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ROTEIROS E PERSONAGENS

autor
FRANCISCO CARLOS MALTA

1ª edição
SESES
rio de janeiro  2019
Conselho editorial  roberto paes e gisele lima

Autor do original  francisco carlos malta

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  andré lage, luís salgueiro e luana barbosa da silva

Projeto gráfico  paulo vitor bastos

Diagramação  bfs media

Revisão linguística  bfs media

Revisão de conteúdo  sidney nicolau venturi filho, regina lúcia napolitano felício
félix batista e guilherme dutra g. jaime

Imagem de capa  natalia nosova | shutterstock.com

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

M261r Malta, Francisco Carlos


Roteiros e personagens / Francisco Carlos Malta.
Rio de Janeiro: SESES, 2019.
104 p: il.

isbn: 978-85-5548-687-6.

1. Roteiro. 2. Personagens. 3. Games. 4. Jogos digitais. I. SESES.


II. Estácio.
cdd 005.1

Diretoria de Ensino – Fábrica de Conhecimento


Av. das Américas, 4.200 – Barra da Tijuca
Campus Tom Jobim – Rio de Janeiro – RJ – CEP: 22640-102
Sumário
Prefácio 5

1. Da criação aos personagens 7


Conceito de roteiro 9
Diferenças de roteiro 12

A criação de um personagem 13

Ficha do personagem 19

Personagem para jogos 21

A figura do herói 23

Criando a história 24

2. Argumento: a criação e o desenvolvimento


da história 29
Criando a história 30

Storyline 31

Argumento ou sinopse, eis a questão 32

Crise, clímax e desfecho 37

Desenvolvendo o argumento 38

Argumento para jogos 40

Apresentação da trama 41

Desenvolvimento do jogo 42

Escaleta 43

3. Roteirizando: dos formatos clássicos


aos games 47
Arquétipos 49

Sequência e cena 58

Modelos de estruturas para diversas mídias 60


4. Storyboard e tipos de roteiros 63
Game Design Document 65

Esboço do jogo 67

GDD-dez páginas 67

Seguindo as dicas 69

Storyboard nos jogos eletrônicos 70

Os tipos de roteiros 71

Adaptação de roteiros à estrutura de jogos 73

A adaptação em si 76

O roteiro: desvendando o texto 77

Os produtos licenciados 78

Apropriações ou transformações? 79

5. Jogos eletrônicos e jogabilidade 83


Design narrativo para artefatos digitais 84

A narrativa visual nos jogos bidimensionais e tridimensionais 85

A interatividade no cinema e nos jogos eletrônicos 86

Narrativa emergente e narrativa embutida 88

Construindo contextos: o processo de adaptação 89


A criação dos personagens nos games 93

Mundos transmídia 95

Gráfico de ritmos 96
Prefácio

Prezados(as) alunos(as),

O processo de criação de uma história é uma das etapas mais prazerosas na


construção de um game. Uma vez que você pensou a história, é chegado o mo-
mento de escolher quem vai contar essa história e porque o telespectador/jogador
deve se guiar por essa narrativa.
O mundo moderno nos trouxe grandes benefícios, principalmente, pelos apa-
ratos tecnológicos, mas se por um lado percebemos o tempo escorrendo pelas
mãos, por outro nos vemos cercados de um suporte para criação de novas histórias
pelo digital e neste quesito, o nosso percurso melhorou. Hoje, não basta apenas so-
nhar. Sonhar e realizar tornou-se mais possível mediante as diferentes plataformas.
O propósito deste livro é ajudá-lo a se guiar pelo caminho da história, ofere-
cendo como base os princípios primordiais da dramaturgia, fazendo uma ponte
do clássico ao contemporâneo. Alguns pontos serão fundamentais nesta jornada,
tais como: concepção da ideia, storyline, elaboração do argumento, criação dos
personagens, escaleta, criação de cenas, roteirização final e o projeto do GDD
(Game Design Document). São muitas ferramentas que estarão disponíveis para
você construir a melhor história, isso inclui o estudo dos arquétipos e também da
jornada do herói.
E esses, portanto, serão os temas principais deste livro Roteiro e Personagens:
o fazer dramatúrgico voltado para a linguagem dos games. Por fim, o livro oferece
as ferramentas necessárias para quem está ingressando no mundo dos jogos e quer
entender a criação do roteiro com seus desafios.

Bons estudos!

5
1
Da criação aos
personagens
Da criação aos personagens
O ato de contar uma história é uma das mais velhas formas de comunicação
humana. Faz parte do indivíduo a predisposição para ouvir ou contar histórias.
O tecer narrativo em si ocorre no encadear das ideias e nos elementos que vão se
construindo com os personagens até chegar ao seu desfecho. Ao longo dos séculos,
as formas de se contar histórias foram se sofisticando, se antes tínhamos as foguei-
ras, hoje temos as redes sociais e lá também são contadas histórias.
Mudam-se as ferramentas, mas prevalecem as formas. Do entorno das foguei-
ras aos jogos de games, são muitas tramas diferentes em seu processo criativo. Por
ora, alguns personagens nos conduzem a mundos fantásticos, por outra, perso-
nagens nos permitem salvar o planeta, viver um romance perigoso, conhecer o
mundo, ser dono de grandes empresas e viver tudo aquilo que não podemos viver
no mundo real, mas que no processo de imersão de uma história será possível, pois
o que nos interessa no fundo de toda trama é como contar.
Qual a melhor forma de se comunicar com o público? Lembre-se, história é his-
tória e você pode encontrá-la em uma música, em um noticiário de TV, no capítulo
do seriado ou da telenovela, em uma notícia de jornal, ou talvez em um comercial
de Publicidade. Quem sabe em um poema? Outra coisa: não tente reinventar a roda.
Uma boa história é clássica, com começo, meio e fim. O máximo que você pode
fazer para subverter a técnica é conhecendo a técnica e seus tipos de narrativas. Mas
isso é um assunto para outro capítulo. Pelo momento, o nosso foco é este: como
contar uma história? Eis aí algo que um roteirista precisa ter: foco.
Ao pensar a escrita de um roteiro original, o principal objetivo é transfor-
mar palavras em imagens. Todo escrito será construído visando a um público de
cinema, sendo essa a primeira etapa para a realização de um filme. O roteiro é
o elemento-chave para a produção e criação artística, portanto, toda construção
cinematográfica que se pretende abordar, no que tange à história, surge pelo mes-
mo processo.
Diferente da criação de um romance, o roteiro cinematográfico não é consi-
derado texto literário, embora narre uma história, apresente personagens e diálo-
gos. São diversos os elementos implicadores dessa discussão. Em comum com o
romance, o roteiro narra a história, descreve lugares e ambientes, mas difere da
criação de um livro, pois não se preocupa com a expressão de uma língua nem
com figuras de linguagens, recursos esses destinados à literatura. Por outro lado,
seu processo de escrita apresenta os efeitos visuais, indica trilha sonora, cortes e
posição de câmera; elementos estes exclusivos do audiovisual.

capítulo 1 •8
OBJETIVOS
•  Compreender o conceito de narrativa audiovisual;
•  Identificar os elementos que compõem a narrativa audiovisual;
•  Reconhecer as etapas do processo criativo do roteiro;
•  Ordenar os fatos cronologicamente, segundo a sua ocorrência na linha narrativa;
•  Diferenciar os diferentes roteiros para cinema, TV ou games;
•  Aprender o processo de construção dos personagens.

Conceito de roteiro

Todo o nosso conceito de dramaturgia em que trabalhamos hoje vem da an-


tiga Grécia. Aristóteles (1984) nos ensinou as definições básicas da narrativa e
ao longo dos decênios fomos modificando para melhor contar. Vem dos antigos
gregos a ideia que todas as histórias têm Ethos, Pathos e Logos. A partir de agora
essa estrutura faz parte dos seus estudos. Logos é a palavra, o discurso por trás
da narrativa, ao passo que Pathos é a paixão, ou conflito que se estabelece. Está
ligado ao drama. Para Comparato, “o pathos afeta os personagens que, arrastados
por sua própria história e drama, reagem aos fatos se convertendo em heróis ou
vítimas, ou inclusive em motivo de divertimento em uma comédia para os ou-
tros.” (COMPARATO, 2009, p. 30). Ou seja, é o conflito que joga a história para
frente. Já o Ethos é a ética, os aspectos de moralidade da história, ou ainda, como
define Comparato, “o significado último da história, as suas implicações sociais,
políticas, existenciais e anímicas”. (COMPARATO, 2009, p. 30). Com base neste
triângulo, todas as histórias são construídas, seja para qual formato for.
Escrever um roteiro é um trabalho de recortar palavras. Oito em cada dez
roteiristas se defendem com esta frase. Afinal, são horas à frente da tela, tempo de
pesquisa e ajustes, na busca de uma história bem contada e uma trama inteligente,
para construção da carpintaria narrativa. Então, qual o mistério? Por que escrever
um roteiro é sempre um desafio? O roteiro, antes de tudo, exige técnica e quase
sempre é escrito para o audiovisual. Robert Mckee assinala que “da inspiração ao
último tratamento, a escrita de um roteiro pode levar tanto tempo quanto um
romance.” (MCKEE, 2006, p. 19)

capítulo 1 •9
Antes de tudo, precisamos entender: o que é um roteiro? Syd Field, respeitado
roteirista americano, apresenta sua definição:

O que é um roteiro? Um guia, um projeto para um filme? Uma planta baixa ou diagra-
ma? Uma série de imagens, cenas e sequências enfeixadas com diálogo e descrições,
como uma penca de peras? O cenário de um sonho? Uma coleção de ideias? O que
é um roteiro? Bem, não é um romance e certamente não é uma peça de teatro. Se
você olha um romance e tenta definir sua natureza essencial, nota que a ação dra-
mática, o enredo, geralmente acontece na mente do personagem principal. Privamos,
entre outras coisas, de pensamentos, sentimentos, palavras, ações, memórias, sonhos,
esperanças, ambições e opiniões do personagem. Se outros personagens entram na
história, o enredo incorpora também seu ponto de vista, mas a ação sempre retorna
ao personagem principal. Em um romance, a ação acontece na mente do personagem,
dentro do universo mental da ação dramática. Em uma peça de teatro, a ação, ou en-
redo, ocorre no palco, sob o arco do proscênio, e a plateia torna-se a quarta parede,
espreitando as vidas dos personagens. Eles falam sobre suas esperanças e seus so-
nhos, passado e planos futuros, discutem suas necessidades e seus desejos, medos
e conflitos. Neste caso, a ação da peça ocorre na linguagem da ação dramática; que é
falada, em palavras. (FIELD, 1982, p.11)

O roteiro originou-se das peças de teatro, diretamente dos clássicos gregos.


Depois, desenvolveu-se em séculos de teatro no Ocidente. Roteiro é um caminho
não determinado, que pode sofrer diferentes mudanças. Ou seja, é também uma
rota, indicando que o personagem sai de um lugar, passa por outras trilhas até
alcançar seu objetivo.
Todo roteiro deve ter um começo, meio e fim. Na teoria de Aristóteles (1984),
com base em sua análise da tragédia grega, isto significa que toda expressão dra-
mática tem um período para se manifestar. Grande parte dos roteiristas segue a
estrutura dramática tradicional, como herança do teatro grego.
O roteiro não vai narrar uma trama, e sim mostrar o desenvolvimento da
história, como a trama chega ao telespectador. Luiz Carlos Maciel, em seu livro O
poder do clímax, fala da função do roteirista: “o roteirista tem que indicar o que
vai acontecer naquela cena, seu conteúdo, o que vai ser visto, mais do que como
vai ser visto”. (MACIEL, 2003, p. 15). Não existe uma receita para contar uma
história, cada trama é uma trama, cada narrativa exige um modelo a ser contado.
Escrever, seja para cinema, games ou TV, exige arte, técnica e conhecimento.
No Brasil ainda não existe nenhuma escola que se destine à formação de ro-
teiristas, embora o mercado seja cada vez mais amplo. Noventa por cento dos
profissionais são autodidatas; essa falha na formação profissional é uma lacuna
que sempre prejudica o resultado final. Para Syd Field “Um roteiro é uma história

capítulo 1 • 10
contada em imagens, com diálogos e descrições, localizada dentro do contexto da
estrutura dramática. Estrutura é o fundamento de todo roteiro – é a espinha, o
esqueleto que ‘mantém’ tudo coeso.” (FIELD, 1982, p. 17)
No momento em que um escritor define sua história, seja para o cinema,
televisão ou literatura, o cuidado com o desenrolar da narrativa é o mesmo. A
preocupação com a linguagem, com a estrutura da trama e o perfil dos persona-
gens é a mesma. São dois tipos de pensamentos que atendem a uma mudança de
formato, exigências essas de cada ofício. O fato é que, se consideramos o roteiro
cinematográfico como literatura ou autoral, especificamente no caso de um filme,
vai se abrir outro debate: quem é o autor do filme? O roteiro é uma ferramenta de
suma importância, mas até o corte final, muitos outros elementos contribuíram
para contar essa história. Isso já o difere do romance, em que toda construção e
responsabilidade recai no escritor da obra. Kaufman aponta que o termo autor
“surgiu exatamente para chamar atenção do público para o fato de que um filme é
feito da orquestração de diversos elementos visuais e sonoros, e não da fidelidade a
um texto – essa sim autoritária e limitativa.” (KAUFMAN, 2008, p. 27)
Vamos exemplificar algumas situações, para um avanço na discussão. Segundo
as regras dos roteiristas, um bom roteiro é aquele em que o roteirista interfere o
mínimo possível no trabalho do diretor, ou seja, o roteirista precisa se concentrar
na história, na trama e suas subtramas e não em querer determinar situações téc-
nicas, como onde a câmera deve ser usada ou qual o plano a ser filmado. Em um
roteiro, cada sequência aparece enumerada e com sua descrição de efeitos, indica-
ção de lugar, cenários, trilha e uma formatação muito peculiar, hoje cada vez mais
sofisticada com as novas tecnologias no que tange à formatação deste texto. Abaixo
um cabeçalho do roteiro de Earth e Beyond , um NPC. A narrativa explora os
perigos e benefícios de um novo planeta diferentes da terra.

capítulo 1 • 11
Loric
Deixa para lá. Por que imitar os antigos e seus s celestiais se você pode ficar
na Estação Terra, tomar uma Coca e entediar-se mortalmente? Por que sonhar se
você pode se desligar? Você sabe? Você acha que de Winter está fazendo alguma
coisa com o ar daqui?

