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CAPÍTULO 3

INCIDENTES, ACIDENTES E RUPTURAS EM BARRAGENS


Autores Alíneas
António Veiga Pinto 3.1 a 3.5
Rui Faria 3.6

3.1. INTRODUÇÃO(*)
Atendendo ao grande número de barragens, de dimensões muito diversas, em exploração no
mundo, pode afirmar-se que, comparativamente com outros tipos de estruturas, os acidentes graves
têm ocorrido em relativamente pequeno número de barragens.
No entanto, o potencial efeito destruidor de grande número de barragens, em particular das de
maior dimensão e capacidade de armazenamento, é excepcional. Embora sem as consequências
verdadeiramente catastróficas associadas a uma eventual ruptura de uma grande barragem que
inunde um vale com elevada concentração de população e de bens, não deve deixar de se
mencionar o facto de rupturas em barragens de relativamente pequena dimensão terem já
provocado consequências extremamente gravosas.
De entre as devastadoras consequências de ruptura em barragens destacam-se as perdas de
vidas, os traumatismos físicos e psicológicos decorrentes do acidente, a destruição de habitações,
terras de cultivo, fábricas, comunicações, monumentos, etc., a suspensão dos benefícios associados
à exploração da obra e os prejuízos causados no meio ambiente. Na avaliação dos prejuízos têm-se
considerado, essencialmente, os relativos às perdas de vidas humanas e às perdas económicas,
embora as consequências ambientais tenham vindo a ser progressivamente objecto de
consideração.
No que se refere às barragens existentes, a melhoria das suas condições de segurança,
implica a adopção dos seguintes procedimentos (para além dos que, em cada caso, se revelem
apropriados):
- avaliação das condições de segurança das obras, tendo em conta a legislação actualmente
em vigor, os novos dados disponíveis (particularmente no que se refere à hidrologia) e os
critérios, métodos e práticas consagrados;
- a correcção das deficiências ou insuficiências constatadas;
- a instalação de sistemas de observação e a adopção de inspecção visual adequadas às
características e risco potencial das obras;
- a definição de regras de exploração das albufeiras, nomeadamente dos equipamentos
hidromecânicos, e das operações de manutenção e conservação;
- o estudo dos cenários de incidente e acidente passíveis de ocorrer.

No estudo dos cenários de incidente e acidente das barragens existentes e das barragens em
projecto deve ter-se em conta, para além dos aspectos específicos de cada obra, as indicações
recolhidas a partir da análise dos casos históricos relativos a barragens com características
análogas. Por outro lado, a análise estatística dos incidentes e acidentes constatados constitui um
importante alerta para equacionar a possibilidade de, na obra em estudo, poderem ocorrer situações
similares.

(*)
Autor: António Veiga Pinto

3.1
O diagnóstico das causas dos incidentes e acidentes (no caso de rupturas de que tenham
resultado perda de vidas tal diagnóstico é, pelo menos nos tempos modernos, tornado obrigatório
pelos tribunais) tem, por via de regra, permitido obter importantes ensinamentos. De facto, pode
afirmar-se que os incidentes e acidentes são devidos muito frequentemente a erros que poderiam ter
sido evitados, ou a deficiências de projecto, construção ou exploração (habitualmente resultando da
conjugação de vários factores desfavoráveis).
A divulgação de deteriorações em barragens varia de país para país. A título de exemplo, nos
Estados Unidos da América o número de incidentes e acidentes relatados é bastante significativo,
porque há livre acesso à informação. Noutros países com políticas muito restritivas (como acontecia
na China e na ex-União Soviética) a divulgação dos acidentes era condicionada ou mesmo proibida,
de que resultou a indicação de uma menor frequência relativa de deteriorações, mas que não
reflecte a realidade. Assim, estes factores têm de ser ponderados na análise estatística das
deteriorações de barragens.
É vital que as lições, adquiridas com os casos históricos de deteriorações de barragens,
permitam conduzir a projectos mais fiáveis. Uma boa prática baseada na experiência, como se
conclui do estudo de rupturas, tem sido da maior importância na garantia da segurança de
barragens. Na realidade, têm-se desenvolvido novos métodos baseados na análise de riscos, que se
procura serem mais fiáveis na avaliação e controlo dos riscos expectáveis.
Os resultados das análises de cariz estatístico de incidentes e acidentes são de grande
utilidade, quer para os projectistas, quer para os responsáveis pelo controlo de segurança de
barragens, pois chamam a atenção para os problemas mais comuns em obras do mesmo tipo,
permitindo assim, a nível de projecto, adoptar as disposições que minimizem a probabilidade da sua
ocorrência e, a nível do controlo de segurança, verificar a susceptibilidade da obra relativamente a
esses problemas e a capacidade dos meios de observação para os detectar em tempo útil.
Um aspecto que ressalta dos resultados da análise estatística dos acidentes em barragens é o
de que nenhuma barragem com mais de 100 m de altura sofreu colapso. Este facto justifica-se pelo
maior cuidado posto no projecto, construção e na observação de grandes barragens, o que
naturalmente minimiza a probabilidade de ocorrência de rupturas. Embora não se disponha de
informações fiáveis sobre a matéria, é igualmente provável que a inexistência de rupturas, originando
situações de catástrofe em barragens de grande dimensão, seja também uma consequência da
adopção de atitudes conservativas, com o eventual prejuízo de soluções mais inovadoras e
económicas. A inovação e a procura de soluções mais económicas em projectos de grande
dimensão tem naturalmente de ser condicionada pela garantia de que a segurança não é afectada.
Deve ter-se em conta que é sempre delicado, nomeadamente no plano psicológico, avaliar
riscos de muito baixa probabilidade, mas de grande impacto social e económico. Por outras palavras,
não é o mesmo avaliar um cenário de ruptura de um dado tipo de estrutura que terá uma
probabilidade de 10-3 por ano e um prejuízo de 100 milhões de contos e de outra em que os
respectivos valores são de 10-1 e 1 milhão de contos, embora ambos apresentem o mesmo risco
efectivo.
Em Portugal, os acidentes, incluindo rupturas, que ocorreram até à data, envolveram, em
regra, pequenas barragens, tendo as consequências deles resultantes afectado apenas bens
materiais. O acompanhamento da tendência, a nível mundial, de estudo e análise das deteriorações
ocorridas em barragens nacionais e estrangeiras, conduziu a pôr em prática um conjunto de
disposições legais, normativas e administrativas, e de requisitos técnicos, que visam diminuir a
probabilidade de ocorrência de acidentes ou, pelo menos, a redução do seu impacto.
O presente capítulo é dedicado à análise das deteriorações ocorridas em barragens em todo o
mundo e em particular em Portugal. A fiabilidade do julgamento dos acidentes de barragens depende
do universo e tipo de barragens existentes, razão pela qual a análise estatística também se estendeu
a este domínio. Dada a importância para Portugal, são ainda apresentados alguns exemplos

3.2
relativos a pequenas barragens portuguesas que sofreram processos de deterioração significativa,
em alguns casos, até ocorrer o colapso.
Em seguida são frequentemente usados os termos deterioração, incidente, acidente e ruptura
que interessa ter presente.
O significado das designações incidente e acidente constam do RSB e já foram também
sintetizadas na alínea 2.2.1.3.
A ICOLD (1983) definiu deterioração como qualquer situação de um aproveitamento que altere
ou se considere poder vir a alterar o comportamento previsto durante as fases de construção,
primeiro enchimento e exploração. Por outras palavras, qualquer situação que possa vir a afectar a
funcionalidade ou a segurança. No primeiro caso tem-se a ocorrência de um incidente e no segundo
um acidente.
A ruptura define-se como qualquer ocorrência no corpo da barragem, suas fundações, órgãos
de segurança e zona da albufeira que tenha provocado a libertação não controlada de um grande
volume de água para jusante. É uma situação que tem conduzido a riscos significativos para
pessoas e bens (ICOLD, 1995).
De acordo com as definições anteriormente apresentadas, o termo deterioração engloba os
termos incidente, acidente e ruptura.
Associado às deteriorações de uma dada barragem tem-se o risco efectivo. Este define-se
como o produto do risco potencial pela probabilidade de ocorrência de uma deterioração associada
com esse risco (RSB, 1990). O risco potencial corresponde à quantificação das consequências de
uma deterioração e considera-se de baixo a elevado. No caso mais gravoso, verifica-se a perda de
um elevado número de vidas humanas e de bens materiais.

3.2. ESTATÍSTICAS RELATIVAS A BARRAGENS EXISTENTES(*)

3.2.1. A nível mundial


Uma análise estatística das deteriorações de barragens deve ter em conta o universo e os
tipos das barragens existentes.
O boletim 109 da ICOLD (1997), que trata a problemática da economia e segurança das
barragens com menos de 30 m de altura, aponta para a existência, em 1995, de cerca de 45 000
grandes barragens em serviço. De acordo com aquele boletim, mais de 35 000 são barragens de
menos de 30 m de altura, enquanto que apenas cerca de 2 000 são barragens de grande altura (isto
é, superior a 60 m). O número total de barragens em todo o mundo deve atingir 150 000
(LEMPÉRIÈRE et al., 1997), sendo 1/3 dos EUA. JANSEN (1984) referia que os registos dos EUA
apontavam então para a existência naquele país de 68 000 barragens, cerca de 6 000 das quais
grandes barragens.
LEMPÉRIÈRE et al. (1997) referem também a existência, em todo o mundo, de 100 000
barragens de altura inferior a 15 m.
A disponibilidade de dados sobre as barragens e sobre as deteriorações resume-se, em
termos práticos, às grandes barragens, pelo que, neste capítulo, as matérias tratadas, em particular
as estatísticas das barragens existentes (MERMEL, 1997) e das deteriorações, respeitem, quase
integralmente, a essas obras.
Numa publicação da ICOLD (1983) foram analisados 1105 casos de deterioração, num
universo de 14700 grandes barragens (pertencentes aos 33 países que responderam ao inquérito
então enviado pelo Comité de Deterioração de Barragens e Albufeiras – CDDR). O número total de
barragens então existentes no mundo era estimado em cerca de 15 800 (sem incluir as barragens
chinesas, cujo número se estimava ser da mesma ordem).

(*)
Autor: António Veiga Pinto

3.3
Apesar de algumas dificuldades a que a publicação de 1983 da ICOLD faz referência, o CDDR
analisou a informação relativa às mencionadas 14700 grandes barragens, tendo obtido os resultados
constantes dos Quadros 3.1 a 3.5.
A análise dos Quadros 3.1 a 3.5 permite verificar que:
- As barragens de aterro correspondiam, em 1975, a cerca de 2/3 da totalidade das
barragens existentes (Quadro 3.1).
- O período em que a construção de barragens foi mais intensa é o que corresponde à
década de 60 (Quadro 3.2), com um valor próximo de 30%; este período marcou também o
início de um acentuado decréscimo da construção de barragens de betão relativamente às
de aterro.
- No que se refere à distribuição das barragens por alturas, verifica-se que as barragens de
aterro são predominantes até uma altura de 30 m e apresentam menor percentagem para
alturas superiores a 50 m (Quadro 3.4).
- Até 1975, as barragens mais altas (h>50 m) correspondiam apenas a 11% do número total
de barragens.
- No que se refere às barragens de aterro (Quadro 3.4), verifica-se que cerca de 79% tinham
uma altura inferior a 30 m; o maior número de barragens deste tipo (59%) apresenta uma
altura entre 15 a 30 m, enquanto que nas barragens de aterro de maior altura
predominavam as do tipo enrocamento, sendo praticamente exclusivas para alturas
superiores a 100 m.
- No que se refere às barragens de betão e alvenaria, verificava-se que as obras de maior
altura eram, em regra, do tipo abóbada, não existindo, então obras em contrafortes ou
abóbadas múltiplas com mais de 100 m de altura.
- De referir ainda que a construção de barragens de alvenaria praticamente terminou na
década de 40 do século XX, sendo substituídas, designadamente por soluções em betão.

Quadro 3.1 – Distribuição do número e da percentagem de grandes barragens por tipos (ICOLD,
1983).

Betão ou alvenaria Aterro


Tipo Gravidade Contrafortes Abóbada Abóbadas Terra Enroca-
múltiplas mento
Número 3690 265 706 132 9201 706
% 25,1 1,8 4,8 0,9 62,6 4,8
% 32,6 67,4

Quadro 3.2 – Distribuição da percentagem de grandes barragens por tipos e épocas de construção
(ICOLD, 1983).

3.4
Época de construção Todos os tipos Barragens de Barragens de aterro
betão e alvenaria
(%) (%) (%)
<1900 8,5 16,3 83,7
1900–1909 3,2 34,9 65,1
1910–1919 5,5 45,8 54,2
1920–1929 7,9 53,6 46,4
1930–1939 8,3 41,6 58,4
1940–1949 6,9 46,3 53,7
1950–1959 18,1 40,1 59,9
1960–1969 29,4 25,9 74,1
1970–1975 12,2 15,1 84,9

Até 1975 100,0 32,6 67,4

Quadro 3.3 – Distribuição da percentagem de grandes barragens por tipos e alturas (ICOLD, 1983).

Tipos de barragens
Altura Todos os tipos Barragens de Barragens de aterro
betão e alvenaria
(m) (%) (%) (%)
5–15 15,6 13,8 86,2
15–30 53,4 25,5 74,5
30–50 19,7 49,6 50,4
50–100 9,6 63,6 36,4
100 1,7 56,2 43,8
Total 100,0 32,6 67,4

Quadro 3.4 – Distribuição da percentagem de grandes barragens de aterro por tipos e alturas
(ICOLD, 1983).

Altura Terra e enrocamento Terra Enrocamento


(m) (%) (%) (%)
5–15 20,0 20,9 7,5
15–30 59,1 61,1 33,3
30–50 14,7 13,5 30,1
50-100 5,2 4,0 20,5
100 1,0 0,5 8,6
Total 100,0 100,0 100,0

Quadro 3.5 – Distribuição da percentagem de grandes barragens de betão e alvenaria, por tipos e
alturas (ICOLD, 1983).

3.5
Altura PG VA CB MV PG(M) VA(M)
(m) (%) (%) (%) (%) (%) (%)
5–15 3,9 2,1 1,1 0,0 21,7 0,0
15–30 38,6 34,4 72,1 49,3 48,9 37,5
30–50 34,5 25,5 18,0 28,1 22,0 62,5
50–100 20,9 27,1 8,8 22,6 7,3 0,0
100 2,1 10,8 0,0 0,0 0,0 0,0
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Ver o significado dos símbolos no Quadro 3.6.

Figura 3.1 – Evolução do número de barragens com h > 100 m (SCHNITTER, 1988).

90

80

70

60
Nº de Barragens

50 Betão
Aterro
40

30

20

10

0
1940 1945 1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990

Anos

A crescente competitividade das barragens de aterro no contexto das barragens de muito


grande altura (h>100 m) pode verificar-se pelo diagrama de barras representado na Fig. 3.1
(SCHNITTER, 1988). Nesta figura é patente que, a partir da década de 70, se verificou um aumento
significativo da percentagem de construção de barragens de aterro relativamente às de betão.
No que se refere às barragens em construção em 1992, o último registo publicado (WP&DC,
1993) refere um número total de 1662. Actualmente verifica-se que as barragens de aterro em
construção são cerca de 70% do número total de barragens. Deste número destacam-se o das
barragens de enrocamento que tem crescido substancialmente. A relação actual de construção das
barragens de terra e de enrocamento é de 3:1, enquanto que em finais da década de 70, a mesma
relação era de 13:1 (ICOLD, 1983). A China sobressai como o grande construtor de barragens
abóbada.

3.2.2. Barragens portuguesas


Em Portugal foram construídas, até 1998, aproximadamente 150 grandes barragens e estão 8
em construção, de acordo com a informação disponibilizada pelo INAG. O volume máximo de água
armazenada nas albufeiras destas grandes barragens é de cerca de 12 900 x 106 m3. Cerca de 35%
deste volume refere-se, no entanto, à futura albufeira da barragem do Alqueva.
Relativamente ao tipo de barragens, as primeiras a ter uma aceitação mais generalizada foram as
de alvenaria e betão e, em particular, as do tipo gravidade (Quadro 3.6 e Fig. 3.2). Na realidade, o
dimensionamento deste tipo de barragens é relativamente simples, tendo sido apoiado, numa fase inicial,
em métodos empíricos com base nas deteriorações e no comportamento estrutural observado em

3.6
barragens idênticas. Em particular, a solução gravidade requer o recurso de mão-de-obra pouco
especializada. Este tipo de solução é também o mais adequado à construção dos órgãos hidráulicos no
corpo da barragem. No entanto, a partir de meados do século XX, surgem novos recursos técnicos,
nomeadamente laboratórios de ensaios físicos e ensaios geomecânicos in situ, o que permitiu a adopção
de soluções em betão mais “sofisticadas”, esbeltas e económicas, como por exemplo, as de contrafortes.
Estas soluções requerem, no entanto, mão-de-obra mais especializada, nomeadamente para a
execução das cofragens (VEIGA PINTO, 1994).

20

15
Nº Barragens

aterro
betão
10

0
1920 1937
1950 1955
1960
1965
1970 1975
1980
1985
1990
1995
2000
Anos

Figura 3.2 – Evolução da construção de barragens em Portugal.

