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Capítulo 2 – Perigos em Briterel

O s primeiros raios de sol começavam a despontar no horizonte. Desde que saíram de Ebenfeld,
os seis fugitivos marcharam incansavelmente na esperança de alcançar os limites da Floresta de Briterel
ainda sob o manto da escuridão. Agora, parecia claro que eles não iriam conseguir.

Enoch parou, ofegante, suas vestes aristocráticas encharcadas de suor.

“Guy, você acha que estamos sendo seguidos?”, perguntou.

“É possível”, respondeu o meio-elfo. “O terreno que estamos atravessando não é particularmente


propício para deixar rastros, mas a verdade é que estamos nos movendo com pressa e não estamos
tentando escondê-los. Um rastreador experiente conseguiria nos seguir.”

“Precisamos continuar andando, então”, disse o príncipe. Todos obedeceram.

***

A jornada continuou por várias horas. Felizmente, Guy guiava-os com segurança, nunca
demonstrando qualquer dúvida sobre a direção que deviam seguir.

O sol já estava a pino quando os viajantes finalmente começaram a avistar as árvores da floresta, com
as folhas avermelhadas pela estação.

“Por Valir, conseguimos!”, exclamou Allisa.

“Essa é apenas a primeira etapa”, ponderou Vrael. “Provavelmente, a mais fácil”.

O abraço da floresta, no entanto, era reconfortante. Briterel era densa, com carvalhos, elmos e
pinheiros altos e frondosos, e estar dentro dela concedia uma sensação de segurança, ainda que falsa.

Mas Vrael estava certo. Chegar até a floresta era apenas o primeiro desafio da jornada. O caminho até
Salésia seria longo, e mesmo que eles conseguissem chegar até a fronteira em segurança, ainda havia
uma grande questão: como entrariam em uma cidade sob cerco sem cair nas mãos do exército sitiante?

Essa, contudo, era uma preocupação para o futuro. No momento, a sombra propiciada pelas árvores
era um alívio mais que bem-vindo.

“Lembra de quando vínhamos aqui caçar raposas?”, perguntou Enoch a Casimir.


As grandes caçadas da nobreza de Alberion pareciam uma lembrança distante. Anterior à guerra,
anterior ao assassinato do rei. Godomir III sempre fora um entusiasta daqueles eventos.

“Sim”, respondeu o príncipe, com um olhar distante.

“Silêncio!”, disse Guy. “Estou escutando alguma coisa”.

Todos se calaram e se encolheram atrás da vegetação, procurando sinais de movimento na direção em


que Guy havia apontado. Não demorou para que avistassem o que pareciam ser quatro goblins
conversando. Todos estavam armados.

“Precisamos ter cuidado para não atrair a atenção deles”, sugeriu Hansi.

“Não”, disse Vrael. “Eles parecem ser batedores de algum grupo maior. Se deixarmos que escapem
eles poderão nos trazer problemas. Precisamos abatê-los rapidamente”.

“Abatê-los?”, indagou Allisa. “Vrael, você não acha precipitado? Nós não sabemos quem eles são,
podem muito bem ser inocentes. Não sei se concordo com essa forma de dispensar justiça”.

O draconato suspirou:

“Não se trata de dispensar justiça, mas de fazer o necessário para cumprir a nossa missão”.

“Infelizmente, tenho que concordar com Vrael, Alli”, disse Casimir. “Nossa situação já é bastante
crítica sem que corramos riscos adicionais. Ademais, eles de fato devem fazer parte de um grupo
maior. Infelizmente bandos de salteadores se tornaram comuns no interior do reino depois que a
maior parte do exército foi mobilizada para a guerra”.

“Além disso, são apenas goblins”, complementou Enoch.

Em silêncio, os seis assentiram que aquele era o melhor caminho. Ainda escondido entre os arbustos,
Guy sacou o arco e preparou o tiro. Segundos depois, uma flecha voava certeira em direção ao coração
do primeiro goblin, abatendo-o instantaneamente.

Visivelmente surpresos, os outros ameaçaram reagir. O segundo sacou uma cimitarra, e correu na
direção de que partira o tiro. Antes que pudesse fazer qualquer coisa, porém, Enoch apontou-lhe o
cajado e o fulminou com uma rajada de fogo.

O terceiro foi mais inteligente, colocou-se atrás de uma árvore, e pegou a besta que trazia às costas.
Com agilidade, disparou contra Vrael, que já investia em sua direção, mas o guerreiro conseguiu aparar
a seta com o escudo. Segundos depois, sua espada atravessava o peito do inimigo.