Jogador
Não sei.

Loric
Respire fundo. Vá em frente. Parece que há alguma coisa nele. É como se ela
estivesse desesperada para que nos achássemos maravilhoso. Ela é dona do ar, você
sabe. (NOVAK, 2011, p.178)

No fragmento anterior, pode-se observar que o roteirista não faz indicação


de termos técnicos, se concentra na história, procurando reforçar os pontos de
apresentação. Como podemos perceber, a estrutura do roteiro mostra elementos
que compõem o drama. Newton Cannito afirma que “o roteiro é um instrumento
de comunicação e deve ser escrito de modo a facilitar ao seu leitor a visualização
da história.” (CANNITO, 2010, p.24). Com base no exposto, vamos fazer uma
comparação com outro roteiro escrito para o audiovisual.

Diferenças de roteiro

Outros formatos de roteiro também são admitidos no audiovisual, porém,


cada área contém sua particularidade. Na Publicidade, por exemplo, o roteiro en-
contra-se voltado para a organização das ideias do redator-criador, o protagonista é
sempre um produto, pois é escrito para vender uma ideia. Tecnicamente podemos
dizer que é um texto sintético, embora ela tenha as mesmas ordenadas como cena,
sequência, unidade de espaço, tempo e ação.
Hoje, com a tecnologia, a própria forma de se contar uma história se mul-
tiplicou, afinal, vivemos em uma era transmídia. Mas o que é transmídia? Nos
capítulos posteriores vamos falar sobre isso, pois nesta etapa o foco é a construção
da base de uma estrutura de roteiro.
Mas, e se eu quiser fazer um documentário? Preciso de roteiro?

capítulo 1 • 12
A prática documental é bem diferente da ficção, visto que estamos trabalhan-
do com personagem real. A maioria dos documentários trabalha com práticas
que estão associadas à ficção, como roteirização, encenação, reconstituição, ensaio,
interpretação, marcação de luz. Bill Nichols afirma que a “tradição do documentá-
rio está profundamente enraizada na capacidade de transmitir uma impressão de
autenticidade.” (NICHOLS, 2016, p. 19). Documentários contam histórias sobre
o que acontece no mundo real. Nesse campo de investigação, a linha principal
começa pela pesquisa sobre o tema e os personagens, somente a partir disso que
será elaborado um roteiro.

A criação de um personagem

Para se contar uma narrativa é preciso ter um narrador, elemento este que vai
ser apresentado por um personagem, o qual irá conduzir a trama, o enredo prin-
cipal e as tramas secundárias. São os personagens que vivem fatos ocorridos em
determinado tempo e espaço, contados por alguém: o narrador. Este personagem
é alguém com o qual o leitor/telespectador precisa se identificar, portanto necessi-
ta de uma empatia que desperte amor ou raiva, e até mesmo uma dubiedade para
deixá-lo mais humano. Nessa força centralizadora, reside o protagonista, aquele
que vai dar rumo à história e seu antagonista, quem fará força oposta. Segundo
David Howard “mesmo nas histórias com muitos personagens, e com estrutu-
ra diferente, cada subenredo dentro da história principal tem seu protagonista.”
(HOWARD e MABLEY, 1996, p. 58). Lembrando ainda que o conflito do pro-
tagonista pode ser interno (psicológico) ou externo.
Para Mckee, a chave da verdadeira personagem é o desejo. Em suas palavras,
“o verdadeiro personagem só pode ser expresso por meio de uma escolha em um
dilema. Como a pessoa escolhe agir sob pressão é quem ela é – quanto maior a
pressão, mais verdadeira e profunda a escolha do personagem.” (MCKEE, 2006,
p. 351). O conflito vivenciado pelo personagem pode ser de cunho social, religio-
so, econômico e psicológico. Eis o ponto de partida.
Protagonista vem do grego prôtos (“primeiro”) e agonistés (“combatente”), essa
é a definição apresentada por Flávio de Campos, que ainda esclarece sobre a esco-
lha do personagem principal. Para Campos a seleção de personagem principal da
narrativa “segue a mesma demanda da seleção do principal ponto de vista do seu
narrador, estabelecer uma referência a partir da qual a narrativa será composta e,
mais tarde, recebida pelo espectador – e assim, dar unidade e facilitar composição
e recepção.” (CAMPOS, 2007, p. 108)

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A escolha do protagonista pelo senso comum pede um antagonista. Campos
(2007) afirma que o que define o antagonista não é o seu perfil e sim sua função
de antagonizar, e esclarece que por sua definição relativa, o antagonista “existe
apenas em relação ao personagem que ele antagoniza –, um antagonista tanto
pode ser personagem redondo, quanto um tipo ou um arquétipo. (CAMPOS,
2007, p. 151)
O autor reforça também que um personagem pode antagonizar outro na his-
tória toda, em um incidente, em uma cena, em um segmento de cena ou apenas
em uma fala, em um gesto.
Aristóteles, em sua obra Poética, no capítulo cinco, destaca que assim como
na composição da narrativa, “a composição dos personagens também deve seguir
o necessário ou o provável, de modo que, como as ações se desdobram segundo a
necessidade ou a probabilidade”. (ARISTÓTELES, 1984, p. 56). Nesta linha de
construção, um personagem de determinado caráter fala e age segundo a necessi-
dade ou a probabilidade.
Muito se discute hoje sobre o novo jeito de escrever um personagem.
Personagens de seriados, como: Família Soprano, Revenge e BreakingBad, La casa
de papel chamaram a atenção por trazerem para a narrativa um protagonista criado
com atitudes politicamente incorretas e isso de fato humanizou o personagem e
fez o público se identificar. Mesmo as telenovelas brasileiras que fazem sucesso no
Brasil e no exterior se adequaram a este caminho, procurando apresentar persona-
gens críveis. Podemos destacar José Alfredo de Medeiros, protagonista da novela
Império, de Aguinaldo Silva, e interpretado por Alexandre Nero. A novela ganhou
o Emmy Internacional em 2015. Como não se lembrar de Carminha, interpre-
tada por Adriana Esteves em Avenida Brasil? (2012). E os personagens de Game
of Thrones? Todos em busca do trono de ferro e por este motivo provocam erros
absolutamente humanos.
Não podemos esquecer que se a televisão procurou trazer personagens mais na
linha do politicamente correto, já a literatura e o cinema apresentavam personagens
mais complexos há muito tempo. Podemos destacar O poderoso chefão, de Francis
Ford Coppola (1972), e o romance Ligações Perigosas, de Choderlos de Laclos
(1782), que na ocasião foi considerada pelos críticos como uma obra diabólica.
O personagem criado deve ter uma ficha como um indivíduo, afinal, você
acredita nele como ser da sua história e para tanto o mesmo deve ter todas as ca-
racterísticas completas que são pautadas pelas características físicas e psicológicas.

capítulo 1 • 14
Mais do que isso, ao construir um personagem você deve elencar todos os ele-
mentos possíveis, desde a data do seu nascimento a um segredo do passado. Para
Comparato, “Personagem vem a ser algo como personalidade e se aplica às pes-
soas com um caráter definido que aparece na narração.” (COMPARATO, 2009,
p. 26). Para o autor, a linha de construção de um personagem deve ter as mesmas
necessidades de um ser, e completa: “temos as mesmas necessidades, os mesmos
quereres, os mesmos medos e inseguranças; queremos ser amados, ter pessoas
como nós, ter sucesso, sermos felizes e saudáveis. Somos o mesmo, sob a pele.”
(COMPARATO, 2009, p. 27)
O roteirista americano Syd Field nos ensina a construção das personagens pela
teoria dos três P’s: privado, profissional e pessoal. Vale acrescentar o quarto P: o
passado. Em especial pelas narrativas de seriado ou games, o passado sempre pode
nos trazer algum desdobramento na narrativa.

Pessoal: seu personagem principal é solteiro, viúvo, casado, separado ou divorciado?


Se casado, com quem? Quando? Como é o relacionamento do casal? Social ou isola-
do? Muitos amigos e atividade social ou poucos amigos? O casamento é sólido ou o
personagem pensa em ter, ou tem, casos extraconjugais? Se solteiro, como é sua vida
de solteiro? É divorciado? Há um monte de possibilidades dramáticas em uma pessoa
divorciada. Quando tiver dúvidas sobre o personagem, recorra à sua própria vida. Per-
gunte-se – se eu estivesse naquela situação, o que faria no lugar do meu personagem?
Defina os relacionamentos pessoais do personagem.
Privado: o que faz seu personagem quando está sozinho? Assiste à TV? Exercita-se
– corre ou pedala, por exemplo? Tem algum animal de estimação? De que tipo? Cole-
ciona selos ou tem algum hobby interessante? Em suma, isso cobre a área da vida de
seu personagem quando está sozinho.
Profissional: o que faz para viver? Onde trabalha? É o vice-presidente de um banco?
Um operário de construção? Um bêbado? Um cientista? Um gigolô? O que ele faz?
Se o personagem trabalha num escritório, o que ele faz lá? Qual o seu relacionamento
com os colegas? Convivem bem? Ajudam um ao outro? Confiam um no outro? Rela-
cionam-se fora do trabalho? Como ele se dá com o patrão? Em um bom relaciona-
mento ou com algum ressentimento pelo fato de as coisas estarem do jeito que estão,
ou pelo salário inadequado? Quando puder definir e explorar os relacionamentos, o
personagem principal com as outras pessoas de sua vida, você estará criando uma
personalidade e um ponto de vista. E este é o ponto de partida da caracterização. (SYD
FIELD, 1982, p. 30)

Outra sugestão dos mestres do cinema é acrescentar o passado. Qual inciden-


te que aconteceu que fez seu personagem querer esquecer o passado? Ele foge de

capítulo 1 • 15
quem? Mudou de identidade? O que ele esconde ou de quem se esconde? Que
tipo de segredo não pode ser revelado? São muitas as nuances que podemos explo-
rar com o passado de um personagem.
A criação de um personagem é um dos pontos mais importantes dentro de
uma história, afinal, nós acompanhamos as histórias pelos personagens e, portan-
to, é importante que ele tenha traços de humanidade. Eu leitor, ou telespectador
preciso acreditar neste personagem para seguir a trama. A escolha do protagonista
é crucial para a estrutura narrativa, um protagonista mal escrito gera o afasta-
mento do público e consequentemente não será sucesso. Mesmo em um game,
a delineação do personagem protagonista é de suma importância, pois o jogador
precisa ser motivado a entrar no jogo e vivenciar aquela trama.
Um bom exemplo é de The Last Of Us. No game, acompanhamos a saga de
Joel e Ellie em um mundo pós-apocalíptico e completamente devastado. O se-
gredo da narrativa é o fio de esperança dizendo que há espaço para humanidade.
O processo de criação de um personagem é a escrita e a prática e, claro, a sua
observação cotidiana. Repare as pessoas nas ruas, em casa, na universidade, ônibus
ou no metrô. Todos são seres completamente diferentes e protagonistas de suas vi-
das. Cada um ali carrega consigo uma história, uma dor, um objetivo e um sonho.
Qual será o segredo desta pessoa? E o jeito que ela fala e por que se comunica assim?
O cabelo foge ao usual? A maquiagem é pesada? Qual a mensagem por trás disso?
Personagem é pergunta e resposta, e ao longo da sua construção, irão sempre
surgir perguntas, respostas e dúvidas, principalmente, as dúvidas. E em determi-
nado momento, o seu personagem vai dizer, “eu jamais faria isso” ou “essa atitude
não combina comigo”. Conviva muito tempo com os personagens e saberá o que
estou dizendo. Personagem manda recado nos sonhos e às vezes o chama na rua.
Uma boa dica para começar essa construção é fazer uma ficha cadastral bem bási-
ca, mas com intuito de atender essa sua primeira demanda, que é conhecer a sua
criação. Revele seu personagem.
Vamos explorar as diferenças de roteiro.
A construção da narrativa de um capítulo de ficção seriada exige uma lin-
guagem simples, sem nenhum rebuscamento. Isso não quer dizer que o público
precisa ser negligenciado. A telenovela é um folhetim eletrônico e visa se comu-
nicar com o máximo de público possível. Em uma vertente semelhante, não que
a literatura não pretenda isso, mas a linguagem em si e o estilo de cada escritor já

