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Bibliografia.
ISBN 85-273-0292-6 (Perspectiva)
ISBN 85-86956-06-6 (Fapesp)
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2002
Sumário
PA CS AASERS
TIO ERAS dr LEE A: ETs SECRI SE TS COTA XII]
O duelo está travado. Os dois campos: definem-se cada vez com maior clareza
Para as massas, De um lado. 05 que querem consolidar no Brasil a mais brutal ditadura
fascista, liquidar os últimos direitos democráticos de nosso povo e acabar a venda é a
escravização do País ao capital estrangeiro. Dêste lado — o integralismo, como brigada
de choque terrorista da reação, De outro, todós os que, nas fileiras da Aliança Nacional
Libertadora, querem defender de tôdas as maneiras a liberdade nacional do Brasil, pão,
terra e liberdade para o seu povo.
[eu]
A situação é de guerra e cada um precisa ocupar 6 seu posto. Cabe à iniciativa das
próprias massas organizar a defesa de suas reuniões, zarantir a vida de seus chefes e-pre-
parar-se ativamente para o momento do assalto. À idéia do ássalio amadurece na cons-
ciência das grándes massas. Cabe aos chefes organizá-las e dirigi-las,
LA
Brasileiros!
Todos vós que estais unidos pelo sofrimento e pela humilhação em rodo o Brasil!
Organiza, vosso ódio contra os dominadores, transformando-o na fôrça irresistível e
invencível da Revolução Brusileira! Vós que nada tendes pára perder e a riqueza imen-
sa de todo o Brasil a ganhar! Arrancai o Brasil das garras do imperialismo e de seus
lacaios! Todos à luta pela libertação nacional do Brasil!
Abaixo o fascismo!
Abaixo o governo: odioso de Vargas!
Por um governo popular nacional revolucionário!
Todo 0 poder à Aliança Nacional Libertadora!” (Apud Silva, 1969:188)
7.1. O LEVANTE
Estima-se que entre mil e cinco mil pessoas foram armadas pelos revo-
lucionários, embora seja pouco provável que todas tenham feito uso
efetivo do armamento recebido. Enquanto parte da tropa ficou no quar-
tel, dando combate a um grupo de militares que ainda resistia, entrin-
cheirado no Pavilhão de Comando, colunas foram despachadas em
direção à cidade, onde se engajaram em renhido tiroteio contra tropas
da Brigada Militar estadual, Alertado, o governo federal despachou
para Recife tropas do Exército sediadas nas vizinhas Paraíba e
Alagoas, que começaram a chegar no dia 25. Atacados simultanea-
mente por forças do Exército e da polícia pernambucana, os rebeldes
não tiveram como resistir por muito tempo, Uma parte tentou se reti-
rar em direção ao interior do Estado para continuar à luta, mas não
teve sucesso. Os últimos a serem localizados foram presos no dia 37,
Neste mesmo dia acabava a rebelião no Rio Grande do Norte,
sufocada pela ação de tropas irregulares sob o comando do “Coronel”
Dinarte Mariz, que atacou os rebeldes no interior, e pela convergência
de tropas federais em direção à capital do Estado. Notícias sobre a
derrota em Recife desempenharam importante papel na derrocada do
governo “popular” de Natal, na medida em que não se acreditava na
possibilidade de uma resistência isolada. O pânico se ióstalou e os
líderes começaram a fugir tentando escapar à inevitável repressão.
Curiosamente, e significativo pará entender à ausência de coorde-
nação nacional dos revolucionários, o levante no Rio de Janeiro teve
início no momento em que as forças da ordem triunfavam no Nordes-
te. A liderança do partido no Rio de Janeiro tomou conhecimento dos
acontecimentos somente na noite de 24, e se reuniu para avaliar a si-
tuação no dia seguinte, segunda-feira. Naquele momento, ainda era
incerto 6 desfecho dos combates, bem como escassas as informações.
