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COMITÊ BRASILEIRO DE BARRAGENS / BRAZILIAN COMMITTEE ON DAMS

XXXIII SEMINÁRIO NACIONAL DE GRANDES BARRAGENS / XXXIII LARGE DAMS NATIONAL SEMINAR
TEMA 126 ENVELHECIMENTO POR DETERIORAÇÃO E REINSTRUMENTAÇÃO DE BARRAGENS / THEME 126
AGING BY DETERIORATION AND RE-INSTRUMENTATION OF DAMS
DATA (27 DE OUTUBRO DE 2021)

REINSTRUMENTAÇÃO DE BARRAGENS

CORRADO PIASENTIN
Eng. Civil – Diretor - Piasex Assessoria e Consultoria

CHRISTIANO TEIXEIRA
Eng. Civil – D.Sc. - Piasex Assessoria e Consultoria

THIAGO PECIN
Eng. Civil – D.Sc. - Piasex Assessoria e Consultoria

RESUMO

Definem-se os casos principais nos quais se realiza a reinstrumentação de barragens,


especialmente em barragens antigas sem instrumentação ou com instrumentação
insuficiente ou inadequada, bem como em casos especiais associados a anomalias
importantes ou investigações específicas. São descritas as diferenças fundamentais
entre projetos de instrumentação de novas e antigas barragens e apresentados alguns
exemplos de reinstrumentação de barragens que tiveram a participação dos autores.

ABSTRACT

The main cases of re-instrumentation of dams are defined particularly for old dams
with insufficient, inadequate or no instrumentation and special cases associated to
important anomalies or ad hoc investigations. The basic differences between
instrumentation designs for old and new dams are described. An account is given of
some cases of re-instrumentation of dams, in which the authors played a role.
1. INTRODUÇÃO

Apresenta-se neste trabalho um pouco da experiência dos autores nos projetos de


reinstrumentação de barragens, assim como algumas das diferenças fundamentais
entre projetos de instrumentação de novas e antigas barragens.

O termo “reinstrumentação” está associado a duas situações distintas de estruturas,


que serão abordados adiante, com apresentação de casos nos quais houve alguma
participação dos autores:

 Barragens sem instrumentação ou com plano de instrumentação


inadequado/insuficiente, que não atendem aos requisitos da nova legislação de
segurança de barragens.

 Barragens que apresentam anomalias específicas, que devem ser avaliadas.


Estas anomalias podem ser incidentes ou comportamentos inesperados,
deteriorações com o tempo ou simplesmente um desempenho atípico, que
exige um monitoramento ad hoc.

No primeiro caso, geralmente associado a barragens antigas, é comum que não sejam
encontrados também informações e/ou projetos de referência, sendo necessário,
antes de se conceber o projeto de instrumentação, elaborar estudos para
conhecimento prévio da estrutura (p.ex.: geometria, sistema de drenagem interno,
condições do maciço compactado, entre outros).

O segundo caso deve ser tratado de forma específica, em função do aspecto a ser
analisado. Por exemplo, anomalias como trincas ou fissuras, surgências de água com
ou sem carreamento, reação álcali-agregado, problemas de instabilidade,
deformações acentuadas ou, de uma forma geral, qualquer fenômeno inesperado ou
acima dos limites definidos em projeto.

Contudo, as ocorrências mais triviais e frequentes, que não são propriamente


classificadas como “reinstrumentação”, se referem a uma pequena complementação
do plano de instrumentação. Estes casos envolvem geralmente a instalação de alguns
novos instrumentos (p.ex.: na ocorrência de uma nova surgência) ou mesmo a
substituição de instrumentos. Trata-se geralmente de instrumentos que se mostram
inadequados em razão da pouca precisão nas condições locais ou da insuficiente
capacidade, além dos frequentes casos de mau funcionamento (p.ex.: substituição de
piezômetros elétricos por piezômetros do tipo Casagrande).