capítulo 1 • 16
define o seu público. Pensando sobre a autoria cinematográfica, o diretor e rotei-
rista Charlie Kaufman analisa o termo “autor”. Segundo Kaufman o termo “tem
também um sentido simbólico, pois ele indica a presença de um ser pensante que
se expressa por meio do filme, o que, por sua vez, atribui ao trabalho um valor
artístico.” (KAUFMAN apud SAYAD, 2008, p. 28). O processo criativo sempre
apresenta especulações, mas o que define o estilo narrativo é o que a imagem re-
vela, seja no enquadramento, nos movimentos de câmera ou na montagem final.
Diferente da criação de um romance, o roteiro cinematográfico não é consi-
derado texto literário, embora narre uma história, apresente personagens e diálo-
gos. São diversos os elementos implicadores dessa discussão. Em comum com o
romance, o roteiro narra a história, descreve lugares e ambientes, mas difere da
criação de um livro, pois não se preocupa com a expressão de uma língua nem
com figuras de linguagens, recursos esses destinados à literatura.
Por outro lado, seu processo de escrita apresenta os efeitos visuais, indica trilha
sonora, cortes, posição de câmera, elementos estes exclusivos do audiovisual.
O parâmetro de discussão da construção do roteiro cinematográfico ser litera-
tura ou não deixa transparecer sempre algum grau de subserviência aos cânones.
É importante observar que o registro escrito, seja para o roteiro ou romance e
depois o filme ou game, resume-se ao fato de que ambos são narrativas. O escopo
semântico atende a necessidade de contar uma trama, sugerindo e descrevendo
cena a cena. O filme em si é a ampliação do registro dessa leitura e escrita. Na linha
de apresentação, o roteiro é construído para um leitor especializado, visto que é
um preparatório antes das filmagens e nesse texto são possíveis muitas versões até
chegar a um resultado satisfatório.
A tentativa de associar roteiro cinematográfico à literatura é uma vontade de
afirmar o potencial do texto, esquecendo que essa proposta é outra linguagem.
Hoje, o trabalho de um roteirista ganhou mais visibilidade, disputando espaço
que era sempre dedicado aos diretores da indústria cinematográfica. Brett Martin
fala da figura do chamado: showrunner, “termo utilizado nos Estados Unidos para
designar a pessoa responsável pela série de televisão, que assume um controle cada
vez maior na criação e execução do produto.” (MARTIN, 2014, p. 25). No Brasil,
são os nossos respeitados novelistas, que a TV Globo enobrece como uma grife
para cada horário. No universo de criação de game, é comum também o trabalho
do roteirista ser direcionado por um showrunner.

capítulo 1 • 17
É importante ressaltar que algumas correntes teóricas querem mostrar o rotei-
ro cinematográfico como literatura fragmentada, não reconhecendo sua diferença
de estilo. Há claramente uma confusão com a literatura moderna, o que não vem
ao caso nesse contexto. Se, por um lado, no início do século, o roteiro buscava
uma apresentação, como cinema de autor por uma via literária, por outro lado,
esse diálogo não condiz hoje com a indústria do cinema, que se ampliou e tem a
seu favor a tecnologia.
Barthes teceu considerações importantes em A morte do autor (1968). Para o
filósofo, cada leitor atribuía à obra um significado diverso, que pode ser determi-
nado pelo contexto histórico, político ou social em que o leitor se encontra. Em
outras palavras, quem define o significado da obra é o leitor, e é, portanto, variável.
O que o audiovisual oferece, propicia ao telespectador outro mundo a ser
descoberto, porém, com a imagem já definida. O diretor e roteirista Jorge Furtado
é quem apresenta uma melhor definição para a discussão: roteiro versus literatura.
Para Furtado:

Só a leitura produz escritores e só a leitura produz bons cineastas. O cinema e a televi-


são criam imagens, a leitura cria imaginação. É na sua produção cultural que um povo
se reconhece e, se reconhecendo, pode se transformar. (FURTADO, 2003, p. 5)

Como se pode notar são duas linguagens ricas que ora se coadunam, ora se
afastam, mas mantêm a criação em sua infinita possibilidade. O mesmo ocorre
com os jogos que são adaptados para o cinema, os quais serão estudados mais
à frente.
No fundo, o que todo roteirista quer é contar uma boa história, que prenda
atenção do público, que instigue a imaginação, que o envolva e o deixe transbor-
dando de emoção, em que a ponta do novelo inicial se junte à ponta final e, juntas,
tornem-se uma só. Boas histórias são lembranças, bons personagens são inesque-
cíveis. Fernando Pessoa, um dos maiores poetas da língua portuguesa já dizia que
“Nada se sabe, tudo se imagina.”
Em acordo com Barthes podemos, por tudo que foi exposto, perceber que a
escrita cinematográfica obedece a outro registro e não existe o compromisso de
fazer literatura nem pensar no leitor. O trabalho do roteirista é pensar em imagens.
Como traduzir melhor uma ideia em imagens? Ao passo que, o trabalho com a pa-
lavra escrita, exige outros elementos em um contexto puramente argumentativo.

capítulo 1 • 18
São duas propostas que se aproximam, mas cada uma dentro de uma vertente. Se
for para enquadrá-lo em um gênero, o roteiro merece outra catalogação. Agora
vamos criar um personagem. Que tal começar pela sua ficha? A seguir, temos uma
ficha com diferentes sugestões e você pode acrescentar outras.

Ficha do personagem

Nome:
Data de nascimento:
Signo:
País:
Onde mora?
Com quem mora?
Estado civil?
Como ele é fisicamente?
Como ele fala?
Possui algum tique nervoso?
Como ele se relaciona com a família?
Como ele se relaciona com os vizinhos e amigos?
Quando está sozinho em que ele pensa?
Possui algum trauma de infância?
Esconde algum segredo do passado?
Quais seus hobbies?
Possui algum desequilíbrio emocional?
É bem resolvido sexualmente?
Como ele lida com a pressão? É explosivo, calmo ou mediano?
Qual seu medo?
Qual seu grande objetivo na vida?

Em editais, é comum que pedirem o perfil dos personagens de forma bem


resumida. Serão trabalhados dois exemplos para você perceber que mesmo com
um curto espaço, como é o caso dos editais que nos colocam limites de caracte-
res, é possível passar essa informação. Os personagens a seguir são de Games of
Thrones que é um jogo e um seriado. A saga tem base na série de livros A Song of
Ice and Fire, de George R. R. Martin. Vamos analisar o perfil de dois personagens.
Adiante, temos Jon Snow.

capítulo 1 • 19
©© LUNATICTM | SHUTTERSTOCK.COM

Jon snow
Jovem e destemido, é o filho bastardo de Ned
Stark. Possui traços fortes, estatura alta e magra,
rosto longo, cabelos longos e escuros que ressalta
seu ar de guerreiro. Seu sobrenome Snow foi dado
pela sua origem que são as crianças ilegítimas do
Norte. É desprezado pela madrasta, mas se dá mui-
to bem com os irmãos. Bastardo é a palavra que
mais usam para referir a ele. Seu pai Ned Stark o
trata como intruso na família, mas isso só deixou
Snow mais forte e com isso ele se tornou mais inde-
pendente e sabe se defender de todas as ciladas.
Sabendo que suas pretensões de vida são limitadas pela sua condição de filho
bastardo, Jon se junta à Patrulha da Noite, que guarda as fronteiras norte do rei-
no dos Selvagens, um povo que vive além da muralha. Quando a família Stark
encontra uma grande adversidade, Jon permanece na Patrulha em nome de seu
juramento e sua honra. Ao longo de sua trajetória, ele adota um lobo albino de
olhos avermelhados. A seguir, vamos falar do perfil de Cersei Lannister.
©© CHRISTIAN BERTRAND | SHUTTERSTOCK.COM

Cersei lannister
Ambição é a palavra que a define melhor. Estatura mediana, magra, branca,
loira e com cabelos longos. Na trama, Cersei Lannister, a rainha dos Sete Reinos
de Westeros, é a esposa do rei Robert Baratheon. Seu casamento foi arrumado pelo
pai. Bonita e sedutora, ela usa de todas as armas para conseguir o que deseja. Não
joga para perder e faz tudo em nome da sua família. Esconde um grande segredo
com seu irmão.

capítulo 1 • 20
Daenerys targaryen
Jovem de estatura mediana possui cabelos loiro-platinados, olhos violeta e
com uma beleza incomum. Sofreu com a tirania do irmão que sempre a ame-
drontou. Determinada, busca justiça e põe fim à escravidão no reino. Ao longo da
trama, ela entra na pira ardente e emerge ilesa com três dragões recém-nascidos, os
quais ela nomeia: Drogon, Viserion e Rhaegal.
Como você pôde perceber, não é tão difícil escrever o perfil de um persona-
gem em forma resumida, mas não deixando de esclarecer seus principais pontos
de conflito.
Para games, temos algumas categorias que são especiais e tornam-se necessá-
rios estes esclarecimentos. No processo de elaboração de um game, os personagens
dividem-se em personagens de jogador e personagens não jogadores, ou como
explica Jeannie Novak (2010), são aqueles personagens também conhecidos como
NPCS, uma abreviação de non-player characters. Às vezes, um único jogador pode
controlar vários personagens jogador, como se fosse uma equipe esportiva ou em
tropas militares. Evidentemente, alguns games não contem personagens. É o que
acontece com a maioria dos games de quebra-cabeça, nos quais o jogador interage
apenas com o quebra-cabeça e não assume o papel de um personagem.

Personagem para jogos

O avanço da tecnologia cada vez mais oferece suporte para ampliação das
narrativas. Hoje, um autor dificilmente se limita a criar um único universo em
uma obra, os criadores procuram construir ambientes atraentes e que não se esgo-
tem em uma única mídia. O universo é maior do que o filme, maior até do que a
franquia e, como ensinou Jenkins, “as especulações e elaborações dos fãs também
expandem o universo em várias direções.” (JENKINS, 2009, p. 162). Na constru-
ção de personagens de game, Jeannie Novak defende:

Os personagens de um game dividem-se em personagens de jogador e persona-


gens não jogadores, também conhecidos como NPCs, uma abreviação de non-player
characters. Às vezes um único jogador pode controlar vários personagens de um joga-
dor (frequentemente em grupo, como em uma equipe esportiva ou em tropas militares).
(NOVAK, 2011, p. 154)

No universo do game, temos além dos personagens os avatares de jogador.


Novak assim o explica “personagens de jogador são personagens ou outras entida-
des no mundo do game que são controlados pelos jogadores. Quando o jogador

capítulo 1 • 21
controla apenas um personagem, este é chamado de avatar.” (NOVAK, 2010, p.
154). A conexão direta entre ambos ocasionalmente pode resultar na atribuição
pelo jogador de uma identidade pessoal ao avatar. Isso pode ser mais pronunciado
se o avatar exibir características e ações realistas. Quando joga um game, você
sente que realmente assumiu o papel do personagem? Você, às vezes, se reconhece
no personagem? E os tipos de personagens em game? Jeannie Novak nos apresenta
cinco categorias. Vamos a elas.
•  Animais: Sonic the Hedgehog é um exemplo de personagem animal. Segundo
Novak “esses personagens, comuns nos games comercializados para famílias ou
crianças, frequentemente têm características humanas.” (NOVAK, 2010, p. 156).
Um exemplo disso são os tênis de Sonic para aumentar a identificação entre joga-
dor e personagem. Os protagonistas animais foram popularizados nos desenhos
animais, como Pernalonga e Mickey Mouse.
•  Fictícios: personagens que não têm equivalentes no mundo real enqua-
dram-se na categoria dos personagens fictícios. Para Novak “essa categoria abrange
qualquer personagem que tenha sido criado especificamente para um game, e não
licenciado a partir de um personagem preexistente.” (NOVAK, 2010, p. 156).
São exemplos Mario, Luigi, Wario (o rival de Mario), Lara Croft, Duke Nukem
e Pac Man
•  Históricos: Novak define como sendo “os personagens históricos que têm
equivantes distintos no mundo real, frequentemente do passado. “(NOVAK,
2010, p. 156). Os games políticos e militares voltados para eventos do mundo
real utilizam personagens históricos, inclusive Benjamin Wallace, em games como
Allys Adventure e Medieval: Total War.
•  Licenciados: um personagem licenciado também existe no mundo real,
mas em uma mídia preexistente. Esses personagens geralmente são fictícios, mas
segundo Novak “com uma identidade reconhecida na literatura, nas histórias em
quadrinhos, no cinema ou na televisão.” (NOVAK, 2010, p. 156). Exemplos são:
James Bond, Frodo (Senhor dos anéis), Neo (Matrix), Harry Potter e Bart Simpson
são exemplos dessa categoria de personagens. É importante ter em mente que
personagens licenciados só podem aparecer em games mediante permissão do de-
tentor da licença, o que geralmente custa muito caro. Quando licenciam persona-
gens preexistentes, os desenvolvedores de games não precisam começar do zero no
desenvolvimento visual, verbal ou da personalidade do personagem.

capítulo 1 • 22
•  Míticos: Novak afirma que “os personagens da categoria mítica têm equi-
valentes na mitologia de todo o mundo.” (NOVAK, 2010, p. 156). Muitos RPGs,
como Neverwinter Nights e Everquest, usam personagens míticos convencionais
como ogros e trolls. Age of Mitlology, um game de estratégia voltado especifica-
mente para a mitologia, contém ciclopes, a Medusa e outros personagens das mi-
tologias gregas, egípcia e nórdica.