Embora tenham sido surpreendidos, os líderes nacionais do PCB rea-
giram, no geral, de maneira otimista, entendendo que era o começo da
revolução brasileira pela qual tanto ansiavam (Vianna, 1992:246),
Avaliava-se que a influência do partido nas unidades militares estacio-
nadas no Rio de Janeiro era grande à ponto de tornar possível uma
vitória. Por outro lado, havia a preocupação de não deixar isolados os
companheiros do Nordeste. A opção pela insurreição foi tomada em
duas reuniões sucessivas, Na primeira, tiveram assento os dirigentes
da Internacional Comunista no Brasil, Arthur Ewert e Rodolpho
Ghioldi, e mais Prestes e Antônio Maciel Bonfim, Secretário-Geral
do PCB. À segunda reunião envolveu os membros do Bureau Político do
PCB, que referendaram a posição assumida no encontro no qual toma-
ram parte os homens do Komintern.
Tomada a decisão pelo levante, Prestes despachou ordens para
Minas e Rio Grande do Sul, além de baixar instruções para os quadros
militares na própria Capital Federal. Estabeleceu-sé que a sublevação
no Rio se daria na madrugada de 27, contando com à adesão do 3º RI.
I88 EM GUARDA CONTRA O “PERIGO VERMELHO"
72. AREAÇÃO
supõe que Vargas comandava tudo do Rio de Janeiro. Ora, nesta épo-
ca o governo federal não dispunha de instrumentos policiais de alcan-
cê nacional; as forças repressivas atuavam subordinadas aos executi-
vos estaduais. Após o levante esta questão foi considerada uma
debilidade grave e só então começou a ser esboçada uma estrutura
policial mais centralizada.
No caso de Recife, se os agentes de Vargas sabiam do que estava
para acontecer, não informaram nem às autoridades federais nem às
estaduais, colhidas de surpresa pelos acontecimentos: o Governador
estava na Europa, o Comandante da Brigada Militar encontrava-se no
Rio Grande do Sul e a principal autoridade do Exército, ó Comandante
da Região Militar, sediada em Recife, também estava ausente. Conve-
nharmos, não teria sido mais razoável preparar a reação? Ironicamente,
a eclosão do movimento, no momento e na forma como OCOrTey, sur-
preendeu à todos, tanto ao governo quanto aos próprios líderes comu-
nistas.
Quanto ao episódio do Rio já não se pode dizer o mesmo, os áto-
res em cena estavam totalmente alertas. Neste quadro, à possibilidade
de ter havido manipulação é maior. Segundo alguns autores, Vargas foi
informado dos planos dos revolucionários e deliberadamente deixou-
Os agir, visando a explorar o impacto sobre a sociedade (Vianna, 1985:29),
Porém, também nesta hipótese “algumas peças não se encaixam”. De
fato, há indícios cabais de que o governo recebeu informações sobre:a
hora do levante. Contudo, provavelmente não sabia exatamente onde
iria ocorrer, nem quem seriam os protagonistas. Se Vargas tivesse cer-
têza sobre os planos de revoltar o 3º RI teria ficado no Palácio presi-
dencial, ao alcance dos rebeldes?
Como já foi dito, a principal medida adotada, além de prender os
comunistas conhecidos da polícia, foi instruir os comandantes das uni-
dades a manterem prontidão rigorosa e vigilância sobre os suspeitos.
Não havia certeza sobre a identidade dos participantes da conspiração,
embora circulassem boatos sobre o envolvimento de alguns oficiais, O
que mais poderia ser feito? Um dos oficiais revolucionários mais com-
prometidos, Agildo Barata, estava inclusive detido no quartel do 3º RI,
o que não impediu sua participação como líder do levante. Aliás, as
autoridades parecem ter considerado negligente a ação dos militares
no comando do Regimento da Praia Vermelha, pois vários oficiais
legalistas foram punidos por apresentarem desempenho insatisfatório
durante a luta”*, O Comandante do Regimento na ocasião, Coronel
Afonso Ferreira, que inclusive foi ferido gravemente durante o bom-
bardeio, parece ter ficado desprestigiado no Exército, pois não rece-
|4., Foram reformados doze oficiais que serviam no 3º RI, úcusados de não reagi-
rem aos rebeldes. Sobre eles pairou a sombra de comportamento covarde, Jornal do
Brasil, 1241936, p. 9,
186 EM GUARDA CONTRA D “PERIGO VERMELHO"
18. Tratava-se de. Antônio Maciel Bonfim, identificado pelo nome falso de
berto Féerriandes, Folha de Minas, 17,1,1936, p. 1.