Importante ressaltar que o monitoramento por instrumentação deve estar sempre


associado às inspeções de segurança. Entende-se que a inspeção visual in situ é
imprescindível para a adequada avaliação das condições de segurança de uma
barragem, assim como das estruturas associadas. Além da obtenção de informações
complementares aos dados de instrumentação, que permitem averiguar o
comportamento da barragem, é possível identificar problemas que não seriam
detectáveis por meio dos instrumentos.
2. DEFINIÇÃO DE BARRAGENS ANTIGAS

A idade das barragens associa-se aos riscos que representam, sendo inclusive um
item de classificação legal das estruturas para efeito de aplicação da Lei 12.334/2010
(Lei de Segurança de Barragens), conforme as regulamentações da Portaria ANM
70.389/2017, Resolução ANA 236/2017 e Resolução ANEEL 696/2015.

Tomando como base as estatísticas dos acidentes (Boletim 99 - ICOLD), que mostra
que a maioria dos problemas ocorre durante o primeiro enchimento do reservatório e
nos primeiros anos subsequentes, quanto mais antiga uma barragem, mais segura
ela seria.

De fato, o primeiro enchimento é período no qual a maior parte das anomalias se


manifestam, principalmente aquelas associadas aos fluxos pelos maciços naturais
(ombreiras e fundações). Quanto aos anos subsequentes, não existe um critério (por
tipo de barragem) para se definir o tempo necessário para que se estabeleçam as
condições permanentes. Teoricamente, poderia levar décadas.

Por outro lado, as barragens começam a se deteriorar desde os primeiros anos,


quando expostas ao ambiente e às condições de operação. Com o envelhecimento,
essas deteriorações naturais passam a ter maior magnitude e relevância. Um aspecto
de muita importância é a falta de manutenção, muitas vezes verificada em campo, que
pode causar o envelhecimento precoce da estrutura e deteriorações significativas.

Há também algumas estruturas, tipicamente na área de mineração, em que o primeiro


enchimento do reservatório pode levar alguns anos. Neste caso, elas não podem ser
consideradas estruturas antigas, apesar da idade, pois a estrutura é submetida
diariamente a uma nova condição, durante todo o período de enchimento e mesmo
depois desse (até que se atinja a condição permanente).

Sob a ótica da instrumentação, uma barragem também envelhece. Segundo Silveira


(2006), após as três primeiras décadas, as barragens passam a envelhecer, quando
então alguns instrumentos de auscultação se apresentam deteriorados, necessitando
de uma reinstrumentação, ou seja, uma avaliação minuciosa de quais instrumentos
ainda são confiáveis, quais podem ser desativados em definitivo e quais devem ser
substituídos por outros mais novos.

3. INSTRUMENTOS BÁSICOS DA REINSTRUMENTAÇÃO DE BARRAGENS


ANTIGAS

O projeto de instrumentação de barragens em condição permanente e que não


apresentam anomalias mais sérias é concebido geralmente para verificação da
permanência das boas condições da percolação pelos maciços compactados e
naturais. Naturalmente, o sistema de monitoramento depende, dentre outros, do tipo,
das características e das condições das estruturas e dos potenciais danos no caso de
uma falha.

De uma forma geral, nestes casos, a instrumentação é simples e limitada a poucos


tipos de instrumentos. Em barragens de terra, por exemplo, a instrumentação se limita
geralmente à instalação de piezômetros (PZs) e/ou indicadores de nível d’água (INAs)
e medidores de vazões (MVs), para medições de variações sazonais.

No primeiro caso (PZs e INAs), os registros permitem avaliar as variações do fluxo


(p.ex.: linha freática e poropressões), que estão diretamente associadas com a
segurança da barragem (p.ex: afetam a estabilidade do espaldar de jusante). Estes
registros são comparados a valores limites (cartas de risco) de segurança
estabelecidos para condições críticas.

No segundo caso (MVs), normalmente não existem limites pré-estabelecidos para os


registros das vazões. Contudo, no caso de maciço compactados, existem na literatura
valores típicos (p.ex.: 2 l/min/m) de referência para barragens com bom desempenho.
No caso de maciços naturais, se trata garantir que não esteja ocorrendo o
carreamento de partículas de solo, de coletar as surgências e de escolher o medidor
mais indicado para o local. É esperado, nos dois casos, que as vazões não sejam
crescentes com o tempo.