Uma vez construídos os personagens e iniciado o trabalho de roteirização du-


rante o processo da escrita, pode acontecer o deslocamento de cenas da ordem
original da sequência, no seu aspecto dramático, ou cortes que diminuem ou até
eliminam a densidade de algumas subtramas que agregariam a composição das
personagens, e isso um roteiro não pode prever.

A figura do herói

Onde o herói entra na história? No capítulo posterior, vamos trabalhar os


arquétipos e a jornada do herói, mas vamos dar um esboço aqui, sobre como de-
vemos envolver o herói em nossas histórias sejam elas quais forem. Em relação aos
games, sempre existe o debate: o que é mais importante: história ou game? Para
alguns designers, as histórias são importantes, pois envolvem o jogador. Já outros
designers discordam, pois acham que a história é simplesmente o que as pessoas
usam para descrever o jogo quando terminam.
Scott Rogers reforça que “designers a favor da história recrutam que os jogos
são uma mídia artística, usada para contar uma história.” (ROGERS, 2014, p.
61), enquanto os designers que são contra as histórias contra-argumentam que
uma história é o que você assiste enquanto o jogo carrega. Em toda história, seja
cinema, TV, seriado ou game você vai precisar de um herói, o seu protagonista
e este herói tem um desejo e vai enfrentar muitos obstáculos para atender esse
desejo.
Não existe o mito da originalidade, o próprio William Shakespeare que é um
dos maiores dramaturgos universais, sempre partia em seu processo de escrita pela
história de outros autores, um bom exemplo disso é Romeu e Julieta que o original
pertence a Mateo Bandello.

capítulo 1 • 23
Criando a história

“Eu não estou preparado”. É comum ouvirmos isso no início do processo de


criação de uma história, mas a verdade é que preparado ninguém está, ou seja,
não existe outra solução a não ser arriscar. Afinal, é arriscando que se aprende e
se constrói as histórias. O trabalho do roteirista é muitas vezes solitário, pois o
mesmo encontra-se imerso em seu processo de criação. Quando você se tornar
um profissional, vai poder dividir suas angústias com a equipe e pode trocar uma
ideia a respeito da construção dos atos na trama ou o desfecho de determinado
personagem.
E como ser um bom roteirista? A resposta é simples. Escrevendo, praticando,
observando. Um médico não se torna médico apenas acompanhando outros co-
legas; é preciso dedicação e muito estudo. O nosso processo é o mesmo e exige
dedicação e estudo. Você deve ler de tudo, biografias, texto para teatro, roteiros
de cinema, revista em quadrinhos e principalmente muita literatura, visto que a
literatura é o suporte para toda dramaturgia.
Estamos em pleno século XXI e não cabe mais o romantismo do século XVIII
de esperar a tal inspiração, pois saiba que ela não virá, caso isso aconteça, torça
para que ela o pegue trabalhando. Vamos lá, vou elencar alguns pontos cruciais e
você vai começar comigo.
•  Tema; •  Trama;
•  Ideia; •  História.
•  Personagens;

Estes cinco pontos apresentados vão servir para ser como guia na criação da
sua história. O primeiro item é o tema, escreva diversos temas em seu bloco de
anotações e depois escolha quais deles você gostaria de trabalhar e, principalmen-
te, que tipo de personagem o seu tema vai permitir ser trabalhado na história.
O segundo item é a ideia. Qual a ideia que você teve para desenvolver o tema
e costurar com personagens? Procure direcionar para uma ou duas ideias e deixe as
outras ali do lado, pois mais a frente poderá usá-las.
Personagens é o nosso terceiro item. Quem vai guiar a sua história? É um
homem? Uma mulher? Um menino? Um avatar? Seja lá quem for, é o mais im-
portante, pois o público precisa acreditar nele para seguir a sua jornada. A escolha
de um personagem diz muito sobre a história e o que ela se propõe. É preciso
credibilidade para superar os obstáculos e o público não gosta de ser enganado.

capítulo 1 • 24
A trama é o desenrolar físico dos acontecimentos, são os pontos de virada e
todos os obstáculos que vamos enfrentar ao longo da narrativa.
A história é o desenvolvimento emocional destes acontecimentos. Aqui se en-
contram todos os elementos reunidos e principalmente o conflito que foi estabe-
lecido. Sem conflito não há história. Sempre pense em história e procure associar
o conflito ao tema, assim os elementos por si só irão encadeando e deixando uma
gama de opções para o seu tecer narrativo. Aqui na história é preciso delinear qual
será o clímax? O clímax é onde o conflito atinge o seu grau máximo e assim tere-
mos o desfecho da história em seguida. Para Newton Cannito, clímax :

É o momento mais intenso de um drama, em que todas as cartas estão na mesa. É de


grande utilidade que, a certa altura do desenvolvimento do trabalho de escrita, esse
ponto fique claro para o autor. Sendo o ápice do plot, todos os demais elementos deve-
rão tê-lo como parâmetro. E não apenas quanto ao que vai acontecer (como vai acabar
tudo isso?), mas em relação às emoções mobilizadas pela narrativa. Quer dizer, nesse
ponto concentram-se não apenas as respostas para o suspense da pergunta geral que
sustenta o plot – a solução do enigma, em sentido amplo: eles saem da caverna. João
se casa com Maria etc. – mas também estão nele adensadas as intenções do autor.
(CANNITO, 2009, p.127)

Importante frisar que os plots são os pontos de desenvolvimento em uma nar-


rativa. Em toda jornada do seu protagonista, será necessário construir os termos
que o levarão em sua busca e principalmente como o mesmo irá driblar cada
problema. Lembrando que o conflito deve sempre se agravar na medida em que a
história avança, pois assim vai criando no telespectador o desejo de acompanhar o
desfecho e o clímax da trama.
Uma vez que você iniciou estes cinco itens, faça um checklist com as sugestões
do roteirista Newton Cannito. “De que se trata a história? O que foi que você
viu? Qual foi a sua intenção? O que você esperava que o público sentisse, pen-
sasse, vivesse? Com que disposição você deseja que as pessoas saiam do cinema?”
(CANNITO, 2009, p. 40). O mesmo vale para o seu game. Outra sugestão tam-
bém é alterar a intenção do filme do ponto de vista do personagem. Experimente
mudar a história. Para melhor ou para pior, você estará exercitando e achando o
norte da sua narrativa. O processo de criação é intuitivo, imediato; crie e não se
critique. Nenhum grande roteirista começou ganhando um Oscar em seu pri-
meiro escrito, portanto mãos à obra e sem essa de que tem uma ideia na cabeça.
A ideia precisa estar no papel, afinal sua a intenção como roteirista é contar uma
história. Se não está no papel, não estará na tela.

capítulo 1 • 25
ATIVIDADES
01. Vamos trabalhar com um conto de fadas para exercitar. O conto escolhido será Chapeu-
zinho Vermelho. A história foi escrita pela primeira vez pelo francês Charles Perrault e depois
pelos Irmãos Grimm. A história clássica oferece todos os elementos para virar um videogame.
Leia o conto novamente, descreva os personagens e faça suas escolhas para os jogos.

CONEXÃO
Leia a entrevista de Ricky Cambier,Lead Game Designer de The Last of Us, da Naughty
Dog. Disponível em: <http://rubberchickengames.com/2013/05/23/entrevista-the-last-o-
f-us-a-inspiracao-para-ellie-veio-de-uncharted-2>. Acesso em: mai. 2018.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CESAR, C. Como criar personagens. São Paulo: Europa, 2015.
HUIZINGA, J. Homo Ludens. O Jogo Como Elemento da Cultura. São Paulo: Perspectiva, 2017.
MANTOVI, P. Roteiros & criação de personagens – Série Aprenda e Faça. São Paulo: Criativo,
2014.

Referências complementares
CHANDLER, H. Manual de Produção de Jogos Digitais. São Paulo: Bookman, 2012.
MCGONNIGAL, J. A Realidade em Jogo. São Paulo: Best Seller, 2012.
MUSBURGER, Robert. Roteiro para mídia eletrônica. 1. ed. São Paulo: Campus, 2008.
RABIGER, Michael. Direçâo de cinema: Técnicas e Estética. 1. ed. São Paulo: Campus.
SCHUYTEMA, Paul. Design de Games – Uma Abordagem Prática. 1. ed. São Paulo: Cengage
Learning, 2008.

Referências sugeridas
ARISTÓTELES. Poética. São Paulo: Nova Cultural, 1984. (Coleção Os Pensadores)
CAMPOS, Flávio de. Roteiro de cinema e televisão. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
COMPARATO, Doc. Da criação ao roteiro. Rio de Janeiro: Rocco, 1995.
FIELD, Syd. Como resolver problemas de roteiro. São Paulo: Objetiva, 2002.

capítulo 1 • 26
FURTADO, Jorge. A adaptação literária para cinema e televisão. Palestra na Jornada Nacional de
Literatura. Passo Fundo-RS, 2003.
JENKINS, H. A cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2009.
HUTCHEON, Linda. Uma teoria da adaptação. Santa Catarina: Editora UFSC, 2010.
MACIEL, Luiz Carlos. O poder do clímax: fundamentos do roteiro de cinema e TV. Rio de Janeiro:
São Paulo: Record, 2003.
MARTIN, Brett. Homens difíceis. Rio de Janeiro: Editora Aleph, 2014.
MCKEE, Robert. Story. Curitiba: Arte e Letra, 2006.
NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. Campinas: Papirus, 2016.
NOVAK, Jeannie. Desenvolvimento de Games. São Paulo: Cengage Learning, 2010.
ROGERS, Scott. Level UP: um guia para o design de grandes jogos. São Paulo: Blucher, 2012.
SARAIVA, Leandro e CANNITO, Newton. Manual de roteiro ou Manuel, o primo pobre dos
manuais de cinema e TV. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2009.
SAYAD, Cecilia. O jogo da reinvenção. Charlie Kaufman no cinema. São Paulo: Alameda, 2008.

Referências games
Game of Thrones. Galápagos jogos.
The Last of Us, Naughty Dog (PlayStation 3 e 4)

capítulo 1 • 27
capítulo 1 • 28
2
Argumento:
a criação e o
desenvolvimento da
história
Argumento: a criação e o desenvolvimento da
história

A linha de uma construção narrativa em um roteiro cinematográfico surge


de uma ideia que posteriormente será transformada em um argumento e este,
por sua vez, receberá o tratamento de um roteiro com seus diálogos, personagens
e implicações desta gramática audiovisual. Este viés de edificação atende a uma
necessidade da história e aos elementos que precisamos para compor o universo
imagético. Dentro desta proposta, encontra-se o trabalho da pesquisa, um dos
pilares fundamentais para a realização do roteiro.
Nesta etapa vamos partir da escolha da ideia, passando pela Storyline, pela
Escaleta, até chegarmos à elaboração do Argumento. Quais são os elementos im-
plicadores nesse processo de escrita? Dúvidas e dificuldades que podem ocorrer
durante a escrita do projeto de roteiro.

OBJETIVOS
•  Elaborar uma Storyline;
•  Conhecer a Escaleta e suas implicações no desenvolvimento do roteiro;
•  Identificar a divisão de atos;
•  Formular o desenvolvimento de um argumento cinematográfico.

Criando a história

Quando o escritor tem uma ideia para o desenvolvimento de uma história,


seja para cinema, televisão, teatro, literatura ou game, o mesmo rascunha perso-
nagens e temas para assim construir o seu roteiro. É necessário que se faça uma
pesquisa para o desenvolvimento do argumento inicial, o contexto da história ou
do personagem. Naturalmente que nem todos trabalham dentro desse procedi-
mento, assim como nem todos os roteiros necessitam de uma pesquisa prévia, pois
a pesquisa atende a uma necessidade de suporte para a história.
Dentro do argumento deve estar toda linha narrativa que envolve as liga-
ções entre os personagens, portanto, em um primeiro tratamento é possível que

capítulo 2 • 30
sua história mude ao desenvolver as cenas e não há nenhum problema que isso
aconteça.
Sem dúvida que a elaboração do argumento é uma das partes mais impor-
tantes no seu processo de criação, visto que é com base no argumento que uma
produtora irá comprar ou não o seu projeto. Só por essa razão, é já indispensável
dizer o quão importante é essa etapa do projeto de roteiro, pois aqui você estará
literalmente vendendo o seu filme ou jogo e, para que isso aconteça, alguém do
outro lado, na figura de um produtor, precisa enxergar na sua história um poten-
cial para que seu projeto saia do papel para a realidade.
O argumento em si deve conter absolutamente tudo sobre a história, desde
o personagem principal, os personagens coadjuvantes, assim como os cenários
que você irá utilizar e a divisão de atos completos da história. É com base nesse
argumento que o produtor pode pedir para você desenvolver o roteiro ou não, e
também pode sugerir modificações para atender o orçamento da produção.
Escolha bem qual personagem irá protagonizar uma história. É com base no
seu protagonista que todo argumento deve ser escrito. No argumento não existe
espaço para histórias banais, o espaço é pequeno e, portanto, o foco deve ficar na
trama principal e no máximo em personagens secundários que tenham alguma
ligação com o protagonista e o contexto abordado. Vamos trabalhar algumas fer-
ramentas que serão bastante utilizadas na construção da história.

