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3.1. INTRODUÇÃO(*)
Atendendo ao grande número de barragens, de dimensões muito diversas, em exploração no
mundo, pode afirmar-se que, comparativamente com outros tipos de estruturas, os acidentes graves
têm ocorrido em relativamente pequeno número de barragens.
No entanto, o potencial efeito destruidor de grande número de barragens, em particular das de
maior dimensão e capacidade de armazenamento, é excepcional. Embora sem as consequências
verdadeiramente catastróficas associadas a uma eventual ruptura de uma grande barragem que
inunde um vale com elevada concentração de população e de bens, não deve deixar de se
mencionar o facto de rupturas em barragens de relativamente pequena dimensão terem já
provocado consequências extremamente gravosas.
De entre as devastadoras consequências de ruptura em barragens destacam-se as perdas de
vidas, os traumatismos físicos e psicológicos decorrentes do acidente, a destruição de habitações,
terras de cultivo, fábricas, comunicações, monumentos, etc., a suspensão dos benefícios associados
à exploração da obra e os prejuízos causados no meio ambiente. Na avaliação dos prejuízos têm-se
considerado, essencialmente, os relativos às perdas de vidas humanas e às perdas económicas,
embora as consequências ambientais tenham vindo a ser progressivamente objecto de
consideração.
No que se refere às barragens existentes, a melhoria das suas condições de segurança,
implica a adopção dos seguintes procedimentos (para além dos que, em cada caso, se revelem
apropriados):
- avaliação das condições de segurança das obras, tendo em conta a legislação actualmente
em vigor, os novos dados disponíveis (particularmente no que se refere à hidrologia) e os
critérios, métodos e práticas consagrados;
- a correcção das deficiências ou insuficiências constatadas;
- a instalação de sistemas de observação e a adopção de inspecção visual adequadas às
características e risco potencial das obras;
- a definição de regras de exploração das albufeiras, nomeadamente dos equipamentos
hidromecânicos, e das operações de manutenção e conservação;
- o estudo dos cenários de incidente e acidente passíveis de ocorrer.
No estudo dos cenários de incidente e acidente das barragens existentes e das barragens em
projecto deve ter-se em conta, para além dos aspectos específicos de cada obra, as indicações
recolhidas a partir da análise dos casos históricos relativos a barragens com características
análogas. Por outro lado, a análise estatística dos incidentes e acidentes constatados constitui um
importante alerta para equacionar a possibilidade de, na obra em estudo, poderem ocorrer situações
similares.
(*)
Autor: António Veiga Pinto
3.1
O diagnóstico das causas dos incidentes e acidentes (no caso de rupturas de que tenham
resultado perda de vidas tal diagnóstico é, pelo menos nos tempos modernos, tornado obrigatório
pelos tribunais) tem, por via de regra, permitido obter importantes ensinamentos. De facto, pode
afirmar-se que os incidentes e acidentes são devidos muito frequentemente a erros que poderiam ter
sido evitados, ou a deficiências de projecto, construção ou exploração (habitualmente resultando da
conjugação de vários factores desfavoráveis).
A divulgação de deteriorações em barragens varia de país para país. A título de exemplo, nos
Estados Unidos da América o número de incidentes e acidentes relatados é bastante significativo,
porque há livre acesso à informação. Noutros países com políticas muito restritivas (como acontecia
na China e na ex-União Soviética) a divulgação dos acidentes era condicionada ou mesmo proibida,
de que resultou a indicação de uma menor frequência relativa de deteriorações, mas que não
reflecte a realidade. Assim, estes factores têm de ser ponderados na análise estatística das
deteriorações de barragens.
É vital que as lições, adquiridas com os casos históricos de deteriorações de barragens,
permitam conduzir a projectos mais fiáveis. Uma boa prática baseada na experiência, como se
conclui do estudo de rupturas, tem sido da maior importância na garantia da segurança de
barragens. Na realidade, têm-se desenvolvido novos métodos baseados na análise de riscos, que se
procura serem mais fiáveis na avaliação e controlo dos riscos expectáveis.
Os resultados das análises de cariz estatístico de incidentes e acidentes são de grande
utilidade, quer para os projectistas, quer para os responsáveis pelo controlo de segurança de
barragens, pois chamam a atenção para os problemas mais comuns em obras do mesmo tipo,
permitindo assim, a nível de projecto, adoptar as disposições que minimizem a probabilidade da sua
ocorrência e, a nível do controlo de segurança, verificar a susceptibilidade da obra relativamente a
esses problemas e a capacidade dos meios de observação para os detectar em tempo útil.
Um aspecto que ressalta dos resultados da análise estatística dos acidentes em barragens é o
de que nenhuma barragem com mais de 100 m de altura sofreu colapso. Este facto justifica-se pelo
maior cuidado posto no projecto, construção e na observação de grandes barragens, o que
naturalmente minimiza a probabilidade de ocorrência de rupturas. Embora não se disponha de
informações fiáveis sobre a matéria, é igualmente provável que a inexistência de rupturas, originando
situações de catástrofe em barragens de grande dimensão, seja também uma consequência da
adopção de atitudes conservativas, com o eventual prejuízo de soluções mais inovadoras e
económicas. A inovação e a procura de soluções mais económicas em projectos de grande
dimensão tem naturalmente de ser condicionada pela garantia de que a segurança não é afectada.
Deve ter-se em conta que é sempre delicado, nomeadamente no plano psicológico, avaliar
riscos de muito baixa probabilidade, mas de grande impacto social e económico. Por outras palavras,
não é o mesmo avaliar um cenário de ruptura de um dado tipo de estrutura que terá uma
probabilidade de 10-3 por ano e um prejuízo de 100 milhões de contos e de outra em que os
respectivos valores são de 10-1 e 1 milhão de contos, embora ambos apresentem o mesmo risco
efectivo.
Em Portugal, os acidentes, incluindo rupturas, que ocorreram até à data, envolveram, em
regra, pequenas barragens, tendo as consequências deles resultantes afectado apenas bens
materiais. O acompanhamento da tendência, a nível mundial, de estudo e análise das deteriorações
ocorridas em barragens nacionais e estrangeiras, conduziu a pôr em prática um conjunto de
disposições legais, normativas e administrativas, e de requisitos técnicos, que visam diminuir a
probabilidade de ocorrência de acidentes ou, pelo menos, a redução do seu impacto.
O presente capítulo é dedicado à análise das deteriorações ocorridas em barragens em todo o
mundo e em particular em Portugal. A fiabilidade do julgamento dos acidentes de barragens depende
do universo e tipo de barragens existentes, razão pela qual a análise estatística também se estendeu
a este domínio. Dada a importância para Portugal, são ainda apresentados alguns exemplos
3.2
relativos a pequenas barragens portuguesas que sofreram processos de deterioração significativa,
em alguns casos, até ocorrer o colapso.
Em seguida são frequentemente usados os termos deterioração, incidente, acidente e ruptura
que interessa ter presente.
O significado das designações incidente e acidente constam do RSB e já foram também
sintetizadas na alínea 2.2.1.3.
A ICOLD (1983) definiu deterioração como qualquer situação de um aproveitamento que altere
ou se considere poder vir a alterar o comportamento previsto durante as fases de construção,
primeiro enchimento e exploração. Por outras palavras, qualquer situação que possa vir a afectar a
funcionalidade ou a segurança. No primeiro caso tem-se a ocorrência de um incidente e no segundo
um acidente.
A ruptura define-se como qualquer ocorrência no corpo da barragem, suas fundações, órgãos
de segurança e zona da albufeira que tenha provocado a libertação não controlada de um grande
volume de água para jusante. É uma situação que tem conduzido a riscos significativos para
pessoas e bens (ICOLD, 1995).
De acordo com as definições anteriormente apresentadas, o termo deterioração engloba os
termos incidente, acidente e ruptura.
Associado às deteriorações de uma dada barragem tem-se o risco efectivo. Este define-se
como o produto do risco potencial pela probabilidade de ocorrência de uma deterioração associada
com esse risco (RSB, 1990). O risco potencial corresponde à quantificação das consequências de
uma deterioração e considera-se de baixo a elevado. No caso mais gravoso, verifica-se a perda de
um elevado número de vidas humanas e de bens materiais.
(*)
Autor: António Veiga Pinto
3.3
Apesar de algumas dificuldades a que a publicação de 1983 da ICOLD faz referência, o CDDR
analisou a informação relativa às mencionadas 14700 grandes barragens, tendo obtido os resultados
constantes dos Quadros 3.1 a 3.5.
A análise dos Quadros 3.1 a 3.5 permite verificar que:
- As barragens de aterro correspondiam, em 1975, a cerca de 2/3 da totalidade das
barragens existentes (Quadro 3.1).
