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Uma outra personagem central dessa história é a Ir. Joana dos Anjos, que
também como Grandier, não tinha a menor vocação para a vida consagrada. Foi
criada com parentes que eram freiras e por conta de sua não formosura de seu corpo
não haviam pretendentes para ela. Entrou para o Convento das Ursulinas, tendo feito
seus votos e sendo de uma família muito poderosa foi galgando espaço até se tornar
Superiora no convento de Loudun.
“Para quem não tinha vocação religiosa, viver num convento do século XVII
era apenas uma sucessão de frustrações e aborrecimentos, mitigados em
pequenas doses por uma ocasional exaltação religiosa, por fofocas com os
visitantes no parlatório e, nas horas vagas, por algum inocente, mas
inteiramente estúpido passatempo.”1
Como o primeiro plano de se verem livres de Grandier, Pe. Mignon que também era
confessor das Ursulinas, que Huxley descreve coxo de nascimento, vazio de talento
não menos que de atrativo, sempre invejara o cura em seus engenhos e êxitos. O
ambiente no convento já vivia imerso na Superstição e no medo, uma certa vez um
grupo de irmãs, logo após a morte do antigo confessor prepararam uma peça para as
demais reclusas aproveitando a fama da casa em que residiam ser mal assombrada.
Logrando êxito, logo algumas irmãs começaram a apresentar "sinais" e a contar
durante suas confissões ao Pe. Mignon que demônios Incubus haviam visitado as
celas, espíritos passeando pelos corredores e toda sorte de eventos. Era o que
precisava para uma orquestração mais eficaz contra Grandier.
Mas já outras freiras além dela pareciam estar possuídas e afligidas com a
mesma doença. Às vezes, informa-nos o Sr. de Nion, eles passavam o pé
esquerdo sobre os ombros até as bochechas. Eles também levantaram os
pés até a cabeça, até que seus dedões tocassem o nariz. Outros ainda
conseguiram esticar as pernas tanto para a esquerda e para a direita que se
sentaram no chão, sem que nenhum espaço fosse visível entre seus corpos e
o chão. Uma, a madre superiora, esticou as pernas de maneira tão
extraordinária que, de um pé ao outro, a distância era de sete pés, embora
ela mesma tivesse apenas um metro e meio de altura. O notável, que
surpreendeu os observadores, foi que, apesar da intensidade e frequência dos
ataques convulsivos, que eram consideradas agressões diabólicas, a saúde
das freiras possuídas parecia não ter sido afetada: aquelas que eram um
tanto delicadas pareciam mais saudáveis do que antes da possessão.
1
(CAP. 4, COLOCAR NOTA)
extrapolam os limites de Loudun e chega até os ouvidos da nobreza que também se
faz presente para poder testemunhar tais prodígios. Além das convulsões, as freiras e
em especial Joana dos Anjos declararam ter sonhos pecaminosos com Grandier.
Huxley trás uma informação interessante, que após a morte de seu antigo confessor, a
madre superiora havia escrito uma carta convidando Grandier a ser o novo guia
espiritual das monjas, que não foi aceito pelo padre, gerando na prioresa um
sentimento de amor-próprio ferido. Joana também desejava carnalmente Grandier.
Padre Quevedo explica em sua obra “Antes que os demônios voltem” que o
contágio psíquico ocorrido no convento das Ursulinas era manifesto e exuberante tanto
que a situação começou a sair do controle. Pe. Barré, um dos primeiros exorcistas
percorreu todas as igrejas para ajudar seus colegas no sacerdócio no exorcismo de
tantas mulheres que se achavam endemoninhadas. Cidades vizinhas também foram
"infestadas pelos demônios” de Loudun trazendo assim que todo o ambiente
demonófilo trazia em si mesmo a prova que o contágio psíquico era a causa dos
fenômenos, além de algumas atitudes claramente forjadas. Ir. Joana sabia que nada
do que acusava Grandier era verdade, mas e os acontecimentos? Se o início não era
verdade, pelo menos o diabo poderia se valer para agir naquelas freiras, poderia
afirmar qualquer exorcista dos dias de hoje.