19, “Combatamos o Mal", por Azeredo Neto, Jornal do Brasil, 2.1.1936.
20. O Estado de &. Puúulo, 6,12.1938. p. 3.
158 EM GUARDA CONTRA O “PERIGO VERMELHO"!
26, Uma análise dás cartas de conteúdo anticomunista enviadas-a Virgas foi feita
por Caneelli, op. cit, pp. 93-96, Elas foram encaminhadas pela assessoria de Vargas do
Ministério da Justiça, em cnjos arquivos podem ser encontradas, À correspondência
recebida por Miiller consta do aceívó preservado no Centro de Pesquisa é Documenta-
ção de História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC/FGV).
27, FM 33.02.1921, AFM, CPDOC/FGV.
28: Em 21.12.1935. EM 33.07 1621, AFM, CPDOC/FGV.
29, Em 28.02.1936. AN, MINI, caixa 297, pasta 1238/36.
30, Em 16.12.1935, FM 33.02.1921, AFM, CPDOC/FGYV,
109 EM GUARDA CONTRA O "PERIGO VERMELHO"
lhor seria considerar o fenômeno como uma relação de mão dupla: se,
por um lado, a reação do “público” foi moldada pelas manchetes dos
jornais. por outro, a imprensa também foi influenciada e reverberou à
repulsa ao comunismo demonstrada por alguns segmentos sociais, O
importante é que às vozes da grande imprensa e dos setores sociais ater-
rorizados em consegiiência do levante, Juntas, representaram um formi-
dável coro à pressionar na direção de medidas anticomunistas. Simul-
taneamente, davam sustentação às ações repressivas do Estado e
pressionavam-no a não aliviar a carga sobre os revolucionários.
As Forças Armadas constituíram outra poderosa fonte de pressão
no sentido de exigir tratamento duro para os revolucionários, bem como
a adoção de medidas drásticas de natureza anticomunista. Poucos dias
após a insurreição, à 3 de dezembro, ocorreu uma reunião de generais
no gabinete do Ministro da Guerra. Entre muitos oficiais legalistas
grassava um sentimento de indignação. passionalismo alimentado pelo
conservadorismo e pela morte de alguns companheiros. Alguns pare-
ciam estar querendo vingança. Indicativo deste estado de espírito é o
fato de surgirem boatos dando conta de ter havido intenção de fuzilar
os rebeldes presos no Rio, Aparentemente, o próprio Ministro da Guer-
ra teria demonstrado tal intento no calor do ataque ao 3º RI, mas foi
convencido a não fazê-lo”.
A reunião dos generais, portanto, teve lugar sob um clima passional
é marcado pelo radicalismo. Durante algumas horas, 25 oficiais gene-
rais em serviço nó Rio de Janeiro, representando parcela expressiva da
cúpula do Exército, encontraram-se para analisar as conseqiiências do
levante. O tom da discussão foi dado pelo Ministro da Guerra, General
João Gomes, que falou da preocupação em relação ao encaminhamento
da punição aos rebeldes. Havia insatisfação quanto à tramitação do
processo judicial, considerada lenta demais, e à brandura das penas pre-
vistas em lei no caso da condenação dos réus. Séesundo o General Go-
mes, os rebeldes receberiam no máximo seis anos e meio de prisão,
pena que considerava modesta frente ao crime cometido. Vários gene-
rais deram sua opinião durante 4 discussão, quase todos reclamando
punições mais severas do que o estabelecido na legislação em vigor,
Alguns lembraram da necessidade de obedecer às leis, de respeitar as
prerrogativas do Congresso e dos poderes constituídos; mas não faltou
quem fizesse ameaças veladas às instituições, caso não fosse fortaleci-
da a capacidade repressiva do Estado.