As soluções em terra ou em enrocamento tornaram-se mais competitivas, a partir da década de


70, pelo facto da mão-de-obra se apresentar cada vez mais especializada e onerosa e se desenvolverem
técnicas de ensaio e potentes modelos de cálculo, operados por via computacional. Também teve
acentuado efeito ter-se começado a utilizar equipamentos mecânicos, cada vez mais eficazes, de
escavação, transporte, espalhamento e compactação dos materiais. Refira-se ainda que as soluções em
aterro se tornam mais adequadas quando a incidência dos caudais de cheia têm um menor relevo.
Para além dos aspectos históricos que têm conduzido cada vez mais à adopção de soluções de
aterro em detrimento das soluções de betão, têm importância os aspectos morfológicos e dos níveis de
precipitação da região em que se inserem as barragens. É bem demonstrativo deste último ponto, o caso
de Portugal, cujo território se aproxima de um rectângulo. Na metade superior predominam as formações
rochosas à superfície, os vales mais apertados e os cursos de água mais caudalosos. É uma região
propícia à utilização de soluções em betão. Na metade sul, sendo uma região mais árida e mais plana,
abundam os solos, pelo que se construíram, numa fase inicial, sobretudo soluções homogéneas, em
terra, e mais recentemente barragens de enrocamento.

3.7
Quadro 3.6 – Estatística da construção de barragens em Portugal.

<1950 1951/70 1971/84 1985/98 Em construção


Altura 15 30 60 15 30 60 100 15 30 60 15 30 60 100 15 30 60 TOTAIS
(m) a a a a a a a a a a a a a a a a a
Tipo 29 59 99 29 59 99 150 29 59 99 29 59 99 150 29 59 99
PG 1 5 3 8 5 2 2 1 27
PG(M) 3 3 3 1 10
VA 1 1 1 1 6 3 4 2 1 1 21
CB 2 2
C/TE 1 2 1 4
TE 1 4 3 1 9 7 8 2 3 1 39
AFRD 1 1 1 3
CCRD 3 1 4
CFRD 1 1 1 1 1 5
SFRD 1 1
Total 116

Símbolos (tipos de barragens; convenção da ICOLD com adaptações)


CB - Betão de contrafortes MV - Betão multi-abóboda
PG - Betão gravidade VA(M) - Alvenaria em arco
PG(M) - Betão gravidade de alvenaria C/TE - Mista betão/terra
RCD - Betão compactado TE - Terra
VA - Betão abóbada ER - Enrocamento
CFRD - Enrocamento com cortina de betão AFRD - Enrocamento com cortina de betão betuminoso
SFRD - Enrocamento com cortina metálica CCRD - Enrocamento com núcleo central argiloso

3.8
O grande desenvolvimento das soluções de enrocamento verificou-se na década de 70 com o
desenvolvimento dos ensaios de laboratório, levando os projectistas a terem cada vez mais confiança
nas “ferramentas” e critérios de dimensionamento deste tipo de estrutura. Acresce ainda, como já se
referiu, o enorme desenvolvimento dos equipamentos e técnicas de exploração, transporte e construção
dos aterros com este tipo de materiais, tendo conduzido também a reduções substanciais do seu custo
unitário.
As soluções de enrocamento com núcleo argiloso tiveram recentemente um grande
desenvolvimento. São soluções muito versáteis e com as quais facilmente se incorporam todos os
materiais resultantes das escavações, nomeadamente os que resultam das escavações do
descarregador e de outros órgãos hidráulicos.
As soluções de enrocamento com cortina a montante têm também merecido ultimamente um
grande destaque. Este tipo de barragem apresenta uma probabilidade de ruptura muito baixa, mesmo se
se verificar a eventual existência de infiltrações significativas através do elemento impermeabilizante,
pois não há arrastamento do material subjacente ao mesmo.
Até ao momento, foram construídas 48 grandes barragens de aterro, ou seja 44% do total. Em
primeiro lugar este valor mostra a distorção, que se verifica a nível nacional, devido ao apreciável número
de barragens de betão construídas relativamente às de aterro e à tendência e tecnologia adoptada
noutros países.
Finalmente, como nota de curiosidade, refira-se que Portugal tem apenas cinco barragens com
altura superior a 100 m, sendo a mais alta a do Cabril, com 136 m, concluída em 1954.

3.3. ANÁLISE ESTATÍSTICA DAS DETERIORAÇÕES(*)

3.3.1. Análise a nível mundial


As causas que originaram as deteriorações variam em função das características da barragem
(tipo, materiais e fundação) e da qualidade do projecto e da construção. Em face das deteriorações
ocorridas ao longo do tempo, pode considerar-se que, em muito casos, os estudos hidrológicos e o
dimensionamento dos órgãos de exploração têm apresentado deficiências graves.
Uma comissão da ICOLD (1983) procedeu a uma análise estatística das deteriorações de
barragens com vista a recolher ensinamentos dos acidentes verificados, cujos resultados se passam
a mencionar.
Assim, num universo de 14 600 barragens construídas em 33 países até 1975, verificou-se a
existência de 1014 casos de deteriorações. Esta amostragem correspondia a cerca de 92% das
barragens construídas em todo o mundo (excluindo a China).
Sublinha-se, assim, a existência de 6,9% de deteriorações, ou seja, uma em cada seis
barragens sofreram pelo menos incidentes (ICOLD, 1983).
O número de deteriorações detectadas nos diferentes tipos de barragens apresenta-se no
Quadro 3.7.
Quadro 3.7 – Distribuição de deteriorações por tipos de barragens (ICOLD, 1983).

Betão ou alvenaria Aterro


Tipo PG+PG(M) CB+CB(M) VA MV+MV(M) TE ER
Número 268 44 103 26 574 90
% 24,3 4,0 9,3 2,4 51,9 8,1
% 40,0 60,0

(*)
Autor: António Veiga Pinto

3.9
Para uma análise dos riscos envolvidos na construção de barragens de diferentes tipos, deve
atender-se ao número das barragens construídas. Assim, no Quadro 3.8, apresenta-se a frequência
relativa de deteriorações verificadas para cada tipo de barragem, obtida a partir dos resultados dos
Quadros 3.6 e 3.7.

Quadro 3.8 – Distribuição da percentagem de deteriorações por tipos de barragens (ICOLD, 1983).

Betão ou alvenaria Aterro


PG+PG(M) CB+CB(M) VA MV+MV(M) TE ER
7,2 16,7 14,6 19,7 6,2 12,7
9,2 6,7

Da análise do Quadro 3.8 verifica-se que as barragens de betão têm, em termos relativos,
apresentado um maior número de deteriorações do que as barragens de aterro. As barragens de
abóbadas múltiplas e de contrafortes têm sido as mais vulneráveis, a que se seguem as de abóbada
simples e as de enrocamento.
Nos Quadros 3.9 e 3.10 apresenta-se a distribuição do tipo de deteriorações pela altura de
barragens e pelo período de ocorrência das anomalias.

Quadro 3.9 – Distribuição da percentagem de deteriorações por tipos e alturas de barragens (ICOLD,
1983).

Altura Todos os tipos Betão e alvenaria Aterro


(m) (%) (%) (%)
5–15 6,8 16,4 83,6
15–30 35,8 24,5 75,5
30–50 26,2 40,8 59,2
50–100 25,5 58,7 41,3
100 5,7 72,5 27,5
Total 100,0 40,0 60,0

Quadro 3.10 – Distribuição da percentagem de deteriorações por períodos de ocorrência (ICOLD,


1983).

Tipo de barragem
Período de ocorrência Todos os tipos Betão e alvenaria Aterro
(%) (%) (%)
Construção 9,5 27,6 72,4
Primeiro enchimento 15,0 30,1 69,9
Primeiros 5 anos 16,1 25,8 74,2
Após os primeiros 5 anos 31,7 37,0 63,0
Não disponível 27,6 39,0 61,0
Total 100,0 40,0 60,0

De uma análise, mais restrita, relativa às rupturas de barragens, elaborou--se o diagrama da


Fig. 3.3 em que se apresenta a evolução da frequência relativa dessas rupturas.
Quanto à probabilidade de ruptura, verificou-se uma acentuada diminuição deste valor ao
longo dos primeiros 75 anos do século XX (Fig. 3.3). Esta diminuição foi de cerca de 25 e 10 vezes
nas barragens de aterro e de betão, respectivamente. Repare-se ainda que, a partir de meados

3.10
daquele século, a probabilidade do colapso de barragens para ambos os tipos (aterro e betão) se
igualou. Neste momento a probabilidade de ruptura de barragens de todos os tipos é de cerca de
0,4% por ano.
Nas barragens de betão e alvenaria predominam os incidentes, enquanto que no caso das
barragens de aterro sobressaem os acidentes (ICOLD, 1983).

Figura 3.3 – Evolução da frequência relativa da ruptura (ICOLD, 1983).

3.3.2. Cenários de deterioração


A descrição do tipo de deteriorações e da respectiva frequência é do maior interesse para os
projectistas, construtores e responsáveis pela segurança de barragens, pois permite chamar a
atenção para os riscos efectivos e os mecanismos que os originam.
No Quadro 3.11 apresentam-se os cenários de incidentes e rupturas de barragens da base de
dados da ICOLD (1983) e USCOLD (CSED, 1983). A sua análise pode levar a admitir, numa primeira
apreciação, que as barragens de aterro são mais vulneráveis e menos seguras, o que não é
correcto. Em primeiro lugar porque o número de barragens deste tipo é muito maior. Em segundo,
porque se baseia em casos ocorridos nos EUA, tendo havido razões, mais à frente apresentadas,
que justificam a baixa fiabilidade das barragens de terra construídas naquele país.
A maior parte dos acidentes ocorreram em consequência de galgamento sobre o coroamento,
tendo originado o maior número de rupturas catastróficas, e por percolação excessiva através da
fundação. Neste caso, no entanto, o número de rupturas tem vindo a diminuir.

3.11
Quadro 3.11 – Causas de deterioração de barragens (CSED, 1983).

Tipo de barragem
Causas Betão Aterro Outro* Total
R I R I R I R I ReI
Deficiência de construção 2 3 2 3 5
Deficiência do enrocamento de
protecção 13 13 13
Erosão interna no aterro 23 14 23 14 37
Percolação e erosão interna na
fundação 5 6 11 43 1 17 49 66
Deslizamento 2 5 28 7 28 35
Deformação 2 3 29 3 6 31 37
Galgamento 6 3 18 7 3 27 10 37
Avaria de comportas 1 2 1 3 2 5 7
Erosão superficial 3 14 17 17 17 34
Instabilidade aos sismos 3 3 3
Degradação das
propriedades dos materiais 6 2 3 2 9 11
Total 19 19 77 163 7 103 182 285
R – Ruptura I - Incidente * - Aço, alvenaria e madeira e madeira entrelaçada

É necessário fazer uma análise criteriosa destes acidentes. Na realidade, os mesmos


ocorreram em épocas já distantes, tendo-se verificado entretanto que os conhecimentos e critérios
adoptados nos projectos evoluíram significativamente, conduzindo a uma apreciável redução na
probabilidade de ocorrência de acidentes. Deve, ainda, sublinhar-se que a análise das deteriorações,
como o tipo e causas, é muitas vezes problemática e subjectiva pois depende do julgamento do
avaliador.
A análise estatística permitiu ainda verificar que o tipo de deteriorações varia apreciavelmente
de país para país, provavelmente devido à diferente capacidade tecnológica (ICOLD, 1983).
A análise de deteriorações é aproximada dado tratar-se apenas de valores médios. Isto é, a
introdução de parâmetros tais como os dados hidrológicos e os geológicos, a qualidade do projecto e
da construção deveriam enriquecer a análise efectuada já que são factores importantes na avaliação
da segurança (BLIND, 1983).
Relativamente à ruptura de barragens apresenta-se, na Fig. 3.4, o tipo de ruptura e a idade de
ocorrência. Deste diagrama verifica-se que o galgamento pode ocorrer ao longo de toda a vida desta
obras. A erosão interna e a percolação excessiva também podem ocorrer a longo prazo. Já as
rupturas devidas a deficiência da fundação ocorreram sobretudo nos primeiros anos de vida das
estruturas, nomeadamente nas barragens de betão (Fig. 3.4).
Outra análise efectuada nos EUA indica que neste país havia, em finais da década de 70,
mais de 50 000 barragens em exploração e eram construídas por ano cerca de 1 650 barragens
(DOLCIMASCOLO, 1980). Daquele número de barragens construídas, fez-se uma análise de 4 918
grandes barragens, tendo-se detectado 349 deteriorações (7,0%). Destas, 74 eram rupturas (1,5%).
Houve, no entanto, nítida melhoria do comportamento das barragens dos EUA construídas após
1930, diminuindo o número de deteriorações de 16% para 4%. Das referidas rupturas ocorridas, 44%
deveram-se a fracturação hidráulica e percolação excessiva e 38% a galgamento.
Dos estudos de análise da segurança das barragens existentes nos EUA, cerca de 6 000
(29%) foram consideradas inseguras. Em 90% dos casos, foi atribuída a vulnerabilidade a
deficiências dos estudos hidrológicos (DOLCIMASCOLO, 1980).

3.12
Figura 3.4 – Causa de ruptura consoante o número de anos após a construção (ICOLD, 1983).

Após a ruptura das Barragens de Teton, Laurel Run e Kelly Barnes, o Governo dos EUA
encarregou, em 1976 e 1977, o Corps of Engineers, com a participação das autoridades locais, de
efectuar uma ampla verificação da segurança de barragens não-federais. A inspecção foi efectuada
a mais de 8 800 barragens, tendo-se considerado que 2 925 apresentavam deficiências graves, que
poderiam conduzir à ruptura e à consequente perda de vidas humanas (JANSEN, 1984). Em 81%
das barragens apontadas como inseguras, a causa provável da ruptura era a incapacidade dos
órgãos de descarga.
Uma análise mais recente foi efectuada em França para barragens de altura inferior a 30 m
(LEMPÉRIÈRE et al., 1997). Justifica-se a análise para este grupo restrito porque representam, em
regra, um muito menor investimento, nomeadamente em termos de acompanhamento, do que o das
maiores barragens, embora sejam muito mais perigosas. Na realidade, são responsáveis por 60% do
número total de rupturas e também das cerca de 60% de rupturas que causaram mais de 100
vítimas. O maior número de rupturas verificou-se por galgamento e erosão interna. O galgamento
causou (excluindo a China) 40% dos acidentes relatados em barragens de altura inferior a 30 m e
80% de todas as vítimas. Das 24 rupturas de todos os tipos ocorridas após 1970, 15 verificaram-
-se por galgamento. Metade das rupturas ocorreram após as barragens estarem em fase de
exploração há mais de 15 anos. Na China, entre 1960 e 1980, 2/3 das rupturas foram devidas a
galgamento (LEMPÉRIÈRE et al., 1997).
O elevado número de acidentes devidos ao galgamento verifica-se porque as cheias de
projecto têm sido frequentemente subestimadas, especialmente quando os dados meteorológicos e
hidrológicos são escassos. Felizmente, a folga relativamente ao NMC e a sobreelevação, para fazer
face a ondas e assentamentos do coroamento, têm reduzido a frequência da ruptura por galgamento

3.13
por um factor de 10 ou de 100. Esta capacidade é menor em barragens sujeitas a assentamentos,
com comportas ou descarregadores não superficiais.
As consequências do colapso de barragens por galgamento são hoje em dia bastante
minorados pela melhor capacidade de comunicação e previsão de cheias, o que induz, no entanto,
uma sensação de total segurança para as populações a jusante, o que é falso.
Estatisticamente, verifica-se um menor número de rupturas em barragens de betão
relativamente às de aterro. No entanto, as primeiras conduzem, em média, a um maior número de
vítimas, dado os acidentes terem ocorrido de um modo mais súbito, reduzindo as possibilidades de
aviso e evacuação.
As rupturas das barragens de estéreis têm conduzido recentemente, nos países
industrializados, a um maior número de perda de vidas humanas do que as verificadas noutros tipos
de barragens.
Até 1972 foi referenciada a existência de 466 acidentes e rupturas de barragens (ICOLD,
1972). Deste número, em 236 casos, cerca de 50%, foi considerado que houve erro humano nas
diversas fases de estudo ou de vida da obra e que se apresentam no Quadro 3.12.
Relativamente às barragens de aterro sobressai o número de deteriorações ocorridas em
barragens de terra relativamente a deficiências dos estudos geológico-geotécnicos e nas de
enrocamento as verificadas na fase de construção.

Quadro 3.12 – Relação entre a ocorrência de deteriorações e os erros cometidos nas fases de
estudo (ICOLD, 1972).

Fase Número de casos


VA CB PG TE ER Outros Total
Reconhecimento 9 5 6 49 2 1 72
Material (caracterização) 1 2 8 11
Planeamento 1 4 17 3 25
Projecto 4 6 13 48 3 2 76
Construção 1 1 2 32 5 41
Exploração 5 1 6
Inspecção e observação 1 1 3 5
Total 16 14 27 162 14 3 236

A mesma análise estatística mostrou ainda que 1/5 das deteriorações registadas em
barragens ocorreram nas que já tinham exibido uma ou mais anomalias, como se mostra no Quadro
3.13.