2
https://www.conjur.com.br/2007-jul-14/justica_aceita_cartas_psicografadas_absolver_reus
Uma das acusações foi que uma das leigas confessou através da boca de um
demônio devidamente ordenado pelo exorcista que ela havia sido prostituída ao
pároco e lhe oferecendo a tomá-la no grande Sabbath e dali fazê-la uma princesa da
corte dos demônios. Grandier afirmava que nunca havia visto aquela moça, mas o
próprio diabo estava o acusando sob coação a dizer a verdade a partir da autoridade
do sacerdote. Pura prosopopeia. Grandier também foi examinado para saber se havia
partes do seu corpo insensíveis para que ali fosse sua marca de consagração ao
diabo. Uma zona onde espetando não se derrama sangue. Segundo o testemunho da
Ir. Joanna esses lugares eram cinco: nas costas, duas nas nádegas, muito perto do
ânus e uma em cada testículo. E a partir de mais essa acusação Grandier foi
examinado sistematicamente com o auxílio de um estilete comprido. Gritos de dores
ecoavam pelas paredes e seus inimigos já se alegravam pelas aflições já ocorridas.
Os médicos encontram dois lugares, dos descritos por Joana dos Anjos, como pontos
insensíveis, mas hoje se sabe que tais coisas acontecem a qualquer pessoa, até
mesmo como truque de ilusionismo e que o Padre Quevedo costumava demonstrar
em suas participações em programas de televisão3 . Nada de diabólico ali, na verdade
diabólico somente a vontade de se verem livres de um inimigo que seus acusadores
levantavam tal circo para poder ver saciada seu desejo.
tinha que se ajoelhar diante das portas de São Pedro e de Santa Úrsula e ali,
com uma soga ao redor do pescoço e um círio de duas libras na mão,
demandar perdão de Deus, do Rei e da Justiça; mais tarde seria conduzido à
praça de Santa Cruz, amarrado à armadilha e queimado vivo. Finalmente
suas cinzas seriam pulverizadas aos quatro ventos.6
Dali Grandier foi levado de volta à prisão onde foi barbeado e raspado todos
os pelos, da cabeça aos pés, estava desfigurado. Foram-lhe arrancadas as unhas das
mãos e dos pés e conduzido para o Palácio da Justiça. Como era o costume da
época, dois padres - os que ajudaram a tramar a sórdida tramóia - iam exorcizando
todas as coisas com água benta, uma vez aparecido Grandier com sua veste de
condenado, também foi aspergido. O povo o enxergava como um palhaço. Depois de
ter sido lido publicamente sua condenação, Grandier quebrando o silêncio se
pronuncia:
Invoco como testemunhas a Deus Pai, a Deus Filho, a Deus Espírito Santo e
à Virgem,minha única advogada, para declarar solenemente que nunca fui
feiticeiro, cometi sacrilégio nem conheci outra magia que a das Santas
Escrituras que sempre preguei. Adoro a meu Redentor e rogo poder participar
dos méritos do sangue de sua Paixão.7
Mesmo não tendo esperança de que nesta etapa avançada de seu suplício
reverter tudo aquilo diante dos homens, a única esperança que lhe restava é a que
importa, em Deus e que Ele não o abandonaria. Continuou a falar do testemunho dos
5
Demônios de Loudun, 276
6
Idem, 278
7
Idem, 280
mártires que assim como ele também passaram pelo fogo, leões, espadas e cruzes.
Seu discurso comoveu o coração daqueles que de perto e de longe foram assistir
aquele espetáculo macabro, menos dos seus algozes. Aquilo não foi previsto por eles
e ao invés de verem um condenado blasfemando e se debatendo em desespero, o
que assistiam era, como descreve Huxley “um autêntico católico e estava oferecendo
o exemplo mais comovedor e patético de resignação cristã.”8
Para dar fim aquela cena, seus algozes mandam os espectadores saírem do
salão onde se encontravam e Lauberdemont se dirige ao pároco para poder
confessar sua culpa, mas sendo respondido por Grandier que não podia fazê-lo
porque nunca aconteceu tais coisas. Recusando até o fim, foi levado à sala de
torturas e ali continuou afirmando sua inocência. Faltando quinze minutos para a prova
final na fogueira, Grandier se ajoelha e reza:
Esses relatos não são encontrados na literatura oficial feita pelo padre
Tranquille sobre o caso Grandier, nem as orações nem sua postura foram relatadas,
mas sim retratado de uma maneira mais diabólica e ingênua. Mas para a infelicidade
dos verdugos aquela não foi a única fonte sobre os ocorridos em Loudun, havia ali
observadores imparciais como o astrônomo Ismael Boulliau.