Ao final do encontro, os presentes votaram uma moção de apoio
ao Ministro. que significava um respaldo dos colegas de farda para
“agir junto aos poderes competentes para que a punição dos crimes
35, Segundo um dos assessores de Vargás, o Presidente mandou dizer ao Gal. Joao
Gomes que não toleraria fuzilamentos, A versão é contestada por outros, CL. Silva, ep,
cin. 1969, pp. 449 e 450.
202 EM GUARDA CONTRA O “PERIGO VERMELHO"
36, Acta da reunião dos Srs. Generaes presentes nesta Capital, realisada no dia 3
de dezembro de mil novecentos e trinta e cinco. GV 35.12.03/3 — XX-49: AGV.
CPDOC/FGV.,
37. O relatório, de onze páginas, encontra-se arquivado em GV 35,.12.03/3 — XX-
RT AGV, CPDOCIFGN,
A PRIMEIRA GRANDE “ONDA” ANTICOMUNISTA: 1935-1937 203
panhar as ações dos militantes do PCB, que usavam como fática pas-
sar de um Estado a outro para fugir à ação policial.
Um capítulo bastante interessante e pouco conhecido da cam-
panha anticomunista pós-1935 teve lugar com à criação da Comis-
são Nacional de Repressão ao Comunismo (CNRC), em janeiro de
1936. O órgão, composto pelo Deputado Adalberto Corrêa (Presi-
dente), pelo General Coelho Neto e pelo Almirante Paes Leme, fi-
cou subordinado ao Ministério da Justiça. Sua função era fazer in-
vestigações sumárias sobre os envolvidos em atividades dé subversão
à ordem, auxiliando 6 Executivo a localizar os elementos perigosos.
À Comissão deveria sugerir ao Ministério da Justiça a abertura de
processos administrativos ou judiciários para punição dos implica-
dos no levante. Suas atividades de investigação deveriam ser facili-
tadas pelos órgãos subordinados à União, notadamente a Polícia do
Distrito Federal. A CNRC foi concebida originalmente para facili-
tar q cumprimento das emendas constitucionais n. 2 e 3, que dispu-
nham sobre a exoneração dos comunistas do serviço público militar
e civil. Seu trabalho era apontar ao governo os culpados, para que
fossem punidos de pronto*!, O procedimento sumário das “investi
gações” e o clima de radicalismo da época nos levam à imasinar
quantos abusos devem ter sido cometidos, em nome da urgência de
combater o comunismo.
Poucos dias após a edição das primeiras instruções, o titular da
Justiça baixou normas complementares para balizar as atividades da
CNRC, que tornaram mais amplo o escopo de sua atuação. O artigo 1º
das instruções complementares estabeleceu um objetivo ambicioso:
“[...] a commissão de repressão ao communismo extenderá sua acção
em todo o territorio nacional [...]”*?. Para contornar a dificuldade de
atingir tal meta autorizava-se a Comissão a nomear delegados para
atuarem nas outras unidades da Federação, O 2º artigo repetia instru-
ção anterior, determinando às autoridades colaboração no trabalho de
investigação. Em seguida aparece a parte mais importante do docu-
mento, as atribuições da CNRC:
São Paulo, São Paulo, Nacional, 1955. É importante mencionar que à polícia federal só.
foi criada após a segunda grande onda anticomunista, em 1965.
41. Instruções do Ministro da Jústiça nos. membros da Comissão, 9/1/56. GV
35.12.03/3 — XXIII; AGV, CDPOC/FGV.,
42. Instruções complementares do Ministro da Justiça à Comissão de Repressão
ao Comunismo, 18.1.1936, GV 35.12.03/3 — XKl-21; AGV, CPDOC/FGV.
206 EM:GUARDA CONTRA O “PERIGO VERMELHO"
bh) — propôr a prisão ou detenção de qualquer pessõa cuja actividade seja repurada
prejudicial ás instituições políticas e sociaes;
E) — propóôr iguaes medidas com relação ás demais pessõas indicadas pelas
instruçções anteriores;
d) — propór medidas tendentes a evitar a propaganda de ideas subversivas pela
Imprensa, ou, de modo geral, pela palavra ou atravez de publicações de qualquer natu-
reza e requisitar u apprehensão e destruição das edições ou publicações:
E) — Organizar, quanto antes, um plano tendenie a uniformisar, em tódo 0 paiz, ae
medidas de repressão ao communismo*,
43. Tdém,
44, Idem.