Quadro 3.13 – Número de deteriorações repetidas na mesma barragem (ICOLD, 1972).

Deterioração VA CB PG TE ER Outros Total


2ª 2 10 52 2 1 67
3ª 4 10 1 1 16
4ª 5 1 6
5ª 3 1 4
6ª 2 2
Total 2 0 14 72 3 4 95

Uma análise mais recente, apresentada por USCOLD (1988), refere-se a cerca de 744
deteriorações ocorridas nos EUA, até 1986. Deste valor apenas 31% (228) diz respeito a grandes

3.14
barragens. Na Fig. 3.5 referente apenas às grandes barragens, verifica-se que o número de
deteriorações nos EUA ocorridas após os primeiros cinco anos de exploração ultrapassa largamente
os valores do Quadro 3.11. Este facto, deve-se a predominarem naquele país as barragens de terra
construídas em épocas já bastante longínquas e em que as causas de deterioração se verificam a
longo prazo, isto é, em que predominam os fenómenos de erosão interna e sobretudo os do
galgamento.
A comissão da ICOLD (1994) que tratou das deteriorações ocorridas após 5 anos de vida útil
das barragens, identificou as principais causas de incidentes e rupturas nas barragens de betão e de
aterro. Os principais e mais numerosos casos de incidente referem-se ao corpo das barragens, situação
que é mais expressiva no caso das barragens de betão (Quadros 3.14 e 3.15).

16
14
12
10
Nº de casos

8
6
4
2
0

81-100
6-10

11-15

16-20

21-30

31-40

41-50

51-60

61-70

71-80
<0

0-5

Idade da barragem na altura da deterioração (anos)

Figura 3.5 – Número de deteriorações e idade das barragens quando da sua ocorrência (USCOLD,
1988).

Um dos aspectos que ressalta da análise dos acidentes e rupturas de barragens de betão e de
aterro ocorridas após os primeiros cinco anos de exploração, é que nas primeiras ocorre um menor
número de deteriorações, em termos relativos, na fundação, sendo em contrapartida nas soluções
em betão maior o número de deteriorações verificadas no corpo da barragem. Este aspecto tem sido
justificado por duas razões: a primeira porque as fundações das barragens de aterro são de pior
qualidade do que as de betão e em segundo lugar porque os materiais de aterro exibem uma menor
alterabilidade do que o betão.
As principais origens das deteriorações detectadas nas albufeiras e nas zonas a jusante indicam-
se no Quadro 3.16 (SILVEIRA, 1990).

Quadro 3.14 – Principais origens dos incidentes detectados em barragens de betão e alvenaria após
os primeiros cincos anos e respectivas, percentagens (ICOLD, 1994).

3.15
Localização % Tipo de incidente %
Perda de resistência sob acções permanentes ou
repetidas 8
Fundação 15 Erosão e dissolução 2
Degradação dos sistemas de impermeabilização e
drenagem 5
Perda de resistência sob acções permanentes ou
repetidas 16
Contracções 5
Corpo da 77 Degradação devida a reacções químicas dos materiais
barragem com o meio 29
Expansões devidas a reacções químicas 9
Degradação por acção do gelo-degelo 18
Degradação de juntas estruturais 2
Outras zonas 8 Degradação dos paramentos de montante 5
Degradação de estruturas pré-esforçadas 1

Quadro 3.15 – Principais origens dos incidentes detectados em barragens de aterro após os
primeiros cincos anos e respectivas percentagens (ICOLD, 1994).

Localização % Tipo de incidente %


Deformação excessiva 3
Fundação 35 Perda de resistência, aumento das subpressões e
alterações do estado de tensão 8
Erosão interna 20
Degradação da fundação 4
Deformação excessiva 10
Perda de resistência 6
Corpo da Aumento da pressão nos poros 6
Barragem 59 Erosão interna 9
Degradação do aterro 10
Erosão superficial 18
Alterações de permeabilidade -*
Percolação através da máscara de betão em barragens
de enrocamento 2
Outras zonas 6 Perda de ligação entre o aterro e estruturas de betão 4
Degradação de materiais polímeros sintéticos -*
* - Percentagem inferior à unidade

Quadro 3.16 – Principais origens das deteriorações detectadas nas albufeiras e zonas a jusante e
respectivas percentagens (SILVEIRA, 1990).

3.16
Localização Tipo de deterioração %
Escorregamento de taludes 41
Albufeiras Permeabilidade excessiva das margens 27
Sedimentação 32
Desmoronamento de taludes 80
Zonas a jusante Equilíbrio do leito do rio 10
Equilíbrio ecológico 10

Nos inquéritos e na subsequente análise da ICOLD (1983), só foi referenciada uma situação de
afectação do equilíbrio ecológico, o que decorre, por um lado, do sentido atribuído ao termo ecológico,
mas indica, por outro e antes de tudo, a falta de atenção dada às questões ecológicas ainda há cerca de
vinte anos atrás.
Quanto às rupturas, a ICOLD (1983) concluiu que terão afectado cerca de 0,7% das barragens
existentes, tendo mais de 40% dos casos ocorrido durante as fases de construção e do primeiro
enchimento (Quadro 3.17).

Quadro 3.17 – Distribuição, em percentagem, das rupturas por fase de vida e tipo de barragens
(ICOLD, 1983).

Fase de vida Tipo de barragem


Todos os tipos Betão Aterro
Construção 17 14 18
Primeiro enchimento 27 50 20
Primeiros 5 anos 16 14 17
Após 5 primeiros anos 34 18 39
Indeterminado 6 4 6

O galgamento foi a principal causa dos acidentes ocorridos, que se devem ao deficiente
dimensionamento ou ao mau comportamento das estruturas hidráulicas. A seguir vêm os acidentes
devido aos deficientes comportamentos do corpo da barragem e da fundação (Quadro 3.18).

Quadro 3.18 – Distribuição das rupturas por elemento do aproveitamento afectado e respectivas
percentagens (ICOLD, 1983).

Elemento afectado % de
rupturas
Estruturas hidráulicas, exclusivamente 44
Comportamento do corpo da barragem 25
Comportamento da fundação da barragem 14
Comportamento do corpo da barragem e da fundação 8
Comportamento do corpo da barragem e das estruturas hidráulicas 4
Comportamento da fundação e das estruturas hidráulicas 1
Comportamento do corpo da barragem, da fundação e estruturas hidráulicas 2
Comportamento dos materiais da barragem, exclusivamente 3

Relativamente aos acidentes devidos a deficiente comportamento estrutural da barragem, a


principal origem esteve, nas barragens de betão, no mau comportamento estrutural e hidráulico da

3.17
fundação e, nas barragens de aterro, no deficiente comportamento do corpo da barragem (SILVEIRA,
1990 – Quadros 3.19 e 3.20).

Quadro 3.19 – Principais origens dos acidentes ocorridos em barragens de betão (excluídas as
estruturas hidráulicas) e respectivas percentagens (ICOLD, 1994).

Localização % Causa do acidente %


Falta de resistência ao corte 13
Fundação 75 Falta de resistência hidráulica 50
Inadequação para a obra projectada 12
Inadequação das formas da barragem e da
Corpo da barragem 18 sua inserção no vale 13
Falta de resistência do betão à tracção 5
Corpo da barragem e Falta de resistência mecânica da fundação ou
fundação 7 inadequação das formas estruturais 7

Quadro 3.20 – Principais origens dos acidentes ocorridos em barragens de aterro (excluídas as
estruturas hidráulicas) e respectivas percentagens (ICOLD, 1994).

Localização % Causa do acidente %


Fundação 18 Falta de resistência hidráulica traduzida em
percolação e em erosão interna 18
Má compactação 5
Corpo da barragem 62 Falta de resistência hidráulica 37
Escorregamentos a montante e a jusante 9
Ligações a outras estruturas 11
Corpo da barragem Deformações excessivas 16
e fundação 20 Resistência ao corte e pressão intersticial 4

Em seguida, apresentam-se três tipos de acidentes que, pela sua importância em barragens
de aterro, têm um tratamento mais pormenorizado. São o galgamento, a erosão interna pelo corpo
da barragem ou pela fundação e a instabilidade aos sismos.

GALGAMENTO

Das causas de acidentes de barragens destaca-se o galgamento (passagem de água sobre o


coroamento), tendo conduzido a um significativo número de casos de ruptura.
O maior número de galgamentos verificou-se por incapacidade de vazão do descarregador.
Tem ainda ocorrido o bloqueamento do descarregador e o assentamento excessivo do coroamento,
conduzindo a folga insuficiente. O colapso das estruturas de betão associado tem tido origem na
erosão da fundação no pé-de-jusante ou na ruptura de estruturas de aterro adjacentes.
Da análise da estatística de deteriorações ocorridas até 1975 e efectuada pela ICOLD (1983),
CAVILHAS (1984) refere que dos 48 casos de galgamento, 36 foram devidos a uma previsão
incorrecta da cheia ou deficiência do descarregador, 7 casos a deficiente funcionamento das
comportas ou de operações de descarga e 5 devido à ruptura de barragens a montante.
É difícil compreender a razão pela qual ao longo dos tempos não se adoptaram métodos e
critérios de dimensionamento mais fiáveis relativamente aos aspectos hidrológicos e hidráulicos,
mesmo quando a análise após as catástrofes e o balanço das perdas levava a considerar essa
necessidade (BRUSCHIN et al., 1982).

3.18
Finalmente, refira-se que um dos problemas, relativamente à segurança de barragens, em que
se inclui o galgamento, é a existência nos países com adequada legislação, da incapacidade por
parte das autoridades locais para garantir o cumprimento da referida legislação (ALEXANDER,
1994).

EROSÃO INTERNA NO CORPO DO ATERRO E NA FUNDAÇÃO

A erosão interna corresponde à causa de maior número de rupturas de barragens de aterro


logo a seguir ao galgamento. A razão porque não se verificam ainda mais rupturas devido a esta
causa resulta da sua fácil detecção que frequentemente permite adoptar medidas correctivas e evitar
o desencadeamento da catástrofe. O elevado número de rupturas que ainda se verifica devido a esta
causa resulta de, na maior parte dos casos, a detecção deste fenómeno se verificar já num estado
avançado de instabilidade mecânica e hidráulica, em que qualquer intervenção correctiva já não
permite suster a sua evolução.
Anteriormente à introdução, na década de 30, do dimensionamento dos filtros e drenos com os
critérios de Terzaghi, a erosão interna era responsável pela ruptura de 3% das barragens existentes
com mais de 30 m de altura (h) e 1,5% para h<30 m. Após 1930, o número de rupturas reduziu-se
significativamente para valores cerca de 10 vezes inferiores aos anteriores, excepto nos países de
menores recursos técnicos e financeiros.
Sendo em regra lenta a evolução do processo de erosão interna, o número de vítimas por
ruptura devido à erosão interna é cerca de seis vezes inferior ao verificado por rupturas devidas ao
galgamento. Em 50% das rupturas por erosão interna não houve vítimas, ao passo que este número
reduz-se a 25% no caso do galgamento (LEMPÉRIÈRE, 1997). Da análise dos acidentes por erosão
interna concluiu-se (LEMPÉRIÈRE, 1997): “A dam with proper filters that is carefully monitored during
first filling and regularly thereafter has little risk of failing from internal erosion”.
Para limitar os acidentes por erosão interna deve dar-se ênfase às inspecções visuais, tanto
mais, porque tem-se verificado que a erosão interna tem sido detectada em épocas bastante
posteriores à fase de primeiro enchimento. A erosão interna tem sido, no entanto, associada a
procedimentos incorrectos adoptados nas fases de projecto e construção. Deve ainda ter-se em
conta que há um significativo número de casos de arrastamento de solo ao longo de estruturas
rígidas de descargas de fundo. Este fenómeno está essencialmente associado à dificuldade de
compactar o solo nestas zonas em que não se pode recorrer a pesados cilindros.
A erosão interna da fundação tem sido responsável por um elevado número de incidentes,
embora os casos de ruptura sejam significativamente em menor número, ao contrário do que se
verifica em relação ao corpo das barragens.
Estes incidentes verificaram-se sobretudo devido a deficiências da cortina de injecção e de
poços de alívio e drenos. Em particular, tem-se considerado que o fenómeno se deve a uma
degradação da cortina de injecção devido à dissolução do cimento, ou outros materiais naturais
solúveis.

INSTABILIDADE AOS SISMOS

Não há qualquer caso relatado de ruptura de barragens devido à acção dos sismos, excepto
as de aterro hidráulico que são bastante raras e com uma tecnologia em desuso. Os acidentes mais
graves ocorreram durante o sismo de San Fernando em 1971, nos EUA. Na realidade, embora não
se tivesse verificado o colapso, as barragens Lower e Upper San Fernando tiveram de ser totalmente
reconstruídas.
Estes acidentes tiveram um impacto excepcional pelo facto de terem ocorrido numa das
regiões de maior desenvolvimento económico e social a nível mundial, a Califórnia. Assim, foi desde
logo considerado que as grandes barragens e as centrais nucleares deveriam ser dimensionadas

3.19
para o maior risco possível, isto é, o Máximo Sismo Expectável (MSE). A prática decorrente da
análise estatística deste tipo de acidentes tem mostrado que este método é bastante conservativo.
Após os sismos de S. Fernando, verificou-se uma profunda revisão dos métodos de análise da
estabilidade das barragens aos sismos. Estes métodos requerem, no entanto, uma sofisticada
intervenção na caracterização dos materiais e nos modelos de cálculo, procedimento este que não
pode ser testado, dada a reduzidíssima frequência da resposta do protótipo a este fenómeno.
A verificação do comportamento das barragens deve ser apoiada em análises dinâmicas
quando justificadas e sobretudo numa perspicaz capacidade de julgamento. Este deve ser o principal
factor na decisão de acções com vista a garantir a estabilidade dinâmica de barragens (SEED et al.,
1980).
Um elevado número de barragens têm sido sujeitas a fortes sismos em zonas de elevada
sismicidade (nomeadamente, no continente americano e no Japão).
Uma análise detalhada acerca do comportamento de barragens de aterro sob acção dinâmica
foi realizada por SEED et al. (1978). Assim, foram analisadas 127 barragens de três países (Estados
Unidos da América, Japão e Rússia) que no conjunto foram solicitadas por 16 sismos. As
magnitudes atingiram valores excepcionais na escala de Richter, de 8,3 e acelerações máximas de
1,3 g.
Da análise dos resultados conclui-se que apenas barragens construídas com aterro hidráulico
sofreram ruptura. As barragens de aterro projectadas e construídas com as actuais técnicas têm
exibido um bom comportamento aos sismos. Nas barragens de terra tem-se, no entanto, verificado a
possibilidade de ocorrerem fenómenos de fracturação hidráulica, recomendando-se pois, em zonas
sísmicas, especial atenção ao dimensionamento do sistema de controlo da percolação (drenos e
filtros).
As barragens de estéreis comparativamente aos outros tipos de barragens são bastante mais
vulneráveis aos sismos pelas seguintes razões:
- não são compactadas;
- são constituídas por depósitos de materiais granulares de dimensão predominantemente
análoga à da areia;
- apresentam uma elevada probabilidade de exibirem liquefacção por acções dinâmicas;
- produzem no seu interior zonas de percolação de lamas;
- não são tão bem observadas como os outros tipos de barragens.

