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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS

LEITURA DIRIGIDA EM TEORIA ECONÔMICA I

RESENHA

Fernanda Cássia Alencar


Tainara Muniz Rosa

MAZZUCATO, Mariana. Valor de Tudo: Produção e Apropriação na Economia Global. São


Paulo: Portfolio Penguin, 2020.
GALA, P.; RONCAGLIA, A. Brasil, Uma Economia que Não Aprende. Rio de Janeiro:
Contraponto, 2020.
1. INTRODUÇÃO
O Valor de Tudo: Produção e Apropriação na Economia Global, obra de Mariana
Mazzucato, busca analisar e levantar debates sobre políticas industriais, o papel do Estado no
âmbito econômico e social, processos produtivos no contexto contemporâneo para poder investigar
a teoria do valor na economia global, a sua origem, como é distribuído e a quem beneficia. Ao
longo do livro, a autora expressa suas ideias de forma didática e fluida, relacionando história do
pensamento econômico, economia da inovação, estudo de políticas públicas e análises do setor
financeiro para criar sua base argumentativa.
Brasil: Uma Economia que Não Aprende, obra de Paulo Gala e André Rocaglia, tem como
cerne a análise do processo de desenvolvimento econômico brasileiro, apresentando uma crítica aos
problemas estruturais que representam um empecilho no crescimento econômico do país. Pode-se
destacar o posicionamento favorável dos autores a uma mudança na política econômica nacional,
julgando necessária a implementação de políticas industriais que valorizem a indústria brasileira, de
modo a promover maior competitividade internacional e menor dependência de commodities.