A instalação de medidores de deslocamentos em barragens antigas, que


normalmente já não sofrem deslocamentos importantes, pode ser questionada, não
deixando de ser, no entanto, mais uma medida de segurança. Há também alguns tipos
de barragens que podem apresentar deslocamentos sazonais importantes, como as
barragens em arco ou abóboda e as barragens de enrocamento com face de concreto.

Quanto aos casos de anomalias específicas, será visto adiante que o projeto de
reinstrumentação não se restringe aos poucos tipos de instrumentos citados aqui.
Estes casos são particulares e não permitem agrupamentos, nem mesmo por tipo de
estrutura.

4. LEI DE SEGURANÇA DE BARRAGENS E A INSTRUMENTAÇÃO

A Lei 12.334/2010 (Lei de Segurança de Barragens) instituiu diversas obrigações para


os agentes empreendedores de barragens no Brasil, como a elaboração de planos de
segurança, relatórios de inspeções periódicas, revisão periódica de segurança da
barragem, entre outros compromissos legais. No Art. 17, XX, a lei define que o
empreendedor se obriga a “armazenar os dados de instrumentação da barragem e
fornecê-los ao órgão fiscalizador periodicamente e em tempo real, quando requerido”.

Além do comando legal, os órgãos fiscalizadores federais (ANA, ANEEL e ANM),


também dispuseram explicitamente sobre a instrumentação das barragens, ao
publicarem suas regulamentações sobre a matéria. A ANA, ao definir o escopo mínimo
do Plano de Segurança de Barragens, incluiu o Plano de Instrumentação, bem como
a apresentação dos Registros de Instrumentação (Resolução ANA 236/2017, Anexo
II). A ANEEL determina que os relatórios de inspeções regulares devem conter a
“avaliação da instrumentação disponível na barragem, indicando necessidade de
manutenção, reparo ou aquisição de equipamentos” (Resolução ANEEL 696/2015,
Art. 9º, III). A ANM indica que a Revisão Periódica de Segurança deve incluir a
“elaboração ou alteração dos planos de operação, manutenção, instrumentação,
testes ou inspeções” e a “implantação, incremento ou melhoria nos dispositivos e
frequências de instrumentação e monitoramento” (Portaria ANM 70.389/2017, Art. 14,
I e III). Além disso, as regulamentações de alguns órgãos estaduais também indicam
obrigações relacionadas à instrumentação.

5. ALGUMAS DIFERENÇAS ENTRE INSTRUMENTAÇÃO E


REINSTRUMENTAÇÃO

5.1 A Etapa de Implantação

Diferentemente de um projeto convencional de instrumentação, em que as etapas de


desenvolvimento ocorrem antes da implantação das estruturas e as instalações
ocorrem durante a execução das obras, o projeto de reinstrumentação é elaborado e
instalado com a estrutura implantada e, em muitos casos, operando.

Esta diferença elementar incorre em alguns aspectos, associados às diversas etapas


do projeto, que condicionam a reinstrumentação, como por exemplo, o conhecimento
prévio de anomalias ou regiões críticas, geralmente identificadas em inspeções
visuais, mas que devem ser monitoradas por meio de instrumentos.

Outro exemplo está associado ao tipo de instrumento a ser instalado. Como a


barragem já está construída, instrumentos contemplados em um projeto de
reinstrumentação estão restritos àqueles que são instalados superficialmente ou em
furos de sondagens executadas a partir da superfície ou de galerias existentes.

Uma questão importante a ser observada refere-se aos cuidados durante a


perfuração, principalmente ao atravessar o tapete drenante. Filmagens realizadas
recentemente em furos de sondagens, executadas nos maciços de duas barragens
(MG) para instalação de piezômetros, mostraram danos relevantes nas paredes dos
furos. Estas perfurações, quando especificadas abaixo ou no tapete drenante, devem
ser executadas cuidadosamente para não danificar o dreno.