As barragens de enrocamento têm exibido um muito bom comportamento sob acções


dinâmicas, mesmo quando foram construídas com estados de compacidade reduzidos (enrocamento
lançado), correspondendo a uma técnica deficiente e já não utilizada. Os elevados deslocamentos
exibidos por estas barragens sob apreciáveis acções dinâmicas não tiveram influência significativa
na segurança das estruturas (VEIGA PINTO, 1990).
Após a análise do comportamento de barragens aos sismos, quando violentamente atingidas
(magnitude 8,1 em La Villita, acelerações de 1,3 g e 0,4 g medidas nas direcções vertical e horizontal
em la Coyotte e um assentamento instantâneo de 80 cm em Ambuklao) levaram OHAMACHI (1994)
a considerar, que as barragens de enrocamento com núcleo argiloso não têm exibido danos
significativos devido a acções dinâmicas.
Após um estudo efectuado por SEED et al. (1978), os autores concluíram: “A knowledge of
field performance data of this type can provide a valuable supplement to analytical studies in the final
assessment of the seismic stability of an earth dam and in some cases can eliminate entirely the
need for analytical studies”. Também referem o seguinte: “Since there is ample field evidence that
well-built dams can withstand moderate shaking with peak accelerations up to at least 0,2 g with no
harmful effects, we should not waste our time and money analysing this type of problem”.
Ultimamente não há registo de barragens terem sido afectadas por sismos significativos,
excepto o ocorrido no Japão, em Janeiro de 1995, na região do Hyogoken-Nambu (TAMURA et al.,

3.20
1997). O sismo atingiu a magnitude de 7,2, conduzindo a danos apreciáveis nas áreas residenciais,
como não ocorria no Japão nos últimos anos. Foram atingidas 50 barragens localizadas a uma
distância inferior a 50 km do epicentro. Também várias barragens bastante antigas, situadas
próximas da cidade de Kobe, foram afectadas. Logo após o sismo, foram constituídas equipas de
inspecção dos efeitos das acções dinâmicas, coordenadas pelo Ministério da Construção do Japão.
De acordo com estas inspecções, verificou-se que nenhuma barragem tinha sofrido danos
significativos que requeressem medidas correctivas ou reparações de emergência (TAMURA et al.,
1997). Apenas se verificaram algumas fissurações no pavimento do coroamento das barragens e um
ligeiro aumento dos caudais de infiltração que vieram, no entanto, posteriormente a diminuir e
estabilizar.
O sucesso do comportamento das barragens do Japão parece dever-se à elaboração de
projectos com uma cuidadosa análise estrutural baseada em metodologias e critérios fiáveis e à
construção com uma rigorosa fiscalização da qualidade dos materiais. Repare-se que, enquanto as
barragens se comportaram bem aos sismos, um elevado número de estruturas de outro tipo
mostraram menor fiabilidade, pois exibiram ruptura e danos apreciáveis (TAMURA et al., 1997).
Outro aspecto também a ter em conta é a controvérsia relativamente à ocorrência de sismos
devido à criação das albufeiras. Não há, no entanto, qualquer prova universalmente aceite desta
possibilidade (CSED, 1983). Estudos realizados neste domínio (MEADE, 1982) referem que a
probabilidade da ocorrência de sismos provocados pelas albufeiras é extremamente reduzida e
provavelmente não deveria ser tão considerada, excepto em albufeiras de elevado volume e
profundidade. Mesmo para as grandes barragens ainda está por provar a pertinência da execução
de novos estudos de reabilitação para fazer face aos sismos e a preocupação com as falhas activas
(AGHA e AHMED, 1994).
Embora, como se referiu, a análise dos acidentes de barragens tenha mostrado que as acções
sísmicas não são tão gravosas como os estudos parecem fazer crer, há um elevado número de
instituições responsáveis pela segurança de barragens que estão a rever a instabilidade aos sismos
das barragens existentes, mesmo em regiões do globo que são consideradas de baixo risco (USA,
MARTIN et al., 1994; ITÁLIA, ENEL SPA, 1994; UK, HAWS et al., 1994).

3.3.3. Deteriorações ocorridas em grandes barragens portuguesas


Em Portugal apenas ocorreu a ruptura de uma grande barragem. Foi a barragem de terra de
Venda Velha, em 1959, em consequência do galgamento, por insuficiência do descarregador de
cheias (PALMA CARLOS, 1965), como se refere na alínea 3.5.4.1.
Tem, no entanto, ocorrido uma percentagem significativa de barragens afectadas por
incidentes de diverso tipo. No Quadro 3.21 apresenta-se o número de deteriorações ocorridas em
grandes barragens portuguesas.

Quadro 3.21 – Número e frequência relativa (%) dos incidentes detectados em grandes barragens
portuguesas.

Tipo de barragem Número %


Betão 13 52
Alvenaria 5 20
Aterro 7 28
Admite-se que o facto de a percentagem de deteriorações nas barragens portuguesas ser
muito superior, excepto nas barragens de aterro, aos 15% registados a nível mundial decorra do
conhecimento mais detalhado que se tem hoje, relativamente a 1975, ano a que se referem os
inquéritos da ICOLD (1983), quer da situação portuguesa, quer de muitos dos fenómenos passíveis

3.21
de provocar incidentes. Deve salientar-se que as obras em alvenaria afectadas são de uma forma
geral muito antigas e sujeitas a condições particularmente agressivas.
Relativamente aos elementos de obra afectados, o maior número de deteriorações, também
com base em elementos actualizados, registou-se no corpo das obras (Quadro 3.22).

Quadro 3.22 – Número e distribuição (%) dos incidentes observados em grandes barragens
portuguesas de betão ou alvenaria por elemento de obra.

Elemento de obra Número %


Obras anexas 3 17
Corpo da barragem 12 66
Fundação 3 17

Relativamente às principais origens dos incidentes detectados referem-se, no caso das


barragens de betão, as reacções alcali-agregado, no caso das barragens de alvenaria, a dissolução
dos constituintes químicos das argamassas de ligação e, no caso das barragens de aterro, a
deficiente ligação dos aterros a elementos em betão (Quadro 3.23).

Quadro 3.23 – Causas e localização de incidentes detectados em grandes barragens portuguesas.

Tipo de barragem Elemento de obra Natureza do fenómeno Nº


Fendilhação excessiva 2
Expansões devidas a reacções alcali--
Corpo da barragem agregado 3
Inadequação das características
Betão reológicas do betão à obra projectada 1
Erosão e dissolução dos materiais de
enchimento das descontinuidades 1
Fundação
Degradação dos sistemas de
impermeabilização e drenagem 3
Dissolução dos constituintes químicos das
Alvenaria Corpo da barragem
argamassas de ligação 4
Degradação do solo do aterro junto à
fundação 1
Corpo da barragem
Terra Deficiência da ligação dos aterros a
elementos em betão 2
Fundação Percolação excessiva 1
Enrocamento Corpo da barragem Deformação excessiva 2

Apenas seis das barragens de aterro sofreram incidentes, sendo quatro de terra e as outras
duas de enrocamento (Quadro 3.24).

Quadro 3.24 – Principais incidentes ocorridos em grandes barragens de aterro em Portugal.

Tipo de Ano de Tipo de Comportamento


Barragem barragem H construção, incidente Reparação após reparação

3.22
(m) incidente e
reparação
1958 Fissuração da Várias Ainda ocorrem
Paradela CFRD 110 1958 cortina e reparações da infiltrações
1990 percolação cortina excessivas
excessiva
1968 Assentamentos Substituição
Roxo PG/ER 49 1970 excessivos parcial do Bom
1976 aterro
1980 Percolação Reforço da A necessitar de
Morgavel TE 52 1984 excessiva pela cortina de vigilância
1990 fundação injecções e
filtro invertido a
jusante
1985 Assentamentos Alteamento do
Beliche CCRD 54 1987 excessivos coroamento Em observação
1998
1988 Percolação Reparação das
Fonte TE 22 1988 excessiva no juntas e Bom
Longa 1989 contacto injecção de
aterro/descarga calda de
de fundo cimento na
zona de
contacto
1993 Percolação Reparação das
Gostei TE 29 1993 excessiva no juntas e Bom
1993 contacto injecção de
aterro/descarga calda de
de fundo cimento na
zona de
contacto

3.3.4. Rupturas
A ruptura de barragens é analisada com maior pormenor, dados os efeitos catastróficos que
lhe estão associados.
Uma análise estatística recente de rupturas de barragens foi publicada pela ICOLD (1995). É
apresentada a ocorrência de 169 rupturas, com a distribuição, por tipos de barragens, expressa na
Fig. 3.6.
Aparentemente conclui-se, da Fig. 3.6, que as rupturas têm uma maior incidência nas
barragens de terra. No entanto, atendendo a que este tipo de barragens ocorre em muito maior
número do que as restantes, em termos percentuais conclui-se que tem sido análogo o número de
rupturas pelos diversos tipos de barragens. Nas barragens de aterro, as rupturas verificam-se
sobretudo nas de menor altura, raramente ultrapassando 40 m. Já no caso das barragens de betão
têm ocorrido rupturas nas barragens mais altas (>50 m).
Mais de 70% das barragens que ruíram tinham uma altura inferior a 30 m. É ainda de destacar
que o maior número de rupturas ocorreu nos primeiros 10 anos e, em particular, no primeiro ano de
vida útil.

3.23
99

100
90
80
70
60 11
25 TE
50
40 34 ER/TE
30
20
ER
10
0
B
1

Figura 3.6 – Número de rupturas ocorridas por tipo de barragens (ICOLD, 1995).

Excluindo as barragens da China, de que não há registo, aponta-se que, até 1950, verificaram-
se 117 rupturas (de um universo de 5 268 barragens) e em 1951-86 ocorreram 59 casos de ruptura
para um total de 12 138 barragens construídas. Verifica-se, assim, que as barragens construídas na
primeira metade do século XX, e após esta data, exibiram 2,2% e 0,5% de colapso de barragens,
respectivamente. Repare-se que esta frequência das rupturas deverá ainda diminuir nos próximos
tempos, se se atender que a ocorrência dos acidentes diminui com o número de anos das barragens
em exploração.
A probabilidade de ruptura de uma barragem por ano diminuiu acentuadamente ao longo do
século XX. Quanto às barragens de aterro, o valor daquela probabilidade baixou de 4% até 1900,
para cerca de 2,2% relativamente às barragens construídas anteriormente a 1950 e para 0,5%
relativamente às barragens construídas de 1970 a 1986. Em termos estatísticos, as barragens de
aterro e de betão apresentam nos últimos 40 anos análogas probabilidades de ruptura, ou seja
idênticos níveis de segurança.
Em termos estatísticos, as barragens de contrafortes são as que têm exibido maior número de
rupturas, relativamente ao número de barragens construídas (cerca de 2,6%). As barragens de
aterro surgem em segundo lugar com um valor de 1,2% (ICOLD, 1995).
A fase de vida da obra com maior número de rupturas é a do primeiro enchimento. Assim se
compreende que esta fase seja particularmente observada e acompanhada a sua segurança. Se
acções deste tipo já tivessem sido adoptadas, mais de 70% das rupturas poderiam ter sido evitadas
(SERAFIM, 1981). Após 10 anos de vida deste tipo de estruturas as rupturas diminuem
significativamente, não ultrapassando os 20% (LEBRETON, 1985).
Vários autores apontam o facto surpreendente de nunca ter ocorrido qualquer ruptura de
barragens devido aos sismos (GOUBET, 1979).
O tipo de ruptura varia de acordo com as causas que a originam. Assim, compreende-se que a
possibilidade de se verificar uma cheia excepcional apresenta uma probabilidade invariável ao longo
de toda a vida útil da barragem. Das análises estatísticas, conclui-se que a ruptura por galgamento
pode ocorrer em qualquer altura, verificando-se que após 10 anos da construção das barragens
ainda se verificam 50% de rupturas deste tipo.
Já a ruptura por erosão interna no corpo do aterro tem uma incidência maior nos primeiros
anos de vida útil da estrutura. Após 10 anos de construção, verificaram-se apenas 25% de rupturas.
No caso dos acidentes ocorridos na fundação, 80% dos casos verificam-se nos primeiros 5 anos,
sendo raro a ocorrência de acidentes deste tipo após 10 anos de conclusão da estrutura.

3.24
3.4. ENSINAMENTOS OBTIDOS COM AS DETERIORAÇÕES(*)

3.4.1. Considerações prévias


Já foram salientados aspectos relativos aos benefícios obtidos da análise das deteriorações
de barragens. Em seguida, far-se-á uma análise mais pormenorizada pelos diferentes tipos de
barragens, procurando salientar as diferenças de comportamento e anomalias que estas estruturas
exibem.
Apresentar-se-ão ainda aspectos relativos às: causas, efeitos, consequências, métodos de
detecção e medidas correctivas relacionados com deteriorações de barragens.

3.4.2. Barragens de betão


A falta inicial ou perda no tempo da resistência mecânica ou da "resistência" hidráulica do maciço
de fundação, fenómenos aliás interdependentes, está na origem de importantes acidentes e de
incidentes com barragens de betão e alvenaria.
A perda de ligação com a fundação no pé de montante das barragens de betão, particularmente
abóbadas, é relativamente frequente: a pressão hidrostática induz, habitualmente, tensões verticais de
tracção no pé de montante das obras e no maciço da fundação que lhe está adjacente; a flutuação
periódica do nível da água na albufeira origina ciclos de tensões e de deformações na fundação, com
consequente abertura e fecho de fracturas horizontais ou sub-horizontais, a possível formação de novas
fracturas e o aumento da dimensão de outras (PAOLINA, et al., 1991).
A erosão da fundação, traduzida fundamentalmente no arrastamento e dissolução dos materiais
de preenchimento das fracturas (entre os quais se incluem os produtos injectados para consolidação e
impermeabilização da fundação) no caso de maciços pouco solúveis e no alargamento das fracturas
(SILVA, 1992), é outra das causas frequentes da deterioração das cortinas de impermeabilização e pode
ter uma origem essencialmente mecânica (quando a velocidade de percolação é elevada) ou
essencialmente química (quando a velocidade de percolação é baixa).
A alteração química mais frequente resulta da dissolução do hidróxido de cálcio do betão e das
argamassas. A sua intensidade e progressividade depende, para além da permeabilidade, para a qual
podem ser relevantes todas as zonas de descontinuidade estrutural ou construtiva, como juntas de
contracção e de trabalho, e todas as zonas de deficiente construção, da natureza química dos materiais
e das características da água da albufeira, designadamente a sua mineralização, natureza dos iões
presentes, pH e natureza e quantidade de sais dissolvidos (SILVA, 1992).
A inadequação dos materiais utilizados da mesma forma pode ser origem de deteriorações de
natureza química ou física. De entre as de natureza química, as mais frequentes e por vezes mais
gravosas, são as devidas a reacções entre os constituintes do betão, originando expansões, as quais
podem ser de três tipos (SILVA, 1992): reacções alcali-agregado (alcali-sílica e alcali-carbonato), sulfato-
-alumina e sulfato-magnésio. Todas estas reacções conduzem a produtos cuja formação incorpora
grandes volumes de água, originando expansões. O processo é em regra lento, dependendo o estado de
tensão que induz em cada momento da história anterior desse processo e da função de relaxação do
betão.
O desenvolvimento destas expansões, quando se processa de forma homogénea e isotrópica no
corpo das obras, origina basicamente compressões generalizadas e, em algumas zonas, tracções (como
é o caso das abóbadas onde se desenvolvem tracções a jusante, ao longo da inserção, em regra
compensadas pelas compressões devidas à pressão hidrostática). No entanto, o processo de
desenvolvimento das expansões é em regra marcadamente heterogéneo e anisotrópico, porque é

(*)
Autor: António Veiga Pinto

3.25
função da permeabilidade e porosidade do betão, do estado de tensão instalado (nas direcções em que
se verificam maiores compressões observa-se um menor desenvolvimento das expansões, parecendo
haver uma tensão de compressão limite a partir da qual o processo cessa), do grau de humidade relativa
e da temperatura no interior do betão e, obviamente, da natureza dos agregados e cimentos. Assim, o
estado de tensão-deformação decorrente de processos expansivos pode originar fissuração muito
significativa e os decorrentes deslocamentos diferenciais afectarem a funcionalidade dos órgãos de
segurança e exploração (HAYWARD, et al., 1991).
A inadequação das propriedades reológicas do betão face às solicitações, designadamente as
variações de temperatura, a que estará sujeito durante a construção e exploração, é uma origem
importante de deterioração física. De facto, as variações de temperatura a que a estrutura estará sujeita
são hoje passíveis de ser previstas com certo rigor e medidas com precisão durante a construção e
exploração das obras. O estado de tensão instalado dependerá, entre outros factores, da
deformabilidade dos betões e da sua evolução no tempo. Será sempre desejável que os betões de
barragens sejam pouco rígidos e possuam boa capacidade de relaxação de tensões, sendo a maior
dificuldade do projecto de betões para barragens conseguir simultaneamente essas características, uma
boa resistência à tracção e uma baixa permeabilidade.

3.4.3. Barragens de terra


Os solos são os materiais mais vulneráveis à erosão, quando se verifica o galgamento sobre o
coroamento, sendo pois este cenário a causa principal das rupturas. Também a erosão interna e a
concentração de caudais, no corpo da barragem e nas zonas de contacto com estruturas rígidas ou
na fundação, é um aspecto importante nas deteriorações. Assentamentos excessivos do
coroamento, devido a deficiente caracterização da deformação dos materiais e deslizamento dos
taludes, sobretudo devido a excesso das tensões neutras por deficiente sistema de drenagem, são
também aspectos a considerar. Finalmente, destaca-se ainda a utilização de materiais de aterro de
deficiente qualidade (misturas solo-enrocamento, solúveis, expansivos, evolutivos, etc.) e problemas
de liquefacção em fundações de areia fina ou solos siltosos quando da ocorrência de sismos.

3.4.4. Barragens de enrocamento


As barragens de aterro apresentam comportamentos e cenários de deterioração bastante
distintos. Tendo em conta este facto, efectuou-se uma análise apenas dos casos ocorridos em
barragens de enrocamento. Foram compilados 96 casos de deterioração neste tipo de barragens
(MARANHA das NEVES, 1979), recorrendo à estatística das deteriorações de barragens de aterro
(ICOLD, 1983).
Deve sublinhar-se, que as deteriorações ocorridas foram de reduzida importância, em termos
de perdas de vidas humanas e económicas e que o número de rupturas relativamente ao número de
barragens com deteriorações foi superior ao valor médio de todos os tipos de barragens (Fig. 3.7).

3.26
Ruptura 10
Ruptura
Acidente
Acidente 20
Incidente

Incidente 70

0 10 20 30 40 50 60 70
(%)
Figura 3.7 – Tipos de deterioração em barragens de enrocamento.