- O período em que a construção de barragens foi mais intensa é o que corresponde à
década de 60 (Quadro 3.2), com um valor próximo de 30%; este período marcou também o
início de um acentuado decréscimo da construção de barragens de betão relativamente às
de aterro.
- No que se refere à distribuição das barragens por alturas, verifica-se que as barragens de
aterro são predominantes até uma altura de 30 m e apresentam menor percentagem para
alturas superiores a 50 m (Quadro 3.4).
- Até 1975, as barragens mais altas (h>50 m) correspondiam apenas a 11% do número total
de barragens.
- No que se refere às barragens de aterro (Quadro 3.4), verifica-se que cerca de 79% tinham
uma altura inferior a 30 m; o maior número de barragens deste tipo (59%) apresenta uma
altura entre 15 a 30 m, enquanto que nas barragens de aterro de maior altura
predominavam as do tipo enrocamento, sendo praticamente exclusivas para alturas
superiores a 100 m.
- No que se refere às barragens de betão e alvenaria, verificava-se que as obras de maior
altura eram, em regra, do tipo abóbada, não existindo, então obras em contrafortes ou
abóbadas múltiplas com mais de 100 m de altura.
- De referir ainda que a construção de barragens de alvenaria praticamente terminou na
década de 40 do século XX, sendo substituídas, designadamente por soluções em betão.
Quadro 3.1 Distribuição do número e da percentagem de grandes barragens por tipos (ICOLD,
1983).
Quadro 3.2 Distribuição da percentagem de grandes barragens por tipos e épocas de construção
(ICOLD, 1983).
3.4
Época de construção Todos os tipos Barragens de Barragens de aterro
betão e alvenaria
(%) (%) (%)
<1900 8,5 16,3 83,7
19001909 3,2 34,9 65,1
19101919 5,5 45,8 54,2
19201929 7,9 53,6 46,4
19301939 8,3 41,6 58,4
19401949 6,9 46,3 53,7
19501959 18,1 40,1 59,9
19601969 29,4 25,9 74,1
19701975 12,2 15,1 84,9
Quadro 3.3 Distribuição da percentagem de grandes barragens por tipos e alturas (ICOLD, 1983).
Tipos de barragens
Altura Todos os tipos Barragens de Barragens de aterro
betão e alvenaria
(m) (%) (%) (%)
515 15,6 13,8 86,2
1530 53,4 25,5 74,5
3050 19,7 49,6 50,4
50100 9,6 63,6 36,4
100 1,7 56,2 43,8
Total 100,0 32,6 67,4
Quadro 3.4 Distribuição da percentagem de grandes barragens de aterro por tipos e alturas
(ICOLD, 1983).
Quadro 3.5 Distribuição da percentagem de grandes barragens de betão e alvenaria, por tipos e
alturas (ICOLD, 1983).
3.5
Altura PG VA CB MV PG(M) VA(M)
(m) (%) (%) (%) (%) (%) (%)
515 3,9 2,1 1,1 0,0 21,7 0,0
1530 38,6 34,4 72,1 49,3 48,9 37,5
3050 34,5 25,5 18,0 28,1 22,0 62,5
50100 20,9 27,1 8,8 22,6 7,3 0,0
100 2,1 10,8 0,0 0,0 0,0 0,0
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Ver o significado dos símbolos no Quadro 3.6.
Figura 3.1 Evolução do número de barragens com h > 100 m (SCHNITTER, 1988).
90
80
70
60
Nº de Barragens
50 Betão
Aterro
40
30
20
10
0
1940 1945 1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990
Anos
3.6
barragens idênticas. Em particular, a solução gravidade requer o recurso de mão-de-obra pouco
especializada. Este tipo de solução é também o mais adequado à construção dos órgãos hidráulicos no
corpo da barragem. No entanto, a partir de meados do século XX, surgem novos recursos técnicos,
nomeadamente laboratórios de ensaios físicos e ensaios geomecânicos in situ, o que permitiu a adopção
de soluções em betão mais sofisticadas, esbeltas e económicas, como por exemplo, as de contrafortes.
Estas soluções requerem, no entanto, mão-de-obra mais especializada, nomeadamente para a
execução das cofragens (VEIGA PINTO, 1994).
20
15
Nº Barragens
aterro
betão
10
0
1920 1937
1950 1955
1960
1965
1970 1975
1980
1985
1990
1995
2000
Anos
3.7
Quadro 3.6 Estatística da construção de barragens em Portugal.
3.8
O grande desenvolvimento das soluções de enrocamento verificou-se na década de 70 com o
desenvolvimento dos ensaios de laboratório, levando os projectistas a terem cada vez mais confiança
nas ferramentas e critérios de dimensionamento deste tipo de estrutura. Acresce ainda, como já se
referiu, o enorme desenvolvimento dos equipamentos e técnicas de exploração, transporte e construção
dos aterros com este tipo de materiais, tendo conduzido também a reduções substanciais do seu custo
unitário.
As soluções de enrocamento com núcleo argiloso tiveram recentemente um grande
desenvolvimento. São soluções muito versáteis e com as quais facilmente se incorporam todos os
materiais resultantes das escavações, nomeadamente os que resultam das escavações do
descarregador e de outros órgãos hidráulicos.
As soluções de enrocamento com cortina a montante têm também merecido ultimamente um
grande destaque. Este tipo de barragem apresenta uma probabilidade de ruptura muito baixa, mesmo se
se verificar a eventual existência de infiltrações significativas através do elemento impermeabilizante,
pois não há arrastamento do material subjacente ao mesmo.
Até ao momento, foram construídas 48 grandes barragens de aterro, ou seja 44% do total. Em
primeiro lugar este valor mostra a distorção, que se verifica a nível nacional, devido ao apreciável número
de barragens de betão construídas relativamente às de aterro e à tendência e tecnologia adoptada
noutros países.
Finalmente, como nota de curiosidade, refira-se que Portugal tem apenas cinco barragens com
altura superior a 100 m, sendo a mais alta a do Cabril, com 136 m, concluída em 1954.
(*)
Autor: António Veiga Pinto
3.9
Para uma análise dos riscos envolvidos na construção de barragens de diferentes tipos, deve
atender-se ao número das barragens construídas. Assim, no Quadro 3.8, apresenta-se a frequência
relativa de deteriorações verificadas para cada tipo de barragem, obtida a partir dos resultados dos
Quadros 3.6 e 3.7.
Quadro 3.8 Distribuição da percentagem de deteriorações por tipos de barragens (ICOLD, 1983).
Da análise do Quadro 3.8 verifica-se que as barragens de betão têm, em termos relativos,
apresentado um maior número de deteriorações do que as barragens de aterro. As barragens de
abóbadas múltiplas e de contrafortes têm sido as mais vulneráveis, a que se seguem as de abóbada
simples e as de enrocamento.
Nos Quadros 3.9 e 3.10 apresenta-se a distribuição do tipo de deteriorações pela altura de
barragens e pelo período de ocorrência das anomalias.
Quadro 3.9 Distribuição da percentagem de deteriorações por tipos e alturas de barragens (ICOLD,
1983).
Tipo de barragem
Período de ocorrência Todos os tipos Betão e alvenaria Aterro
(%) (%) (%)
Construção 9,5 27,6 72,4
Primeiro enchimento 15,0 30,1 69,9
Primeiros 5 anos 16,1 25,8 74,2
Após os primeiros 5 anos 31,7 37,0 63,0
Não disponível 27,6 39,0 61,0
Total 100,0 40,0 60,0
3.10
daquele século, a probabilidade do colapso de barragens para ambos os tipos (aterro e betão) se
igualou. Neste momento a probabilidade de ruptura de barragens de todos os tipos é de cerca de
0,4% por ano.
Nas barragens de betão e alvenaria predominam os incidentes, enquanto que no caso das
barragens de aterro sobressaem os acidentes (ICOLD, 1983).
3.11
Quadro 3.11 Causas de deterioração de barragens (CSED, 1983).
Tipo de barragem
Causas Betão Aterro Outro* Total
R I R I R I R I ReI
Deficiência de construção 2 3 2 3 5
Deficiência do enrocamento de
protecção 13 13 13
Erosão interna no aterro 23 14 23 14 37
Percolação e erosão interna na
fundação 5 6 11 43 1 17 49 66
Deslizamento 2 5 28 7 28 35
Deformação 2 3 29 3 6 31 37
Galgamento 6 3 18 7 3 27 10 37
Avaria de comportas 1 2 1 3 2 5 7
Erosão superficial 3 14 17 17 17 34
Instabilidade aos sismos 3 3 3
Degradação das
propriedades dos materiais 6 2 3 2 9 11
Total 19 19 77 163 7 103 182 285
R Ruptura I - Incidente * - Aço, alvenaria e madeira e madeira entrelaçada
3.12
Figura 3.4 Causa de ruptura consoante o número de anos após a construção (ICOLD, 1983).