5.2 Objetivos da Instrumentação

As razões típicas para se instrumentar uma barragem são diversas, podendo-se citar,
de maneira ampla, a verificação de hipóteses e desempenhos, avaliação da
segurança associada a incertezas conhecidas e desconhecidas, vigilância de
incertezas conhecidas, acompanhamento de problemas específicos, dentre outros.

Dentro deste contexto amplo, a instrumentação de novas e antigas barragens se


enquadram de forma semelhante. A diferença está basicamente no que se refere ao
tempo de conhecimento da estrutura. Assim, a instrumentação de barragens antigas
está associada a aspectos conhecidos, diferentemente das novas estruturas, que
ainda entrarão em operação. Muitas incertezas deixam de ser desconhecidas e outras
se tornam certezas e até mesmo problemas específicos. Logo, os objetivos da
instrumentação de barragens dependem da fase da vida da estrutura. Por exemplo:

 Antes da construção – um meio para verificação das hipóteses de projeto e


para possibilitar adequações e otimizações dos métodos construtivos;
 Durante a operação – um meio para verificação das condições de segurança,
sendo possível estabelecer critérios a partir dos parâmetros analisados.
No período de primeiro enchimento do reservatório, são normalmente esperados
deslocamentos no maciço. É também o período em que se inicia a avaliação das reais
condições de fluxo pelos maciços naturais e do bom funcionamento do sistema de
drenagem interno. No que se refere a deslocamentos, espera-se uma redução com o
tempo, até a paralisação completa, e que a magnitude desses (absoluta e diferencial)
não comprometa o bom funcionamento dos elementos de controle (p.ex., filtro vertical
e tapete drenante). No que se refere ao fluxo pelos maciços naturais, deve-se garantir
a inexistência de carreamentos, muitas vezes com a execução de obras de controle a
jusante.

Alcançando-se a condição permanente, não são esperadas variações além das


sazonais. E qualquer tendência diferente da normalidade deve ser verificada. Então,
para a fase operacional, o monitoramento e o controle da barragem por meio da
instrumentação são utilizados principalmente para:

 Verificação do desempenho das estruturas, tomando como base as condições


críticas estabelecidas em projeto (ou revisões periódicas);
 Avaliação das condições de segurança em função de possíveis alterações ou
não conformidades decorrentes da deterioração das estruturas.

É importante ressaltar que anomalias, em projetos antigos, são encaradas,


naturalmente, de forma diferente que em novos projetos. Por exemplo, a surgência de
água nos maciços naturais das ombreiras ou o aparecimento de uma trinca no maciço
de uma estrutura podem ter significados diferentes em função da etapa em que são
identificados.

5.3 O Plano da Instrumentação

O plano da instrumentação para monitorar uma nova barragem deve ser executado
pelo engenheiro ou pela empresa de engenharia que projetou o empreendimento, fez
as análises de estabilidade, estudos de percolação, estudos geológicos e geotécnicos
e acompanhou a construção. Enfim, conhece bem as propriedades dos materiais das
estruturas, das ombreiras e fundações e fez uma previsão do comportamento da
barragem.

O especialista da instrumentação deve seguir as orientações dos especialistas em


estruturas, geotécnicos e geólogos para instalar os instrumentos nas seções ou blocos
mais importantes e nas feições mais relevantes das fundações e ombreiras. Estes
instrumentos devem ser adequados para medir as grandezas em objeto na faixa de
variação prevista. Portanto, com base no estudo do comportamento previsto, devem
ser indicados os valores limites de cada um.

Mas, e no caso de muitas barragens antigas sem informações, em que tudo é novo
para o engenheiro recém-chegado no empreendimento? Como se elabora um plano
de instrumentação? O caminho já foi relatado por Peck (1984): busque as questões
que precisam ser respondidas. Quais são as respostas necessárias para uma
barragem antiga? Se for possível achá-las, será possível desenvolver um bom projeto
de reinstrumentação.
5.4 Os Critérios do Projeto de Instrumentação de Barragens

Pode-se afirmar que não existem critérios gerais, tanto para estruturas antigas como
novos projetos, para a instrumentação das barragens, pois cada caso é diferente dos
demais, em virtude dos seguintes aspectos:

 Tipo de barragem;
 Altura e extensão da estrutura;
 Características dos materiais de construção;
 Características das fundações;
 Importância da finalidade da barragem (produção de energia, contenção de
rejeitos, abastecimentos d’água, etc.);
 Importância da barragem sob aspecto de segurança (Dano Potencial
Associado - DPA).