Devem ainda destacar-se as deteriorações ocorridas devido à erosão interna, quer na


fundação, quer no corpo da barragem. Também foi significativo o número de casos de percolação
excessiva através das cortinas de montante. No entanto, este aspecto parece hoje em dia
ultrapassado dada a nova tecnologia de compactação dos aterros de enrocamento (MARANHA das
NEVES e VEIGA PINTO, 1988). Dos aspectos sobrevalorizados nos projectos com reduzida
repercussão nas deteriorações ocorridas salientam-se os deslizamentos nos taludes do corpo da
barragem.
As deteriorações verificaram-se sobretudo devido a deficiente comportamento dos órgãos de
descarga, atingindo um valor superior a 40% (Fig. 3.8).

DP

DCE P

ICPM

DOD

0 5 10 15 20 25 30 35 40 45
(%)
AEF - Assentamento excessivo da fundação
DP - Deslizamento dos paramentos
DPMNEA - Deslizamento ou percolações nos maciços naturais envolventes da albufeira
DCEP - Deficiente comportamento do enrocamento de protecção
EIPN - Erosão interna e percolação no núcleo
ICPM - Infiltração nas cortinas do paramento de montante
EIPF - Erosão interna e percolação na fundação
DOD - Deficiência nos órgãos de descarga

Figura 3.8 – Causas de deterioração em barragens de enrocamento.

3.27
3.4.5. Causas
Por uma questão de sistematização, seguiu-se a nomenclatura (ICOLD, 1994) que inclui,
relativamente às deteriorações, os seguintes termos: causas, efeitos e consequências, métodos de
detecção e medidas correctivas. A título de exemplo, refere-se para o cenário de deterioração do
troço de terra da Barragem do Roxo, referido no Quadro 3.6, o significado dos referidos termos:
a) causas – deficiência da caracterização da fundação e das ressurgências; estas deficiências
conduziram à degradação das propriedades do material na base do aterro pelo aumento do
teor de água;
b) efeitos – assentamentos excessivos à superfície do aterro, medição de valores elevados
das tensões neutras e dos caudais de infiltração;
c) consequências – excessivos assentamentos diferenciais entre o troço de terra e o de
betão, fendas no material de aterro, limitação das cotas de exploração da albufeira;
d) métodos de detecção – observação visual dos deslocamentos à superfície do aterro e
medição geodésica dos mesmos; aumento das pressões neutras nos piezómetros
hidráulicos e dos caudais de fuga;
e) medidas correctivas – após várias tentativas, sem sucesso, de consolidação do aterro por
meio de drenagens e injecções, recorreu-se à substituição, de uma parte significativa, do
aterro junto à estrutura de betão.

A ruptura de uma barragem é, em geral, um processo que se inicia com um comportamento


anómalo, ou seja, com uma primeira evidência. Os sintomas nem sempre são detectados
atempadamente, conduzindo a uma evolução progressiva da anomalia até se verificar um acidente
grave ou mesmo ruptura. Desse modo, se reconhece a importância, na garantia de segurança de
barragens, da inspecção e da exploração do sistema de observação com uma análise dos resultados
e tomada de decisões que devem ser rápidas.
As causas que originam as deteriorações variam em função das características da barragem
(tipo, materiais e fundação) e qualidade do projecto e da construção. Em face da análise estatística
de acidentes deve considerar-se que os estudos hidrológicos e o dimensionamento dos órgãos de
descarga têm apresentado acentuadas deficiências e conduzido a previsões de comportamento
pouco fiáveis.
Da análise dos acidentes, rapidamente se conclui que o erro humano está muitas vezes
presente (BLIND, 1983; SERAFIM, 1984, COMBELLES, 1984). BLIND (1983) aponta os seguintes
aspectos como os mais comuns: caracterização da fundação excessivamente expedita,
sobreestimação das propriedades dos materiais, critérios e métodos de projecto deficientes,
especificações de construção inadequadas, acções incorrectas na fase de primeiro enchimento,
operações do funcionamento das comportas impróprias, actuações deficientes nas fases de
inspecção e de observação e atraso no tratamento de resultados e das obras de reparação. Em
muitos casos não se teria verificado a ruptura de barragens se alguns destes pontos fossem tratados
com mais competência e responsabilidade (BLIND, 1983).
Vários relatórios mostram de modo claro que os estudos de campo de apoio ao projecto, tais
como reconhecimento geológico, prospecção e ensaio de materiais em laboratório, têm sido
insuficientes, originando mais tarde a ruptura de barragens e a necessidade de dispendiosos
trabalhos de reabilitação (BUDWEG, 1997).
Embora os erros de cálculo computacional sejam praticamente impossíveis de detectar, são
muitas vezes encontrados inadequados ou incorrectos critérios de projecto. Nesse sentido, os
critérios e a compatibilidade entre os resultados dos ensaios de campo e os de laboratório e os
modelos deveriam ser verificados por terceiros com experiência suficiente nesta temática, pelo
menos nas obras de maior risco efectivo.

3.28
3.4.6. Efeitos
Os efeitos relacionados com o comportamento estrutural e hidráulico-
-operacional das barragens traduzem-se nas grandezas que normalmente são medidas pelos
equipamentos de observação. Assim, dependendo das cargas aplicadas e das características
mecânicas dos materiais, medem-se deslocamentos, tensões e deformações. Há ainda a registar a
medição dos caudais, subpressões e tensões neutras.
Conhecer os efeitos relacionados com as deteriorações é de extrema importância de modo a
se adoptarem os modelos e métodos de dimensionamento e as técnicas construtivas mais
adequadas. Do mesmo modo, é importante identificar correctamente as grandezas a medir e o local
mais adequado para essa medição. O objectivo é procurar intervir eficazmente e neutralizar as
condições anómalas, nomeadamente através da adopção das medidas correctivas mais
convenientes.
Os efeitos ou grandezas a observar devem ser objecto de uma cuidada previsão e fazer parte
do plano de observação. Este documento deve ainda apresentar os dispositivos a instalar na
barragem para medição das referidas grandezas e a localização dos mesmos.

3.4.7. Consequências
Quando os efeitos ou as grandezas dos modelos de comportamento que lhes estão
associados atingem determinados valores limite, a funcionalidade, pelo menos, da estrutura pode ser
posta em causa. Verificam-se, assim, mecanismos de deterioração que conduzem a determinadas
consequências. As deficiências do comportamento mecânico podem provocar, por exemplo:
assentamento excessivo, “heaving”, fissuração, superfícies de deslizamento. Por sua vez o deficiente
comportamento hidráulico dá origem a: galgamentos, erosão interna e caudais excessivos.
No Quadro 3.25 apresentam-se as vítimas que ocorreram em consequência da ruptura de
barragens e que foram contabilizadas apenas a partir de 1800. O número de mortes atingiu um valor
aproximado de 17 000, sendo 60% deste número devido apenas a 6 catástrofes. Em média têm-se
verificado cerca de 90 mortes por ano devido ao colapso de barragens. Este número aparentemente
elevado é extremamente reduzido em face das várias dezenas de milhares de mortes por ano
causadas por cheias de natureza comum, valor este que ainda tem sido consideravelmente reduzido
devido à acção de controlo de cheias pela acção das barragens (LEMPÉRIÈRE, 1993).
O Quadro 3.25 não inclui as barragens de estéreis de minas, que têm originado graves
acidentes. Aponta-se como exemplo, os casos das minas de: El Cobre (Chile, 1965, 200 vítimas);
Aberfan (País de Gales, 1966, 144 vítimas); Buffalo Creek (EUA, 1972, 125 vítimas), Mochikoshi
(Japão, 1978, 200 vítimas), Teseno (Itália, 1982, 214 vítimas), Rio Stava (Itália, 1985, 150 vítimas) e
Virginia (África do Sul, 1994, 50 vítimas). A análise dos riscos e da segurança deste tipo de
barragens deverá ser relativamente diferente do das barragens tradicionais, o que justifica a sua
separação nas análises estatísticas (LEBRETON, 1985).
O Quadro 3.25 contempla apenas a existência de um acidente na China, em 1993. Não há
dados anteriores deste país. No entanto, foi estimado que, naquele país devido a cheias, terá
ocorrido, apenas neste século, 230 000 mortes (WP&DC, 1995).
Refira-se ainda que no Reino Unido se verificaram, de 1830 a 1930, 12 rupturas que deram
origem a 421 vítimas. Nesse mesmo ano (1930) foi publicado o “Reservoirs Act”, com as directivas
necessárias a garantir a segurança das barragens. O sucesso parece ter sido totalmente alcançado
pois nos 70 anos seguintes não se verificou qualquer outro acidente mortal naquele país (CHARLES
et al., 1994) por ruptura de barragens.

Quadro 3.25 – Número de vítimas provocadas por rupturas de barragens.

3.29
Barragem País Ano da ruptura N.º de vítimas
Puentes Espanha 1802 607
Dale Dyke Reino Unido 1864 250
Inuka Japão 1868 1 200
Mill River EUA 1874 143
El Habra Argélia 1881 209
South Fork (Johnstown) EUA 1889 2 209
Walnut Grove EUA 1890 150
Bouzey França 1895 100
Austin EUA 1911 100
Bila Desna Checoslováquia 1916 65
Gleno Itália 1923 300
Saint Francis EUA 1928 420
Granadillar Espanha 1934 9
Zerbino Suíça 1935 111
Vega de Tera Espanha 1959 144
Malpasset França 1959 421
Orós Brasil 1960 1 000
Babü Yar USSR 1961 145
Hyokiri Coreia do Sul 1961 250
Kuala Lampur Malásia 1961 600
Quebrada la Chapa Colômbia 1963 250
Vajont Itália 1963 2 600
Baldwin Hills EUA 1963 3
Torrejon Tajo Espanha 1965 30
Vratsa Bulgária 1966 600
Nanaksagar Índia 1967 100
Sempor Indonésia 1967 200
Pardo Argentina 1970 25
Canyon Lake EUA 1972 300
Bear Wallow EUA 1976 5
Del Monte Colômbia 1976 80
La Paz México 1976 430
Santo Thomas Filipinas 1976 80
Teton EUA 1976 11
Bolan Paquistão 1976 20
Kelly Barnes EUA 1977 37
Machu Índia 1979 2 000
Hirakud Índia 1980 118
Gotwan Irão 1980 200
Karnataka Índia 1981 47
Tous Espanha 1982 40
Belci Roménia 1982 20
Kantalai Sri Lanka 1986 127
Sargozan USSR 1987 28

3.30
Quadro 3.25 – Número de vítimas provocadas por rupturas de barragens (Cont.)

Barragem País Ano da ruptura N.º de vítimas


Gouhou China 1993 1 257
Tirlyan Rússia 1994 75
Kénogami Canadá 1996 5

Os danos provocados por ruptura de barragens têm sido apreciáveis e traumatizantes. Vê-se,
por exemplo, que em muitos países após a ocorrência de rupturas com perda de vidas humanas, se
efectuou uma reanálise do benefício e risco de construção de barragens, levando a uma acentuada
diminuição na construção deste tipo de obras.
Também, hoje em dia, cada vez é mais comum o apuramento das responsabilidades
envolvidas após a ocorrência de rupturas ou acidentes. Quando há perdas de vidas humanas e
importantes danos materiais têm sido accionados processos judiciais e criminais. As sentenças têm
sido severas e muitas vezes os familiares das vítimas recebem importantes indemnizações
(BUDWEG, 1997). Deve-se ainda acrescentar que as perdas de produção ou de serviço após
acidentes de barragens podem atingir valores bastante apreciáveis.
Após a ocorrência de 96 rupturas em barragens de aterro, adoptaram-se os procedimentos
referidos na Fig. 3.9.

40
(%) 35
AB - Abandono (36%)

30 RNP - Reconstrução com novo projecto


25 (21%)
RP
20
RMP - Reconstrução com o mesmo
15 RMP
10 projecto (21%)
RNP
5 RP - Reparação parcial (22%)
0
AB
1

Figura 3.9 – Opções adoptadas após a ruptura de barragens de aterro (ICOLD, 1995).

Verifica-se que o número de barragens em que o aproveitamento foi abandonado é apreciável


(36%), ao passo que as reparações parciais foram executadas apenas num número reduzido de
casos (22%). Deve, no entanto, sublinhar-se que nas barragens de betão o número de
aproveitamentos abandonados é superior a metade do número de rupturas ocorridas, isto é, de 54%.
Um cenário importante de ruptura deve ser considerado relativamente a acções de guerra ou
terrorismo. As consequências catastróficas do bombardeamento de barragens na 2ª Guerra Mundial,
com um elevado número de mortes, tornou-se aparentemente esquecido, em face do estado de
euforia no final da mesma, devido à esperança de se alcançar um futuro sem guerra. É, no entanto,
um aspecto de preocupação crescente, tendo em conta a proliferação de barragens construídas
recentemente e as potencialidades e meios que os sabotadores mostram possuir. Este tipo de risco
deve pois ser admitido cada vez mais pelos donos da obra e projectistas (BUDWEG, 1997).
As estatísticas mais recentes da ruptura de barragens levam a concluir que as de aterro
apresentam uma frequência relativa ligeiramente superior à das barragens de betão e alvenaria. No

3.31
entanto, os acidentes destas últimas são, em média, duas vezes mais graves (em termos de vítimas)
do que os ocorridos nas barragens de aterro. Esta situação verifica-se devido ao modo de ruptura,
súbito no caso das barragens de betão e progressivo nas de aterro, factor que altera
significativamente as possibilidades de alerta e evacuação das populações. Salienta-se ainda que o
maior número de acidentes das barragens de aterro se verifica por galgamento em períodos de
intensa pluviosidade em que normalmente as populações se afastam das zonas mais profundas dos
vales.

3.4.8. Métodos de detecção


A capacidade de avaliação depende muito do factor humano envolvido. O engenheiro
responsável deve ter sempre bem presente os mecanismos que podem conduzir a uma
deterioração, detectá-los a tempo e propor medidas correctivas de modo a reduzir as consequências
dos referidos mecanismos e se atingirem níveis de segurança adequados.
Deve ainda ter-se presente os períodos críticos de avaliação da segurança. Por exemplo, o
primeiro enchimento da albufeira é uma fase crucial, dado corresponder ao ensaio de carga do
protótipo.
Após a ruptura da barragem de Baldwin Hills (1963), o dono da obra (Los Angeles,
Department of Water Power) considerou de maior importância a inspecção das barragens por
pessoal especializado, recorrendo, nos empreendimentos mais importantes, a consultores exteriores
à instituição (WP&DC, 1985).
A segurança de uma barragem depende fundamentalmente de um bom projecto, uma correcta
construção e uma adequada exploração. A observação em si mesma não torna a estrutura mais
segura, proporcionando apenas informação sobre determinadas grandezas observadas
(GASTAÑAGA, 1988). O mesmo se passa relativamente à inspecção visual.
Em muitos casos, segue-se, aos incidentes de barragens, a ocorrência de rupturas. Estas
rupturas são normalmente um processo complexo, correspondendo a diversas fases ao longo do
tempo, com a emissão de sinais de alerta que podem ser detectados pela leitura de dispositivos de
observação ou inspecção visual (SCHEWE, 1987).
O responsável pela segurança da estrutura tem de estar atento aos estados limites: de
funcionalidade e últimos. Os estados limites últimos (ELU) das barragens estão associados à
ruptura, isto é, à incapacidade de continuar a reter água. Os estados limites de utilização
correspondem a situações anormais que requerem medidas correctivas, mas sem se traduzir em
custos avultados. Estes fenómenos respeitam ao que se convencionou designar por incidentes e
acidentes. Os estados de anormalidade da estrutura, que não requerem medidas correctivas e que
correspondem aos incidentes, também se designam por acontecimentos críticos (AC). Uma cadeia
de AC antecede, se não for corrigida, estados limites de utilização, podendo mesmo conduzir a
estados limites últimos. A segurança de uma barragem será assegurada se os AC de todas as
possíveis redes de cenários de risco estiverem sob controlo. No caso de um AC escapar a esse
controlo, ou se esse controlo implicar custos muito elevados, são possíveis duas estratégias para
combater as nefastas consequências (MARANHA das NEVES, 1991). A primeira consiste em
identificar numa cadeia de AC pelo menos um que possa ser eficazmente controlado. A cadeia da
evolução de fenómenos anormais para um ELU é assim interrompida. É um processo, no entanto,
que exige uma elevada atenção ao desencadeamento dos AC e à necessidade de mantê-los sempre
sobre domínio. Uma segunda estratégia consiste numa modificação radical do projecto, que deverá
ser sempre adoptada em face de não se poder garantir o controlo dos AC, como se referiu
anteriormente. Este procedimento está de acordo com a metodologia proposta por CASAGRANDE
(1961) de se adoptarem linhas de defesa redundantes, que, na prática e no que se refere ao controlo
da percolação, se traduz em adoptar filtros bastante espessos a jusante dos núcleos argilosos. Este
procedimento costuma designar-se pela “utilização simultânea de cinto e suspensórios”.

