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FICHAMENTO DE LEITURA

AUTOR
Nereu Antonio de Costa Junior
Mestrado - Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Regional (PPGDR)
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR)

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
LONG, N. Commoditization: Thesis and Antithesis. In: LONG ,N. VAN DER PLOEG, J.
D., CURTIN, C. et al. The commoditization debate: labour process, strategy and
social network. Wagening, Holanda: Universidade Agrícola de Wagening, 1986.

SÍNTESE
O texto de Norman Long é apresentado na segunda seção do livro “The
commoditization debate: labour process, strategy and social network”. O texto aborda
a mercantilização e seu impacto na economia doméstica e agrícola dos habitantes
rurais, um modelo que tem origem na discussão de Marx aos explicar que as
mercadorias possuem dupla natureza: objetos de utilidade e portadores de valor.
A mercantilização ocorre quando há monetização e fixação de uma forma
universal de valor representando a estimativa social geral de determinados produtos.
O valor é medido pelo mercado, onde o produto possui 'valor de troca' e sua expansão
é chamada por Marx de "produção generalizada de commodities". Para Marx, a
riqueza das sociedades capitalistas repousa sobre o "imenso acúmulo de
mercadorias", cuja troca esconde as relações sociais essenciais à sua produção
baseadas na apropriação do "valor excedente" dos trabalhadores por uma classe
capitalista-proprietária. Por isso, as relações entre bens que circulam em um mercado
devem ser analisadas não apenas na troca em si, mas em termos da quantidade de
trabalho incorporada em sua produção e nas suas relações sociais. É uma tendência
de ver os produtos do trabalho humano como “coisas”, chamada por Marx de
“fetichismo das mercadorias”, que constitui a base da crítica analítica de Marx ao
capitalismo.
O desenvolvimento das relações de mercadorias dentro de ambientes agrários
é considerado significativo, porque o ciclo reprodutivo da casa camponesa torna-se
intimamente ligado ao mercado, transformando a natureza da empresa camponesa,
na medida em que a família não consegue cumprir seus requisitos básicos de consumo
sem recorrer à comercialização de produtos agrícolas ou vender seu próprio trabalho
dentro ou fora da agricultura: é a chamada "fome por dinheiro". Desta forma, a
mercantilização está relacionada ao equilíbrio relativo entre a subsistência e mercado.
Conforme a comercialização cresce, os insumos de produção passam a depender da
disponibilidade de capital ou crédito e as estratégias agrícolas são determinadas por
fatores de mercado e estímulos externos, vinculando, cada vez mais, o agricultor às
forças econômicas externas e estruturas institucionais. Assim, embora os agricultores
possam ser independentes em termos de seu controle sobre a terra e o trabalho, o
capital exerce uma influência substancial sobre as operações internas.
Em palestra na Universidade Agrícola de Wageningen, Bernstein (1985)
ressaltou a importância de considerar uma série de outras questões relacionadas à
mercantilização: Primeiro, a análise da mercantilização deve ser baseada na
existência de diferenças no contexto histórico e no tempo, pois não ocorre ao mesmo
tempo ou da mesma forma em todos os lugares; Segundo, as economias periféricas
devem ser consideradas como economias de mercadorias generalizadas, não
sociedades "pré-capitalistas" ou "camponesas" localizadas à margem dos mercados
capitalistas e das forças econômicas. Essa noção é interpretada de duas maneiras: no
sentido clássico em que todas as condições de produção, troca e distribuição são
mercadorias; ou sem necessariamente implicar que todos os elementos são
totalmente mercadorias ou que a relação capital/trabalho salarial predomina em toda
a estrutura; Terceiro, os processos de mercantilização são muitas vezes diferenciados
e desiguais em seus efeitos regionais; Quarto, há necessidade de considerar o papel
do Estado na promoção da mercantilização.
Bernstein concluiu sua palestra resumindo os principais efeitos desses vários
processos sobre os camponeses do Terceiro Mundo, prevendo três tipos de desfecho
social: Primeiro, a individualização do domicílio camponês em termos de processos de
produção e reprodução, de forma semelhante ao modelo de produção simples de
mercadorias de Friedmann (1981); Segundo, o aumento da diferenciação econômica
entre os camponeses, pois a mercantilização tende a gerar diferenças de acesso a
recursos produtivos e outros que geram divisões sociais na sociedade local; Terceiro,
o desenvolvimento de estratégias econômicas diversificadas que combinam trabalho
agrícola e fora da fazenda. Essas estratégias diversificadas adquirem cada vez mais
significado para as famílias mais pobres, cuja produção agrícola é insuficiente para
atender às suas necessidades básicas em termos de subsistência ou comercialização.
A exposição de Bernstein transmite a riqueza da abordagem da
mercantilização à mudança agrária, cuja maior conquista teórica foi localizar o estudo
da produção de bens camponeses e simples no âmbito de uma análise dos processos
econômicos capitalistas de acumulação, mostrando assim as deficiências tanto do
modelo de Chayanov de "economia doméstica camponesa", quanto de formulações
neomarxistas baseadas no conceito de articulação dos modos de produção.
Uma forte tendência na literatura que trata da mercantilização é a destruição
da "autonomia" da casa camponesa, na medida em que as decisões econômicas são
"determinadas" ou moldadas por fatores do mercado externo. Outra linha de análise
é mostrar como o capital e as instituições externas 'penetram' na fazenda,
gradualmente assumindo o controle dos processos e decisões de produção. Esse
processo pode tomar a forma extrema de delegar a maior parte da reprodução e
