. Ética como tema transversal: possibilidades de apli-
cação nas aulas de Educação Física. Motriz, Rio Claro, v. 13, n. 1, p. 14–231, jan./mar.
2007. Disponível em: http://www.luzimarteixeira.com.br/wp-content/uploads/2011/04/
temas-transversais-em-etica-aplicacoes-em-efdoc.pdf. Acesso em: 28 fev. 2021.
MARQUES, J. C. L. Os desafios da escola pública paranaense na perspectiva do professor
PDE: produções didático-pedagógicas. Curitiba: Secretária de Educação do Estado
do Paraná, 2013. v. 2. Disponível em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/
cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2013/2013_uem_edfis_pdp_jose_carlos_lus-
tosa_marques.pdf. Acesso em: 28 fev. 2021.
METZNER, A. C. et al. Contribuição da educação física para o ensino médio: estudo
a partir da prática docente de professores de Institutos Federais. Motrivivência,
Florianópolis, v. 29, n. 52, p. 106–123, set. 2017. Disponível em: https://periodicos.ufsc.
br/index.php/motrivivencia/article/view/2175-8042.2017v29n52p106/35034. Acesso
em: 28 fev. 2021.

Leituras recomendadas
BENEDETTI, A. P. Educação física no ensino médio: um estudo de caso numa escola
técnica. 2008. Dissertação (Mestrado em Educação) — Universidade Federal de Santa
Maria, Santa Maria, 2008. Disponível em: http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/
arquivos/File/2010/artigos_teses/EDUCACAO_FISICA/dissertacao/Educacao-Fisica-
-no-ensino-medio.pdf. Acesso em: 28 fev. 2021.
RODA de Capoeira. Brasília, DF: IPHAN, [2014]. Disponível em: http://portal.iphan.gov.
br/pagina/detalhes/66. Acesso em: 28 fev. 2021.

Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos


testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da
publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas
páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores
declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou
integralidade das informações referidas em tais links.

Você também pode gostar