Mais da visão demonófila se mostrava nas atitudes oficiais daqueles homens
de Igreja que exorcizaram todos os instrumentos de suplício sob o argumento que se
não o fossem os demônios conseguiriam aplacar as dores das torturas. Não bastasse
toda narrativa supersticiosa para sua condenação, agora até mesmo em suas horas
finais isso o perseguiria. Grandier foi aplacado por severas formas de tortura ao qual
foi resisitindo na medida do humanamente possível e neste ínterim, os padres
acusadores continuavam a tentar colher uma confissão de que era um bruxo e havia
feiro um pacto, mas nada vinha a boca de Grandier. A confissão que conseguiram era
a única verdadeira: Fui homem e amei as mulheres.
8
Demonios de Loudun, 282
9
Idem. 287
Huxley descreve pormenorizadamente todas as torturas ao qual Grandier foi
infligido e como tentaram de todos os meios obter a esperada confissão. Terminados
os primeiros suplícios, foi conduzido a próxima etapa, o caminho até a praça da Santa
Cruz onde estava sua fogueira. No caminho passou por sua antiga matriz paroquial
onde pediu orações da comunidade, que por justiça cabe aqui trazer à tona que foi a
única que não colaborou com a empreitada condenatória. Seguindo o caminho
passou em frente ao convento das Ursulinas, lugar onde nunca plantara seus pés, mas
de onde brotou toda sanha acusatória e ali pediu a Deus que perdoasse as freiras que
testemunharam contra ele e que ainda tinham os “sintomas diabólicos”, sintomas
esses que não cessarão com a morte de Grandier.
Passado todo o terrível espetáculo, o que acontecia com Ir. Joanna dos Anjos e
suas companheiras endemoniadas? Cessando o “causador” cessasse os prodígios
malígnos? Não. Justamente por nunca terem sidos de origem diabólica ou
sobrenatural que fosse, mas sim obra do psiquismo alterado, crises histéricas e
fraudes, o teatro demoníaco continuaria no convento das Ursulinas. Novos exorcistas
chegaram ao convento como foi o caso do jesuíta Pe. Surin que também acabou
“possuído” pelo demônio depois de se entregar como vítima de expiação pelas
Ursulinas. A madre superiora gozou de grande notoriedade pelo fato de ser possuída
a tanto tempo e de realizar alguns “prodígios” como uma vez que o fenômeno da
dermografia foi forjado por ela depois de uma “apresentação demoníaca”. Irmã
Joanna também desenvolveu gravidez psicológica que afirmava ser de origem
diabólica além de através de artimanhas forjar a credulidade dos novos exorcistas e
pessoas que a encontrava. Morreu com fama de santidade por muitos, após tantos
anos de suplícios por ordem das “hostes diabólicas”, tendo sua cabeça conservada
durante um tempo num relicário.
O que quis apresentar foi o caso em que maldade, desejo, histeria, medo,
repressão e superstição condenaram um homem por conta de fatos e testemunhos
completamente forjados e falsos. E como a mentalidade da época dava escopo a
esses impropérios, trazendo aqui que apesar de toda uma vida de pecado, erros e
luxúria, Padre Urbain Grandier morreu mártir. Reconhecendo seus erros, e a
semelhança de Cristo clamando perdão aos seus algozes. Hoje em dia não existe a
condenação por bruxaria, mas a mentalidade supersticiosa sem mantém quase como
a do Século XVI, não por conta da sã doutrina católica, que nunca afirmou e na
verdade condena toda crença em pactos, maldições, feitiços e sorte de coisas que os
supersticiosos acreditam manipular o diabo a partir de sua vontade, como um
sacramento do diabo.