Após a ruptura das Barragens de Teton, Laurel Run e Kelly Barnes, o Governo dos EUA
encarregou, em 1976 e 1977, o Corps of Engineers, com a participação das autoridades locais, de
efectuar uma ampla verificação da segurança de barragens não-federais. A inspecção foi efectuada
a mais de 8 800 barragens, tendo-se considerado que 2 925 apresentavam deficiências graves, que
poderiam conduzir à ruptura e à consequente perda de vidas humanas (JANSEN, 1984). Em 81%
das barragens apontadas como inseguras, a causa provável da ruptura era a incapacidade dos
órgãos de descarga.
Uma análise mais recente foi efectuada em França para barragens de altura inferior a 30 m
(LEMPÉRIÈRE et al., 1997). Justifica-se a análise para este grupo restrito porque representam, em
regra, um muito menor investimento, nomeadamente em termos de acompanhamento, do que o das
maiores barragens, embora sejam muito mais perigosas. Na realidade, são responsáveis por 60% do
número total de rupturas e também das cerca de 60% de rupturas que causaram mais de 100
vítimas. O maior número de rupturas verificou-se por galgamento e erosão interna. O galgamento
causou (excluindo a China) 40% dos acidentes relatados em barragens de altura inferior a 30 m e
80% de todas as vítimas. Das 24 rupturas de todos os tipos ocorridas após 1970, 15 verificaram-
-se por galgamento. Metade das rupturas ocorreram após as barragens estarem em fase de
exploração há mais de 15 anos. Na China, entre 1960 e 1980, 2/3 das rupturas foram devidas a
galgamento (LEMPÉRIÈRE et al., 1997).
O elevado número de acidentes devidos ao galgamento verifica-se porque as cheias de
projecto têm sido frequentemente subestimadas, especialmente quando os dados meteorológicos e
hidrológicos são escassos. Felizmente, a folga relativamente ao NMC e a sobreelevação, para fazer
face a ondas e assentamentos do coroamento, têm reduzido a frequência da ruptura por galgamento
3.13
por um factor de 10 ou de 100. Esta capacidade é menor em barragens sujeitas a assentamentos,
com comportas ou descarregadores não superficiais.
As consequências do colapso de barragens por galgamento são hoje em dia bastante
minorados pela melhor capacidade de comunicação e previsão de cheias, o que induz, no entanto,
uma sensação de total segurança para as populações a jusante, o que é falso.
Estatisticamente, verifica-se um menor número de rupturas em barragens de betão
relativamente às de aterro. No entanto, as primeiras conduzem, em média, a um maior número de
vítimas, dado os acidentes terem ocorrido de um modo mais súbito, reduzindo as possibilidades de
aviso e evacuação.
As rupturas das barragens de estéreis têm conduzido recentemente, nos países
industrializados, a um maior número de perda de vidas humanas do que as verificadas noutros tipos
de barragens.
Até 1972 foi referenciada a existência de 466 acidentes e rupturas de barragens (ICOLD,
1972). Deste número, em 236 casos, cerca de 50%, foi considerado que houve erro humano nas
diversas fases de estudo ou de vida da obra e que se apresentam no Quadro 3.12.
Relativamente às barragens de aterro sobressai o número de deteriorações ocorridas em
barragens de terra relativamente a deficiências dos estudos geológico-geotécnicos e nas de
enrocamento as verificadas na fase de construção.
Quadro 3.12 Relação entre a ocorrência de deteriorações e os erros cometidos nas fases de
estudo (ICOLD, 1972).
A mesma análise estatística mostrou ainda que 1/5 das deteriorações registadas em
barragens ocorreram nas que já tinham exibido uma ou mais anomalias, como se mostra no Quadro
3.13.
Uma análise mais recente, apresentada por USCOLD (1988), refere-se a cerca de 744
deteriorações ocorridas nos EUA, até 1986. Deste valor apenas 31% (228) diz respeito a grandes
3.14
barragens. Na Fig. 3.5 referente apenas às grandes barragens, verifica-se que o número de
deteriorações nos EUA ocorridas após os primeiros cinco anos de exploração ultrapassa largamente
os valores do Quadro 3.11. Este facto, deve-se a predominarem naquele país as barragens de terra
construídas em épocas já bastante longínquas e em que as causas de deterioração se verificam a
longo prazo, isto é, em que predominam os fenómenos de erosão interna e sobretudo os do
galgamento.
A comissão da ICOLD (1994) que tratou das deteriorações ocorridas após 5 anos de vida útil
das barragens, identificou as principais causas de incidentes e rupturas nas barragens de betão e de
aterro. Os principais e mais numerosos casos de incidente referem-se ao corpo das barragens, situação
que é mais expressiva no caso das barragens de betão (Quadros 3.14 e 3.15).
16
14
12
10
Nº de casos
8
6
4
2
0
81-100
6-10
11-15
16-20
21-30
31-40
41-50
51-60
61-70
71-80
<0
0-5
Figura 3.5 Número de deteriorações e idade das barragens quando da sua ocorrência (USCOLD,
1988).
Um dos aspectos que ressalta da análise dos acidentes e rupturas de barragens de betão e de
aterro ocorridas após os primeiros cinco anos de exploração, é que nas primeiras ocorre um menor
número de deteriorações, em termos relativos, na fundação, sendo em contrapartida nas soluções
em betão maior o número de deteriorações verificadas no corpo da barragem. Este aspecto tem sido
justificado por duas razões: a primeira porque as fundações das barragens de aterro são de pior
qualidade do que as de betão e em segundo lugar porque os materiais de aterro exibem uma menor
alterabilidade do que o betão.
As principais origens das deteriorações detectadas nas albufeiras e nas zonas a jusante indicam-
se no Quadro 3.16 (SILVEIRA, 1990).
Quadro 3.14 Principais origens dos incidentes detectados em barragens de betão e alvenaria após
os primeiros cincos anos e respectivas, percentagens (ICOLD, 1994).
3.15
Localização % Tipo de incidente %
Perda de resistência sob acções permanentes ou
repetidas 8
Fundação 15 Erosão e dissolução 2
Degradação dos sistemas de impermeabilização e
drenagem 5
Perda de resistência sob acções permanentes ou
repetidas 16
Contracções 5
Corpo da 77 Degradação devida a reacções químicas dos materiais
barragem com o meio 29
Expansões devidas a reacções químicas 9
Degradação por acção do gelo-degelo 18
Degradação de juntas estruturais 2
Outras zonas 8 Degradação dos paramentos de montante 5
Degradação de estruturas pré-esforçadas 1
Quadro 3.15 Principais origens dos incidentes detectados em barragens de aterro após os
primeiros cincos anos e respectivas percentagens (ICOLD, 1994).
Quadro 3.16 Principais origens das deteriorações detectadas nas albufeiras e zonas a jusante e
respectivas percentagens (SILVEIRA, 1990).
3.16
Localização Tipo de deterioração %
Escorregamento de taludes 41
Albufeiras Permeabilidade excessiva das margens 27
Sedimentação 32
Desmoronamento de taludes 80
Zonas a jusante Equilíbrio do leito do rio 10
Equilíbrio ecológico 10
Nos inquéritos e na subsequente análise da ICOLD (1983), só foi referenciada uma situação de
afectação do equilíbrio ecológico, o que decorre, por um lado, do sentido atribuído ao termo ecológico,
mas indica, por outro e antes de tudo, a falta de atenção dada às questões ecológicas ainda há cerca de
vinte anos atrás.
Quanto às rupturas, a ICOLD (1983) concluiu que terão afectado cerca de 0,7% das barragens
existentes, tendo mais de 40% dos casos ocorrido durante as fases de construção e do primeiro
enchimento (Quadro 3.17).
Quadro 3.17 Distribuição, em percentagem, das rupturas por fase de vida e tipo de barragens
(ICOLD, 1983).
O galgamento foi a principal causa dos acidentes ocorridos, que se devem ao deficiente
dimensionamento ou ao mau comportamento das estruturas hidráulicas. A seguir vêm os acidentes
devido aos deficientes comportamentos do corpo da barragem e da fundação (Quadro 3.18).
Quadro 3.18 Distribuição das rupturas por elemento do aproveitamento afectado e respectivas
percentagens (ICOLD, 1983).