Em geral, recomenda-se a instrumentação mais simples e de fácil instalação, que seja


essencial para medir as grandezas mais importantes e necessárias para a segurança
da barragem, focando nos eventuais pontos críticos previstos ou identificados.

Contudo, existem algumas situações/questões que podem condicionar o projeto,


como, por exemplo:

 A etapa de instalação é um fator importante, pois restringe os tipos de


instrumentos que podem ser instalados no maciço da barragem, como já
mencionado;
 O acesso de equipamentos pesados, muitas vezes necessários para perfurar
maiores profundidades, é restrito a bermas mais largas;
 A definição da sensibilidade dos instrumentos pode ser melhor definida em
barragens antigas, pois a ordem de grandeza dos parâmetros a serem
controlados pode ser estimada com boa precisão no campo.

6. CASOS DE REINSTRUMENTAÇÃO DE BARRAGENS

Neste item, são apresentados alguns casos referentes às duas situações de


barragens que requerem reinstrumentação, conforme apresentado na Introdução.

6.1 Barragens sem Instrumentação ou com Plano Inadequado

6.1.1 Aspectos Gerais de Barragens Antigas


Nas barragens antigas, muitas vezes faltam dados e informações de projeto. Para
efetuar um projeto da instrumentação para monitorar a barragem de forma eficiente e
criteriosa, é necessário conhecer a fundo as características da estrutura e suas
fundações, saber se ocorreram problemas ao longo do tempo e avaliar os registros da
instrumentação instalada, se houver. Portanto, o projeto de instrumentação de
barragens antigas deve ser precedido por pesquisa e análise dos documentos e um
levantamento do histórico do empreendimento. Quanto esta pesquisa resultar
infrutífera, deve-se partir para um programa de investigações e levantamentos.

Nestas barragens, a inexistência de documentação de projeto, a falta dos desenhos


como construído e de informações confiáveis, muitas vezes até contraditórias, tornam
este trabalho uma verdadeira pesquisa de arqueologia de engenharia.
Preliminarmente, é necessário realizar a investigação da barragem, que geralmente
contempla as seguintes atividades:

 Levantamento do histórico, junto às equipes responsáveis pela operação e


manutenção, de possíveis acidentes e/ou locais que necessitaram de obras de
reparo e manutenção e sobre os quais deverão se concentrar as maiores
atenções;
 Inspeção visual para avaliação do estado de conservação da barragem e
estruturas associadas. Esta inspeção deve ser realizada por uma equipe
multidisciplinar, com adequada experiência em projeto e vistoria, capaz de
identificar anomalias importantes, como, por exemplo, surgências, drenos com
vazões elevadas ou obstruídos, juntas com deslocamentos diferenciais,
depressões, etc.;
 Levantamento topográfico da barragem e estruturas anexas para confirmação
de dimensões e elevações. Em diversos casos, surge a primeira dificuldade,
pois pode ser necessária a obtenção de licença ambiental para corte de
vegetação, árvores e arbustos no maciço, no pé e nas ombreiras da barragem
(toda a área deve ser levantada). Nas primeiras inspeções, é de grande
utilidade o auxílio do levantamento efetuado com drone. A instalação de marcos
topográficos de referência pode ser necessária, pois aqueles instalados à
época da construção, podem estar destruídos ou aterrados;
 Realização de um programa de investigações, especialmente importante nas
barragens de terra, para identificar a posição do filtro, do dreno horizontal e da
fundação, cuja posição e cota são essenciais para instalação dos piezômetros
nas profundidades corretas e cálculo dos seus valores limites;
 Executar análises de estabilidade para definição de seções mais críticas, que
devem ser instrumentadas. Estas análises devem ser precedidas pela coleta
de amostras representativas dos materiais da barragem e suas fundações e
dos ensaios de laboratório para classificação de suas propriedades.