O quarto simplesmente tentou correr. Casimir partiu em sua direção, espada longa em punho, e
eventualmente conseguiu atingi-lo. Foi, porém, tarde demais: antes de cair, o goblin conseguiu pegar
o chifre que trazia preso ao pescoço, e soar um poderoso alarme.
Os aventureiros logo perceberam que precisavam sair dali rapidamente.

***

O s seis corriam com todas as forças, sem rumo definido, seguindo o curso de um córrego
enquanto tentavam afastar-se o máximo possível do local em que estavam. Entretanto, não estavam
tendo sucesso.

O que quer que fosse que os perseguia parecia aproximar-se a cada instante. Eram passos leves e
rápidos. Sobrenaturalmente rápidos, até. A menos que não fossem os passos de um humanoide…

A fera surgiu de uma moita e lançou-se sobre Hansi. O bardo conseguiu desviar-se no último instante,
rolando para a esquerda, mas o animal logo preparou um novo bote. Só então foi possível ver o que
se tratava: um enorme lobo gigante, montado por um quinto goblin.

A criatura estava prestes a lançar-se novamente sobre Hansi, que ainda tentava colocar-se de pé,
quando Allisa ergueu seu amuleto com o símbolo de Valir, e fez descer sobre o inimigo um martelo
flamejante.

O goblin percebeu o fogo sagrado a tempo, e conseguiu fazer com que o lobo saltasse lateralmente,
esquivando-se do ataque. Isso, contudo, deu ao bardo preciosos segundos para erguer-se e pegar seu
alaúde. Então, ele começou a dedilhar freneticamente as cordas do instrumento, começando a
produzir uma poderosa vibração no ar.

Antes que os sussurros dissonantes fossem disparados, porém, um segundo goblin montado em um lobo
gigante surgiu e atacou o meio-elfo pelas costas. Dessa vez, foi Casimir quem se interpôs, brandindo
a poderosa Protetora de Alberion. O lobo tentou mordê-lo no braço, mas o príncipe conseguiu
desviar-se com habilidade, e na sequência cortou-lhe o flanco direito com sua lâmina, fazendo a
criatura uivar de dor.

A essa altura, mais dois lobos gigantes haviam aparecido, e atacavam Vrael e Guy. O ranger agora lutava
com suas duas espadas curtas, desferindo golpes em sequência. O goblin que montava a fera, no
entanto, era hábil, e conseguia fazê-la saltar para os lados, escapando dos ataques, enquanto tentava
atingir o meio-elfo com suas garras e dentes.

Enquanto isso, Vrael conseguia cravar sua lâmina na em uma das pernas traseiras de um lobo. Este,
no entanto, reagiu com um forte coice, jogando o draconato no chão.

Allisa, no centro do combate, olhava atenta para os lados, pronta para socorrer qualquer de seus
colegas que necessitasse de ajuda. Ao ver Vrael caído, ela correu em sua direção, amuleto em mãos,
preparando-se para auxiliá-lo com resistência.
Antes que ela pudesse fazer qualquer coisa, porém, uma voz grave ecoou, sobrepondo-se aos sons do
combate.

“Parem e rendam-se agora mesmo”, disse. “Se nos entregarem todos os seus pertences, deixaremos
que partam com vida”.

As palavras vinham de um humanoide musculoso, com mais de dois metros de altura, feições caninas
e com pelos por todo o corpo. Na mão direita, ele trazia uma enorme clava, que uma pessoa comum
teria dificuldades em erguer, e mais ainda para usar em combate. Certamente não se tratava de um
goblin comum.

Mais ameaçador do que ele, no entanto, era o pequeno exército de goblinoides às suas costas – pelo
menos vinte, muitos dos quais com arcos e bestas já apontados para os heróis. A luta, era claro, estava
perdida.

***

O s aventureiros formaram um semicírculo, mantendo as armas ainda em riste.

“Não façam nenhuma besteira”, sussurrou Vrael. “No momento em que vocês baixarem as suas
armas, eles nos matarão”.

“Sim”, respondeu Casimir. “Esse deve ser Drork, o bugbear. Líder de um dos bandos mais violentos
que assolam os arredores de Ebenfeld. Eu vinha ouvindo relatos cada vez mais assustadores sobre ele,
mas com os parcos recursos que tínhamos nunca conseguimos fazer nada. Tenho certeza de que ele
não permitirá que escapemos com vida”.

Drork caminhava lentamente em direção ao grupo, balançando ameaçadoramente sua clava, com um
olhar de quem parecia divertir-se com a situação. Ao seu lado vinha outro bugbear, consideravelmente
menor, vestindo um manto com capuz que cobria todo o seu corpo, e portando um cajado no topo
do qual havia um crânio humanoide.