2. SÍNTESE DOS CAPÍTULOS


No prefácio de “O Valor de Tudo: Produção e Apropriação na Economia Global”, é feita
uma crítica a “histórias” sobre a origem da criação do valor no contexto econômico contemporâneo
- sendo assim, já é inicialmente exposta a temática que se estende pelos capítulos adiantes. É
apresentada uma crítica ao que é chamado de mito moderno: a criação de valor na economia. Com
uma expansão do setor financeiro, que passou a ser indicado como parte produtiva da economia nas
últimas décadas e uma consequente “financeirização” da indústria, ocorre, na verdade, uma
extração de valor, beneficiando rentistas, que se tornam mais ricos, esgotando a riqueza social e
deixando os verdadeiros criadores de valor fora dessa equação. Quando esse mito é amplamente
disseminado, é possível moldar a narrativa de forma que os conceitos de criação e extração de valor
se confundam; essa noção deturpada é ainda capaz de moldar a narrativa para que o papel do Estado
na inovação e criação de valor seja questionado. É em torno dessa discussão, então, que o debate se
segue.
A introdução começa com a crítica do ciclo de extração do valor, que refere-se às atividades
voltadas à transferência e comercialização de recursos (tangíveis ou não) sem a criação de valor
adicional. Em seguida, são destacados os impactos sociais, econômicos e políticos desencadeados a
partir dessa problemática. Para encontrar a raiz desses problemas, é preciso entender o que é valor.
Em essência, o valor é apontado como a produção de bens e serviços. A ideia de uma atividade
com valor é muitas vezes associada à capacidade que elas têm de serem produtivas; a forma para
definir se as atividades são produtivas ou não são baseadas na fronteira de produção. No entanto, a
delimitação dessas fronteiras depende das convicções econômicas e políticas de quem as define.
Mazzucato discorre então sobre as mudanças na ideia de valor e toda a discussão gerada em torno
de sua definição. A autora aponta que, com o tempo, o debate cessou no departamento das ciências
econômicas, e a falta de uma teoria específica de valor fez com que o termo em si pudesse ser
atribuído a conceitos mal estruturados. Consequentemente, a medição do valor é difícil de ser
medido, pois pode ser definido de formas diferentes dependendo de quem o define. Ela aponta
então que, ao longo do livro, não busca defender uma teoria “correta”, mas sim reacender o debate
acerca da origem do valor.
No primeiro capítulo, são apresentados contextos históricos que definiram os debates
acerca do valor econômico, e como eles evoluíram do século XVII a meados do século XIX.
Iniciando pelos mercantilistas, que defendiam que o enriquecimento do Estado era advindo do
acúmulo de metais preciosos; para eles, a fronteira de produção era definida de modo que, em
síntese, os comerciantes mercantis eram o grupo mais produtivo. Já os fisiocratas possuíam um
pensamento que seguia uma linha contrária: essa oposição era evidente quando partimos do ponto
da ótica do enriquecimento do Estado, tendo em vista que os fisiocratas não consideravam que o
acúmulo de ouro ou o saldo da balança comercial deveriam ser o foco quando a questão era a
recuperação do Estado, por exemplo; na verdade, viam o trabalho produtivo (advindo
exclusivamente da classe agrícola) como a fonte da riqueza nacional. Sendo assim, a classe
produtiva, para os fisiocratas, é a classe agrícola. Ademais, os economistas clássicos, tendo em vista
o contexto de industrialização que se encontravam, passam a medir o valor de mercado um produto
em termos de seu custo de produção (ou seja, pela quantidade de trabalho que é necessária para
produzi-lo). Em seguida, a autora discorre sobre essas ideias, que dão forma à teoria valor-trabalho,
originada a partir das ideias de Adam Smith (1723-), fundamentada por David Ricardo (-) por meio
da afirmação de que a produção de um bem envolvia não apenas o trabalho direto, mas também o
trabalho indireto que era necessário para produzir as matérias-primas e os bens de capital, e por fim
questionada e trazida a um novo significado por Karl Marx (-), que questionava a exploração do
sistema capitalista infligida aos trabalhadores responsáveis por criar valor por meio de sua
mão-de-obra. Os autores, apesar de terem em comum a convicção de que o valor se origina do
trabalho, discordam em aspectos específicos como a fronteira de produção, alocação de recursos e a
relação entre trabalho e lucro. Portanto, neste capítulo, Mazzucato apresenta um contexto geral e
mostra a importância da existência do debate sobre a origem do valor, demonstrando por meio de
uma breve análise da história do pensamento econômico como a ideia de valor é moldada e mudada
mediante a mudanças na conjuntura social.
O segundo capítulo dá continuidade direta aos fatos apontados anteriormente, e ressalta
como a teoria do valor é capaz de descrever a sociedade. Sendo assim, com o passar do tempo e
aumento do poder dos capitalistas, surge uma nova análise da origem do valor. A partir disso, dá-se
a economia neoclássica, que introduz o conceito de utilidade atrelado a uma ciência exata, cujo
valor determina o custo de produção. Posteriormente, essa ideia de utilidade passa a ser definida
como “utilidade marginal” e essa nova visão sobre valor e o seu desdobramento é tida como a
“revolução marginal”. A partir do conceito de utilidade marginal, o valor de uma atividade
produtiva passa a ser determinado pela oferta e demanda dessa mesma atividade, que possui mais
valor quando gera maior receita. A partir disso, é estruturada uma nova teoria do valor, o
marginalismo, que concentra-se em análises do valor e da alocação de recursos em termos de
mudanças marginais ou incrementais. O valor das coisas passa a ser definido com base na utilidade
que podem fornecer ao consumidor; se um produto é escasso, ele fornece maior utilidade, e esta
diminui à medida em que a quantidade adquirida desse produto aumenta. Nesse sentido, quanto
mais escasso for, mais valor terá, e esse valor é refletido no preço que as coisas valem e que,
portanto, os consumidores estão propensos a gastar para aumentar sua utilidade. Sendo assim, o
preço é visto como uma medida de valor. Por fim, a autora discorre sobre a ideia de equilíbrio num
mercado competitivo, pontuando que a exatidão pregada é uma ideia equivocada e que necessita de
diversas condições conjunturais para perseverar, de modo que as ditas “falhas de mercado”, são
atribuídas a razões externas que justificam uma alocação ineficiente de recursos, e não a problemas
inerentes à própria teoria marginalista. As premissas e condições “necessárias” para a efetivação
dessa teoria são criticadas por considerarem que seres humanos devem ser, a todo tempo, racionais
e “calculadoras de utilidade” - ou seja, devem ter a capacidade plena de definir o valor de todos os
produtos e serviços ofertados a eles. Ademais, também critica a ideia marginalista de que o governo
é um setor externo à fronteira de produção.
No terceiro capítulo, Mazzucato inicia a discussão sobre o PIB e a medida de “riquezas”
com a associação da influência que a utilidade marginal, previamente discutida, exerce no modelo
atual de medição de atividades econômicas. Ela busca, ao longo do capítulo, analisar o
desenvolvimento da contabilidade nacional, métodos utilizados pelos governos para calcular a
produtividade e crescimento associados à economia, como esses métodos se relacionam e suas
falhas. Ao discorrer sobre o PIB, aponta como esse método contábil não passa de uma convenção
social, e que é, devido ao contexto econômico contemporâneo, influenciado pela economia
neoclássica - e, portanto, representa uma métrica de produtividade relacionada diretamente com a
concepção de que preços são medidas de valor. Ou seja, se analisamos o PIB pela perspectiva da
economia clássica, por exemplo, não consideraríamos ele como uma medida válida de
produtividade: afinal, se a renda é uma receita não merecida (ideia pregada pelos economistas
clássicos), seria impossível medir a produtividade a partir da receita total auferida a atividades
produtivas de uma nação. A autora segue então explanando o contexto histórico para o surgimento
das contas nacionais, explica a contabilidade da renda nacional, os seus possíveis métodos e a
relação que a mercadoria produzida passa a ter com a receita que aufere. Aponta também o
problema que surge a partir das metodologias adotadas no cálculo da renda nacional, que se volta ao
governo visando apenas as despesas que ele gera (uma vez que muitas atividades estatais são
ofertadas a preços de mercado ou de forma gratuita), desconsiderando o gasto feito em prol da
comunidade. Assim, é aberta uma margem para interpretar o Estado como um agente improdutivo.
Mazzucato afirma que essa interpretação é errônea e que o valor adicionado (valor do produto
menos os custos dos insumos intermediários usados em sua produção) pelo governo não deve ser
medido pela mesma régua e métrica das indústrias, devido ao fato de que se assim for feito, as
atividades governamentais subtrairiam valor - o que não faria sentido, tendo em vista a contribuição
que as atividades estatais que buscam beneficiar a sociedade como um todo, fornecendo bem-estar,
não poderiam estar destruindo valor na economia. Em sequência, a autora analisa o que chama de
“estranhezas contábeis”, fenômenos que distorcem a forma como a riqueza é medida na economia
global. A autora então conclui que é necessária uma teoria do valor incluída ao Sistema de Contas
Nacionais, de modo não somente a corrigir inconsistências mas que, através de um novo tipo de
contabilização, estabeleça uma fronteira de produção clara, coerente e rigorosa.
Agora, voltamos a nossa discussão para capítulos de “Brasil, uma economia que não
aprende”.

OS AUTORES
Mariana Mazzucato é uma economista italiana e leciona na University College of London
(UCL). Reconhecida por levantar debates sobre políticas industriais, é premiada mundialmente e foi
nomeada pela revista WIRED como uma dos 25 líderes que estão moldando o futuro do
capitalismo.

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