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Resíduos da concreteira: o aproveitamento do problema

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Luiz de Brito Prado Vieira Antonio D. Figueiredo


Votorantim Cimentos University of São Paulo
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PESQUISA E DESENVOLVIMENTO

Resíduos da concreteira:
o aproveitamento
do problema
Luiz de B. P. Vieira – Coordenador de projetos
Engemix–Votorantim Cimentos Brasil Ltda

Antonio D. de Figueiredo – Professor associado


Escola Politécnica da USP

1. O problema cato Nacional da Indústria do Cimento), o Brasil atu-

A
tualmente, muitas empresas do setor da almente produz cerca de 30 milhões de metros cúbi-
construção civil vêm buscando uma ade- cos de concreto ao ano neste setor. Assim, 2% deste
quação às exigências de uma construção volume equivalem a 600 mil metros cúbicos que se
mais sustentável e eficiente. Este fato tornam resíduo.
ocorre atrelado à redução dos custos de produção e à Lidar adequadamente com essa enorme quanti-
melhoria da qualidade de produtos e serviços. dade de resíduo é um desafio. Isto exige das concre-
É consenso que o volume de concreto desper- teiras um alinhamento a um modelo de gestão mais
diçado, apesar de bem menor do que o tipicamente moderno e sustentável, capaz de garantir continuida-
encontrado para outros materiais na construção civil, de e crescimento dos negócios no longo prazo. Além
é muito relevante, pois causa um severo impacto am- disso, abre um cenário excelente para aqueles que
biental e financeiro à sociedade. Entretanto, muitos tiverem a competência para transformar esse resíduo
dos envolvidos no processo de construção não conse- em matéria-prima.
guem quantificar o impacto dessa perda, uma vez que
o concreto desperdiçado ou é incorporado à estrutura, 2. Resíduos da produção de concreto
ou é descartado em aterros, ou simplesmente devol- O desperdício da produção de concreto abrange
vido ao fornecedor. não só o resíduo que é gerado na concreteira, como
A ABESC (Associação Brasileira de Serviços de também o desperdício causado na própria obra. O con-
Concretagem) estima que 2% do volume produzido creto excedente da obra tem duas maneiras peculiares
retornam às concreteiras e é descartado como resí- de destinação: aterros e a devolução do material para
& Construções

duo. Outras associações apresentam números ainda a concreteira. Todo custo relativo ao transporte do re-
mais elevados. A FIHP (Federación Iberoamericana del síduo da obra até a destinação final e disposição em
Hormigón Premezclado) estima esse número em 3% aterro é pago pelo construtor. Se o resíduo é devolvido
e a ERMCO (European Ready Mixed Concrete Organiza- para a concreteira, essa responsabilidade passa para
tion) estima em 1%. a mesma. Assim, com o aumento na austeridade de
Baseado nos volumes de cimento despachados gastos e do rigor no manejo de resíduos na obra, o vo-
para as concreteiras apresentados pelo SNIC (Sindi- lume de concreto que é devolvido às concreteiras tem