Os demais goblins do grupo, muitos dos quais montados em seus lobos gigantes, aos poucos cercavam
os heróis, que eram cada vez mais pressionados em direção ao que parecia ser um penhasco. Ao lado,
era possível ouvir o córrego que eles haviam seguido transformando-se em uma queda d’água.

“Acho que nossa única saída é pular”, disse Guy.

“Pular?”, exclamou Enoch, tentando não ser ouvido pelos goblinoides. “Você está louco? Não
sabemos a altura disso”.

“Qualquer que seja, parece um destino melhor do que o que teríamos nas mãos deles”, ponderou
Vrael. “Precisamos apenas de uma distração para que eles não disparem suas flechas antes de
escaparmos”.
Neste momento, Drork já estava a poucos metros de distância.

“Então, irão aceitar a minha oferta, ou precisaremos resolver isso da forma difícil?”

Hansi discretamente dedilhou seu alaúde, e um som semelhante ao rugido de um urso surgiu em meio
às árvores próximas aos goblins, e a maioria deles instintivamente olhou naquela direção. A
prestidigitação fornecera a distração de que os aventureiros precisavam.

Então, sem pensar duas vezes, eles saltaram.

***

O impacto no lago formado pela queda d’água foi dolorido, mas não incapacitante. Felizmente,
ele era profundo o bastante para que não atingissem o fundo.

Mas não havia tempo para se recuperar: tão logo os aventureiros emergiram, os goblins começaram a
disparar suas flechas, sob gritos irados de Drork. Outros, montados nos lobos gigantes, pareciam
procurar rotas alternativas para descer até o lago. Nenhum, porém, ousou saltar. Por sorte, goblins
não eram famosos por sua coragem.

O grupo conseguiu chegar à margem sem maiores ferimentos. Sob a cobertura das árvores, foi possível
proteger-se da chuva de flechas e recobrar o fôlego. Mas não era prudente se demorar ali: era
impossível saber em quanto tempo os inimigos montados em lobos gigantes conseguiriam alcança-
los. Então, ainda ofegantes, eles puseram-se em marcha novamente.

“Precisamos encontrar alguma forma de despistá-los”, disse Guy. “Aqueles lobos gigantes são muito
rápidos. Mais cedo ou mais tarde eles irão nos alcançar”.

Assim, os seis andavam o mais rápido que podiam, mas atentos a qualquer coisa que pudesse auxilia-
los. Até que, de repente, Hansi perguntou:

“O que é aquilo?”

De fato, quase imperceptível sob a folhagem, havia o que parecia ser a entrada para uma gruta. Talvez
houvesse espaço ali para que os aventureiros se escondessem até que os goblins desistissem da sua
busca.

Como nenhum plano parecia ser melhor do que aquele, eles resolveram tentar.

***
A gruta era, na realidade, uma caverna extensa, muito maior do que seria possível imaginar vendo-
a de fora.

“Essa formação é estranha”, disse Guy. “Nunca tinha ouvido falar de uma caverna assim em Briterel”.

Conforme os aventureiros avançavam, a temperatura aumentava.

Allisa carregava na mão esquerda uma pequena pedra que ela encantara com luz. Enoch, Casimir e
Vrael, que não enxergavam no escuro, caminhavam ao seu lado. Após cerca de quinze minutos, no
entanto, essa providência se tornou desnecessária: finalmente surgia, literalmente, uma luz no final do
túnel.

Quando os aventureiros chegaram ao lado de fora, o sol começava a se pôr. Eles já viajavam, quase
que ininterruptamente, por praticamente um dia inteiro. Seus corpos clamavam por descanso, e aquele
lugar parecia melhor do que qualquer outro para isso: eles possivelmente haviam despistado os goblins
atravessando a gruta, e de qualquer forma estariam protegidos pela escuridão e pela mata, que de
alguma forma parecia ser ali mais densa do que no restante da floresta. Então, começaram a montar
acampamento.

“Vocês não notaram nada estranho?”, perguntou Guy, enquanto erguia uma barraca.

“Estranho?”, respondeu Enoch? “Mais do que o fato de que quase fomos mortos por um bando de
salteadores goblinoides a poucos quilômetros da capital do reino?”.

“Não estou falando disso”, continuou o ranger. “As folhas das árvores aqui, vocês não perceberam?
Elas ainda estão verdes, como se não tivessem sido afetadas pelo outono. No restante da floresta, elas
já escureceram e começaram a cair”.

De fato, parecia que o outono ainda não havia chegado ali. Árvores verdejantes, flores desabrochando,
um calor agradável. De alguma forma, parecia que o grupo havia atravessado um túnel que os levara
para a primavera…

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