45. Em 4.3.1936, por exemplo, a Comissão pediu a prisão de um grupo de ferroviá-
rios da Noroeste do Brasil, acusados de-comunismo. AN. MINI caixa 76, pasta 162/36,
46. Em 15,2.1936. AN, MINL caixa 76, pasta 368/36,
47. Em 4.2.1936, a Comissão envia ofício ao Ministro solicitando apreensão de
literatura comunista vendida no Rio de Janeiro. AN, MINL caixa 76. pasta 369/36.
A PRIMEIRA GRANDE “ONDA” ANTICOMUNISTA: 1935-1937 207
53. Vargas foi avisado que o pedido de demissão da CNRC seria a senha para a
detlagração de um movimento militar para derrubá-lo, sob 6 argumento de que O Eo-
vermo não cra enérgico na luta anticomunista. Preocupado, o Presidente tentou protelar
à extinção da Comissão. Vargas; op. cif., pp. 484 e 485.
34. Setores anticomunistas da imprensa procuraram reverberar às pressões sobre
Vargas, cobrando dureza da parte do governo na repressão aos revolucionários, sem
protecionismos. Cf, “O Dever do Governo”. editorial da edição de 24.1936, p.4 dé &
Diário.
35. Esta opinião foi defendida num ártigo do jornal Estado de Minus, 11.3.1937.
[262
56. Nos bastidores, ele era ainda mais radical. Numa reúnião com ministros do
governo (19,3,1936), Corrêa teria defendido à aplicação da pena de morte contra 65
comunistas: Sugériu ainda'a possibilidade de um golpe de Estado, no intuito de obter
reformas mnstitmeionais para fortalecer o governo no combate 46 comunismo, Vargas,
OP. Cil., pp. 488.
A PRIMEIRA GRANDE “ONDA” ANTICOMUNISTA: 1939-1837 208
telectuais que não tinham qualquer relação com 6 PCB. Logo na se-
qúência ao levante começaram a se ouvir as primeiras vozes cobrando
das autoridades o afastamento dos docentes indesejáveis: “[...] não se
deve permittir [...] nas cathedras de nossas escolas o apostolado
communista. Queremos que o sr, Getulio Vargas se valha desta
oppottunidade para um justo “triage””*, Quando as punições vieram.
Meses depois, a atitude “saneadora” do governo foi entusiasticamente
comemorada pela imprensa conservadora”!, que reverberava à satisfa-
ção da opinião anticomunista.
Embora os servidores públicos tenham se tornado vítimas privile-
giadas das perseguições, os trabalhadores da iniciativa privada tam-
bém foram afetados. A Lei de Segurança Nacional, adendada com a
reforma a que foi submetida em dezembro de 1935, autorizava a de-
missão, sem indenizações, de trabalhadores considerados subversivos.
Bastava o empregador solicitar autorização ao Ministério do Trabalho
que, por sua vez, deveria pedir informações à autoridade policial. Con-
firmadas as suspeitas, o trabalhador com idéias comunistas era demiti-
do sumariamente, perdendo qualquer indenização ou vantagem a que
tivesse direito”, Não é difícil] imaginar quantos abusos podem ter sido
cometidos à sombra de tais dispositivos. O patronato não perdeu a
oportunidade, pois algumas empresas receberam o aval do Ministro
do Trabalho para expurgar funcionários suspeitos”, provocando um
montante de demissões difícil de precisar.
Paralelamente à escalada repressiva, desenvolveu-se uma igual-
mente intensa campanha de propaganda contra o comunismo. Ná ótica
dos grupos conservadores, tratava-se não só de combater o inimigo
pela força. mas também de “expeli-lo dos espiritos”*. O levante teve o
efeito de provocar um consenso entre as elites eo governo do país, que
se convenceram da necessidade urgente de promover uma ofensiva pro-
Pagandística de caráter anticomunista. Os agentes principais deste
processo, Estado, imprensa e Igreja católica, eventualmente, acusa-
ram-se mutuamente de falta de empenho, mas de maneira geral traba-
lharam em conjunto em prol da causa comum.