Storyline

Storyline é o resumo da história principal. É onde o roteirista precisa expressar


com total clareza o fio condutor da trama deixando nítido o conflito. A constru-
ção e a objetividade da narrativa principal precisam ser descritas em uma storyline,
procurando não exceder cinco linhas. Toda trama deve ter um único parágrafo,
com tempo verbal no presente e economia de adjetivos, além de englobar a apre-
sentação, o desenvolvimento do conflito e a solução. A seguir, temos uma storyline
do jogo The last of us:

Vinte anos após uma epidemia ter transformado a nossa civilização, os humanos afeta-
dos tornaram-se selvagens e os sobreviventes estão matando uns aos outros por comi-
da, armas... Joel, um sobrevivente violento, é contratado para retirar uma garota de 14
anos, Ellie, de dentro de uma zona de quarentena militar opressora, porém, o que começa
como um pequeno trabalho, logo se transforma em uma jornada brutal pelos EUA.

capítulo 2 • 31
Figura 2.1  –  Fonte: Sony Playstation.

Pelo exposto anteriormente, fica bastante evidente que a preocupação é a tra-


ma, a história que vai contar. É de fácil entendimento que aqui não temos figuras
de linguagem, como hipérboles, paradoxos, cacofonias etc. Por outro lado, temos
o foco na escrita que se propõe a sintetizar a storyline do jogo.

Argumento ou sinopse, eis a questão

Muito se discute sobre o conceito de um argumento ou uma sinopse, mas, via


de regra, ambos atendem às mesmas exigências, portanto têm a mesma função e
dizem a mesma coisa. A título de exemplificação, vamos contextualizar com dois
autores. Para Flavio Campos, “o resumo da história que se vai narrar em um rotei-
ro, o cinema chama de argumento e a TV, de sinopse.” (CAMPOS, 2007, p.13).
Já Doc Comparato dá uma definição mais ajustada à proposta. Para Comparato:

Argumento, ou sinopse, é a storyline desenvolvida sob a forma de texto. Uma vez que
o conflito matriz se apresenta na storyline, o segundo passo é conseguir personagens
para viver uma história, que não é senão o conflito matriz desenvolvido. O texto de uma
sinopse diz apenas como serão transportadas para a tela as personagens por meio de
uma história. É um texto que quer ser transformado em imagens e diálogos. A sinopse
é a primeira forma textual de um roteiro. É preciso que especifique de maneira clara
e concreta os acontecimentos da história. Uma boa sinopse é o guia perfeito para se
obter o roteiro. Por vezes, uma sinopse escrita por um autor pode ser roteirizada por ou-
tro. É mais uma razão para serem claras e explícitas todas as indicações que definam
os principais elementos da história e das personagens. (COMPARATO, 2009, p. 68)

capítulo 2 • 32
Para o escritor inglês Rudyard Kiplong a escrita de um argumento deve
atender ao mesmo conceito do lead que o jornalista trabalha. O lead se divide
em “quem?”, “o quê?”, “onde?”, “quando?”, “por quê?”, “para quê?” e “como?”.
Especialmente em um roteiro de documentário, o roteirista deve se preocupar em
responder a essas perguntas, e no argumento de ficção, elas irão nos ajudar a cons-
truir um norte para a história. Segundo Flavio de Campos, essa é reformulação
dos sete loci da retórica clássica: “quis, quid, ubi, quando, cur, quibus, auxiliis, qui-
mono.” (CAMPOS, 2007, p .21). Vamos entender melhor cada um desses termos
na narrativa.
•  Quem?: são os personagens da história. Aqueles que você escolheu para
protagonizarem a narrativa. São os personagens principais e os secundários.
•  O quê?: são os incidentes da trama e dizem respeito ao assunto e seus des-
dobramentos, assim como sua curva dramática.
•  Onde?: especifica o lugar. Aqui você irá apontar os cenários e as locações, o
espaço onde acontecerá a trama.
•  Por quê?: de acordo com Flavio de Campos (2007), são motivações dos
personagens, as causas dos incidentes.
•  Para quê?: Campos define como “os objetivos das ações dos personagens e
as consequências dos incidentes.” (CAMPOS, 2007, p. 25)
•  Quando?: o tempo abordado na narrativa.
•  Como?: o ponto de vista de quem conta a história, sua estrutura discursiva
e abordagem.

É comum que alguns editais para cinema ou games peçam sinopse ou ar-
gumento. Não existe uma definição exclusiva. Em geral, os editais da Ancine1
costumam solicitar que um argumento para longa-metragem tenha o mínimo de
dez páginas, ao passo que uma sinopse para televisão não terá menos do que 50
páginas. Já para o Game, o GDD (Game Design Document) pode ter 300 páginas,
mas sobre o GDD vamos estudar mais à frente. No universo televisivo, a sinopse
de uma telenovela do horário das 21 horas costuma ter entre 100 a 300 páginas,
pois isso vai depender de cada autor e o nível de detalhe que o mesmo vai deixar
na trama. Quais são os elementos que não podem faltar em uma história?
•  O gênero; •  Design dos atos;
•  O incidente incitante; •  Personagens bem construídos;
•  O conflito; •  Crise, clímax e desfecho.

1  Ancine – Agência Nacional de Cinema.

capítulo 2 • 33
Uma vez que definimos o tema, elaboramos a ideia e escolhemos o persona-
gem que irá protagonizar a história, é hora de começar a amarrar todas as pontas
e puxar o fio do novelo que vai nos trazer o norte da história e irá nos guiar na
jornada do protagonista da trama. E qual é a relação entre estrutura e gênero?
Para Robert Mckee (2006), cada gênero impõe convenções no design da história:
“carga de valores convencionais no clímax como o final negativo na trama de de-
silusão, ambientações convencionais como nos faroestes, eventos convencionais
como garoto encontra garota em uma história de amor.” (MCKEE, 2006, p. 93).
Para Mckee, o público conhece essas convenções e espera vê-las na tela.
Para Flavio de Campos (2007) tanto o cinema como a televisão costumam
classificar as histórias em dois grandes gêneros, são eles: drama e comédia, e estes,
por sua vez, ganham subdivisões. Campos explica: “Drama: romance, melodra-
ma, aventura, terror, crime e mistério. Comédia: comédia de situação ou sitcom,
comédia de costumes, farsa e paródia.” (CAMPOS, 2007, p. 65). “Em uma nar-
rativa, posso ler algumas cenas como momentos dramáticos, cômicos, líricos ou
mesmo épicos”. Robert Mckee (2006) apresenta o sistema de gêneros e subgêneros
que evoluiu da prática e não da teoria e que, segundo Mckee, muda de acordo com
a diversidade de assuntos, ambientes, papéis, eventos e valores. Lembrando que
este estudo realizado pelo autor é em relação ao cinema.
•  História de amor: seu subgênero, salvação de amigo, substitui o amor ro-
mântico pela amizade. Ex.: Caminhos perigosos, Tudo pela vida, Romy e Michele.
•  Filme de terror: esse subgênero divide-se em três subgêneros: o mistério,
no qual a fonte do terror é assombrosa, porém sujeita a explicações racionais,
como seres de outros planetas, monstros criados pela ciência, ou um maníaco; o
sobrenatural, no qual a fonte do terror é um fenômeno irracional, como do rei-
no dos espíritos; e o supermistério, no qual o público tenta adivinhar a fonte do
terror entre as duas possibilidades apresentadas. Ex.: O inquilino, A hora do lobo e
O Iluminado.
•  Épico moderno: o indivíduo contra o estado. Ex.: Spartacus, A mulher faz
o homem, Viva Zapata, 1984 e O povo contra Larry Flint.
•  Faroeste: a evolução desse gênero e seus subgêneros é brilhantemente traça-
da em Six and Society, de Will Wright.
•  Filme de guerra: apesar de a guerra ser frequentemente pano de fundo para
outro gênero, como a história de amor, o filme de guerra é essencialmente sobre o
combate. Pró-Guerra e contra Antiguerra são seus subgêneros primários.

capítulo 2 • 34
O incidente incitante é um conceito trabalhado pelo americano Robert
Mckee. Para Mckee, “quando um incidente ocorre, ele deve ser um evento di-
nâmico, totalmente desenvolvido. O incidente incitante desarranja radicalmente
o equilíbrio de forças na vida do protagonista.” (MCKEE, 2006, p. 183). Assim
que a história começa, o protagonista encontra-se no seu universo habitual, leva
uma vida pacata, ele pode ter altos e baixos, mas faz parte do mundo de todas
essas fases, porém, algo maior está por vir e aí sim, o protagonista precisa reagir
ao incidente.
Mckee nos auxilia com um exemplo. Vamos trabalhar com um faroeste que
pode ser para cinema ou game: “Os bandidos chegam à cidade atirando e matam o
xerife. O povo da cidade se junta e vai a um estábulo, onde trabalha Matt, um pis-
toleiro aposentado que fez um juramento de jamais matar novamente.” (MCKEE,
2006, p. 185). Então, vamos lá... Matt estava em seu mundo comum e habitual,
seguia sua rotina, porém, algo aconteceu e vai tirá-lo dessa inércia. Mas isso só não
basta, existem dois conflitos nesse enredo envolvendo o protagonista.
O conflito é o motor de todas as histórias, seja em qual plataforma for. Algo
precisa acontecer, uma situação desestabilizadora para avançar a narrativa. Sem
conflito não há história. Howard pontua que “não se cria conflito com histrionices
ou comportamentos exagerados e sim com um personagem querendo algo que é
difícil de obter ou conseguir.” (HOWARD, 2011, p. 83)
Vamos analisar o conflito de Matt. O primeiro é o conflito interno, pois ele fez
um juramento sagrado que não voltaria a matar novamente e este acontecimen-
to irá movimentar toda sua vida e obrigá-lo a rever seus conceitos. Em seguida,
temos outro conflito e podemos dizer que este seja o externo, visto que envolve a
comunidade em que ele vive, e a própria comunidade irá pressioná-lo para resolver
essa situação. A pressão no protagonista deve ser forte e Mckee assim nos ensina:

O verdadeiro personagem só pode ser expresso através de uma escolha ou um dilema.


Como o personagem escolhe agir sob pressão, é quem ele é, quanto maior a pressão,
mais verdadeira e profunda a escolha do personagem. (MCKEE, 2006, p. 351)

O mesmo ocorre em The last of us. Joel ao encontrar Ellie, uma menina de 14
anos, lembra de Sara, a filha que ele perdeu. O fato das duas personagens terem
uma proximidade nas idades faz com que Joel veja em Ellie o espelho da filha,
então ele fará de tudo para salvá-la, mesmo sendo Ellie uma guerreira como ele.

capítulo 2 • 35
Ainda para o desenvolvimento da história é preciso pensar o design dos atos,
ou a divisão dos atos. Comparato faz a seguinte orientação:

Primeiro ato:
– Exposição do problema
e/ou – situação desestabilizadora
e/ou – uma promessa, uma expectativa
e/ou – antecipação de problemas
Aparece o conflito
Segundo ato:
– Complicação do problema
e/ou – piorar a situação
e/ou – tentativa de normalização, levando a ação ao limite
Crise
Terceiro ato:
– Clímax (ou alteração das expectativas)
Resolução (COMPARATO, 2009, p.133)

É preciso ter ciência que cada ponto de virada nos leva para a curva dramática
da história. Outra boa narrativa é em Final Fantasy, por exemplo, na maioria dos
títulos as histórias são individuais com personagens e mundos diferentes, eles têm
elementos idênticos que definem a franquia. Vale destacar que a história apresenta
elementos recorrentes que incluem temas de enredo, nomes de personagens e me-
cânicas de jogo. Em relação ao enredo, ele está centrado em um grupo de heróis
lutando contra um grande mal, enquanto ao mesmo tempo estão explorando as
lutas internas e relações dos personagens.
©© CHARNSITR | SHUTTERSTOCK.COM

capítulo 2 • 36
Em relação aos personagens e à sua construção, já discutimos no capítulo
anterior, mas vale reforçar alguns pontos. Em acordo com Mckee (2006), para o
seu protagonista é importante frisar que ele responde pela mudança súbita, nega-
tiva ou positiva, em seu mundo, de qualquer maneira que seja apropriada para o
personagem e para o mundo. Uma recusa em agir, porém não pode durar muito
tempo. No entendimento de Mckee, “a chave do verdadeiro personagem é o dese-
jo.” (MCKEE, 2006, p. 351). Por meio do desejo está a motivação. Mckee com-
pleta: “o público entende seu personagem de diversas maneiras: a imagem física
e o ambiente dizem muito, mas o público sabe que a aparência não é realidade e
caracterização não é o verdadeiro personagem.” (MCKEE, 2006, p. 352). Mesmo
assim, a máscara de um personagem é uma pista importante que pode ser revelada.