grande parte do processo de produção para instituições externas. Isso é o que se
chama de "externalização". Outra tendência é a “individualização" da unidade
doméstica, pois a unidade que passa a ser mercantil é colocada em concorrência com
outras unidades semelhantes que compõem o mundo atomista assumido como
característico da simples produção de mercadorias (Friedmann, 1981).
Outra questão importante envolve a natureza das unidades operacionais dentro
das quais indivíduos ou grupos sociais tomam decisões sobre o sustento e o trabalho,
tornando-se essencial identificar os tipos de unidades e como se relacionam os
elementos mercantis e não-mercantis. Há dificuldade, ainda, na definição do conceito
de "família", que tem sido usado de várias maneiras para se referir a grupos
domésticos co-residenciais, unidades de agrupamento de renda, unidades de
propriedade ou unidades de gerenciamento de recursos. Por outro lado, há situações
em que os agricultores são parte integrante de unidades operacionais que vão além
dos agrupamentos familiares, como cooperativas de agricultores, coletivos estatais,
agricultura contratual ou instituições econômicas formais, como bancos e empresas.
No entanto, embora a integração em mercados e estruturas institucionais
externas possa reduzir o leque de alternativas econômicas disponíveis aos
agricultores, a disponibilidade de mão-de-obra e recursos não assalariados, aliada à
manutenção das redes locais baseadas no parentesco, amizade ou patrocínio, permite
que os agricultores continuem a resolver certos problemas de subsistência e consumo
fora do mercado.
Long evidencia a necessidade de olhar para as respostas dos camponeses a
partir de uma visão ativa e não passiva: o mercado e outras forças "externas" entram
na vida das famílias camponesas, abrindo ou restringindo a escolha econômica,
entretanto são eles que formam suas próprias estratégias agrícolas, mantendo certo
grau de tomada de decisões. Essa "autonomia relativa" é possível porque eles
continuam a controlar como organizam seu próprio trabalho e como se baseiam em
vários fatores não-mercantis de produção. Paradoxalmente a força real e a viabilidade
da produção orientada ao mercado entre camponeses e produtores simples de
mercadorias repousa sobre um conjunto de relações não-mercantis. Em contraste, o
conceito de "individualização" retrata uma imagem totalmente diferente: a da
"atomização", que vai contra a maior parte das evidências empíricas. Olhar para as
respostas ativas dos camponeses também levanta a importante questão da resistência
camponesa à incorporação. Alguns exemplos apresentados ressaltam a importância
de examinar como instituições não capitalistas e formas culturais podem mediar os
efeitos da mercantilização.
Marx argumentou que a noção de troca de mercadorias era, em certo nível,
uma mistificação dos padrões subjacentes de exploração social, mascarados pela
ideologia do fetichismo da mercadoria. Alguns estudos mostram como costumes ditos
“tradicionais” ou noções religiosas reinterpretadas podem ocultar a existência de
contradições cada vez mais profundas entre as classes e, desta forma, facilitar o
processo de exploração capitalista. Ao mesmo tempo é possível argumentar que a
própria persistência das ideologias não capitalistas oferece argumentos para a
resistência ao capitalismo. A coexistência entre “mistificação” versus “resistência
ideológica” fornece a dialética da mercantilização.
Para buscar esses tipos de questões, é essencial livrar o modelo de
mercantilização de seu etnocentrismo implícito. A análise original de Marx foi baseada
no capitalismo industrial do século XIX e não se deve assumir que o esquema pode
simplesmente ser transferido para outros contextos culturais e históricos. Além disso,
Marx nunca teorizou adequadamente sobre como o trabalho e as relações não
mercantis contribuem para o processo de acumulação de capital. Também não deu
peso suficiente às maneiras pelas quais formas não capitalistas podem resistir à
penetração das relações mercantis. A análise da mercantilização entre as populações
camponesas requer, então, que demos mais atenção à documentação e explicação
da natureza heterogênea dos processos econômicos e culturais.
Muitos teóricos da mercantilização apoiam-se em uma espécie de visão linear
da mudança. Embora abordem temas como "desigualidade" e "diversidade local e
regional", não conseguem reconhecer que as estruturas locais às vezes são tão
resistentes que moldam as maneiras pelas quais a expansão capitalista evolui. Esses
processos locais tornam-se uma importante fonte de variação no desenvolvimento das
relações mercantis e pode-se sugerir que as forças externas estão sempre mediadas
por estruturas locais.
Por fim, Long apresenta algumas limitações da abordagem da mercantilização.
Suas deficiências mais importantes podem ser resumidas da seguinte forma:
1. Sua visão de mudança estrutural é unilateral, uma vez que concede pouco
espaço para manobras por parte daqueles que estão sendo mercantilizados;
2. Dá prioridade analítica ao lado capitalista da equação, reduzindo as
respostas locais a uma questão de circunstância empírica e diversidade cultural ou
histórica;
3. Trata-se de uma abordagem estrutural-histórica da análise e não faz
nenhuma tentativa de integrar-se a essa perspectiva orientada para atores que
permitiria uma compreensão mais dinâmica das interrelações entre as relações
mercantis e não-mercantis;
4. Dá pouca atenção às unidades e processos 'operacionais';
5. A não apreciação da importância teórica das relações não-mercantis para as
relações mercantis leva a uma rejeição injustificada dos tipos de explicação
'chayanovianas';
6. A maioria dos estudos dão pouca atenção à importância da ideologia e das
dimensões culturais;
7. Há uma tendência em grande parte da literatura de negar aos camponeses
um papel estratégico e ativo no processo de mercantilização em si.