6.1.2 Estudo de Dois Casos


Trata-se do caso de duas barragens para acumulação de água, construídas nas
décadas de 1970 e 1980, situadas no norte do estado do Espírito Santo. São
estruturas com alturas inferiores a 15 m, que não possuíam qualquer instrumentação.
As informações de projeto também eram insuficientes, sendo necessário realizar um
trabalho de investigação preliminar à indicação de instrumentos a serem instalados.
Esses dois casos são relatados a seguir.
No primeiro caso, trata-se de uma barragem de concreto com contrafortes na região
central do barramento e maciços de terra fechando o vale nas regiões laterais. A
extensão total da crista é de cerca de 150 m. A jusante, existem instalações
industriais, rodovias e residências, logo com Dano Potencial Associado (DPA)
classificado como alto. A legislação estadual exige que barragens com DPA alto
devem possuir um sistema de monitoramento com seus valores de controle.
Neste caso, foi recomendada preliminarmente a execução de investigações para
caracterização dos maciços terrosos e verificação da existência de sistema de
drenagem interno. Em termos de instrumentação, foi requisitada a implantação de
piezômetros do tipo Casagrande nos furos de sondagem, necessários para avaliação
das percolações que ocorriam pelo maciço e afloravam no pé de jusante do
barramento. Foi requisitada também a construção de um dreno de pé e um medidor
para registro das vazões da percolação.

A segunda barragem, de terra e altura máxima de 13 m, foi construída sobre uma sela
para fechamento do reservatório. Existiam poucas informações sobre o projeto e a
construção e não havia instrumentos de monitoramento instalados. A estrutura foi
classificada como Dano Potencial Associado (DPA) alto. Inicialmente, efetuou-se um
levantamento topográfico da barragem e suas ombreiras e, em seguida, foram
realizadas investigações geotécnicas de campo. Coletaram-se amostras
indeformadas para realização de ensaios de laboratório e a posterior caracterização
do maciço terroso. Procedeu-se então à instalação de piezômetros do tipo
Casagrande nas fundações e maciços, em cinco furos de sondagem, necessários
para avaliar o fluxo, que aflorava no pé do maciço. Com base nas informações
coletadas, foram efetuadas análises de estabilidade e especificados drenos de alívio
no pé da barragem.

6.2 Barragens afetadas por comportamento atípico ou eventos críticos


Estes casos devem ser tratados de forma específica, em função de um
comportamento atípico, eventos críticos (por ex. uma enchente extrema ou terremoto),
um incidente ou uma deterioração importante.

Nestas condições, são exigidas investigações específicas de cada ocorrência, que


devem requerer inspeções e estudos de uma equipe especializada no assunto, que
pode ser de natureza geológica/geotécnica, estrutural ou de tecnologia do concreto.

6.2.1 Caso de Barragem Alteada

Um exemplo interessante de reinstrumentação foi de uma barragem de concreto de


altura inferior a 15 m, não instrumentada, galgada por uma cheia excepcional que
ultrapassou a capacidade do vertedouro, este evento, no entanto, não provocou danos
à estrutura da barragem.

Em consequência deste evento extremo, decidiu-se altear a barragem com uma


mureta de concreto e, em razão desta modificação da estrutura, foi necessário realizar
novas análises de estabilidade. Foram ainda efetuadas sondagens rotativas com
recuperação de testemunhos para verificar as condições do concreto e da rocha de
fundação.
Estas perfurações foram aproveitadas para a instalação de piezômetros do tipo
Casagrande para monitorar as subpressões no contato concreto-rocha e verificar a
necessidade de alguma intervenção na barragem, como, por exemplo, a execução de
drenos ou reforços.
6.2.2 Caso da Barragem de Contenção de Rejeitos

A barragem está localizada em Minas Gerais e foi concebida para armazenamento de


rejeitos, com a recirculação da água acumulada para suprir as necessidades
operacionais.