Elemento afectado % de
rupturas
Estruturas hidráulicas, exclusivamente 44
Comportamento do corpo da barragem 25
Comportamento da fundação da barragem 14
Comportamento do corpo da barragem e da fundação 8
Comportamento do corpo da barragem e das estruturas hidráulicas 4
Comportamento da fundação e das estruturas hidráulicas 1
Comportamento do corpo da barragem, da fundação e estruturas hidráulicas 2
Comportamento dos materiais da barragem, exclusivamente 3
3.17
fundação e, nas barragens de aterro, no deficiente comportamento do corpo da barragem (SILVEIRA,
1990 Quadros 3.19 e 3.20).
Quadro 3.19 Principais origens dos acidentes ocorridos em barragens de betão (excluídas as
estruturas hidráulicas) e respectivas percentagens (ICOLD, 1994).
Quadro 3.20 Principais origens dos acidentes ocorridos em barragens de aterro (excluídas as
estruturas hidráulicas) e respectivas percentagens (ICOLD, 1994).
Em seguida, apresentam-se três tipos de acidentes que, pela sua importância em barragens
de aterro, têm um tratamento mais pormenorizado. São o galgamento, a erosão interna pelo corpo
da barragem ou pela fundação e a instabilidade aos sismos.
GALGAMENTO
3.18
Finalmente, refira-se que um dos problemas, relativamente à segurança de barragens, em que
se inclui o galgamento, é a existência nos países com adequada legislação, da incapacidade por
parte das autoridades locais para garantir o cumprimento da referida legislação (ALEXANDER,
1994).
Não há qualquer caso relatado de ruptura de barragens devido à acção dos sismos, excepto
as de aterro hidráulico que são bastante raras e com uma tecnologia em desuso. Os acidentes mais
graves ocorreram durante o sismo de San Fernando em 1971, nos EUA. Na realidade, embora não
se tivesse verificado o colapso, as barragens Lower e Upper San Fernando tiveram de ser totalmente
reconstruídas.
Estes acidentes tiveram um impacto excepcional pelo facto de terem ocorrido numa das
regiões de maior desenvolvimento económico e social a nível mundial, a Califórnia. Assim, foi desde
logo considerado que as grandes barragens e as centrais nucleares deveriam ser dimensionadas
3.19
para o maior risco possível, isto é, o Máximo Sismo Expectável (MSE). A prática decorrente da
análise estatística deste tipo de acidentes tem mostrado que este método é bastante conservativo.
Após os sismos de S. Fernando, verificou-se uma profunda revisão dos métodos de análise da
estabilidade das barragens aos sismos. Estes métodos requerem, no entanto, uma sofisticada
intervenção na caracterização dos materiais e nos modelos de cálculo, procedimento este que não
pode ser testado, dada a reduzidíssima frequência da resposta do protótipo a este fenómeno.
A verificação do comportamento das barragens deve ser apoiada em análises dinâmicas
quando justificadas e sobretudo numa perspicaz capacidade de julgamento. Este deve ser o principal
factor na decisão de acções com vista a garantir a estabilidade dinâmica de barragens (SEED et al.,
1980).
Um elevado número de barragens têm sido sujeitas a fortes sismos em zonas de elevada
sismicidade (nomeadamente, no continente americano e no Japão).
Uma análise detalhada acerca do comportamento de barragens de aterro sob acção dinâmica
foi realizada por SEED et al. (1978). Assim, foram analisadas 127 barragens de três países (Estados
Unidos da América, Japão e Rússia) que no conjunto foram solicitadas por 16 sismos. As
magnitudes atingiram valores excepcionais na escala de Richter, de 8,3 e acelerações máximas de
1,3 g.
Da análise dos resultados conclui-se que apenas barragens construídas com aterro hidráulico
sofreram ruptura. As barragens de aterro projectadas e construídas com as actuais técnicas têm
exibido um bom comportamento aos sismos. Nas barragens de terra tem-se, no entanto, verificado a
possibilidade de ocorrerem fenómenos de fracturação hidráulica, recomendando-se pois, em zonas
sísmicas, especial atenção ao dimensionamento do sistema de controlo da percolação (drenos e
filtros).
As barragens de estéreis comparativamente aos outros tipos de barragens são bastante mais
vulneráveis aos sismos pelas seguintes razões:
- não são compactadas;
- são constituídas por depósitos de materiais granulares de dimensão predominantemente
análoga à da areia;
- apresentam uma elevada probabilidade de exibirem liquefacção por acções dinâmicas;
- produzem no seu interior zonas de percolação de lamas;
- não são tão bem observadas como os outros tipos de barragens.
3.20
1997). O sismo atingiu a magnitude de 7,2, conduzindo a danos apreciáveis nas áreas residenciais,
como não ocorria no Japão nos últimos anos. Foram atingidas 50 barragens localizadas a uma
distância inferior a 50 km do epicentro. Também várias barragens bastante antigas, situadas
próximas da cidade de Kobe, foram afectadas. Logo após o sismo, foram constituídas equipas de
inspecção dos efeitos das acções dinâmicas, coordenadas pelo Ministério da Construção do Japão.
De acordo com estas inspecções, verificou-se que nenhuma barragem tinha sofrido danos
significativos que requeressem medidas correctivas ou reparações de emergência (TAMURA et al.,
1997). Apenas se verificaram algumas fissurações no pavimento do coroamento das barragens e um
ligeiro aumento dos caudais de infiltração que vieram, no entanto, posteriormente a diminuir e
estabilizar.
O sucesso do comportamento das barragens do Japão parece dever-se à elaboração de
projectos com uma cuidadosa análise estrutural baseada em metodologias e critérios fiáveis e à
construção com uma rigorosa fiscalização da qualidade dos materiais. Repare-se que, enquanto as
barragens se comportaram bem aos sismos, um elevado número de estruturas de outro tipo
mostraram menor fiabilidade, pois exibiram ruptura e danos apreciáveis (TAMURA et al., 1997).
Outro aspecto também a ter em conta é a controvérsia relativamente à ocorrência de sismos
devido à criação das albufeiras. Não há, no entanto, qualquer prova universalmente aceite desta
possibilidade (CSED, 1983). Estudos realizados neste domínio (MEADE, 1982) referem que a
probabilidade da ocorrência de sismos provocados pelas albufeiras é extremamente reduzida e
provavelmente não deveria ser tão considerada, excepto em albufeiras de elevado volume e
profundidade. Mesmo para as grandes barragens ainda está por provar a pertinência da execução
de novos estudos de reabilitação para fazer face aos sismos e a preocupação com as falhas activas
(AGHA e AHMED, 1994).
Embora, como se referiu, a análise dos acidentes de barragens tenha mostrado que as acções
sísmicas não são tão gravosas como os estudos parecem fazer crer, há um elevado número de
instituições responsáveis pela segurança de barragens que estão a rever a instabilidade aos sismos
das barragens existentes, mesmo em regiões do globo que são consideradas de baixo risco (USA,
MARTIN et al., 1994; ITÁLIA, ENEL SPA, 1994; UK, HAWS et al., 1994).
Quadro 3.21 Número e frequência relativa (%) dos incidentes detectados em grandes barragens
portuguesas.
3.21
de provocar incidentes. Deve salientar-se que as obras em alvenaria afectadas são de uma forma
geral muito antigas e sujeitas a condições particularmente agressivas.
Relativamente aos elementos de obra afectados, o maior número de deteriorações, também
com base em elementos actualizados, registou-se no corpo das obras (Quadro 3.22).
Quadro 3.22 Número e distribuição (%) dos incidentes observados em grandes barragens
portuguesas de betão ou alvenaria por elemento de obra.
Apenas seis das barragens de aterro sofreram incidentes, sendo quatro de terra e as outras
duas de enrocamento (Quadro 3.24).
3.22
(m) incidente e
reparação
1958 Fissuração da Várias Ainda ocorrem
Paradela CFRD 110 1958 cortina e reparações da infiltrações
1990 percolação cortina excessivas
excessiva
1968 Assentamentos Substituição
Roxo PG/ER 49 1970 excessivos parcial do Bom
1976 aterro
1980 Percolação Reforço da A necessitar de
Morgavel TE 52 1984 excessiva pela cortina de vigilância
1990 fundação injecções e
filtro invertido a
jusante
1985 Assentamentos Alteamento do
Beliche CCRD 54 1987 excessivos coroamento Em observação
1998
1988 Percolação Reparação das
Fonte TE 22 1988 excessiva no juntas e Bom
Longa 1989 contacto injecção de
aterro/descarga calda de
de fundo cimento na
zona de
contacto
1993 Percolação Reparação das
Gostei TE 29 1993 excessiva no juntas e Bom
1993 contacto injecção de
aterro/descarga calda de
de fundo cimento na
zona de
contacto
3.3.4. Rupturas
A ruptura de barragens é analisada com maior pormenor, dados os efeitos catastróficos que
lhe estão associados.