Crise, clímax e desfecho

Nesse ponto da história, a jornada do protagonista o carregou nas complica-


ções, em que surge a crise máxima. Segundo Mckee, “a crise é a cena obrigatória da
história. Do incidente incitante em diante o público esteve antecipando com uma
vivacidade crescente a cena a qual o protagonista estará face a face com as forças
do antagonismo.” (MCKEE, 2006, p. 288). O roteirista completa que a crise deve
ser um verdadeiro dilema, uma escolha entre irreconciliáveis, ao mesmo tempo
em que coloca o protagonista na pressão máxima, como ocorre em The last of us.
Importante lembrar que a ação que o seu protagonista escolhe torna-se o
grande evento da narrativa causando o clímax da história, que no entendimen-
to de Mckee pode ser positivo, negativo ou ironicamente positivo/negativo. Para
Mckee, “levamos o protagonista através de progressões que exaurem uma ação
após a outra até que ele alcança o limite, pensa que finalmente compreende seu
mundo e sabe o que fazer em seu último esforço.” (MCKEE, 2006, p. 289). Ou
seja, o protagonista pode ou não conseguir o que quer, mas não vai ser do jeito que
ele esperava, reforça Mckee.
Vamos trabalhar com o exemplo de um personagem bem conhecido que facil-
mente daria um jogo: Bond. James Bond. Como jogador, você pode começar pelo
incidente incitante tendo a missão de caçar um arquivilão. Você é James Bond e
isso não é qualquer coisa. Ponto crítico: Bond aceita a missão, uma escolha de
certo/errado e não um verdadeiro dilema, pois jamais lhe ocorreria escolher outra
coisa. Afinal, por isso ele é um herói, por isso ele é James Bond.

capítulo 2 • 37
Desse ponto em diante, você pode viver grandes aventuras em um jogo de
ação, por exemplo a perseguição ao vilão. E lembre-se que Bond não toma uma
decisão substancial, simplesmente escolhe que métodos utilizar na busca.
E o desfecho naturalmente está relacionado à resolução do conflito e o desen-
rolar dos fatos, podendo o seu protagonista ter vencido ou não. Uma boa trama
costura o incidente incitante com o desfecho, ou seja, liga os pontos de virada.
Outra observação importante antes de concluirmos essa etapa é o caso do roteiris-
ta-diretor, como Tarantino, Wood Allen, Almodóvar, entre outros grandes direto-
res. Os roteiros deles não nos servem de parâmetros, visto que nos casos deles, eles
mesmos costumam ser os seus respectivos produtor, autor e diretor. A nossa base
de ensino é de acordo com a exigência do mercado.

Desenvolvendo o argumento

Dentro do desenvolvimento de argumento não podemos esquecer que o DNA


de uma história gira em torno do enredo principal. Para Rabiger “o enredo de um
drama é a lógica e a energia que levam a história adiante, e o seu trabalho é manter
o público interessado.” (RABIGER, 2007, p. 89). Para o autor, o enredo de um
roteiro só fica totalmente visível quando você faz um resumo.
Lembrando que cada passo que os personagens dão em direção à sua jornada
deve ser lógico. No capítulo seguinte, vamos abordar as estratégias da jornada do
herói e como você poderá aplicar em seu desenvolvimento de roteiro.
Outro ponto importante para se destacar no desenvolvimento de argumento
são as reviravoltas ou pontos de virada que toda narrativa precisa ter, seja para
cinema ou game. Rabiger (2007) destaca também que nas histórias guiadas pelo
enredo, uma mudança abrupta nos eventos costuma compensar a falta de profun-
didade ou complexidade dos personagens. No desenvolvimento da trama, ou seja,
os acontecimentos físicos, a reviravolta é aquele momento em que o telespectador
acredita que a história vai avançar em uma direção e você, como bom roteirista,
vai lhe dar uma rasteira e jogar a história em outra direção.
O que pode ocorrer também em um jogo. Exemplo de um jogo adolescente:
um casal jovem se conhece, se apaixona e decidem viajar juntos pela primeira vez,
eles sabem muito pouco um do outro. Ele é conhecido como Romeu e ela, Julieta.
Mas aqui é um jogo e você pode dar um final diferente para sua história. Ambos
estão para entrar no avião quando Julieta descobre a verdadeira identidade do ra-
paz e ali em sua frente ele tem uma síndrome de pânico e não consegue embarcar.

capítulo 2 • 38
A saída é tentar viajar por vias marítimas, mas a essa altura a família de Julieta já
está à sua procura e juntos e eles iniciam um novo plano de fuga.
Uma dúvida que sempre ocorre também durante o desenvolvimento do ar-
gumento é a seguinte: posso fazer indicação de diálogo no argumento? A resposta
é sim. Sim, você pode, mas não faça disso um escudo para o seu trabalho. Você
poderá fazer indicação desde que seja bastante necessário ao entendimento da
história e principalmente para revelar o personagem. É importante deixar claro o
tom do personagem, visto que essas informações serão o alicerce de trabalho dos
atores e do diretor. É preciso se perguntar, como roteirista, se aquelas palavras
estão sendo ditas na linguagem do personagem.
E, mais do que isso, se o telespectador quer algo em relação ao protagonista,
se deseja o desfecho da tensão principal, como lembra Rabiger.
Na linha de pesquisa de Rabiger (2007), o mesmo destaca que toda regra tem
sua exceção e os dramaturgos concordam com uma delas: um personagem que
mostre algum grau de crescimento ou mudança para que a história não se perca.
Para o desenvolvimento do seu protagonista, o autor nos sugere algumas dicas:
pegue um momento ativo em cena e faça as seguintes perguntas:

Do que esse personagem está se afastando?


Do que esse personagem está se aproximando?
O que esse personagem está tentando conseguir ou fazer em longo prazo?
O que esse personagem está tentando conseguir ou fazer neste momento?
Que nova situação este personagem está enfrentando?
O que está atrapalhando este personagem?
O que o personagem vai querer a seguir?
Como esse personagem está tentando superar os obstáculos?
Como esse personagem está se adaptando aos obstáculos? (Bem? Mal?)
Como esse personagem enfrenta uma nova situação depois de tentar se adaptar?
Como essa experiência muda os objetivos do personagem? (RABIGER, 2007, p. 87)

Essas perguntas podem ajudar a colocar o protagonista e seus objetivos no


próprio desenvolvimento do argumento em si. Mais uma vez, vale ressaltar que
o desenvolvimento do argumento é uma das etapas mais importantes, visto que
é onde você, como roteirista, vai montar a estrutura da sua narrativa, seja para o
cinema ou game.

capítulo 2 • 39
Argumento para jogos

Para Scott Rogers (2010), alguns jogos nem mesmo têm histórias. É o caso de
Tetris ou Bejeweled, não precisam envolver um jogador. Mas Rogers lembra que
eles geram uma narrativa, o que significa literalmente uma ordem de eventos. O
autor frisa que “cada vez que um jogador joga um jogo, ele cria uma narrativa. Há
um número infinito de narrativas que um jogador pode criar.” (ROGERS, 2010,
p. 66). Segundo a teoria apresentada por Rogers, quando estiver desenvolvendo a
história de um jogo, você descobrirá três tipos diferentes de pessoas no seu público.
•  Jogadores que estão ligados na sua história como ela acontece;
•  Jogadores que querem se ligar na sua história em profundidade;
•  Jogadores que não estão nem aí em relação à história.
©© NATALI LI | SHUTTERSTOCK.COM

Aqui seguem algumas dicas de Scott Rogers para o desenvolvimento envol-


vendo a história nos jogos. No entendimento de Rogers (2010), para satisfazer os
jogadores que procuram por uma experiência mais profunda, a ideia é fornecer de-
talhes na trama, mas certificar-se de que eles não atrapalham a história. Por exem-
plo, Bioshocke Batman: Arkham Asylum têm fitas de áudio não obrigatoriamente
colecionáveis, que revelam detalhes mais profundos da história sem se intrometer
na trama principal.
Outro modo destacado por Rogers (2010) são os casos dos jogadores que
estão ali só pelo passeio, eles pularão o caminho pelas pistas de áudio e pelas cenas
de corte que revelam pontos da história, apertando o botão A. Certifique-se de
que a história de seu jogo também seja revelada pelo gameplay e pelo design de
níveis, evitando que ela seja saltada inteiramente pelo jogador, se não, o jogador
ficará perdido e confuso. Você também pode apresentar a história como gameplay,
fazendo flashbacks que podem ser tocados ou quebra-cabeças. Fica a dica.

capítulo 2 • 40
Outra sugestão de Rogers (2010) é começar sua história dentro da ação tão
tarde quanto possível. Pode ser no meio de uma luta de boss, no fim de um nível ou
durante uma perseguição com carros. O autor salienta que isso funciona melhor
para jogos com histórias tradicionais. Não seria uma boa ideia começar um jogo
tipo quebra-cabeça, como Tetris, com dezenas de peças chovendo no jogador.
E para finalizar, sempre mantenha sua história animada e em movimento.
Roteiristas profissionais introduzirão uma mudança na trama ou ação a cada 15
minutos. Mesmo com jogos sem história, as sessões de jogo estão se tornando
pequenas, então elas são pequenas o bastante se apreciar em pequenas doses. Estes
conceitos também são bastante utilizados pelo cinema, visto que a ideia é prender
a atenção do telespectador. Em tempos de redes sociais, o roteirista precisa se ar-
mar com todas as ferramentas para garantir a atenção do seu público.

The Last of Us

The Last of Us foi vencedor de vários prêmios e foi remasterizado para os siste-
mas Playstation. Toda sua narrativa tem diálogo com a linguagem cinematográfi-
ca, mas o que nos interessa no jogo é jogar, e nessa história você irá controlar Joel,
um homem comum que tinha um lar, uma família, até perder tudo isso e ter sua
vida virada pelo avesso. O enredo principal começa quando vinte anos após uma
epidemia ter transformado a nossa civilização, os humanos afetados tornaram-se
selvagens e os sobreviventes estão matando uns aos outros por comida, armas...
Joel, um sobrevivente violento, é contratado para retirar uma garota de 14 anos,
Ellie, de dentro de uma zona de quarentena militar opressora, porém, o que co-
meça como um pequeno trabalho, logo se transforma em uma jornada brutal
pelos EUA.

Apresentação da trama

Um diferencial é a linha narrativa, na qual temos uma somente para seguir.


Diferente de outras histórias, o jogo não é de mundo aberto. No início do game,
você irá conhecer Joel e sua filha Sarah, de aproximadamente 10 anos, levando
uma vida cotidiana. Certo dia, Joel volta para casa tarde da noite e encontra a filha
dormindo no sofá com a TV ligada. Eles têm um breve diálogo e a menina dá a
Joel um relógio de presente de aniversário. Momentos depois Sarah dorme e o pai
a leva para cama. Horas depois ela acorda com uma ligação do seu tio Tommy
procurando por Joel.

capítulo 2 • 41
Nesse ponto do jogo ocorre a primeira interação do jogador, pois o mesmo
deve procurar Joel no quarto dele, então andamos pela casa e podemos perceber
a rua agitada com sirenes, gritos, latidos de cachorro, quebradeira. Um barulho
estrondoso nos leva para cozinha, onde encontramos Joel enfrentando seu vizinho
infectado e agora um zumbi. Joel o acaba matando com um tiro na testa. Sarah
fica em pânico, pois há vários zumbis chegando e eles precisam fugir.
Continuamos o jogo com Sarah. Joel então encontra o irmão. Eles pegam o
carro e saem em fuga. Do ponto de vista de dentro do carro, podemos ver o pânico
e o caos espalhados pelas ruas. De repente, outro carro bate no carro de Joel e o
veículo capota. Os infectados se aproximam.

Desenvolvimento do jogo

Vamos reforçar alguns conceitos: digamos que a estrutura é a engenharia do


roteiro. Para melhor compreender o que vamos dizer, temos de pensar em grupos
de cenas e na sequência em que as vamos montar. Assim, temos o argumento,
que é todo o planejamento da história e seus pontos de virada. Cena é a unidade
dramática do roteiro e é montada segundo uma ordem escolhida pelo autor, de
tal forma que se obtenha o máximo nível de tensão dramática, de acordo com o
desenrolar da trama. A estrutura está intimamente relacionada com o enredo, os
personagens e o funcionamento dramático da história. Se considerarmos que o
enredo é o fio condutor da nossa história, e se os personagens são a roupagem que
lhe dá vida, a estrutura é o esqueleto que coloca toda engenharia no lugar e dá
solidez e eficácia à nossa narrativa.
Podemos dizer que a estrutura é a forma como apresentamos os acontecimentos
dramáticos considerados essenciais para contar nossa história, a ordem e a importân-
cia que lhes atribuímos no nosso roteiro. A forma de estruturar a história é uma deci-
são exclusivamente nossa, como roteiristas, e talvez a mais importante que tomamos.
O jogo The Last of Us remasterizado inclui o Pacote de Mapas de Territórios.
Ao longo do jogo, você tem opção de mergulhar no passado de Ellie em Left
Behind, o capítulo que antecede os acontecimentos da campanha single-player
normal, ainda um pacote de Mapas de Territórios Reconquistados e a campanha
single-player aclamada pela crítica, The Last of Us: Left Behind, que combina temas
de sobrevivência, lealdade e amor com um jogo tenso de ação pela sobrevivência.
Dentro do aspecto da jogabilidade, o game utiliza a perspectiva da terceira
pessoa e a maioria dos combates é no corpo a corpo devido à escassez de armas.

capítulo 2 • 42
Na linha dos criadores Naughty Dog, um aspecto desafiador para os jogadores
é a própria degradação e a qualidade dos armamentos já que irão se desgastando à
medida que o jogador os utiliza e, claro, não será possível sair correndo e atirando
para todos os lados sem tomar nenhum cuidado, pois a saúde dos personagens não
se regenera, forçando-os a serem cautelosos em cada movimento.
Mais uma ferramenta importante para o trabalho do roteirista na construção
do roteiro é a Escaleta. Vamos entender melhor esse conceito de grande utilidade
e planejamento da história e perceber como você pode colocá-lo a seu favor no
momento em que estiver elaborando os passos de seu protagonista.