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PESQUISA E DESENVOLVIMENTO

matéria-prima utilizada no desenvolvimento de estu-


SOBRA dos de dosagem e controle da produção. Este resíduo
52% LASTRO
43% corresponde a cerca de 5% do total de resíduo gerado,
segundo o referido levantamento. Por sua vez, os re-
síduos gerados na fase de entrega são decorrentes de
devoluções de sobras e de lastro, que correspondem
respectivamente a 52% e 43% do volume total de
descarte efetuado pela concreteira (Figura 1).
Entende-se por lastro o material que fica impreg-
nado no interior da betoneira após o descarregamento
PERDAS total do concreto. Por outro lado, a sobra é definida
5% como qualquer volume residual que não é descarrega-
do na obra e que é devolvido à concreteira.
Fig ura 1 – Percentual de volume de resíduos O volume de lastro varia de acordo com algumas
gerados pela concreteira
características do concreto, como, por exemplo, o
abatimento do concreto. Estudos demonstraram que,
aumentado progressivamente. Portanto, a boa gestão
independentemente do volume anteriormente carre-
de resíduos é essencial para qualquer concreteira res-
gado, a cada lavagem de lastro gera entre 30 a 200 kg
ponsável. Além disso, a questão da gestão do resíduo
de resíduo. Como cada betoneira efetua cerca de qua-
tornou-se mais séria desde 2010, com a aprovação da
tro viagens ao dia, a continuidade deste processo faz
Política Nacional de Resíduos Sólidos. Ou seja, cuidar
com que o volume de lastro se torne muito significa-
dos resíduos tem demanda legal.
tivo. A retirada do lastro é necessária para evitar que
Um amplo estudo realizado com 109 concreteiras,
o mesmo venha a aderir às facas internas do balão e,
em 12 estados brasileiros, quantificou o volume de
assim, prejudique a eficiência de homogenização do
resíduo da produção dessas unidades. Eles podem ser
equipamento (Figura 2).
oriundos, fundamentalmente, de perdas do processo
A sobra caracteriza-se por ocorrer pontualmen-
produtivo e dos resíduos gerados durante a fase de
te. O motivo mais corriqueiro está ligado à diferença
entrega e lançamento do concreto. Consideram-se
entre o volume de concreto pedido frente ao volume
perdas do processo produtivo, todo o material que é
efetivamente consumido para a execução da estrutura
descartado por algum motivo antes do concreto ser
na obra. No levantamento realizado, constatou-se que
despachado para a obra, tais como: materiais que
quase 80% das devoluções são ocasionadas porque
caem no pátio, concretos com abatimento inadequado
o pedido da obra traz um acréscimo implícito e 12%
e que são descartados ainda na concreteira, e toda
ocorrem por se ter excedido o tempo de aplicação.

Fig ura 2 – Três momentos do balão betoneira: limpo, com material aderido e soltando após limpeza

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O conhecimento destes valores é fundamental para concreto e isso faz com que a produção de artefa-
o estabelecimento de uma política de gestão de re- tos seja relegada a um segundo plano, reduzindo
síduos. Assim, algumas iniciativas desenvolvidas no sua eficácia;
sentido de minimizar o volume desses resíduos estão n O sistema de tributação nacional é diferenciado:

discutidas no próximo item. enquanto o concreto é uma prestação de serviço,


sendo tributado pelo ISS, o artefato é um produto
3. Iniciativas para redução de resíduos e é tributado por IPI, trazendo implicações jurídicas
Algumas ações foram desenvolvidas por várias e contábeis.
concreteiras para mitigar o problema dos resíduos.
Entretanto, algumas delas, apesar de bem intencio- 4. Metodologias para a eliminação
nadas, carecem de fundamentação técnica e não con- de resíduos
seguem gerar reduções significativas. Alguns dos métodos mais promissores para tratar
Em geral, a conscientização do cliente sobre a im- resíduos em concreteira estão apresentados na Tabela
portância de se reduzir o desperdício não traz gran- 1. Eles podem ser utilizados tanto no caso de sobras
des resultados, apesar de nobre e de possibilitar uma como no caso do lastro, sendo escolhidos em função
aproximação benéfica entre o fornecedor e o clien- do estado físico do concreto.
te. Afinal, nem sempre o foco dos envolvidos está na O reaproveitamento através do uso de aditivos
sustentabilidade, mas na redução de custos com a estabilizadores de hidratação (AEH) é uma possibi-
redução do desperdício, dado que, por menor que seja lidade que tem se mostrado muito favorável. Neste
o empreendimento, há sempre um controle financei- método, o aditivo que atua inibindo temporariamente
ro. O que falta, em geral, é uma gestão aprimorada a hidratação do cimento é aplicado ao concreto no
do processo. estado fresco e possibilita do aumento o tempo de
Outra iniciativa corriqueira é a utilização das so- pega do concreto, viabilizando reaproveitá-lo em ou-
bras de concreto para melhorias na concreteira (con- tro carregamento.
cretagem do pavimento, confecção de blocos para se- O uso de AEH requer conhecimento técnico e a
paração de baias, etc.). Que esse tipo de ação é muito realização de estudos prévios, além da adequação do
útil, mas o problema é que se trata de uma ação li- sistema de pesagem para viabilizar o seu uso. Entre-
mitada, já que a demanda por melhorias da central é tanto, é certo que quem domina o uso deste produto
sempre finita. consegue auferir ganhos significativos, pois o custo
Outra possibilidade é a utilização do resíduo para do aditivo é baixo frente ao custo de disposição do
a produção de artefatos de concreto. Para isso, é ne- resíduo em aterro e ao valor de matérias-primas que
cessário criar uma unidade de fabricação específica na são reaproveitadas. Estudos demonstram que, para
concreteira. No entanto, há grandes dificuldades para
que esse tipo de iniciativa tenha o porte necessário
Tabela 1 – Método adeq uado para eliminação
para se tornar significativa na resolução do problema do resíduo de acordo com o tipo de material
resíduo como, por exemplo:
n A produção e comercialização de artefatos deman-
Material Métodos mais promissores
dam investimentos e estrutura específica para que
& Construções