É uma barragem convencional, do tipo terra homogênea, com altura máxima da ordem
de 60 m. A crista possui extensão aproximada de 540 m e largura de 10 m. O sistema
de drenagem interna é composto por filtro chaminé, com topo coincidente com a
elevação do NAmax_normal. Na base, o dreno vertical é ligado a um tapete drenante
(sanduíche), que se estende até o pé do talude de jusante.

O nível máximo normal do reservatório (água) só foi alcançado após três anos de
operação da barragem, com volume de rejeitos acumulados ocupando apenas parte
do volume do reservatório.

Durante o enchimento do reservatório, foram observadas surgências nos maciços


naturais, em ambas ombreiras. Nos dois casos, foram feitas instalações de
piezômetros e INAs para monitoramento da percolação. As águas são devidamente
coletadas e direcionadas para medidores de vazões também instalados após o
aparecimento do fluxo. Ressalta-se que em ambas as ombreiras foram implantadas
trincheiras drenantes.

Com o reservatório na elevação de operação normal (poucos meses), foi identificado


também o aparecimento de trincas, que motivaram a realização de investigações mais
aprofundadas. Neste caso, foi instalada uma série de instrumentos, com diversas
finalidades:

 Piezômetros e INAs distribuídos a jusante do filtro chaminé, para garantir que


o fluxo estava ocorrendo devidamente pelo dreno;
 Prismas na superfície da barragem, complementarmente aos marcos
superficiais já instalados à época da construção, que permitiam o
acompanhamento constante (estação total robótica) de possíveis
deslocamentos superficiais;
 Inclinômetros para avaliar possíveis deslocamentos horizontais no pé da
barragem.

6.2.3 Caso da Barragem de Traição

A Usina Elevatória de Traição, localizada sobre o rio Pinheiros, em São Paulo, foi
construída no período de 1938-1940. A barragem é uma estrutura de concreto de
gravidade maciça com altura máxima de 24 m, constituída de 4 blocos abrigando as
quatro unidades, um bloco central com o sangradouro e uma eclusa na direita
hidráulica. Os blocos das unidades têm 13 m de largura e o do sangradouro 6,80 m.
As fundações são constituídas de silte arenoso a argiloso compacto, produtos da
alteração de rocha migmatítica.

Após alguns anos de utilização, a estrutura começou a apresentar fissuras e outras


anomalias, que provocaram problemas em sua operação. Estudos iniciais
diagnosticaram a ocorrência de recalques diferenciais. Em 1995, em função da
continuidade dos problemas operacionais, novos estudos indicaram a presença de
reação álcali-agregado (RAA) como a causa principal das anomalias verificadas. Foi
então instalada instrumentação complementar para o acompanhamento do
desempenho das estruturas de concreto, assim como foram realizados tratamentos
com a finalidade de aliviar os efeitos danosos da RAA.

A instrumentação instalada para monitoramento das deformações provocadas pela


RAA e recalques das fundações consistiu nos seguintes instrumentos:

 19 medidores triortogonais de junta;


 6 extensômetros verticais simples e múltiplos;
 7 extensômetros horizontais;
 5 piezômetros.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os casos de reinstrumentação foram divididos em duas situações distintas: barragens


sem instrumentação, geralmente antigas, e barragens com algum tipo de
comportamento específico a ser monitorado.

A definição de barragem antiga não é uma questão direta. Todo caso deve ser
analisado de forma individualizada. Estruturas em operação permitem um
conhecimento prévio do estado de conservação a partir das inspeções de campo, mas
existem restrições, por exemplo, com relação ao tipo de instrumento que pode ser
adotado em um projeto.

Foram apresentados casos de barragens reinstrumentadas com características


distintas, que permitem verificar que não é possível estabelecer um critério geral para
projeto de reinstrumentação. São barragens:

 Grandes e pequenas;
 Construídas recente e antigamente;
 Para acumulação de água, rejeito ou para geração de energia;
 De diversos tipos – terra, concreto, enrocamento.