Uma análise estatística recente de rupturas de barragens foi publicada pela ICOLD (1995). É
apresentada a ocorrência de 169 rupturas, com a distribuição, por tipos de barragens, expressa na
Fig. 3.6.
Aparentemente conclui-se, da Fig. 3.6, que as rupturas têm uma maior incidência nas
barragens de terra. No entanto, atendendo a que este tipo de barragens ocorre em muito maior
número do que as restantes, em termos percentuais conclui-se que tem sido análogo o número de
rupturas pelos diversos tipos de barragens. Nas barragens de aterro, as rupturas verificam-se
sobretudo nas de menor altura, raramente ultrapassando 40 m. Já no caso das barragens de betão
têm ocorrido rupturas nas barragens mais altas (>50 m).
Mais de 70% das barragens que ruíram tinham uma altura inferior a 30 m. É ainda de destacar
que o maior número de rupturas ocorreu nos primeiros 10 anos e, em particular, no primeiro ano de
vida útil.
3.23
99
100
90
80
70
60 11
25 TE
50
40 34 ER/TE
30
20
ER
10
0
B
1
Figura 3.6 Número de rupturas ocorridas por tipo de barragens (ICOLD, 1995).
Excluindo as barragens da China, de que não há registo, aponta-se que, até 1950, verificaram-
se 117 rupturas (de um universo de 5 268 barragens) e em 1951-86 ocorreram 59 casos de ruptura
para um total de 12 138 barragens construídas. Verifica-se, assim, que as barragens construídas na
primeira metade do século XX, e após esta data, exibiram 2,2% e 0,5% de colapso de barragens,
respectivamente. Repare-se que esta frequência das rupturas deverá ainda diminuir nos próximos
tempos, se se atender que a ocorrência dos acidentes diminui com o número de anos das barragens
em exploração.
A probabilidade de ruptura de uma barragem por ano diminuiu acentuadamente ao longo do
século XX. Quanto às barragens de aterro, o valor daquela probabilidade baixou de 4% até 1900,
para cerca de 2,2% relativamente às barragens construídas anteriormente a 1950 e para 0,5%
relativamente às barragens construídas de 1970 a 1986. Em termos estatísticos, as barragens de
aterro e de betão apresentam nos últimos 40 anos análogas probabilidades de ruptura, ou seja
idênticos níveis de segurança.
Em termos estatísticos, as barragens de contrafortes são as que têm exibido maior número de
rupturas, relativamente ao número de barragens construídas (cerca de 2,6%). As barragens de
aterro surgem em segundo lugar com um valor de 1,2% (ICOLD, 1995).
A fase de vida da obra com maior número de rupturas é a do primeiro enchimento. Assim se
compreende que esta fase seja particularmente observada e acompanhada a sua segurança. Se
acções deste tipo já tivessem sido adoptadas, mais de 70% das rupturas poderiam ter sido evitadas
(SERAFIM, 1981). Após 10 anos de vida deste tipo de estruturas as rupturas diminuem
significativamente, não ultrapassando os 20% (LEBRETON, 1985).
Vários autores apontam o facto surpreendente de nunca ter ocorrido qualquer ruptura de
barragens devido aos sismos (GOUBET, 1979).
O tipo de ruptura varia de acordo com as causas que a originam. Assim, compreende-se que a
possibilidade de se verificar uma cheia excepcional apresenta uma probabilidade invariável ao longo
de toda a vida útil da barragem. Das análises estatísticas, conclui-se que a ruptura por galgamento
pode ocorrer em qualquer altura, verificando-se que após 10 anos da construção das barragens
ainda se verificam 50% de rupturas deste tipo.
Já a ruptura por erosão interna no corpo do aterro tem uma incidência maior nos primeiros
anos de vida útil da estrutura. Após 10 anos de construção, verificaram-se apenas 25% de rupturas.
No caso dos acidentes ocorridos na fundação, 80% dos casos verificam-se nos primeiros 5 anos,
sendo raro a ocorrência de acidentes deste tipo após 10 anos de conclusão da estrutura.
3.24
3.4. ENSINAMENTOS OBTIDOS COM AS DETERIORAÇÕES(*)
(*)
Autor: António Veiga Pinto
3.25
função da permeabilidade e porosidade do betão, do estado de tensão instalado (nas direcções em que
se verificam maiores compressões observa-se um menor desenvolvimento das expansões, parecendo
haver uma tensão de compressão limite a partir da qual o processo cessa), do grau de humidade relativa
e da temperatura no interior do betão e, obviamente, da natureza dos agregados e cimentos. Assim, o
estado de tensão-deformação decorrente de processos expansivos pode originar fissuração muito
significativa e os decorrentes deslocamentos diferenciais afectarem a funcionalidade dos órgãos de
segurança e exploração (HAYWARD, et al., 1991).
A inadequação das propriedades reológicas do betão face às solicitações, designadamente as
variações de temperatura, a que estará sujeito durante a construção e exploração, é uma origem
importante de deterioração física. De facto, as variações de temperatura a que a estrutura estará sujeita
são hoje passíveis de ser previstas com certo rigor e medidas com precisão durante a construção e
exploração das obras. O estado de tensão instalado dependerá, entre outros factores, da
deformabilidade dos betões e da sua evolução no tempo. Será sempre desejável que os betões de
barragens sejam pouco rígidos e possuam boa capacidade de relaxação de tensões, sendo a maior
dificuldade do projecto de betões para barragens conseguir simultaneamente essas características, uma
boa resistência à tracção e uma baixa permeabilidade.
3.26
Ruptura 10
Ruptura
Acidente
Acidente 20
Incidente
Incidente 70
0 10 20 30 40 50 60 70
(%)
Figura 3.7 Tipos de deterioração em barragens de enrocamento.
DP
DCE P
ICPM
DOD
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45
(%)
AEF - Assentamento excessivo da fundação
DP - Deslizamento dos paramentos
DPMNEA - Deslizamento ou percolações nos maciços naturais envolventes da albufeira
DCEP - Deficiente comportamento do enrocamento de protecção
EIPN - Erosão interna e percolação no núcleo
ICPM - Infiltração nas cortinas do paramento de montante
EIPF - Erosão interna e percolação na fundação
DOD - Deficiência nos órgãos de descarga
3.27
3.4.5. Causas
Por uma questão de sistematização, seguiu-se a nomenclatura (ICOLD, 1994) que inclui,
relativamente às deteriorações, os seguintes termos: causas, efeitos e consequências, métodos de
detecção e medidas correctivas. A título de exemplo, refere-se para o cenário de deterioração do
troço de terra da Barragem do Roxo, referido no Quadro 3.6, o significado dos referidos termos:
a) causas deficiência da caracterização da fundação e das ressurgências; estas deficiências
conduziram à degradação das propriedades do material na base do aterro pelo aumento do
teor de água;
b) efeitos assentamentos excessivos à superfície do aterro, medição de valores elevados
das tensões neutras e dos caudais de infiltração;
c) consequências excessivos assentamentos diferenciais entre o troço de terra e o de
betão, fendas no material de aterro, limitação das cotas de exploração da albufeira;
d) métodos de detecção observação visual dos deslocamentos à superfície do aterro e
medição geodésica dos mesmos; aumento das pressões neutras nos piezómetros
hidráulicos e dos caudais de fuga;
e) medidas correctivas após várias tentativas, sem sucesso, de consolidação do aterro por
meio de drenagens e injecções, recorreu-se à substituição, de uma parte significativa, do
aterro junto à estrutura de betão.
3.28
3.4.6. Efeitos
Os efeitos relacionados com o comportamento estrutural e hidráulico-
-operacional das barragens traduzem-se nas grandezas que normalmente são medidas pelos
equipamentos de observação. Assim, dependendo das cargas aplicadas e das características
mecânicas dos materiais, medem-se deslocamentos, tensões e deformações. Há ainda a registar a
medição dos caudais, subpressões e tensões neutras.
Conhecer os efeitos relacionados com as deteriorações é de extrema importância de modo a
se adoptarem os modelos e métodos de dimensionamento e as técnicas construtivas mais
adequadas. Do mesmo modo, é importante identificar correctamente as grandezas a medir e o local
mais adequado para essa medição. O objectivo é procurar intervir eficazmente e neutralizar as
condições anómalas, nomeadamente através da adopção das medidas correctivas mais
convenientes.