77. “Os políticos podem ter esquecido à jornada tragica dé 97 de novembro. Não a
esquecerão [...] 05 que expuzeram à vida por este ideal”, A Offensiva, 17.1.1937, p. 1.
78. O Diário, 8.6,1937, p.5.
A PRIMEIRA GRANDE "ONDA" ANTICOMUNISTA: 1935-1937 21
Pl
saparecido. Outros temas começaram a ocupar as atenções, como a
corrida presidencial, por exemplo. Ainda assim, a ofensiva contra o co-
munismo, que eletrizou o país entré o final de 1935 e a primeira metade
do ano seguinte, foi vigorosa a ponto de enraizar um forte sentimento
anticomunista na população, que foi manipulado pelos promotores do
erande engodo de 1937.
O arrefecimento da mobilização anticomunista trouxe desdobra-
mentos políticos importantes. O poder excepcional conferido ao Pre-
sidente por meio do Estado de Guerra, que vinha sendo renovado con-
tinuamente desde novembro de 1935, terminou em junho de 1937. Os
parlamentares mostraram-se pouco receptivos à idéia de renovar por
mais três meses o Estado de Guerra, e o governo preferiu não solicitar
a prorrogação. Movia os políticos o desejo de retornar à normalidade
institucional, a partir do entendimento de que não havia mais razão
para manter o regime de exceção”, Por outro lado, as eleições presiden-
ciais estavam marcadas para o início de 1938 e a campanha sucessória
começava a ganhar as ruas. Os grupos ligados às candidaturas anstavam
por um clima de liberdade política, a fim de viabilizar as campanhas e
a própria eleição.
Por volta de meados de 1937, a situação parecia mesmo caminhar
para a normalização institucional. Além da restauração das prerrogati-
vas liberais e do início da corrida eleitoral, que se fez acompanhar de
algumas práticas democráticas (mobilizações políticas e comícios, por
exemplo). outros sinais sugeriam a chegada de um horizonte político
menos carregado. No mesmo mês de junho, o Ministro da Justiça José
Carlos de Macedo Soares. recentemente alçado ao cargo, começou a
ordenar a soltura de presos políticos sem culpa formada até então. À
“macedada”, nome pelo qual ficou conhecida essa libertação em mas-
sa, devolveu às ruas algumas centenas de “hóspedes” da polícia, contri-
buindo assim para esvaziar os cárceres do governo (Dulles. 1985:110),
Em meados de setembro, mais um bom augúrio: o Supremo Tri-
bunal Militar (STM), agindo na qualidade de instância judiciária supe-
rior ao TSN, acolheu favoravelmente alguns recursos interpostos con-
tra decisões tomadas por este. O STM anulou ou reduziu algumas
penas originalmente imputadas pelo TSN. Foram beneficiadas perso-
nalidades importantes, como os parlamentares presos em março de
1936. Mas o caso mais rumoroso foi o de Pedro Ernesto, O ex-prefeito
do Distrito Federal foi julgado culpado pelo TSN, mas o STM acolheu
seu recurso e 6 absolveu.
79. Dario de Alineida Magalhães, figura importante dos Diários Associados, co-
memorou 6 retorno à normalidade: “Não se justificava que, por mais tempo, continuás-
semos no regime de puro arbitrio governamental, [...] O trabalho de repressão se exer-
ceu com energia e efficacia. Não surgiram outros focos graves de agitação vermelha”,
Estudo de Minas, 15:6.1937, p, 1,
216 EM GUARDA CONTRA Q "PERIGO VERMELHO"
Não teremos muito quê esperar. Novo golpe communista rebentará dentro em
poco. E então o silencio será interrompido. Então os catholicos eniudecidos, 05 depu-
tados silenciosos, à imprénsa arrolhada, os governantes politiqueiros gritarão.
Gritarão na ponta da faca dos magarefes communistas.
Gritarão diánie de soas filhas e esposas violadas.
Gritarão diante de seus bens saqueados.
Grilarão diánte de suas igrejas incendiadas e de seus altárés profanados.