o processo funcione adequadamente; Reaproveitamento do concreto com a


n A qualidade é difícil de ser mantida a custos baixos, utilização de aditivo estabilizador de
Concreto fresco hidratação (AEH)
uma vez que as composições da sobra variam, de- Recuperação de concreto através da
mandando inserção de matérias primas de forma a separação do agregado por lavagem
Reciclagem através da britagem de
adequá-las à produção de artefatos;
Concreto endurecido concreto endurecido para a produção
n O business core da concreteira é o fornecimento do
de agregado

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PESQUISA E DESENVOLVIMENTO

cada real gasto com AEH, é possível recuperar algo traram que o excesso de material dissolvido na lama
entre 4,5 e 12 reais em matéria-prima. No entanto, é resulta no aumento da demanda de água do concreto
fundamental que os envolvidos estejam cientes que o e interfere negativamente na resistência. Assim, é ne-
concreto com adiantado grau de hidratação, normal- cessário verificar o teor máximo de lama a ser dosado
mente aqueles cujo tempo de carregamento supera os em cada categoria de resistência de concreto.
150 minutos, estabelecidos na ABNT NBR 7212, não A reciclagem do concreto endurecido pode ser
pode ser estabilizado. feita pela britagem, onde o material é reduzido a di-
O uso de AEH também possui riscos, pois o ex- mensões similares à dos agregados. Isto possibilita a
cesso de aditivo poderá causar um grande retardo reintrodução deste resíduo na confecção de concretos
na pega e a falta poderá causar o endurecimento do especialmente dosados para tal.
concreto dentro do caminhão betoneira. Por isso, é Assim como os recicladores, existem vários mo-
necessária a capacitação da equipe da concreteira delos de britadores disponíveis no mercado. A sele-
para gerir bem o reaproveitamento. No entanto, so- ção do equipamento deve visar produzir um agregado
luções implementadas já levaram a um aumento na reciclado com propriedades que viabilizem seu uso
eficácia desta alternativa. Em estudo recente (VIEI- nas concreteiras.
RA, FIGUEIREDO, 2013), comprovou-se que há ganho O britador mais utilizado é do tipo mandíbula devi-
do ponto de vista econômico para o reaproveitamento do à menor geração de finos. Há possibilidade também
de resíduo em concreteiras. Constatou-se ganho de de utilizar peneiras que removam o material mais fino
2% no custo de produção decorrentes da economia do agregado reciclado.
de matéria-prima. A redução do custo de retirada e Não há grandes obstáculos técnicos para a im-
disposição de resíduos diminuiu em 74% e o custo plantação de um sistema de produção de concreto que
de água adquirida de terceiros foi reduzido em quase utilize agregados oriundos da britagem de concretos
65%. O custo de diesel por volume transportado foi endurecidos. Isto ocorre porque a planta necessária
reduzido em 8% devido à menor perda de tempo na para a cominuição do concreto não possui diferenças
lavagem das betoneiras. significativas em relação às utilizadas na produção de
A recuperação de agregados por processo mecâ- agregados provenientes de fontes naturais.
nico consiste na passagem do concreto fresco em um Naturalmente, a viabilidade financeira da reci-
reciclador que, por lavagem com água sob pressão, clagem de agregado na concreteira deve ser avalia-
separa os agregados da pasta. Neste processo, a par- da. É necessário que o ganho com a diminuição dos
cela de cimento mais água de lavagem (lama ou tam- custos com o uso destes agregados e da retirada
bém denominado slurry ) é descarregada em depósitos e disposição de resíduos seja maior que os custos
de água residual. Já, os agregados (mistura de areia relativos à aquisição, instalação e depreciação do
e brita) são descarregados em baias de agregado re- equipamento, além dos custos de operação e manu-
sidual e podem ser reutilizados, tão logo verificada a tenção do novo sistema.
sua adequação. Alguns equipamentos mais modernos Seja qual for a forma de reintrodução do resíduo
possuem sistemas de separação que, através do pe- no concreto (lama ou agregado reciclado), é neces-
neiramento, separam os agregados em duas parcelas sário também realizar um estudo prévio de dosagem
denominadas de areia residual e brita residual, o que para evitar incrementos excessivos de consumo de ci-
facilita sua reaplicação. Existem equipamentos com mento para compensar perdas de desempenho.
distintas capacidades, que podem ser selecionados
em função da demanda de cada concreteira. Entretan- 5. Conclusões
to, a devolução simultânea de várias cargas pode difi- Iniciativas como a utilização de sobras em melho-
cultar o processo devido à excessiva geração de lama. rias nas concreteiras, conscientização de construtores
A própria lama pode ser reutilizada para a mistu- e produção de artefatos de concreto são pouco efe-
ra de novos concretos. No entanto, estudos demons- tivas para resolver de forma consistente o problema