Os efeitos ou grandezas a observar devem ser objecto de uma cuidada previsão e fazer parte
do plano de observação. Este documento deve ainda apresentar os dispositivos a instalar na
barragem para medição das referidas grandezas e a localização dos mesmos.
3.4.7. Consequências
Quando os efeitos ou as grandezas dos modelos de comportamento que lhes estão
associados atingem determinados valores limite, a funcionalidade, pelo menos, da estrutura pode ser
posta em causa. Verificam-se, assim, mecanismos de deterioração que conduzem a determinadas
consequências. As deficiências do comportamento mecânico podem provocar, por exemplo:
assentamento excessivo, heaving, fissuração, superfícies de deslizamento. Por sua vez o deficiente
comportamento hidráulico dá origem a: galgamentos, erosão interna e caudais excessivos.
No Quadro 3.25 apresentam-se as vítimas que ocorreram em consequência da ruptura de
barragens e que foram contabilizadas apenas a partir de 1800. O número de mortes atingiu um valor
aproximado de 17 000, sendo 60% deste número devido apenas a 6 catástrofes. Em média têm-se
verificado cerca de 90 mortes por ano devido ao colapso de barragens. Este número aparentemente
elevado é extremamente reduzido em face das várias dezenas de milhares de mortes por ano
causadas por cheias de natureza comum, valor este que ainda tem sido consideravelmente reduzido
devido à acção de controlo de cheias pela acção das barragens (LEMPÉRIÈRE, 1993).
O Quadro 3.25 não inclui as barragens de estéreis de minas, que têm originado graves
acidentes. Aponta-se como exemplo, os casos das minas de: El Cobre (Chile, 1965, 200 vítimas);
Aberfan (País de Gales, 1966, 144 vítimas); Buffalo Creek (EUA, 1972, 125 vítimas), Mochikoshi
(Japão, 1978, 200 vítimas), Teseno (Itália, 1982, 214 vítimas), Rio Stava (Itália, 1985, 150 vítimas) e
Virginia (África do Sul, 1994, 50 vítimas). A análise dos riscos e da segurança deste tipo de
barragens deverá ser relativamente diferente do das barragens tradicionais, o que justifica a sua
separação nas análises estatísticas (LEBRETON, 1985).
O Quadro 3.25 contempla apenas a existência de um acidente na China, em 1993. Não há
dados anteriores deste país. No entanto, foi estimado que, naquele país devido a cheias, terá
ocorrido, apenas neste século, 230 000 mortes (WP&DC, 1995).
Refira-se ainda que no Reino Unido se verificaram, de 1830 a 1930, 12 rupturas que deram
origem a 421 vítimas. Nesse mesmo ano (1930) foi publicado o Reservoirs Act, com as directivas
necessárias a garantir a segurança das barragens. O sucesso parece ter sido totalmente alcançado
pois nos 70 anos seguintes não se verificou qualquer outro acidente mortal naquele país (CHARLES
et al., 1994) por ruptura de barragens.
3.29
Barragem País Ano da ruptura N.º de vítimas
Puentes Espanha 1802 607
Dale Dyke Reino Unido 1864 250
Inuka Japão 1868 1 200
Mill River EUA 1874 143
El Habra Argélia 1881 209
South Fork (Johnstown) EUA 1889 2 209
Walnut Grove EUA 1890 150
Bouzey França 1895 100
Austin EUA 1911 100
Bila Desna Checoslováquia 1916 65
Gleno Itália 1923 300
Saint Francis EUA 1928 420
Granadillar Espanha 1934 9
Zerbino Suíça 1935 111
Vega de Tera Espanha 1959 144
Malpasset França 1959 421
Orós Brasil 1960 1 000
Babü Yar USSR 1961 145
Hyokiri Coreia do Sul 1961 250
Kuala Lampur Malásia 1961 600
Quebrada la Chapa Colômbia 1963 250
Vajont Itália 1963 2 600
Baldwin Hills EUA 1963 3
Torrejon Tajo Espanha 1965 30
Vratsa Bulgária 1966 600
Nanaksagar Índia 1967 100
Sempor Indonésia 1967 200
Pardo Argentina 1970 25
Canyon Lake EUA 1972 300
Bear Wallow EUA 1976 5
Del Monte Colômbia 1976 80
La Paz México 1976 430
Santo Thomas Filipinas 1976 80
Teton EUA 1976 11
Bolan Paquistão 1976 20
Kelly Barnes EUA 1977 37
Machu Índia 1979 2 000
Hirakud Índia 1980 118
Gotwan Irão 1980 200
Karnataka Índia 1981 47
Tous Espanha 1982 40
Belci Roménia 1982 20
Kantalai Sri Lanka 1986 127
Sargozan USSR 1987 28
3.30
Quadro 3.25 Número de vítimas provocadas por rupturas de barragens (Cont.)
Os danos provocados por ruptura de barragens têm sido apreciáveis e traumatizantes. Vê-se,
por exemplo, que em muitos países após a ocorrência de rupturas com perda de vidas humanas, se
efectuou uma reanálise do benefício e risco de construção de barragens, levando a uma acentuada
diminuição na construção deste tipo de obras.
Também, hoje em dia, cada vez é mais comum o apuramento das responsabilidades
envolvidas após a ocorrência de rupturas ou acidentes. Quando há perdas de vidas humanas e
importantes danos materiais têm sido accionados processos judiciais e criminais. As sentenças têm
sido severas e muitas vezes os familiares das vítimas recebem importantes indemnizações
(BUDWEG, 1997). Deve-se ainda acrescentar que as perdas de produção ou de serviço após
acidentes de barragens podem atingir valores bastante apreciáveis.
Após a ocorrência de 96 rupturas em barragens de aterro, adoptaram-se os procedimentos
referidos na Fig. 3.9.
40
(%) 35
AB - Abandono (36%)
Figura 3.9 Opções adoptadas após a ruptura de barragens de aterro (ICOLD, 1995).
3.31
entanto, os acidentes destas últimas são, em média, duas vezes mais graves (em termos de vítimas)
do que os ocorridos nas barragens de aterro. Esta situação verifica-se devido ao modo de ruptura,
súbito no caso das barragens de betão e progressivo nas de aterro, factor que altera
significativamente as possibilidades de alerta e evacuação das populações. Salienta-se ainda que o
maior número de acidentes das barragens de aterro se verifica por galgamento em períodos de
intensa pluviosidade em que normalmente as populações se afastam das zonas mais profundas dos
vales.
3.32
Embora variando para cada mecanismo de ruptura, a evolução para o colapso estrutural vai
apresentando, por passos sucessivos, manifestações de perigosidade. Há pois um período de
incubação. A detecção da doença depende da experiência e perspicácia do engenheiro e da
atenção dada ao doente, primordialmente pelo número de visitas à obra. Há pois que, a partir de
uma gestão adequada, efectuar uma avaliação do estado do doente (barragem) e prescrever-lhe
atempadamente os remédios adequados (realizar medidas correctivas).
Dos métodos mais eficazes para diminuir a ocorrência de deteriorações, destaca-se a revisão
do projecto. Na realidade, a análise de projectos tem-se revelado importante na detecção de
comportamentos anómalos, quer tendo em conta os critérios tradicionais, quer os mais recentes com
elevado grau de inovação (ICOLD, 1983).
Da experiência dos acidentes de barragens, tem-se introduzido a prática de utilizar uma lista
de aspectos e pormenores a verificar durante as inspecções visuais às barragens (ICOLD, 1987).
Este procedimento é importante porque há tendência, ao longo do tempo, para baixar o nível de
cuidado em face da não existência de anomalias. Repare-se que, em questões de segurança, a não
existência de notícias corresponde a boas notícias e a transmitir uma falsa sensação de segurança.
Os principais métodos utilizados na detecção das deteriorações por ordem decrescente do
número de utilizações foram: a observação directa, a medição de caudais, a medição de deslocamentos,
a amostragem e a realização de ensaios laboratoriais e a medição de tensões neutras, como se pode ver
no Quadro 3.26 (SILVEIRA, 1990).
Quadro 3.26 Número de aplicações dos principais métodos utilizados para detecção de
deteriorações em barragens (SILVEIRA, 1990).
É de salientar o lugar destacado que nesta ordem ocupa a observação directa (64% do total de
aplicações) e o lugar modesto que ocupam as análises químicas e as medições sónicas. O facto de a
generalidade das deteriorações terem sido detectadas por observação directa significa simplesmente
que só foram detectadas após a sua ocorrência ter manifestação visível e, portanto, tardiamente. Deve
referir-se que os inquéritos da ICOLD (1983) foram compulsados em 1975, há portanto mais de duas
décadas, durante as quais se assistiu a um desenvolvimento significativo nos métodos e critérios da
3.33
observação de barragens e que muitas das obras em que se registaram deteriorações eram antigas e
tinham sistemas de observação deficientes.