CITAÇÕES Pág.
One theoretical approach occupies a central place in recent discussions of
agrarian social change. 8
The commoditization model originates from Marx's discussion of the notion of
'commodities' and of how they come into existence. 9
Commoditization is the historical process by which exchange-value comes to
9
assume an increasingly important role in economies.
The expansion of commodity exchange leads eventually to what Marx calls
9
'generalized commodity production'.
...the wealth of capitalist societies rests upon the "immense accumulation of
9
commodities".
Such data have been used as a proxy for establishing how far the household
economy is based on a peasant 'subsistence' as against a 'simple commodity' or 10
'semi-proletarian' economic strategy.
A related issue concerns the extent to which, in areas of growing
commercialization of agriculture, production inputs come to depend upon the
availability of capital or credit (e.g. for the purchase of fertilizers, insecticides,
11
hybrid seeds, or for the hiring of machinery and labour) and how far farming
strategies (e.g. in relation to cropping and labour patterns) are crucially determined
by market factors and external stimuli.
The commoditization model normally assumes that increased commercial
production binds the farmer more and more to external economic forces and 11
institutional structures, leading to less and less independent farm decision-making.
In the first place he mentioned the need to take full account of differences in the
12
history of capitalist expansion.
His second point was that so-called peripheral economies should be considered
as generalized commodity economies, not 'pre-capitalist' or 'peasant' societies 12
located on the margins of capitalist markets and economic forces.
Bernstein's third issue concerned the fact that processes of commoditization are
13
often differentiated and uneven in their regional effects.'
Bernstein's fourth point emphasized the necessity of considering the role of the
14
state in promoting commoditization...
In concluding his talk Bernstein summarized the main effects of these various
processes on Third World peasantries. He suggested that, not withstanding the
15
great diversity of types of peasantry and types of regional and national situations,
one can broadly predict three types of social outcome.
In the first place, the peasant household becomes more individualized in terms of
16
processes of production and reproduction.
The second probable outcome is, as already suggested, increased economic
16
differentiation among peasant farmers.
These considerations suggest a third outcome for some peasant households,
namely the development of diversified economic strategies combining farm and 16
off-farm work.
A strong tendency in much commoditization literature is to posit the destruction of
17
the 'autonomy' of the peasant household.
Another frequent assumption in commoditization studies is that integration into the
wider economic and institutional system leads to the 'individualization' of the 18
household unit...
The market and other 'external' forces enter the life-worlds of peasant households,
opening up or restricting economic choice, but such new factors are, as it were, 19
processed by the peasants themselves.
This discussion of the interrelations between commoditized and non-commoditized
relationships raises, as the above example clearly shows, the much more sticky 20
problem of the role of actors' interpretations and cultural models.
Marx argued that the notion of commodity exchange was on one level a
mystification of underlying patterns of social exploitation. 21
Although they may qualify their discussions by talking about 'unevenness' and
'local and regional diversity', they fail to go one important step further, namely to
acknowledge that local structures are sometimes so resilient that they shape 22
significantly the ways in which capitalist expansion evolves.
Indeed, one can go even further to suggest that external forces are in effect always
mediated by local structures (see, Long, 1984): individuals (e.g. peasants and
workers) must themselves come to terms with new elements in their life-worlds 22
and they naturally do this on the basis of existing 'world views' and institutional
forms.
Its view of structural change is one-sided since it accords little room for manoeuvre
on the part of those being commoditized 22
It therefore gives analytical priority to the capitalist side of the equation, reducing
local and regional responses to a matter of empirical circumstance and cultural or 22
historical diversity.
A final consequence of these various limitations is that there is a tendency in much
of the literature to deny the peasantry a strategic and active role in the process of 23
commoditization itself.

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