Escaleta

O conceito de mise-en-scène, trabalhado por Tarkovski, nos auxilia neste que-


sito na elaboração das cenas, por exemplo. Para Tarkovski, “seu objetivo não deve
reduzir-se a uma elaboração do significado de um diálogo ou de uma sequência de
cenas.” (TARKOVSKI, 1990, p. 23). Em acordo com o autor, o roteirista também
não deve escrever uma cena apenas para atender uma sequência. É preciso perce-
ber a necessidade da cena ou do diálogo, afinal, a escrita cinematográfica preza
pelas imagens e pelo arco narrativo. O mesmo acrescenta que “o que torna a cena
tão irresistível quanto a própria vida é a recusa em sobrecarregar a cena com ideias
óbvias.” (TARKOVSKI, 1990, p. 25)
Pela escaleta podemos ter essa percepção da necessidade de cena ou diálogo.
Em um roteiro audiovisual, uma das ferramentas que auxilia o roteirista é a es-
caleta, na qual o mesmo pode visualizar as cenas antes do processo de escrita do
roteiro propriamente dito. Por escaleta, entende-se que “é a descrição resumida das
cenas de um roteiro, na sua sequência.” (CAMPOS, 2007, p. 305). O lugar onde
você coloca as cenas já sugere as ações e o arco narrativo dos personagens, assim
como é possível definir claramente os pontos de virada na trama. Ou seja, antes
do processo de desenvolvimento do roteiro em si já podemos visualizar os pontos
de viradas e arcos narrativos, tanto em relação ao desenrolar do personagem, como
em relação à história.
A escaleta é a descrição da cena, com tudo o que ocorre nela, escrevendo o
cabeçalho, indicando motivação, objetivo e o tamanho que a cena deve ter.
Flávio Campos diz que: “a montagem de uma escaleta é como tudo em um
roteiro – é ditada pelas necessidades da narrativa, pela capacidade da produção e
pela atenção do espectador.” (CAMPOS, 2007, p. 312). A função da escaleta é

capítulo 2 • 43
guiar o roteiro, ou seja, um jeito de ajudar o roteirista a não se perder na história.
Importante salientar que nem todos os roteiristas gostam de usar escaleta. Cada
um tem sua forma de trabalhar, porém, em um trabalho de equipe, como a escrita
para seriado ou televisão, a construção da escaleta é fundamental.
A novelista Glória Perez em diversas entrevistas afirma que não usa escaleta,
pois gosta de se surpreender em cada cena. Já outros autores de televisão, como
Sílvio de Abreu e Aguinaldo Silva, afirmam não abrir mão da escaleta, por oferecer
um domínio maior em cada capítulo. Como percebemos, a escaleta nos guia para
evitar um retrabalho.
Mais do que isso é importante ressaltar que o trabalho em equipe, como é
comum no universo de criação dos games, seriados e telenovelas torna-se im-
prescindível o uso da escaleta, pois as cenas são dividas para agilizar o processo de
escrita e, para um roteirista continuar a cena, é preciso ter conhecimento do que
houve antes, caso contrário a unidade dramática se perde.

Dicas
A elaboração de um roteiro exige dedicação, empenho e, principalmente,
muita criatividade, mas isso não impede que você se arme com todas as ferra-
mentas para angariar o máximo de público possível. Como o roteiro é parte de
um projeto, é importante lembrar sempre que ele é somente uma parte da histó-
ria. Outras funções irão contribuir com seu trabalho para desenvolver o filme ou
game, então não fique divagando, preocupado em produzir texto literário, pois
roteiro não é texto literário. Rabiger nos oferta algumas sugestões de melhora de
escrita. Um bom roteiro:

I. Não inclui pensamentos, instruções ou comentários do autor.


II. É prudente nos adjetivos e comentários qualificativos (descrições exageradas repri-
mem a imaginação do leitor).
III. Deixa a maior parte do comportamento para imaginação do leitor e, em vez disso,
descreve seus efeitos (por exemplo, “ele parece nervoso”, em vez de “ele passa nervo-
samente o dedo indicador por dentro da gola da camisa e, depois, tira a poeira da sua
calça de sarja escura.”
IV. Não dá muitas instruções para os atores, a menos que a fala ou ação fique incom-
preensível sem uma orientação.
V. Não contém instrução para filmagem ou edição.
VI. Não é obvio (não é exageradamente explicito nem diz tudo, em vez de deixar o
espectador com algo para interpretar. (RABIGER, 2009, p. 85)

capítulo 2 • 44
E, para finalizar, vale ressaltar que um bom roteiro usa linguagem breve e
evocativa, sempre que o leitor precise visualizar algo.
Ah! Não confunda história com gameplay, pois quase tudo pode ser transfor-
mado em gameplay e, principalmente, nunca, mas nunca se esqueça de criar um
mundo em que um jogador queira entrar, e ele voltará para jogar.

RECORDANDO
No capítulo 1, vimos sobre a construção do personagem, assim como os principais con-
ceitos no que tange ao fazer do roteiro. Já neste capítulo aprendemos três ferramentas im-
portantes: storyline, escaleta e argumento. Para o desenvolvimento de um roteiro, todos os
elementos trabalham juntos e é fundamental este entendimento. No próximo capítulo, vamos
estudar sobre monomito, os arquétipos e a jornada do herói, muito difundida por Vogler e
bem presente nos jogos que envolvem narrativas. São novas ferramentas que irão ajudar no
processo de criação da história.

CONEXÃO
Leia a entrevista de Tim Schafer, criador de jogos como The Secret of Monkey
Island. Disponível em: <https://link.estadao.com.br/noticias/games,tim-schafer-quando-
era-crianca-achava-que-so-gente-incrivel-fazia-games,70001739871>. Acesso em: jun.
2018

ATIVIDADES
01. Vamos trabalhar com o filme O poderoso chefão em uma proposta de transformá-lo
em jogo. A storyline do filme é: a saga de uma família mafiosa que luta para estabelecer
sua supremacia na América depois da Segunda Guerra Mundial. Uma tentativa de assas-
sinato deixa Vito Corleone incapacitado e força os filhos, Michael e Sonny, a assumirem
os negócios.

capítulo 2 • 45
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CESAR, C. Como criar personagens. São Paulo: Europa, 2015.
HUIZINGA, J. Homo Ludens. O Jogo Como Elemento da Cultura. São Paulo: Perspectiva, 2017.
MANTOVI, P. Roteiros & Criação de Personagens – Série Aprenda e Faça. São Paulo: Criativo, 2014.

Referências complementares
CHANDLER, H. Manual de Produção de Jogos Digitais. São Paulo: Bookman, 2012.
MCGONNIGAL, J. A Realidade em Jogo. São Paulo: Best Seller, 2012.
MUSBURGER, Robert. Roteiro para mídia eletrônica. 1. ed. São Paulo: Campus, 2008.
RABIGER, Michael. Direção de cinema: Técnicas e Estética. 1. ed. São Paulo: Campus.
SCHUYTEMA, Paul. Design de Games - Uma Abordagem Prática. 1. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2008.

Outras referências utilizadas no desenvolvimento deste capítulo


ARISTÓTELES. Poética. São Paulo: Nova Cultural, 1984. (Coleção Os Pensadores)
CAMPOS, Flávio de. Roteiro de cinema e televisão. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
COMPARATO, Doc. Da criação ao roteiro. Rio de Janeiro: Summus Editorial, 2009.
FIELD, Syd. Como resolver problemas de roteiro. São Paulo: Objetiva, 2002.
FURTADO, Jorge. A adaptação literária para cinema e televisão. Palestra na Jornada Nacional de
Literatura. Passo Fundo-RS, 2003.
HUTCHEON, Linda. Uma teoria da adaptação. Santa Catarina: Editora UFSC, 2010.
JENKINS, H. A cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2009.
MACIEL, Luiz Carlos. O poder do clímax: fundamentos do roteiro de cinema e TV. Rio de Janeiro: São
Paulo: Record, 2003.
MARTIN, Brett. Homens difíceis. Rio de Janeiro: Editora Aleph, 2014.
MCKEE, Robert. Story. Curitiba: Arte e Letra, 2006.
NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. Campinas: Papirus, 2016.
NOVAK, Jeannie. Desenvolvimento de Games. São Paulo: Cengage Learning, 2010.
ROGERS, Scott. Level UP: um guia para o design de grandes jogos. São Paulo: Blucher, 2012.

Referências de games
Bioshocke Batman: Arkham Asylum
Final Fantasy
Tetris, Philiphs
The Last of Us, Naughty Dog (PlayStation 3 e 4)
The Secret of Monkey Island

capítulo 2 • 46
3
Roteirizando: dos
formatos clássicos
aos games
Roteirizando: dos formatos clássicos aos
games

O termo story em inglês tem o mesmo significado que a palavra script, ou


seja, traduz-se como texto escrito, no qual estão as indicações e possíveis diálogos,
termo esse talhado para televisão, games e cinema. Ambos atendem a um único
propósito: apresentar uma história. Segundo Robert Mackee (2006), “uma regra
diz: você tem que fazer isso dessa maneira”. Um princípio diz: isso funciona... E
vem funcionando desde o início dos tempos.” (MCKEE, 2006, p. 17). O princi-
pal objetivo do criador de uma narrativa deve ser uma história bem contada e que
tenha algo a dizer que o mundo queira ouvir.
Anteriormente, percebemos os conceitos que norteiam as diferentes formas
de contar uma história, assim como o conceito de storyline, construção de perso-
nagem, divisão dos atos, escaleta e argumento. Agora, vamos avançar nas possi-
bilidades e entender outros caminhos que podemos oferecer ao protagonista da
sua história. Neste capítulo, o assunto será sobre os arquétipos e o conceituado
universo da jornada do herói.
Como vimos anteriormente, para Mckee é pelo desejo que está a motivação
da personagem, portanto “pergunte-se: o que essa personagem quer? Agora? Em
breve? No geral? Conscientemente/Inconscientemente? Com respostas claras e
verdadeiras vem o seu comando sobre ela.” (MCKEE, 2006, p. 352). Dentro dessa
construção narrativa e dos desafios do protagonista, podemos aplicar os conceitos
estabelecidos por Christopher Vogler em seu livro A jornada do escritor. Estruturas,
míticas para escritores, no qual Vogler afirma que: “todas as histórias consistem
em alguns elementos estruturais comuns, encontrados universalmente em mitos,
contos de fadas, sonhos e filmes.” (VOGLER, 2006, p. 35).
A saga da jornada do herói, que já havia sido estudada por Joseph Campell,
em sua obra O herói de mil faces, pode facilmente ser aplicada em diferentes jogos
com base nos conceitos ampliados por ele. Vogler escreveu o que ficou conhecido
como o memorando de Vogler ou “A Practical Guide to The Hero With a Thousand
Faces”, escritos em sete páginas. A pesquisa apostava em uma empatia universal,
tendo por base o mito e mostrando ao leitor o elemento humano em comum em
suas diferentes manifestações culturais. Obtendo sucesso, o pesquisador ampliou
as ideias e desenvolveu o guia prático para o escritor.

capítulo 3 • 48
Christopher Vogler, na década de 1980, era funcionário dos estúdios de Walt
Disney. Foi um período ruim de captação de público para animação, enquanto o
estúdio almejava sucesso com Bambi. Para sair da crise, foi elaborada uma propos-
ta para as equipes desenvolverem ideias de criação para angariar um novo sucesso.
Vogler, já havia feito faculdade de cinema e tinha admiração pelo trabalho de
Joseph Campell. Com base na teoria do monomito, elencou uma gama de erros
que poderiam ser evitados na elaboração de um roteiro. A ideia se deu pelo “ciclo
do herói” ligada à estrutura da mitologia humana.
O que o ser humano tem em comum se revela nos mitos na visão de Campbell.
Os mitos são histórias de nossas vidas, da busca da verdade, da busca do sentido
de estarmos vivos, da inquietação do artista, da busca para preencher esse vazio.
Mitos são pistas para as potencialidades espirituais da vida humana, daquilo que
somos capazes de descobrir e vivenciar internamente.
Embora a teoria queira estabelecer quase uma fórmula de contar uma história,
não há como ignorá-la e não reconhecer o seu valor. Em A jornada do escritor,
Christopher Vogler, enumera etapas de construção e situações para desenvolver
uma narrativa. Em sua obra O herói de mil faces, Joseph Campbell resgata os con-
tos de heróis de todas as eras, envolvendo religião e cultura e procurando tra-
çar os pontos em comum na história de vida do indivíduo, indiferentemente de
sua cultura.

OBJETIVOS
•  Identificar os arquétipos na construção de personagens;
•  Estruturar a teoria do monomito;
•  Construir o passo a passo da jornada do herói;
•  Elaborar diálogos e conhecer suas funções.