3.32
Embora variando para cada mecanismo de ruptura, a evolução para o colapso estrutural vai
apresentando, por passos sucessivos, manifestações de perigosidade. Há pois “um período de
incubação”. A detecção da doença depende da experiência e perspicácia do engenheiro e da
atenção dada ao doente, primordialmente pelo número de visitas à obra. Há pois que, a partir de
uma gestão adequada, efectuar uma “avaliação do estado do doente” (barragem) e “prescrever-lhe
atempadamente os remédios” adequados (realizar medidas correctivas).
Dos métodos mais eficazes para diminuir a ocorrência de deteriorações, destaca-se a revisão
do projecto. Na realidade, a análise de projectos tem-se revelado importante na detecção de
comportamentos anómalos, quer tendo em conta os critérios tradicionais, quer os mais recentes com
elevado grau de inovação (ICOLD, 1983).
Da experiência dos acidentes de barragens, tem-se introduzido a prática de utilizar uma lista
de aspectos e pormenores a verificar durante as inspecções visuais às barragens (ICOLD, 1987).
Este procedimento é importante porque há tendência, ao longo do tempo, para baixar o nível de
cuidado em face da não existência de anomalias. Repare-se que, em questões de segurança, a não
existência de notícias corresponde a boas notícias e a transmitir uma falsa sensação de segurança.
Os principais métodos utilizados na detecção das deteriorações por ordem decrescente do
número de utilizações foram: a observação directa, a medição de caudais, a medição de deslocamentos,
a amostragem e a realização de ensaios laboratoriais e a medição de tensões neutras, como se pode ver
no Quadro 3.26 (SILVEIRA, 1990).

Quadro 3.26 – Número de aplicações dos principais métodos utilizados para detecção de
deteriorações em barragens (SILVEIRA, 1990).

Tipo de obra e zona afectada


Método de detecção Fundações Materiais Corpo da obra F,C*
B M A B M B M A A OA**
Observação directa 51 14 92 145 41 81 19 250 59 306
Amostras e ensaios 4 32 4 6 1 9
Caudais 28 3 3 29 11 7 6 30 17 10
Subpressões 12 9 2 2 2 1
Pressão nos poros 17 8 5 8
Turbidez 3 1 2 1
Análises químicas 3 8 1 1 1 3
Percolação 1 1 1 5 2 3
Juntas e fendas 3 14
Deslocamentos 10 2 8 12 11 52
Extensões e tensões 1 6 3 1 1 1
Ensaios sónicos 1 2 7 1 1 7
B - barragens de betão * - fundação e corpo da barragem
M - barragens de alvenaria ** - obras anexas
A - barragens de aterro

É de salientar o lugar destacado que nesta ordem ocupa a observação directa (64% do total de
aplicações) e o lugar modesto que ocupam as análises químicas e as medições sónicas. O facto de a
generalidade das deteriorações terem sido detectadas por observação directa significa simplesmente
que só foram detectadas após a sua ocorrência ter manifestação visível e, portanto, tardiamente. Deve
referir-se que os inquéritos da ICOLD (1983) foram compulsados em 1975, há portanto mais de duas
décadas, durante as quais se assistiu a um desenvolvimento significativo nos métodos e critérios da

3.33
observação de barragens e que muitas das obras em que se registaram deteriorações eram antigas e
tinham sistemas de observação deficientes.
Para análise dos resultados de observação podem adoptar-se métodos determinísticos ou
estatísticos. Nos primeiros, comparam-se os valores observados com os previstos e obtidos a partir
de modelos matemáticos. Nos modelos estatísticos, os valores observados são comparados com os
registados ao longo da vida da obra ou de outras obras idênticas, embora se deva ter em conta a
especificidade de cada barragem. O método que deve reunir mais aceitação, no entanto, é o misto
entre os dois anteriores. Isto é, deve iniciar-se com o método determinístico em face da escassez
inicial dos resultados de observação, mas a partir de certa altura é possível estabelecer tendências e
valores de comparação. Em resumo, a perigosidade está associada não apenas ao valor instantâneo
de uma grandeza, mas à sua evolução ao longo do tempo e à diferença entre o comportamento
previsto e o observado.
A ocorrência de percolação excessiva e não controlada é sempre um sinal de importante
perigo e exige uma actuação rápida a fim de colmatar ou reduzir este fenómeno.
Relativamente aos equipamentos de observação, deve-se sublinhar o maior contributo que se
obtém dos aparelhos ditos integradores. Em particular, do medidor de caudais a jusante que
concentra num único local todas as infiltrações através do aterro e parte da fundação (POUPART,
1994). As grandezas medidas por estes dispositivos para além de darem resultados mais
abrangentes são mais fáceis de interpretar (GOUBET, 1994).
A automatização da recolha e a aquisição à distância de dados de observação de uma
barragem não dispensa as inspecções visuais, que não devem ser diminuídas (FANELLI, 1994). O
custo da automatização é importante e pode não se justificar quando o aumento da frequência de
leituras não tem um interesse especial (GAZTAÑAGA, 1988).
Somente em raras situações, causas naturais desconhecidas ou impossíveis de controlo
levaram à ruptura de barragens. Na realidade, o erro humano esteve quase sempre presente. Em
particular tem havido falta de cuidado na caracterização dos materiais de aterro e da fundação e
negligência relativamente ao conhecimento existente (SERAFIM, 1981).
Na inspecção visual é comum fazer-se uma listagem exaustiva de todas as zonas onde podem
ocorrer anomalias. Na prática esta operação torna-se, assim, fastidiosa, rotineira e sem se dar a
devida atenção aos pontos mais críticos. Com o tempo, as inspecções, pelo menos as de
especialidade, deveriam ser cada vez mais selectivas, pois a diferença entre as zonas da barragem
de melhor e menor qualidade vão-se acentuando ao longo do tempo (LINDSTRÖM et al., 1994).
Muitos dos métodos, prescrições, normas, critérios, etc., para avaliação da segurança de
barragens não podem ser incorporados em normas ou recomendações. Assim, o sucesso deste tipo
de actividade depende fundamentalmente do discernimento e capacidade de julgamento dos
intervenientes, como é apontado pela experiência dos EUA (DOLCIMASCOLO, 1980).

3.4.9. Medidas correctivas


Para além das medidas correctivas de deteriorações, incluem-se, nesta rubrica, acções num
determinado período, com vista a facilitar o estudo das anomalias até que a reparação se torne
necessária.
Das medidas correctivas que têm sido implementadas, destacam-se em seguida as de
carácter geral e as adoptadas na fundação e no corpo de barragens de aterro:
- De carácter geral:
- reforço da instrumentação;
- aumento da cota do coroamento;
- reconstrução global (mesmo projecto);
- reconstrução global (novo projecto);
- abandono do empreendimento.

3.34
- No corpo da barragem:
- reparação do núcleo impermeável;
- construção ou reparação de elementos de impermeabilização;
- construção ou reparação do sistema de filtros e drenos;
- reparação do material de protecção dos taludes;
- enchimento de fendas ou cavidades;
- suavização da inclinação dos paramentos de montante ou de jusante, construção de
banquetas ou outros métodos de estabilização de taludes;

- Na fundação:
- reforço da cortina de injecções;
- construção ou reparação do sistema de filtros e drenos;
- tratamento de impermeabilização;
- enchimento de fendas e cavidades;
- execução de ancoragens.

Os dados históricos do comportamento de barragens permitem tirar lições e apontar aspectos


que poderiam ser adoptados para melhorar a segurança de barragens. De acordo com BLIND (1983)
os principais são:
- necessidade de uma fiável e adequada investigação preliminar e análise dos dados
anteriores da região, em especial hidrológicos;
- determinação cuidadosa da cheia de projecto e do dimensionamento hidráulico;
- selecção e caracterização competente e adequada dos materiais de construção da
barragem;
- execução de um projecto e construção fiáveis por meio de engenheiros e construtores
suficientemente qualificados e fiscalização contínua em obra.

3.5. EXEMPLOS DE INCIDENTES, ACIDENTES, RUPTURAS E OUTRAS


OCORRÊNCIAS EM PORTUGAL (*)

3.5.1. Considerações prévias


As modernas grandes barragens são, de uma forma geral, como decorre das dados
estatísticos apresentados nas alíneas anteriores do presente capítulo, estruturas seguras. Em
particular, em Portugal apenas se registou, no universo de mais de centena e meia de grandes
barragens em serviço, uma ruptura (a da barragem de Venda Velha, em 1959 – alínea 3.5.4.1).
O cenário anterior não é, porém, extrapolável para o conjunto de barragens de menor
dimensão, cuja construção tem vindo a ser fomentada para abastecimento de populações, produção
de energia eléctrica e, sobretudo, rega.
Com efeito, estas estruturas têm-se revelado mais vulneráveis, havendo a contabilizar algumas
rupturas e importantes danos provocados neste tipo de obras pelos caudais elevados resultantes de
precipitações intensas registadas em Portugal, nomeadamente nos Invernos de 1995 e 1997, sem
que, no entanto, lhes tenham sido atribuídas responsabilidades nos desastres pessoais e
destruições avultadas que então ocorreram.
As razões que determinaram a menor fiabilidade das barragens de menor dimensão residirão
num conjunto de causas diversas, destacando-se, entre outras, as que se relacionam com a

(*)
Autor: Rui Faria

3.35
entidade promotora, com o tipo de financiamento e com projecto, construção, conservação e o
processo de licenciamento.
Assim, será sobretudo neste tipo de infra-estruturas que incidem os exemplos de incidentes,
acidentes, rupturas e outras ocorrências dignas de nota que seguidamente se apresentam.

3.5.2. Incidentes

3.5.2.1. Descargas de fundo


As descargas de fundo serão porventura os órgãos mais sensíveis e vulneráveis de uma
barragem, sendo consequentemente responsáveis por grande número de incidentes quer
relacionados com avarias por deficiente funcionamento de válvulas, comportas ou ensecadeiras quer
por rupturas ao longo das condutas.
Alguns incidentes com estes órgãos deram origem a obras de reparação e manutenção, os
quais são relatados na alínea 4.2.4.2 – Reparação.

3.5.2.2. Galerias de inspecção


A inundação das galerias de inspecção tem infelizmente sido um incidente comum nas
barragens portuguesas, quer por falta de manutenção das bombas de drenagem, quer por cortes
prolongados de corrente eléctrica e inexistência ou inoperacionalidade de grupos auxiliares de
emergência.
Citam-se, como exemplos as galerias das barragens de Campilhas, Monte Novo e Ranhados,
as quais foram inundadas pelos motivos indicados .

3.5.2.3. Comportas de descarregadores de cheias. Barragens de Monte Novo,


Corgas e Pego do Altar.
Têm-se verificado algumas avarias em comportas que, ocorrendo em períodos de caudais
elevados, motivaram reparações de emergência para impedir o galgamento das barragens. É o caso
da reparação efectuada na barragem de Monte Novo, cuja descrição consta da alínea 4.2.4.3.1.
As razões que determinam tais avarias serão, entre outras, a deficiente manutenção e a
operação incorrecta destes equipamentos.
Apresentam-se seguidamente dois casos de funcionamento anómalo dos descarregadores da
barragem de Corgas (exemplo de operação incorrecta) e da barragem do Pego do Altar.
A barragem de Corgas é do tipo gravidade com 25 m de altura, sendo o descarregador de
superfície, sobre a barragem, provido de duas comportas de segmento com capacidade para
descarregar 140 m3/s. A barragem situa-se no rio Isna, distrito de Castelo Branco, e cria uma
albufeira com uma capacidade de 700 000 m3.
No decurso de uma inspecção à obra foi constatado que as comportas do descarregador se
encontravam reguladas de forma a que o escoamento se processava, parte pela soleira e parte por
sobre a própria comporta, sujeitando-a assim a esforços para a qual não fora dimensionada. Foi
então recolhida a informação de que se tratava de um procedimento habitual, destinado a impedir a
acumulação de material flutuante junto às comportas.
A barragem do Pego do Altar, de enrocamento com cortina metálica de impermeabilização a
montante e de 63 m, cria uma albufeira de 94 x 106 m3. É uma barragem de construção antiga
(1949), localizada na ribeira de Santa Catarina, no distrito de Setúbal. O descarregador é do tipo
poço vertical com quatro comportas de segmento de 21,21 m de vão por 3,70 m de altura.
No decurso de uma inspecção efectuada em Maio de 1998, cerca das nove horas da manhã
com céu limpo e encontrando-se o nível da albufeira próximo do NPA, constatou-se que, estando as

3.36
quatro comportas fechadas e apresentando todas importantes fugas de água, uma delas encontrava-
se enjambrada, com flecha pronunciada, vibrava violentamente e que as fugas junto à soleira, muito
abundantes, se processavam sincopadamente.
Feita uma análise sumária da situação, concluiu-se que aquele comportamento era motivado
pelo aquecimento provocado pela radiação solar. Assim, com a subida do Sol, uma segunda
comporta entrava por sua vez em vibração, o mesmo acontecendo a uma terceira.
Esta situação era resolvida pela entidade exploradora com recurso a mergulhadores, que,
utilizando serapilheira e pó de carvão, colmatavam as passagens de água, fazendo cessar as
vibrações (embora não o enjambramento).
De acordo com a informação recolhida no local, o problema subsiste há décadas, sem que
haja sido convenientemente resolvido, correndo-se assim riscos desnecessários, nomeadamente os
associados ao encravamento de uma comporta ou da sua ruptura (por fadiga de material, por
exemplo), com a consequente libertação de grande volume de água para jusante.

3.5.2.4. Instabilização de encostas


A instabilização de encostas provocada pelas albufeiras é um problema bem conhecido, tendo
sido responsável por acidentes, um dos quais de consequências catastróficas (galgamento da
barragem de Vajont, em Itália, em 1969).
Embora em Portugal não se tenham verificado problemas dessa natureza, há contudo a
registar casos de instabilização de encostas a jusante de descarregadores devido a erosões
provocadas pelos caudais escoados. Refere-se o caso da barragem de Paradela, com uma soleira
descarregadora em tulipa sem comportas e um descarregador auxiliar localizado numa portela com
saída para a ribeira de Sela e munido de duas comportas de segmento. Este último só funcionou
duas vezes, a título experimental, e provocou importantes erosões nas margens e no fundo da linha
de água instabilizando as encostas marginais.

3.5.2.5. Barragem do Zambujo


A barragem do Zambujo é de aterro homogéneo com 12 m de altura, 180 m de
desenvolvimento, armazena 1,2 x 106 m3 de água e localiza-se a cerca de 5 km a sul de Alter do
Chão. Em 1996 esta barragem esteve na iminência de ser galgada por manifesta insuficiência do
descarregador de superfície, tendo o canal de descarga e a bacia de dissipação sofrido danos
consideráveis.
Esta situação aconteceu por deficiências na concepção, no dimensionamento e na execução
daquele órgão de segurança, que a inspecção e os estudos posteriormente efectuados permitiram
revelar.
O descarregador de cheias é composto por uma soleira recta não controlada e foi implantado
no encontro da margem esquerda. Verificou-se que a capacidade de vazão deste órgão era limitada
por um estrangulamento existente na canal de aproximação à soleira (por se não ter procedido ao
corte do terreno natural que estava previsto) e que as suas cotas e dimensões eram diferentes das
preconizadas no projecto.
Foram também constatadas deficiências construtivas, nomeadamente a utilização de betão de
má qualidade e a incorrecta ligação efectuada entre o muro-ala do descarregador e o aterro
permitindo a passagem de água.
Avaliado o caudal de dimensionamento que deveria ter sido adoptado para uma barragem
com estas características, segundo os critérios determinados pelo regulamentação aplicável (RSB),
concluiu-se que o caudal de ponta de cheia amortecida correspondente a uma chuvada com duração
de 4h e período de retorno de 1 000 anos é de 93 m3/s, ou seja cerca de nove vezes o considerado
no projecto.

3.37
O conjunto de deficiências referidas, associadas a anomalias detectadas na descarga de
fundo e no aterro comprometendo a segurança estrutural, determinou a elaboração de um projecto
de reabilitação desta barragem.

3.5.2.6. Barragem de Vaqueiros


A barragem de Vaqueiros, localizada a cerca de 400 m a montante da povoação do mesmo
nome, situa-se no concelho de Alcoutim, numa linha de água afluente da ribeira da Foupana. A
barragem, cuja albufeira se destina ao regadio, é de aterro zonado com altura de 16 m acima do
terreno natural e pode armazenar 241 000 m3.
Após o primeiro enchimento (não controlado), efectuado em dia e meio, constatou-se a
ocorrência de um repasse no paramento de jusante, sensivelmente ao longo de uma linha horizontal
que se estimou localizada 3 m abaixo do coroamento. Este repasse tinha lugar porque, devido a
deficiências construtivas e à utilização de solos com elevada percentagem de elementos grosseiros,
a linha de percolação do aterro, com a albufeira à cota do NPA (238 m), ultrapassava a cota do
núcleo argiloso (237,5 m) intersectando o paramento de jusante.
Esta situação motivou uma intervenção no aterro, que consistiu na abertura de uma vala ao
longo de todo o coroamento até ao núcleo argiloso, sendo o enchimento efectuado com camadas,
devidamente compactadas, de material adequado.
As visitas de inspecção à barragem permitiram ainda detectar outras anomalias afectando os
órgãos de descarga.

Figura 3.10 – Barragem de Vaqueiros. Vista do canal de descarga obstruído pelo escorregamento da
encosta.