A instrumentação básica das barragens de terra está geralmente associada à


avaliação do fluxo pelos maciços compactados e naturais, por meio de PZs, INAs e
MVs. Em caso de anomalias e/ou avaliação de processos específicos, os tipos de
instrumentos adotados podem ser os mais diversos, sempre com limitação com
relação à instalação superficial ou em furos de sondagens.

8. PALAVRAS-CHAVE

Reinstrumentação, instrumentação, barragens, barragens antigas.

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ICOLD, 1998 - Boletim 68 - Monitoring of Dams and Their Foundations


ICOLD, 1992 - Boletim 87 - Improvement of Existing Dam Monitoring
ICOLD, 1995 - Boletim 99 - Dam Failures Statistical Analyses
Silveira, J. F. A – 2006 - Instrumentação e Segurança de Barragens de Terra e
Enrocamento. Oficina de Textos
CBDB, 1996 - Auscultação e Instrumentação de Barragens no Brasil - Comissão de
Auscultação e Instrumentação de Barragens – CBDB, II Simpósio sobre
Instrumentação de Barragens - agosto de 1996.
CBDB, 2004 - A Barragem de Gravidade – Uma Barragem para o Futuro, Boletim 117
do CIGB pag.64, tradução do CBDB 2004.

Piasentin C. – 2003 - Considerações sobre a Importância das Observações Visuais


na Auscultação de Barragens - XXV Seminario Nacional de Grandes Barragens -
Salvador - Outubro de 2003.
Piasentin C. et al. – 2006 -Comportamento e tratamentos recentes da barragem de
Traição afetada pela RAA - IBRACON, Rio de Janeiro setembro de 2006.
BRASIL (2010) - Lei nº 12.334/2010, de 20 de setembro de 2010, Seção 1 do D.O.U
de 21 de setembro de 2010.
ANEEL (2015) - Resolução Normativa nº 696/2015, de 15 de dezembro de 2015,
Seção 1 do D.O.U de 22 de dezembro de 2015;
ANM (2017) - Portaria nº 70.389/2017, Seção 1 do D.O.U de 19 de maio de 2017;
ANA (2016) - Resolução nº 132/2016, de 22 de fevereiro de 2016, Seção 1 do D.O.U
de 24 de fevereiro de 2016.
Corrado Piasentin
Formado em engenharia civil hidráulica pela universidade de Pádua
(Itália). Participou do projeto da barragem de Itaipu desde a viabilidade e
a partir de 2014 atua como coordenador do Board de consultores da
Itaipu Binacional. Atua como consultor na área de projetos hidrelétricos e
segurança de barragens.
Autor de várias publicações sobre diversos temas e especialmente sobre
o comportamento e segurança de barragens. Foi responsável pela edição
de diversos livros técnicos para o Comitê Brasileiro de Barragens CBDB
entre os quais Main Brazilian Dams II e III, Grandes Vertedouros
Brasileiros, Desvio de Grandes Rios Brasileiros, A História das Barragens
no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI.

Christiano Faria Teixeira


Formado em engenharia civil pela Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), com mais de 15 anos de experiência. Possui mestrado e
doutorado em engenharia geotécnica pela PUC-Rio. Participou de
grandes projetos, dentre eles de barragens, atuando com estudos,
análises e o desenvolvimento de projetos, a implantação de obras, ATO,
consultorias, segurança de estruturas e treinamentos in-company.
Atualmente, é professor do curso de especialização em geotécnia da
PUC-Minas, onde leciona a disciplina Barragens de Terra e
Enrocamento, e atua, em parceria com a BVP Geotecnia e Hidrotecnia,
como engenheiro de registros (EoR) das barragens do Torto,
Norte/Laranjeiras e Sul (Vale).

Thiago Galindo Pecin


Graduado em engenharia civil pela UFG, mestre e doutor em engenharia
de estruturas pela PUC-RIO. Professor em cursos de pós-graduação em
engenharia civil. Possui mais de dez anos de experiência na área de
usinas hidroelétricas e segurança de barragens, atuando com projeto,
consultoria, gerenciamento de obras e contratos. Autor de publicações
científicas em revistas e congressos nacionais e internacionais

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