Para análise dos resultados de observação podem adoptar-se métodos determinísticos ou
estatísticos. Nos primeiros, comparam-se os valores observados com os previstos e obtidos a partir
de modelos matemáticos. Nos modelos estatísticos, os valores observados são comparados com os
registados ao longo da vida da obra ou de outras obras idênticas, embora se deva ter em conta a
especificidade de cada barragem. O método que deve reunir mais aceitação, no entanto, é o misto
entre os dois anteriores. Isto é, deve iniciar-se com o método determinístico em face da escassez
inicial dos resultados de observação, mas a partir de certa altura é possível estabelecer tendências e
valores de comparação. Em resumo, a perigosidade está associada não apenas ao valor instantâneo
de uma grandeza, mas à sua evolução ao longo do tempo e à diferença entre o comportamento
previsto e o observado.
A ocorrência de percolação excessiva e não controlada é sempre um sinal de importante
perigo e exige uma actuação rápida a fim de colmatar ou reduzir este fenómeno.
Relativamente aos equipamentos de observação, deve-se sublinhar o maior contributo que se
obtém dos aparelhos ditos integradores. Em particular, do medidor de caudais a jusante que
concentra num único local todas as infiltrações através do aterro e parte da fundação (POUPART,
1994). As grandezas medidas por estes dispositivos para além de darem resultados mais
abrangentes são mais fáceis de interpretar (GOUBET, 1994).
A automatização da recolha e a aquisição à distância de dados de observação de uma
barragem não dispensa as inspecções visuais, que não devem ser diminuídas (FANELLI, 1994). O
custo da automatização é importante e pode não se justificar quando o aumento da frequência de
leituras não tem um interesse especial (GAZTAÑAGA, 1988).
Somente em raras situações, causas naturais desconhecidas ou impossíveis de controlo
levaram à ruptura de barragens. Na realidade, o erro humano esteve quase sempre presente. Em
particular tem havido falta de cuidado na caracterização dos materiais de aterro e da fundação e
negligência relativamente ao conhecimento existente (SERAFIM, 1981).
Na inspecção visual é comum fazer-se uma listagem exaustiva de todas as zonas onde podem
ocorrer anomalias. Na prática esta operação torna-se, assim, fastidiosa, rotineira e sem se dar a
devida atenção aos pontos mais críticos. Com o tempo, as inspecções, pelo menos as de
especialidade, deveriam ser cada vez mais selectivas, pois a diferença entre as zonas da barragem
de melhor e menor qualidade vão-se acentuando ao longo do tempo (LINDSTRÖM et al., 1994).
Muitos dos métodos, prescrições, normas, critérios, etc., para avaliação da segurança de
barragens não podem ser incorporados em normas ou recomendações. Assim, o sucesso deste tipo
de actividade depende fundamentalmente do discernimento e capacidade de julgamento dos
intervenientes, como é apontado pela experiência dos EUA (DOLCIMASCOLO, 1980).
3.34
- No corpo da barragem:
- reparação do núcleo impermeável;
- construção ou reparação de elementos de impermeabilização;
- construção ou reparação do sistema de filtros e drenos;
- reparação do material de protecção dos taludes;
- enchimento de fendas ou cavidades;
- suavização da inclinação dos paramentos de montante ou de jusante, construção de
banquetas ou outros métodos de estabilização de taludes;
- Na fundação:
- reforço da cortina de injecções;
- construção ou reparação do sistema de filtros e drenos;
- tratamento de impermeabilização;
- enchimento de fendas e cavidades;
- execução de ancoragens.
(*)
Autor: Rui Faria
3.35
entidade promotora, com o tipo de financiamento e com projecto, construção, conservação e o
processo de licenciamento.
Assim, será sobretudo neste tipo de infra-estruturas que incidem os exemplos de incidentes,
acidentes, rupturas e outras ocorrências dignas de nota que seguidamente se apresentam.
3.5.2. Incidentes
3.36
quatro comportas fechadas e apresentando todas importantes fugas de água, uma delas encontrava-
se enjambrada, com flecha pronunciada, vibrava violentamente e que as fugas junto à soleira, muito
abundantes, se processavam sincopadamente.
Feita uma análise sumária da situação, concluiu-se que aquele comportamento era motivado
pelo aquecimento provocado pela radiação solar. Assim, com a subida do Sol, uma segunda
comporta entrava por sua vez em vibração, o mesmo acontecendo a uma terceira.
Esta situação era resolvida pela entidade exploradora com recurso a mergulhadores, que,
utilizando serapilheira e pó de carvão, colmatavam as passagens de água, fazendo cessar as
vibrações (embora não o enjambramento).
De acordo com a informação recolhida no local, o problema subsiste há décadas, sem que
haja sido convenientemente resolvido, correndo-se assim riscos desnecessários, nomeadamente os
associados ao encravamento de uma comporta ou da sua ruptura (por fadiga de material, por
exemplo), com a consequente libertação de grande volume de água para jusante.
3.37
O conjunto de deficiências referidas, associadas a anomalias detectadas na descarga de
fundo e no aterro comprometendo a segurança estrutural, determinou a elaboração de um projecto
de reabilitação desta barragem.
Figura 3.10 Barragem de Vaqueiros. Vista do canal de descarga obstruído pelo escorregamento da
encosta.
3.38
A instabilidade do talude é preocupante porque, ocorrendo preferencialmente em período de
forte precipitação, poderá obstruir o descarregador e, consequentemente, provocar o galgamento e
destruição do aterro.
São evidentes fortes sinais de subpressões instaladas no canal de descarga, constatando-se
a saída de jorros de água através da soleira, numa extensão da ordem de 30 m.
O descarregador de cheias está subdimensionado uma vez que a cheia do projecto
considerada foi a correspondente ao período de retorno de 100 anos e não o de 1000 a 5 000 anos,
tal como é determinado pelas Normas do Projecto de Barragens para uma obra deste tipo, dimensão
e risco potencial associado.
Também a descarga de fundo se encontra incorrectamente construída uma vez que é
constituída por uma conduta de diâmetro insuficiente (300 mm), comandada a montante por uma
válvula instalada numa torre de manobra sem passadiço e que termina a jusante numa câmara de
válvulas. Nesta câmara está instalada uma válvula, seguida de um filtro e de nova válvula de 200
mm de diâmetro, a que se segue uma pequena valeta de betão destinada a encaminhar os caudais
de rega.
3.39
3.5.2.8. Barragem do Rio Figueira
A barragem do Rio Figueira, que se situa no Parque Urbano de Santiago de Cacém, é de
aterro homogéneo, com a altura máxima de 8,25 m, e destina-se a permitir a criação de um plano de
água para propiciar actividades de turismo e lazer.
Porém, as grandes perdas de água sofridas pela albufeira, comprometendo a sua utilização
para o fim a que se destinava, motivaram a realização de uma inspecção, solicitada pela Edilidade. A
inspecção revelou, contudo, um conjunto inusitado de anomalias, incorrecções e problemas
colocados pela obra, mesmo para uma pequena barragem de terra, os quais, pelo seu interesse,
justificam a transcrição dos extractos mais significativos do relatório então elaborado. Na vistoria
efectuada constatou-se:
- A barragem do Rio Figueira está construída imediatamente a montante do aterro do
caminho de ferro do ramal de Sines, o qual tem sensivelmente o dobro da altura da
barragem.
- A base do talude de montante do aterro do caminho de ferro confina praticamente com a
base do talude de jusante da barragem, desenvolvendo-se, entre eles, o canal do
descarregador de cheias que conflui perpendicularmente com o canal da descarga de
fundo, que se prolonga pelo aqueduto de atravessamento do aterro da linha férrea.
- Ao longo da margem esquerda da albufeira desenvolve-se uma conduta de esgoto, a qual,
no encontro esquerdo da barragem, penetra no aterro, possuindo uma caixa de queda com
tampa localizada no talude de jusante, passa por baixo do canal de descarga do
descarregador e atravessa o aterro da linha férrea semi enterrada no aqueduto. Trata-se
de uma solução inconveniente porquanto, para além de poder favorecer a ocorrência de
fenómenos de piping, a sua eventual ruptura poderá pôr em risco a infra-estrutura.
- Os paramentos da barragem encontram-se invadidos por vegetação, apresentando o de
jusante pronunciado ravinamento pelo escoamento pluvial. Foram detectados orifícios e
tocas provocadas por animais, provavelmente toupeiras, os quais representam risco
acrescido para a segurança da obra. O paramento de montante apresenta sinais de
erosão, ainda que incipiente, provocados pela ondulação gerada na albufeira e resultante
da ausência de enrocamento de protecção.