O descarregador de cheias da barragem desenvolve-se no encontro esquerdo, numa


plataforma escavada na encosta; é composto por uma soleira descarregadora rectilínea, sem
comportas, à qual se segue um canal com trechos de declives diferentes e uma bacia de dissipação.
O canal de descarga desenvolve-se na base de um corte, efectuado ao longo da encosta, com
alturas variáveis (com um máximo de cerca de 4 m). Este canal e a bacia de dissipação encontram-
se habitualmente pejados de pedras, provenientes de escorregamentos do talude de escavação.
Este talude apresenta-se muito instável em virtude de as atitudes das formações xistosas que o
constituem serem favoráveis aos deslizamentos, que efectivamente já aconteceram, tal como se
documenta na Fig. 3.10 obtida em 10/1/96 e na qual é visível a obstrução parcial do canal de
descarga.

3.38
A instabilidade do talude é preocupante porque, ocorrendo preferencialmente em período de
forte precipitação, poderá obstruir o descarregador e, consequentemente, provocar o galgamento e
destruição do aterro.
São evidentes fortes sinais de subpressões instaladas no canal de descarga, constatando-se
a saída de jorros de água através da soleira, numa extensão da ordem de 30 m.
O descarregador de cheias está subdimensionado uma vez que a cheia do projecto
considerada foi a correspondente ao período de retorno de 100 anos e não o de 1000 a 5 000 anos,
tal como é determinado pelas Normas do Projecto de Barragens para uma obra deste tipo, dimensão
e risco potencial associado.
Também a descarga de fundo se encontra incorrectamente construída uma vez que é
constituída por uma conduta de diâmetro insuficiente (300 mm), comandada a montante por uma
válvula instalada numa torre de manobra sem passadiço e que termina a jusante numa câmara de
válvulas. Nesta câmara está instalada uma válvula, seguida de um filtro e de nova válvula de 200
mm de diâmetro, a que se segue uma pequena valeta de betão destinada a encaminhar os caudais
de rega.

3.5.2.7. Barragem da Margalha


A barragem da Margalha localiza-se na ribeira das Vinhas, afluente da margem esquerda do
Guadiana, no concelho de Mourão. Tem 13,5 m de altura acima do terreno natural e o
armazenamento da albufeira é estimado em mais de 100 000 m3. É uma barragem curiosa, de
construção muito antiga, de alvenaria (Fig. 3.11). Situa-se num estreitamento da linha de água, entre
dois afloramentos rochosos, no local onde está construída uma antiga azenha que foi integrada no
pé da barragem e permanece visitável. São evidentes os vestígios de vários alteamentos que terá
sofrido ao longo do tempo. Possui um descarregador livre, aberto no maciço rochoso xisto-
grauváquico da margem direita.
O estado de conservação da obra é deplorável, apresentando importantes repasses no
encontro direito e através da fundação. Nas cheias ocorridas em 1997 esta barragem foi
referenciada como tendo sofrido galgamento. Porém, a inspecção da obra permitiu concluir que a
subida do nível da albufeira excedeu a cota de uma brecha localizada no coroamento entre o
encontro direito e o descarregador, a qual permitiu a passagem de água ao longo de um patamar
localizado cerca de 1,5 m abaixo do coroamento por onde terá caído com uma lâmina muito
pequena, dando a ilusão de que se assistia ao galgamento e provocando alarme na população,
perfeitamente consciente do estado de degradação da estrutura.

Figura 3.11 – Barragem da Margalha. Vista de jusante.

3.39
3.5.2.8. Barragem do Rio Figueira
A barragem do Rio Figueira, que se situa no Parque Urbano de Santiago de Cacém, é de
aterro homogéneo, com a altura máxima de 8,25 m, e destina-se a permitir a criação de um plano de
água para propiciar actividades de turismo e lazer.
Porém, as grandes perdas de água sofridas pela albufeira, comprometendo a sua utilização
para o fim a que se destinava, motivaram a realização de uma inspecção, solicitada pela Edilidade. A
inspecção revelou, contudo, um conjunto inusitado de anomalias, incorrecções e problemas
colocados pela obra, mesmo para uma pequena barragem de terra, os quais, pelo seu interesse,
justificam a transcrição dos extractos mais significativos do relatório então elaborado. Na vistoria
efectuada constatou-se:
- A barragem do Rio Figueira está construída imediatamente a montante do aterro do
caminho de ferro do ramal de Sines, o qual tem sensivelmente o dobro da altura da
barragem.
- A base do talude de montante do aterro do caminho de ferro confina praticamente com a
base do talude de jusante da barragem, desenvolvendo-se, entre eles, o canal do
descarregador de cheias que conflui perpendicularmente com o canal da descarga de
fundo, que se prolonga pelo aqueduto de atravessamento do aterro da linha férrea.
- Ao longo da margem esquerda da albufeira desenvolve-se uma conduta de esgoto, a qual,
no encontro esquerdo da barragem, penetra no aterro, possuindo uma caixa de queda com
tampa localizada no talude de jusante, passa por baixo do canal de descarga do
descarregador e atravessa o aterro da linha férrea semi enterrada no aqueduto. Trata-se
de uma solução inconveniente porquanto, para além de poder favorecer a ocorrência de
fenómenos de “piping”, a sua eventual ruptura poderá pôr em risco a infra-estrutura.
- Os paramentos da barragem encontram-se invadidos por vegetação, apresentando o de
jusante pronunciado ravinamento pelo escoamento pluvial. Foram detectados orifícios e
tocas provocadas por animais, provavelmente toupeiras, os quais representam risco
acrescido para a segurança da obra. O paramento de montante apresenta sinais de
erosão, ainda que incipiente, provocados pela ondulação gerada na albufeira e resultante
da ausência de enrocamento de protecção.
- Constatou-se que o aterro da barragem se encontrava húmido até uma cota bastante
superior à da albufeira, que se apresentava quase vazia. A razão que determina o
encharcamento do aterro poderá residir na ausência do dreno de pé de talude de jusante, o
qual, apesar de previsto no projecto, não foi executado. Trata-se de uma situação
potencialmente muito perigosa e que poderá provocar o colapso da estrutura.
- O descarregador de cheias projectado é do tipo soleira espessa com
3 m de vão, não controlado, tendo sido previsto para escoar a ponta de cheia
correspondendo ao período de retorno de 100 anos, a que corresponde a carga hidráulica
de 1,17 m sobre a soleira. O projecto não apresenta o desenho do descarregador que foi
executado com uma soleira de 5 m de vão e muros-ala com 0,40 m de altura.
- O canal de descarga desenvolve-se em escavação no encontro esquerdo sendo visível que
o talude de escavação se apresenta muito instável ameaçando escorregar o que,
ocorrendo preferencialmente em ocasião de forte precipitação, poderá ter como resultado a
obstrução do canal e o consequente galgamento da obra.
- Verifica-se que se encontram pedras de grande dimensão na bacia de dissipação.
Atendendo à ocorrência de ressalto hidráulico nessa zona é de prever a ocorrência de
erosões importantes no betão, provocadas por abrasão.
- O canal de descarga apresenta-se descalço em algumas zonas devido à erosão provocada
pelas chuvadas uma vez que não foi prevista drenagem pluvial.

3.40
- A descarga de fundo é assegurada por um tubo de 300 mm de diâmetro (inferior ao
regulamentar) e possui uma válvula a montante cujo comando se processa a partir de uma
torre de manobra acessível por um passadiço metálico. Presentemente não é possível
manobrar a válvula por ausência do veio de comando.

Relativamente ao problema que motivou a vistoria, ou seja, a incapacidade da albufeira reter o


volume de água armazenado, foi detectado que o tramo recto da linha de água, imediatamente a
montante, se desenvolve, pelo menos em parte, ao longo de um acidente tectónico (falha) e que a
cerca de 600 m a montante da barragem se localiza um furo de captação de água cujo
comportamento parece ser influenciado pela subida e descida da água no armazenamento, o que, a
confirmar-se, levará a concluir que a dita falha constituirá um dreno com importância para a
percolação de água da albufeira, aqui residindo, conjuntamente com a carsificação das formações
carbonatadas que se julga constituírem a fundação do aterro, as causas que determinam a
permeabilidade da albufeira.

3.5.3. Acidentes

3.5.3.1. Acidentes relatados


O galgamento de uma barragens é um tipo de acidente que pode originar a sua ruptura,
particularmente quando há uma obra de aterro. Segue-se o relato de alguns galgamentos, um deles
envolvendo uma grande barragem de betão (a barragem de Fagilde), dos quais não resultaram, no
entanto, rupturas (os acidentes de que resultaram rupturas são relatados na alínea 3.5.3.7).

3.5.3.2. Barragem da Amieira


A barragem da Amieira é de terra, tem 11 m de altura e cria uma albufeira com
aproximadamente 300 000 m3 de capacidade de armazenamento. Localiza--se na serra algarvia, em
local de difícil acesso, na freguesia da Mexilhoeira Grande, concelho de Portimão, na ribeira da
Amieira.
A obra tem um desenvolvimento de 106 m e dispõe de dois descarregadores de superfície não
controlados, localizando-se um na margem esquerda, com 6 m x 0,6 m e soleira à cota 60,88 m, e o
outro no encontro da margem direita com 4 m x 1,5 m e soleira à cota 61,08 m. Ambos os
descarregadores têm o troço inicial revestido a betão. A barragem não dispõe de descarga de fundo,
nem de tomada de água.
Durante a ocorrência dos temporais que assolaram o Barlavento Algarvio, primeiramente em
finais de Outubro e depois em princípios de Novembro de 1997, o aterro foi galgado. Desses
galgamentos resultou forte erosão, com perda de material no maciço estabilizador de jusante,
predominantemente na zona central, onde cerca de metade do seu volume foi arrastado, colocando
a obra em risco de colapso iminente.
Atendendo a que a jusante da barragem, após um troço bastante inclinado do rio (com cerca
de 2 km), se localizam algumas habitações que provavelmente seriam afectadas em caso de ruptura
(seria expectável a ocorrência de danos em terrenos agrícolas e habitações marginais até à foz na
zona de Alvor), tornou-se imperioso proceder ao esvaziamento controlado da albufeira. Esta
operação revelou-se problemática devido à ausência de descarga de fundo e de tomada de água,
pelo que se recorreu à instalação de cinco condutas para funcionar como sifão.
No entanto, no dia 17/11, cerca das 14 h e 30 m, após uma noite e manhã bastante chuvosa e
apesar dos dois descarregadores e dos cinco sifões se encontrarem em funcionamento, o nível da
albufeira subiu a 0,30 m da cota do coroamento.

3.41
Figura 3.12 – Barragem da Amieira, após o rebaixamento do descarregador da margem esquerda.

Perante o perigo que constituiria novo galgamento, efectuou-se uma intervenção de


emergência a qual consistiu no rebaixamento do descarregador da margem esquerda para a cota 56
m e a abertura do respectivo canal de descarga, conseguindo-se assim baixar o nível da albufeira de
cerca de 5 m, diminuindo a carga hidráulica no aterro e garantindo volume apreciável para
amortecimento de cheias (Fig. 3.12).

3.5.3.3. Barragem da Gata


A barragem da Gata, localizada a cerca de 2,5 km a sul de Casével, concelho de Castro
Verde, é de aterro homogéneo com 10,5 m de altura e a sua albufeira tem 500 000 m3 de
armazenamento.
O aterro foi galgado por insuficiência do descarregador de superfície, sendo observável na Fig.
3.13 a curva pronunciada do canal de descarga logo a jusante do atravessamento do coroamento.

Figura 3.13 – Barragem da Gata. Canal de descarga.

3.5.3.4. Barragens da Água do Sobreiro, de montante e de jusante

3.42
As duas barragens da Água do Sobreiro, de montante e de jusante, são de terra, com menos
de 15 m de altura, desprovidas de descarga de fundo e localizadas em cascata numa pequena linha
de água que desagua na praia da Zambujeira do Mar.
Em Novembro de 1997 foram ambas galgadas por manifesta insuficiência de vazão dos
respectivos descarregadores, não revestidos, localizados nos encontros.
Ambas as barragens sofreram danos, tendo a de jusante sido mais severamente atingida, tal
como é observável na Fig. 3.14, em que é evidenciada a erosão pronunciada do maciço de jusante,
com a formação de canais transversais, disseminados ao longo do talude (certamente favorecida
pela heterogeneidade dos materiais do aterro), a abertura de grandes sulcos longitudinais no
coroamento com ocorrência de escorregamentos interessando zonas de coroamento e a zona
superior do maciço de jusante. A ruptura da obra pôde ser evitada pela abertura de um canal de
descarga de emergência na margem esquerda.

Figura 3.14 – Barragem da Água do Sobreiro, de jusante. Erosões provocadas pelo galgamento.

3.5.3.5. Barragem das Marzelonas


A barragem das Marzelonas é de terra, com uma albufeira de armazenamento de 300 000 m3
e localiza-se perto de Beja. A barragem foi galgada em toda a sua extensão por insuficiência do
descarregador, sendo observável, na Fig. 3.15, o canal de descarga e a cratera aberta a jusante
onde se localizava uma bacia de dissipação de energia subdimensionada e de deficiente concepção.

3.43
Figura 3.15 – Barragem das Marzelonas. Aspecto da bacia de dissipação.

3.5.3.6. Barragem do Monte da Ribeira


A barragem do Monte da Ribeira foi construída em 1988, na ribeira de Marmelar, a montante
da povoação do mesmo nome no concelho da Vidigueira.
A barragem é de aterro homogéneo, tem 15 m de altura, cria uma albufeira de armazenamento de
180 000 m3 e domina uma bacia hidrográfica com 58 km2 inteiramente localizada na serra de Portel.
O descarregador de cheias de superfície foi dimensionado para o caudal de 116 m3/s
correspondente ao período de retorno de 500 anos.
O descarregador, localizado junto do encontro esquerdo, é constituído por uma soleira de
betão, tipo WES, com 30 m de desenvolvimento, à qual se segue um canal de descarga e uma bacia
de dissipação.
A estrutura funcionou sem problemas dignos de nota nos primeiros 10 anos, sendo o único
inconveniente registado as erosões provocadas pelas descargas na base do aterro de construção de
um edifício (adega) localizado imediatamente a jusante.
Nas cheias de Novembro de 1997 o coroamento da barragem foi galgado em toda a sua
extensão, com uma altura de água que se estima em cerca de 1,5 m, de acordo com as marcas
deixadas no local. A duração do galgamento é desconhecida, e terá ocorrido entre as 23 h 00 de
5/11/97 e as 5 h 00 de 6/11/97.
O galgamento provocou danos significativos no corpo da barragem e no terreno confinante
com o descarregador de cheias (Fig. 3.16). Referem-se, em particular, a erosão pronunciada do
maciço de jusante, sendo visíveis algumas ressurgências, e a erosão duma zona confinante com o
encontro direito, dando origem à formação de um “canal” irregular. Salienta-se ainda a erosão da
base do talude frontal à soleira do descarregador, o que poderá instabilizar o respectivo maciço.
Refere-se também a destruição dos encontros do passadiço de ligação do coroamento à margem
esquerda e os danos provocados na pequena edificação existente junto ao descarregador.
Em algumas zonas do coroamento eram francamente notórios os efeitos da erosão regressiva,
o que permite presumir que, a ter-se prolongado o galgamento, se teria dado a rápida ruptura da
barragem ao longo de uma brecha com um significativo desenvolvimento longitudinal.
Verificou-se que a camada superficial de betão da laje de fundo do canal de descarga foi
parcialmente levantada e que a zona a jusante da bacia de dissipação foi erodida.
Com base nas marcas do galgamento estimou-se que o caudal escoado no local da barragem
terá sido superior a 600 m3/s. Trata-se de um valor que excede largamente o caudal de
dimensionamento do descarregador.
Para além do subdimensionamento deste órgão, outras causas terão concorrido para agravar
as condições de escoamento, sendo duas delas evidentes, nomeadamente a colocação na soleira
do descarregador de chapas encastradas em perfis metálicos com 0,4 m de altura, destinadas a
aumentar a capacidade de armazenamento, e a obstrução do canal de descarga por árvores de
grande porte e material flutuante arrastado na cheia.
Uma terceira causa de agravamento das condições de galgamento poderá ter residido numa
vedação em rede, localizada cerca de 2 km a montante da albufeira, com cerca de 2 m de altura,
com pilares fundados numa soleira construída no leito da ribeira (destinada a impedir a fuga de
veados para propriedades confinantes) a qual, atravessando toda a linha de água, se terá constituído
num rolhão, cujo rebentamento poderá ter ampliado a onda de cheia.
A título de mera curiosidade refere-se que, antes do início da reparação do corpo da barragem
e do respectivo descarregador, a rede atrás referida se encontrava reposta tendo inclusivamente
sido utilizado material mais resistente e perfis metálicos como pilares.