Gritarão sob eazorrague dos senhores communistas, que teem pelo menos: a sa-
gacidade de não perder as occasiões é de não se enternecer com os sentimentalismos,
como bem o demonstraram em 1935, Esses luxos sentimentaes ficam para os ministros
de estado”,
88, Na mesma data foi realizada uma romaria ao túmulo do Tenente Bragança, em
Belo Horizonte (Folha de Minas, 23,9.1937, p. 1), O principal promotor fot o Gov. Bene-
dito Valladares, um dos maiores esteios civis do golpe perpetrado a 10 de novembro,
89. O Jornal, 1710.1937, p. 7. Alguns jornais divulgaram o furo no dia 30,9,
jactando-se de possuírem boas fontes (“Está sendo preparada nova revolução
comimunista no Brasil", O Diário, 30,09.1397, p. 1), mas a maioria só o fez no primei-
ro dia de outubro. É interessante observar que os contemporâneos praticamente não
usaram à expressão “Plano Cohen”, Sua udoção generalizada deu-se em período
posterior.
sean) EM GUARDA CONTRA O “PERIGO VERMELHO"
Não é fantasia das autoridades, não é temor que nos domina 65 animos. Os docu-
mentos de origem comunista, vindos do exterior ou editados em nosso proprio territorio
são copiosos e precisos. As atitudes agressivas dos elementos recentemente postos em
liberdade são publicas e evidentes. [..].
A propaganda comunista invade todos 08 setores da atividade publica e privada,
O comercio, 1a industria, as classes laboriosas. a sociedade em geral e a propria familia
Vivem em constante sobressalio.
Já conhece a Nação 6 plano de ação comunista desvendado pelo Estado Maior do
Exército. [...],
Nada disto é fantasia. [...).
A polícia [,..] tem informações seguras de que a explosão:se dará antes das elei-
ções gerais de 3 de janeiro do ano vindouro, eleições cuja realização o comunismo
deliberou impedir.
[6
ta
Mau grado essas informações, que são fidedignas e precisas, não poderá a polícia
fuzer abortar o colpé que se prepara, pois as proprias leis atuais constituem obstaculo
insuperavel á ação da autoridade e consequentemente um poderoso incentivo á pratica
de delitos lesa-patria, |---)
Em presença deste espetaculo ameaçador e lastimavel todos podem emudecer —
menos às Forças Armadas. |...)
As Forças Armadas constituem o unico elemento capaz de salvar o Brasil da
catastrófe prestes a explodir |..].
Impõe-se, contra à ação nefasta iminente, a ação honesta e salvadora das instituí-
ções nacionais.
A luta será violenta, sem quarteis. E nela tudo é questão de iniciativas; quem
perdê-la estará comprometido, pelo menos no primeiro momento, Lá está o exemplo da
Hespanha, flagrante, expressivo, irrefutável,
Assim, é preciso asir, e agir imediatamente, sem parar ante às Mais respeitaveis
considerações.
Acima de tudo está a salvação da Patria".
Fica à dúvida se as evidências representam uma farsa policial. hipótese mais provável,
Ou se o tradutor alterou o conteúdo da obra. CL. Acção, 14.19.1937, p. 16.
100. “Eliminando os maus livros da Biblioteca Pública”. O Diário, 13,4.1938, e
3. O livro de Maurícia de Medeiros, Russia, que causara polêmica no início da década,
encontrava-se entre os interditados,
101, Trecho final de discurso proferido por Alceu Amoroso Lima (“Os males do
comunismo e 65 meios de combate-lo”), transmitido na “Hora do Brasil”, Este progra
ma, produzido pelo DNF, montou uma série de palestras radiofônicas de orientação
anticomunista. Jornal do Brasil, 9,12.1937, p. 7.
102. Estado de Minas, 26.10.1937. p. 1. O furor demonstrado por Agaménon
Magalhães deveu-se, em parte, à preocupação de mostrar-se um anticomunista convic:
to e militante. Pretendia, certamente, apagar às acusações, feitas meses antes, de que
Leria vínculos com o comunismo.
A PRIMEIRA GRANDE "ONDA" ANTICOMUNISTA: 1935-1937 725