- Constatou-se que o aterro da barragem se encontrava húmido até uma cota bastante
superior à da albufeira, que se apresentava quase vazia. A razão que determina o
encharcamento do aterro poderá residir na ausência do dreno de pé de talude de jusante, o
qual, apesar de previsto no projecto, não foi executado. Trata-se de uma situação
potencialmente muito perigosa e que poderá provocar o colapso da estrutura.
- O descarregador de cheias projectado é do tipo soleira espessa com
3 m de vão, não controlado, tendo sido previsto para escoar a ponta de cheia
correspondendo ao período de retorno de 100 anos, a que corresponde a carga hidráulica
de 1,17 m sobre a soleira. O projecto não apresenta o desenho do descarregador que foi
executado com uma soleira de 5 m de vão e muros-ala com 0,40 m de altura.
- O canal de descarga desenvolve-se em escavação no encontro esquerdo sendo visível que
o talude de escavação se apresenta muito instável ameaçando escorregar o que,
ocorrendo preferencialmente em ocasião de forte precipitação, poderá ter como resultado a
obstrução do canal e o consequente galgamento da obra.
- Verifica-se que se encontram pedras de grande dimensão na bacia de dissipação.
Atendendo à ocorrência de ressalto hidráulico nessa zona é de prever a ocorrência de
erosões importantes no betão, provocadas por abrasão.
- O canal de descarga apresenta-se descalço em algumas zonas devido à erosão provocada
pelas chuvadas uma vez que não foi prevista drenagem pluvial.
3.40
- A descarga de fundo é assegurada por um tubo de 300 mm de diâmetro (inferior ao
regulamentar) e possui uma válvula a montante cujo comando se processa a partir de uma
torre de manobra acessível por um passadiço metálico. Presentemente não é possível
manobrar a válvula por ausência do veio de comando.
3.5.3. Acidentes
3.41
Figura 3.12 Barragem da Amieira, após o rebaixamento do descarregador da margem esquerda.
3.42
As duas barragens da Água do Sobreiro, de montante e de jusante, são de terra, com menos
de 15 m de altura, desprovidas de descarga de fundo e localizadas em cascata numa pequena linha
de água que desagua na praia da Zambujeira do Mar.
Em Novembro de 1997 foram ambas galgadas por manifesta insuficiência de vazão dos
respectivos descarregadores, não revestidos, localizados nos encontros.
Ambas as barragens sofreram danos, tendo a de jusante sido mais severamente atingida, tal
como é observável na Fig. 3.14, em que é evidenciada a erosão pronunciada do maciço de jusante,
com a formação de canais transversais, disseminados ao longo do talude (certamente favorecida
pela heterogeneidade dos materiais do aterro), a abertura de grandes sulcos longitudinais no
coroamento com ocorrência de escorregamentos interessando zonas de coroamento e a zona
superior do maciço de jusante. A ruptura da obra pôde ser evitada pela abertura de um canal de
descarga de emergência na margem esquerda.
Figura 3.14 Barragem da Água do Sobreiro, de jusante. Erosões provocadas pelo galgamento.
3.43
Figura 3.15 Barragem das Marzelonas. Aspecto da bacia de dissipação.
3.44
Figura 3.16 Barragem do Monte da Ribeira. Vista geral da barragem após o galgamento.
3.45
3.5.4. Rupturas
Figura 3.17 Barragem dos Hospitais. Vista de montante do aterro após ruptura.
3.46
A inspecção efectuada após o acidente revelou uma série de anomalias de que se destacam a
deficiente concepção e execução do descarregador de cheias (que não chegou a funcionar).
A descarga de fundo tinha um diâmetro insuficiente, de 300 mm. Para além disso, foi
construída a jusante uma edificação destinada a instalação de bombas, comprometendo assim o seu
funcionamento como órgão de segurança.
O enrocamento de protecção, constituído por calhau rolado, utilizado no paramento de
montante, apresenta diâmetro, espessura e forma inadequada para desempenhar aceitavelmente a
sua função. Assim e apesar do curto espaço de tempo em que a albufeira encheu, são evidentes as
marcas causadas pela ondulação. O paramento de jusante encontrava-se bastante erodido pelas
escorrências.
Figura 3.18 Barragem dos Hospitais. Aspecto dos blocos responsáveis pelo acidente.
3.47
A construção foi iniciada em 1982. Em 1984 foi requerido o licenciamento e apresentado o
projecto, que não foi aprovado.
A realização deste aproveitamento configura actualmente a seguinte situação.
O enchimento da albufeira da barragem de Vale do Cobrão até ao NPA (cota 20,00) teve
como consequência que a completa submersão dos pilares e vãos da ponte da E.N. 119. Atendendo
a que o pavimento da ponte se encontra à cota 21,17 m, e que o NMC previsto é de 22,15 m, é
previsível o frequente alagamento do atravessamento, com os inerentes perigos e inconvenientes.
Para complemento do quadro atrás referido foi construída, no extremo de montante desta
albufeira, a cerca de 100 m a montante da referida ponte, a barragem da Malhada Alta, a qual, sendo
de terra e dando lugar a um armazenando 600 000 m3, tem a particularidade de apresentar a base
do paramento de jusante afogada numa altura estimada de 2 m quando a albufeira de Vale Cobrão
atinge o NPA.
3.48
Figura 3.19 Barragem do Monte da Ribeira. Torre de comando da tomada de água/descarga de
fundo. Pequeno barco para acesso à torre.
Por vezes, prescinde-se da torre de tomada de água e instala-se uma válvula de cunha em
posição não vertical, accionada por um veio apoiado em pilaretes de betão, fundados no aterro, o
qual é actuado por um volante instalado no coroamento da barragem (Fig. 3.20).
3.49
Figura 3.21 Barragem de Vaqueiros. Vista do extremo de jusante da descarga de fundo.
Figura 3.22 Barragem do Sobreiro Santo Estevão. Aspecto da ligação directa da conduta da
descarga de fundo a um sistema de drenagem.
A impreparação dos utilizadores e operadores leva por vezes a que sejam descurados
aspectos tão importantes como a manutenção, limpeza e manobra regular das válvulas ou das
comportas das descargas de fundo ou à utilização incorrecta destes equipamentos; observa-se não
raras vezes que comportas de seccionamento ou válvulas de borboleta são correntemente utilizadas
na regulação da caudais, induzindo vibrações e desgaste que reduzem a vida útil desses
equipamentos.
3.50
O quadro que se traçou do conjunto deste tipo de infra-estruturas visa sensibilizar os
diferentes intervenientes no projecto, licenciamento, construção, fiscalização e exploração para a
necessidade de assegurar que as barragens em que intervêm sejam dotadas de descargas de fundo
que possam actuar como órgão de segurança, garantindo o esvaziamento das respectivas
albufeiras, e actuem com fiabilidade e eficácia em situações de emergência (Fig. 3.23).
Ao dono da obra compete assegurar a sua manutenção e utilização adequada.
Ao autor do projecto compete, face às características da obra e do risco potencial por ela
induzido, dimensioná-la de acordo com os critérios determinados pelo Regulamento de Pequenas
Barragens ou pelo Regulamento de Segurança de Barragens.
Aos responsáveis pelo licenciamento e segurança compete validar (ou não) os critérios que
determinaram as opções no projecto.
Figura 3.23 Barragem da Gata. Aspecto do deficiente funcionamento de uma descarga de fundo
em situação de emergência.
3.5.5.3. Alteração das condições de risco potencial induzido por uma barragem
A ocupação indiscriminada de terrenos localizadas a jusante de barragens coloca problemas
de resolução por vezes difícil. É o que acontece na barragem do Peneireiro, uma obra de aterro
zonado, com 13 m de altura e albufeira podendo armazenar 144 000 m3, concluída em 1973 e
localizada no distrito de Bragança.
Posteriormente à construção, foi instalado, imediatamente a jusante do pé do aterro, um
parque de campismo compreendendo piscina, restaurante, campos de ténis e demais infraestruturas
de apoio. Como esta ocupação inviabilizava a utilização da descarga de fundo foi necessário
proceder ao estudo do prolongamento da respectiva conduta para jusante da zona ocupada pelo
parque.
Relativamente ao descarregador de superfície constatou-se ainda que foi construído um
parque infantil, a jusante do respectivo canal de descarga.
3.51
quantidades envolvidas são significativas, pois, mesmo no exterior da torre e com vento transversal à
direcção de aproximação, é sentido o cheiro.
As condições reportadas configuram uma situação de eventual perigo grave, designadamente
de explosão e intoxicação.
3.52