3.44
Figura 3.16 – Barragem do Monte da Ribeira. Vista geral da barragem após o galgamento.

3.5.3.7. Barragem de Fagilde


A barragem de Fagilde, construída no rio Dão em 1984, destina-se fundamentalmente a criar
uma albufeira de regularização de caudais para abastecimento de água aos concelhos de Viseu,
Mangualde e Nelas.
A barragem é formada por duas abóbadas apoiadas numa estrutura central, onde se inserem
os dois descarregadores, e nos encontros. A sua altura, limitada pela cota de inundação da
povoação de Vila Corça, situada a montante, é de 27 m acima da fundação e o volume criado pela
albufeira, ao nível de pleno armazenamento, é de 2,8 x 106 m3. O cororamento da barragem é
transitável e tem o desenvolvimento de 63 m.
Esta barragem foi concebida e projectada para funcionar a fio de água durante o período
chuvoso (Novembro a Abril) e com armazenamento durante o período de menores precipitações
(Maio a Outubro).
Para atender a este tipo de funcionamento e permitir a passagem para jusante dos sedimentos
transportados e até de blocos de pedra, o descarregador principal, coma capacidade de 550 m3/s, é
constituído por dois orifícios com 6,00 m de largura e 3,40 m de altura, equipados com comportas de
segmento, accionadas por guinchos eléctricos de comando manual ou automático.
Na parte superior da estrutura central existe um descarregador livre, com dois vãos de 6,00 m
para passagem de cheias de Verão e de detritos flutuantes.
Qualquer dos descarregadores conta com o efeito regularizador da albufeira para laminar as
pontas de cheias.
Devido a incumprimento das normas de exploração, as comportas mantiveram uma abertura
de 0,30 m durante as 17 h em que a barragem foi galgada por uma cheia ocorrida em 24 e 25 de
Dezembro de 1995, tendo a lâmina de água que passou sobre o coroamento atingindo uma
espessura da ordem dos 2 m, impossibilitando o acesso ao local do comando das comportas o qual
está situado no corpo da barragem e só acessível pelo paramento de jusante, como se descreve
mais pormenorizadamente na alínea 4.2.4.3.3.
A estrutura de betão da barragem não sofreu quaisquer danos ou deslocamentos relativos
irreversíveis. Apenas as encostas junto aos encontros e o bordo de jusante da estrada que passa
sobre o coroamento sofreram erosão, em especial na margem esquerda, onde o maciço rochoso se
encontrava mais alterado.
Este incidente evidencia o muito que está por fazer no domínio da implementação de sistemas
de avisos de prevenção e alerta visto que, apesar da barragem ser explorada pelos Serviços
Municipalizados da cidade de Viseu, a obra correu risco de colapso durante um período de 17 h sem
que tivessem sido tomadas medidas de evacuação de populações a jusante ou sequer emitidos
avisos de qualquer tipo.

3.45
3.5.4. Rupturas

3.5.4.1. Barragem da Venda Velha


Em Portugal, a única ruptura de uma grande barragem (segundo o critério da ICOLD) de que
há notícia, ocorreu numa barragem de aterro, com núcleo de betão armado, denominada Venda
Velha, na herdade do Rio Frio, onde em 9 de Março de 1959, se verificou, em consequência do
galgamento por insuficiência de órgãos de descarga, um rombo de 110 m de largura (PALMA
CARLOS, 1965). Cerca de 30 ha de terrenos cultiváveis ficaram cobertos de areias da zona do
rombo; ficaram submersos e perdidos quase totalmente, cerca de 350 ha de culturas; perdeu-se
igualmente o armazenamento útil de 4 x 106 m3; o curso de água em que a barragem se localiza (rio
das Enguias) ficou grandemente assoreado.
Este caso demonstra bem os prejuízos que resultam dos acidentes e a indispensabilidade de
também os particulares, nas suas barragens, serem levados a dimensionar convenientemente os
órgãos de descarga das albufeiras, ao que por vezes procuram eximir-se, com consequências
análogas ao do caso relatado.

3.5.4.2. Barragem dos Hospitais


A barragem dos Hospitais, localizada no concelho de Portel, distrito de Évora, é de perfil
homogéneo, com 12 m de altura e cria uma albufeira com o armazenamento de 268 000 m3. A
barragem rompeu em cerca de 3 horas após ter sido detectada uma pequena ressurgência no
paramento de jusante, durante o primeiro enchimento (não controlado).
O aterro apresenta uma brecha com cerca de 15 m na zona do leito da ribeira (Fig. 3.17). No
local da brecha e sensivelmente na zona central, são visíveis grandes afloramentos de rocha
granitóide sã, compartimentados por diaclases com andamento dominante quase coincidente com a
orientação da linha de água, a qual é aproximadamente normal ao eixo da barragem.

Figura 3.17 – Barragem dos Hospitais. Vista de montante do aterro após ruptura.

Não se tendo procedido ao desmonte daqueles blocos (Fig. 3.18), as descontinuidades


abertas com direcção favorável à percolação da água para jusante, terão criado condições para que
a água de infiltração natural do aterro encontrasse caminho preferencial de escoamento com
incremento de velocidade, o que terá estado na origem da instalação do processo de erosão interna
que originou o colapso da obra.
Para jusante da barragem desenvolve-se um vale aberto, sem ocupação, pelo que, para além
do assoreamento da ribeira, não se registaram danos.

3.46
A inspecção efectuada após o acidente revelou uma série de anomalias de que se destacam a
deficiente concepção e execução do descarregador de cheias (que não chegou a funcionar).
A descarga de fundo tinha um diâmetro insuficiente, de 300 mm. Para além disso, foi
construída a jusante uma edificação destinada a instalação de bombas, comprometendo assim o seu
funcionamento como órgão de segurança.
O enrocamento de protecção, constituído por calhau rolado, utilizado no paramento de
montante, apresenta diâmetro, espessura e forma inadequada para desempenhar aceitavelmente a
sua função. Assim e apesar do curto espaço de tempo em que a albufeira encheu, são evidentes as
marcas causadas pela ondulação. O paramento de jusante encontrava-se bastante erodido pelas
escorrências.

Figura 3.18 – Barragem dos Hospitais. Aspecto dos blocos “responsáveis” pelo acidente.

3.5.4.3. Barragem da Vendinha e outras pequenas barragens do concelho de Évora


A maior parte das rupturas ocorridas em barragens de terra acontecem por galgamento do
coroamento devido a insuficiência dos órgãos de descarga. Em alíneas anteriores foram referidos
vários casos de galgamento em que não ocorreu o colapso total das estruturas. Contudo, é frequente
tal acontecer no Alentejo em pequenas barragens hidroagrícolas nomeadamente durante Invernos
chuvosos.
De uma maneira geral, estes acidentes verificam-se em locais ermos não causando danos;
porém, nem sempre é assim como foi o caso da barragem da Vendinha (obra de terra com menos de
8 m de altura) a qual fazia parte integrante de uma conjunto de dez barragens, construídas na
mesma propriedade do concelho de Évora, das quais seis já sofreram colapso.
A particularidade relevante desta obra consiste em que a sua ruptura por galgamento
provocou o alagamento e consequentemente o corte da circulação da Estrada Nacional nº. 256
localizada imediatamente a jusante, felizmente sem provocar desastres pessoais.

3.5.5. Outras ocorrências

3.5.5.1. Construção clandestina de barragens de armazenamento


A barragem do Vale do Cobrão, localizada no Ribatejo, é uma obra de terra de perfil zonado,
integrando no maciço de montante um antigo açude. Tem altura de 14 m, capacidade de
armazenamento de 4 x 106 m3, bacia hidrográfica de 98,7 km2 e um descarregador de cheias
projectado para o caudal de 305,8 m3/s.

3.47
A construção foi iniciada em 1982. Em 1984 foi requerido o licenciamento e apresentado o
projecto, que não foi aprovado.
A realização deste aproveitamento configura actualmente a seguinte situação.
O enchimento da albufeira da barragem de Vale do Cobrão até ao NPA (cota 20,00) teve
como consequência que a completa submersão dos pilares e vãos da ponte da E.N. 119. Atendendo
a que o pavimento da ponte se encontra à cota 21,17 m, e que o NMC previsto é de 22,15 m, é
previsível o frequente alagamento do atravessamento, com os inerentes perigos e inconvenientes.
Para complemento do quadro atrás referido foi construída, no extremo de montante desta
albufeira, a cerca de 100 m a montante da referida ponte, a barragem da Malhada Alta, a qual, sendo
de terra e dando lugar a um armazenando 600 000 m3, tem a particularidade de apresentar a base
do paramento de jusante afogada numa altura estimada de 2 m quando a albufeira de Vale Cobrão
atinge o NPA.

3.5.5.2. Anomalias em descargas de fundo de barragens de terra com fins


hidroagrícolas
As descargas de fundo de barragens de terra construídas para fins hidroagricolas têm
constituído fonte privilegiada de incidentes diversos, quer por reflectirem a importância decisiva que
os custos de construção assumem neste tipo de infra-estruturas, levando à utilização de materiais
inadequados e diâmetros insuficientes para responderem às solicitações a que se sujeitam, quer
porque, recorrendo a uma disposição regulamentar que permite que uma única conduta
desempenhe funções de descarga de fundo e tomada de água, os donos da obra e os projectistas
as encaram sobretudo nesta última perspectiva.
Algumas das situações que seguidamente se referem foram detectadas em barragens hoje
abrangidas pelo Regulamento de Segurança de Barragens (RSB), salientando-se que nem todas
foram construídas antes da sua entrada em vigor.
Na sua concepção mais difundida, tais descargas de fundo consistem de condutas instaladas
sobre a fundação do aterro e de vãos de tomada de água praticados a vários níveis numa torre oca,
de betão armado. Os vãos são providos de grelhas para a retenção de detritos flutuantes e dispõem
de comportas que permitem seleccionar o vão da tomada de água a funcionar. No topo da torre,
acessível por um passadiço, é instalada uma cabina que protege os sistemas de comando e
accionamento. Na torre de betão são também montadas as condutas de arejamento com saída a
jusante das comportas.
Contudo, tem-se assistido à progressiva simplificação destes órgãos, sendo frequente a
solução de torre de tomada de água desprovida de passadiço de acesso e de cabina (Fig. 3.19),
sendo instalada na plataforma da torre um volante para accionar o veio da manobra da válvula de
cunha que equipa a descarga de fundo, que serve simultaneamente de conduta de adução da água
a utilizar.

3.48
Figura 3.19 – Barragem do Monte da Ribeira. Torre de comando da tomada de água/descarga de
fundo. Pequeno barco para acesso à torre.

Por vezes, prescinde-se da torre de tomada de água e instala-se uma válvula de cunha em
posição não vertical, accionada por um veio apoiado em pilaretes de betão, fundados no aterro, o
qual é actuado por um volante instalado no coroamento da barragem (Fig. 3.20).

Figura 3.20 – Barragem de Marzelonas. Vista de montante da descarga de fundo.


Estes dispositivos não contribuem para o incremento da segurança, constatando-se
frequentemente a sua inoperacionalidade, com encravamento da válvula (ou da pequena comporta)
na posição de abertura total, sendo a passagem de água regulada pela válvula instalada a jusante
de um cone de redução montado na extremidade da descarga de fundo/tomada de água, a qual é,
assim, mantida permanentemente em carga

3.49
Figura 3.21 – Barragem de Vaqueiros. Vista do extremo de jusante da descarga de fundo.

São conhecidos diversos casos em que a conduta da descarga de fundo/tomada de água,


após desembocar do aterro de jusante, entra directamente num edifício onde estão instaladas
válvulas, filtros e sistemas de adução e bombagem (Fig. 3.21 e 3.22). Este esquema, dificulta a sua
utilização como órgão de segurança.
As deficiências de construção são também responsáveis por alguns incidentes, normalmente
por danos infligidos nas condutas durante a construção, que posteriormente originam repasses
quando postos em carga, ou ainda por deficiências de compactação nas camadas envolventes das
condutas que propiciam fenómenos de percolação, que podem ser perigosos se provocarem
arrastamento de material.

Figura 3.22 – Barragem do Sobreiro – Santo Estevão. Aspecto da ligação directa da conduta da
descarga de fundo a um sistema de drenagem.

A impreparação dos utilizadores e operadores leva por vezes a que sejam descurados
aspectos tão importantes como a manutenção, limpeza e manobra regular das válvulas ou das
comportas das descargas de fundo ou à utilização incorrecta destes equipamentos; observa-se não
raras vezes que comportas de seccionamento ou válvulas de borboleta são correntemente utilizadas
na regulação da caudais, induzindo vibrações e desgaste que reduzem a vida útil desses
equipamentos.

3.50
O quadro que se traçou do conjunto deste tipo de infra-estruturas visa sensibilizar os
diferentes intervenientes no projecto, licenciamento, construção, fiscalização e exploração para a
necessidade de assegurar que as barragens em que intervêm sejam dotadas de descargas de fundo
que possam actuar como órgão de segurança, garantindo o esvaziamento das respectivas
albufeiras, e actuem com fiabilidade e eficácia em situações de emergência (Fig. 3.23).
Ao dono da obra compete assegurar a sua manutenção e utilização adequada.
Ao autor do projecto compete, face às características da obra e do risco potencial por ela
induzido, dimensioná-la de acordo com os critérios determinados pelo Regulamento de Pequenas
Barragens ou pelo Regulamento de Segurança de Barragens.
Aos responsáveis pelo licenciamento e segurança compete validar (ou não) os critérios que
determinaram as opções no projecto.

Figura 3.23 – Barragem da Gata. Aspecto do deficiente funcionamento de uma descarga de fundo
em situação de emergência.

3.5.5.3. Alteração das condições de risco potencial induzido por uma barragem
A ocupação indiscriminada de terrenos localizadas a jusante de barragens coloca problemas
de resolução por vezes difícil. É o que acontece na barragem do Peneireiro, uma obra de aterro
zonado, com 13 m de altura e albufeira podendo armazenar 144 000 m3, concluída em 1973 e
localizada no distrito de Bragança.
Posteriormente à construção, foi instalado, imediatamente a jusante do pé do aterro, um
parque de campismo compreendendo piscina, restaurante, campos de ténis e demais infraestruturas
de apoio. Como esta ocupação inviabilizava a utilização da descarga de fundo foi necessário
proceder ao estudo do prolongamento da respectiva conduta para jusante da zona ocupada pelo
parque.
Relativamente ao descarregador de superfície constatou-se ainda que foi construído um
parque infantil, a jusante do respectivo canal de descarga.

3.5.5.4. Acumulação de gases em torre de manobra da tomada de água da


barragem de Vale do Gaio
A barragem de Vale de Gaio é de terra/enrocamento com 63 m de altura e capacidade de
armazenamento de 63 x 106 m3.
Na torre de manobra desta obra verificou-se a existência de contaminação da respectiva
atmosfera por gás ou mistura de gases que se presume integrar metano e ácido sulfídrico. As

3.51
quantidades envolvidas são significativas, pois, mesmo no exterior da torre e com vento transversal à
direcção de aproximação, é sentido o cheiro.
As condições reportadas configuram uma situação de eventual perigo grave, designadamente
de explosão e intoxicação.

3.5.6. Acidentes pessoais


A exploração de barragens e albufeiras por parte do pessoal do dono da obra e a sua
utilização para fins recreativos por parte de terceiros podem originar situações susceptíveis, se
negligenciadas, de potenciar a ocorrência de acidentes de maior ou menor gravidade. Sem
pretensões de exaustividade, referem-se algumas dessas situações.
Os trabalhadores que desenvolvem a sua actividade em barragens operam frequentemente
em locais de acesso difícil ou demorado, alguns mesmo em espaço confinado.
Constatando-se que se deslocam por vezes sozinhos, sem equipamento de protecção e
calçado adequado para prevenir escorregamento em zonas húmidas, existem condições para, em
caso de acidente ou doença súbita, ser grande o tempo decorrido até que haja conhecimento da
situação.
A utilização de pessoal não especializado na execução de tarefas de reparação e manutenção
de equipamento pode originar acidentes de consequências extremamente graves de que
infelizmente se conhecem alguns exemplos.
Em algumas barragens, os acessos aos comandos das comportas dos descarregadores e a
aparelhos de observação são feitos por alçapões localizados no coroamento, em plena faixa de
rodagem, por exemplo nas barragens de Caia, Fronhas e Corgas, pelo que se torna necessária a
existência no local (e a sua utilização) de sinalização rodoviárias adequada.
A inexistência no local da obra do respectivo projecto, de manuais de operação e manutenção,
de manuais de segurança e de planos de emergência, associada à impreparação dos operadores e
à falta do técnico responsável pela exploração, comuns em muitas barragens, criam condições para
a ocorrência de acidentes. Por exemplo, a manobra incorrecta de uma descarga de fundo ou de uma
comporta, que provoque o lançamento inoportuno de caudais anormalmente elevados na linha de
água pode ter consequências graves a jusante.
A excessiva acessibilidade a que se encontram por vezes expostos os órgãos de segurança
das barragens, propicia e facilita a prática de actos de vandalismo.
A segurança dos utentes é muitas vezes posta em causa pela inexistência de redes de
vedação nas zonas de acesso aos canais de descarga e descarregadores de superfícies e de aviso
para os perigos associados ao funcionamento dos descarregadores. Igualmente importante é a
limitação de acesso do público a zonas perigosas da albufeira, quer em razão do funcionamento dos
órgãos de segurança e exploração, quer pela presença de obstáculos (visíveis ou não). Estas áreas
deverão ser devidamente assinaladas por intermédio de bóias ou outros processos adequados.

3.52

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