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dos resíduos. Assim, é necessária a utilização de ou- nificativos com economia de matéria-prima e com a
tras metodologias que viabilizem reduções significati- redução do custo de disposição de resíduos. Entretan-
vas na grande quantidade de resíduos que atualmente to, esse método não elimina a totalidade de resíduos
retornam para as concreteiras. de produção.
As técnicas atuais mais promissoras consistem na Os métodos que utilizam equipamentos para re-
utilização de AEH e de equipamentos de reciclagem ciclagem de concreto fresco ou para a britagem de
do concreto, seja no estado fresco ou endurecido. O concreto endurecido, em alguns casos, conseguem
caso específico do uso de AEH, apesar de demandar ser aplicados de forma vantajosa pelas concreteiras.
extensa pesquisa prévia, tem fácil implantação em Entretanto, isso dependerá basicamente dos custos
concreteiras de todos os portes gerando ganhos sig- envolvidos e do porte da concreteira.

R eferên c i a s B i bl i o g rá f i c a s

[01] ABESC. (2003). Concreto Dosado em Central - Meio Século de Serviços ao Brasil. São Paulo: Opera.
[02] FIHP. (2011). hormigón premezclado en Iberoamérica con el fin de promover el desarrollo sostenible. Asamblea FHIP 2011. Brasília: ABESC.
[03] IBRACON. (2009). Concreto: as origens e a evolução do material construtivo mais usado pelo homem. CONCRETO & Construções - Revista
Oficial do IBRACON, 15.
[04] ERMCO. (2011). European Ready Mixed Concrete Organization. Acesso em 01 de 06 de 2012, (ERMCO: http://www.ermco.eu)
[05] VIEIRA, L. B. P., FIGUEIREDO, A. D. Reaproveitamento do concreto com uso de aditivo estabilizador de hidratação em concreteira. 55º
Congresso Brasileiro do Concreto do Instituto Brasileiro do Concreto (IBRACON). Gramado, 2013. l

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