Arquétipos

Foi Carl Gustav Jung que, em 1919, apresentou o conceito de arquétipo. O


psicanalista suíço usou o termo para falar de antigos padrões de personalidade que
são herança compartilhada por toda raça humana.

capítulo 3 • 49
Segundo Jung, pode existir um inconsciente coletivo que seja semelhante ao
inconsciente individual. Para o psicanalista, há tipos recorrentes de personagens e
suas relações, tais como: herói que parte em busca de alguma coisa, arautos que os
chamam à aventura. Jung (2002) apontou que os contos de fadas e os mitos seriam
como o sonho de uma cultura inteira. Essa visão constitui a base da nossa conexão
com certos tipos de personagens universais.
Como esclarece Jeannie Novak, “esses arquétipos são usados em todos os
meios de entretenimento para reforçar a conexão do público com a história.”
(NOVAK, 2011, p. 157). Com o desenvolvimento da narrativa, o conceito de
arquétipo passou a ser utilizado na construção dos personagens. Vogler pontua:
“Se você descobrir qual a função do arquétipo que determinado personagem está
expressando, isso pode lhe ajudar a determinar se o personagem está jogando todo
o seu peso na história.” (VOGLER, 2006, p. 70). Neste aspecto você deve criar
uma marca do personagem e buscar este elemento universal.

Os arquétipos mais comuns

Os arquétipos como emanações do herói


Eu superior

Mentor Camaleão

HERÓI
Aliados Guardiões
de limiar

Arauto Picaro

Sombra

Figura 3.1  –  Quadro do arquétipo. Vogler, 2006, p. 72.

Não é possível escrever uma trama sem arquétipos. Os próprios contos de


fadas apresentam figuras arquetípicas como: o lobo, o caçador, a bruxa etc. Assim
como podemos identificá-los nos jogos digitais. Os mais conhecidos são:
•  Herói: é sempre o protagonista da história. Pode ser homem ou mulher,
adulto ou criança. É aquele personagem pelo qual o público vai torcer, se identifi-
car e acima de tudo será um personagem em busca de um bem maior, pois vai se

capítulo 3 • 50
sacrificar em benefício dos outros. Esse arquétipo deve ter qualidades universais.
Vogler destaca que há dois tipos de heróis:

1. Os decididos, ativos, loucos por aventuras, que não têm dúvidas, do tipo sempre-em-
-frente, automotivados. 2. Os pouco dispostos, cheios de dúvidas e hesitações, passi-
vos, que precisam ser motivados ou empurrados por forças externas para se lançarem
em uma aventura. Os dois tipos são capazes de garantir histórias muito divertidas,
embora um herói mais passivo no decorrer de toda a narrativa possa ser responsável
por uma experiência dramática sem muito envolvimento. Geralmente, é melhor que um
herói pouco disposto mude em algum ponto da história, e se torne ligado à aventura
depois que lhe é fornecida alguma motivação necessária. (VOGLER, 2006, p. 83)

Em Final Fantasy X, Tidus é o nosso protagonista e segue a típica jornada


do herói.
•  Mentor velha ou velho sábio: esse arquétipo, de maneira geral, é uma fi-
gura positiva e que sempre surge nas histórias para ajudar o herói. Para Vogler
(2006), esses arquétipos se expressam em todos aqueles personagens que ensinam
e protegem os heróis e lhes dão certos dons. Ensinar ou treinar é uma característica
do Mentor. Ainda segundo Vogler:


Os mentores fornecem aos heróis motivação, inspiração, orientação, treinamento e


presentes para a jornada. Todo herói é guiado por alguma coisa, e uma história que
não reconheça isso e não deixa um espaço para essa energia estará incompleta. Quer
se exprima como um personagem concreto ou como um código de conduta interno,
o arquétipo do Mentor é uma arma poderosa nas mãos do escritor. (VOGLER, 2006,
p. 101)

No jogo Gun, o pai é o personagem mentor que treina o jogador.


•  Guardião de limiar: ao longo da narrativa, todos os heróis enfrentam obs-
táculos. A função dramática do Guardião de Limiar é testar o herói. Vogler des-
taca que:

Uma das maneiras mais eficaz de lidar com um Guardião de Limiar é “entrar na pele”
dele, assim, como um caçador procura entrar na mente de um animal perseguido. Os
índios das planícies usavam peles de búfalo para se aproximar da manada de bisões em
uma distância que lhes permitisse atirar com o arco. O herói pode conseguir ultrapassar
um Guardião de Limiar penetrando no seu espirito ou adquirindo sua aparência. Um
bom exemplo ocorre no segundo ato de O mágico de Oz, quando o homem de Lata, o
Leão Medroso e o Espantalho vão ao castelo da Bruxa salvar Dorothy, que fora raptada.

capítulo 3 • 51
A situação parece sem esperanças: Dorothy está dentro de um castelo fortificado,
defendido por um regimento de soldados de aspecto ameaçador que marcham de um
lado para o outro, cantando. Não há possibilidade de que os três amigos consigam
derrotar uma força dessas. Contudo, nossos heróis são emboscados por três sentine-
las e, no entanto, os derrotam e se apossam dos uniformes e das armas. Disfarçados
de soldados, juntam-se ao final de uma coluna em marcha, e assim entram no castelo.
Transformaram um ataque em uma vantagem. (VOGLER, 2006, p. 105)

No jogo Splinter Cell, os guardiões tentam impedir que o personagem jogador


atinja seu objetivo.
•  Arauto: assim como os arautos da cavalaria medieval, este arquétipo surge
na narrativa, lançando desafios ou anunciando uma mudança. Vogler completa:

O arauto pode entrar em cena em praticamente qualquer ponto da história, mas é em-
pregado com frequência no primeiro ato, para ajudar a impelir o herói à aventura. Seja
um chamado interior, um desenvolvimento externo ou um personagem com notícias de
mudanças, a energia do Arauto é necessária em quase toda história. (VOGLER, 2006,
p. 113)

Meryl Silverburgh é o personagem que podemos identificar como Arauto em


Metal Gear Solid: Guns of the Patriots.
•  Camaleão: este arquétipo tem a função na narrativa de funcionar como
uma máscara. Nada é o que aparece ser. Para Vogler, o Camaleão:

É um dos arquétipos mais flexíveis e serve a uma variedade protética de funções nas
histórias modernas. É encontrado, geralmente, nas relações entre homem e mulher,
mas pode ser muito útil também em outras situações, quando se deseja retratar perso-
nagens cuja aparência ou comportamento se alteram para satisfazer às necessidades
da história. (VOGLER, 2006, p. 121)

Em Game of Thrones temos diversos personagens com essas camadas.


•  Sombra: este arquétipo representa a face escura do personagem. O lado
dark, obscuro. Vogler explica:

A face negativa da Sombra, nas histórias, projeta-se em personagens chamados de


vilões, antagonistas ou inimigos. Os vilões e inimigos, geralmente, dedicam-se à morte,
à destruição ou à derrota do herói. Os antagonistas podem não ser tão hostis – po-
dem ser aliados que têm o mesmo objetivo, mas discordam do herói quanto à tática.
(VOGLER, 2006, p. 123)

capítulo 3 • 52
Nesse arquétipo é importante deixar claro que ele não precisa aparecer neces-
sariamente como um personagem. Um exemplo ocorre em The Last of Us, em que
a praga imersa que vai se alastrando provoca também outro tipo de vilania. Ou no
caso do filme Filadélfia (1991), no qual o maior vilão é a doença do protagonista.
•  Pícaro: é um arquétipo muito popular no folclore e nos contos de fadas.
Surge, em geral, como palhaço ou uma manifestação cômica na narrativa. Vogler
(2006) elucida que os pícaros cumprem várias funções psicológicas importantes,
pois podam os egos grandes demais e ainda trazem heróis e plateias para a reali-
dade. Para Vogler:

Os heróis da comédia, de Carlitos aos irmãos Marx, são pícaros que subvertem o status
quo e nos fazem rir de nós mesmos. Os heróis de outros gêneros, muitas vezes, têm
que usar a máscara do Pícaro para enganar uma Sombra ou passar por um Guardião
de Limiar. (VOGLER, 2006, p. 133)

Nos jogos digitais, nós o identificamos mais como o Trapaceiro. Um exemplo


é o personagem Size Matters, em Ratchet e Clank.
•  A jornada do herói: Vogler avança em sua jornada evocando conceitos de
Carl Jung, sobre arquétipos e inconsciente coletivo, mas em uma linguagem mais
simples. Vamos aos passos da jornada do herói. São eles:
– Mundo Comum – Testes, aliados e inimigos
– Chamado à aventura – Provação
– Recusa ao chamado – Recompensa
– Encontro com o Mentor – Caminho de volta
– Travessia do limiar – Ressureição
– Aproximação da caverna oculta – Retorno com elixir

A estrutura narrativa tradicional é mais conhecida de todos os leitores e cria-


dores de histórias, seja para literatura ou games. Foi Aristóteles (1984) o primeiro
pensador a elaborar a divisão narrativa em três atos com começo, meio e fim.
Entretanto, outros pensadores ao longo do tempo foram criando outros modos
de estrutura narrativa que são apontados como universais. A título de exemplifi-
cação, temos A jornada do Herói, de Joseph Campbell, e A jornada do Escritor, de
Christopher Vogler, nosso objeto de estudo.
Nas palavras de Vogler, “a história de um herói é sempre uma jornada. Um
herói sai de seu ambiente seguro e comum para se aventurar em um mundo hos-
til e estranho.” (VOGLER, 2006, p. 51). Em seu diagrama cada ato tem clímax

capítulo 3 • 53
próprio, início, meio e fim. O autor desenvolve vários pontos cruciais para que a
direção do herói seja desviada, procurando estabelecer uma nova meta. No con-
ceito de monomito, um padrão narrativo específico é compartilhado por lendas
e mitos de todas as culturas do mundo. Na releitura de Vogler, todas as histórias
consistem em alguns elementos estruturais comuns, encontrados universalmente
em mitos, contos de fadas, sonhos e filmes.
Em relação à aplicabilidade desta ferramenta ao universo dos games, há quem
afirme que os jogadores devem aprender a usar os controles para estabelecer co-
nexão com personagens antes que o problema seja introduzido. Jeannie Novak
salienta que em um game, “todo o tempo do mundo está disponível para introdu-
ção de tramas paralelas, surpresas, reviravoltas e outros truques que ajudam a criar
tanto a ilusão de liberdade para o jogador como a aparência de um mundo mais
realista que oferece experiências ilimitadas.” (NOVAK, 2010, p. 126). Reforçando
que em um game, os jogadores têm a opção de escolher diferentes caminhos, o que
enriquece ainda mais a experiência do jogo.
A estrutura da jornada do herói pode ser percebida pelo gráfico a seguir, no qual
podemos acompanhar o passo a passo e os pontos cruciais ao longo da narrativa.

Retorno com o elixir Mundo Chamado


comum
Recusa do chamado
Ressurreição
Encontro com mentor
Caminho de volta A jornada do (ou ajuda sobrenatural)

Recompensa herói Travessia do primeiro limiar

O ventre da baleia
Provação suprema (testes, aliados e inimigos)
Aproximação da
caverna oculta

Figura 3.2  –  VOGLER, 2006. p. 50.

Com base nos estudos de Vogler, vamos buscar entender a jornada do herói
passo a passo.
Na jornada do herói proposta por Vogler, o primeiro passo é o “mundo co-
mum”, no qual o protagonista é apresentado em sua rotina. Segundo o estudioso,
é necessário “mostrá-lo neste mundo comum para poder criar contraste nítido

capítulo 3 • 54
com o estranho mundo novo em que ele vai entrar.” (VOGLER, 2006, p. 54).
Em Final Fantasy, a apresentação ao mundo comum já aparece na primeira frase
“Era um dia como outro qualquer”. Este é um exemplo como o clássico se mistura
ao contemporâneo, visto que o próprio termo “era” nos remete às histórias de
contos de fadas e não há nenhum demérito nisso. A linguagem dos games é uma
linguagem moderna, porém se coaduna com o mérito, que é contar uma história.
O advento da tecnologia nos trouxe diferentes benefícios, mas nunca, em ne-
nhuma hipótese podemos perder de vista o essencial a que nos propomos quando
montamos uma história: o entretenimento. E dentro desta visão o público vai
comparecer com suas leituras e expectativas, de diferentes idades, pois as gerações
vão passando e assim vão surgindo outros modelos narrativos. No entanto, a linha-
gem clássica, essa nunca sai de moda, pois os sentimentos universais nos conectam
em qualquer lugar do planeta, assim como nos ensinaram Jung e Campbell.

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O segundo passo ao desafio começa pelo “chamado a aventura”. Algo insólito


acontece. E uma vez confrontado, não poderá mais permanecer em seu mundo
indiferente. Vogler define que: “o chamado à aventura estabelece o objetivo do
jogo, e deixa claro qual o objetivo do herói.” (VOGLER, 2006, p. 55). Aqui temos
como exemplo The Last of Us e Logan.
O terceiro passo é a “recusa do chamado (o herói relutante)”. Nesta fase, o he-
rói pode oscilar e não querer se envolver. Vogler acrescenta: “é necessário que surja
alguma outra influência para que vença essa encruzilhada do medo, uma mudan-
ça nas circunstâncias, uma nova ofensa à ordem natural das coisas.” (VOGLER,
2006, p. 56). Essa fase dura pouco tempo, pois o herói vai se arriscar. Logan
novamente surge como um bom exemplo.

capítulo 3 • 55
O quarto passo da jornada vem pelo “mentor”, um dos temas mais comuns na
mitologia grega, como salienta Vogler (2006). Para ele, “a função de um mentor é
preparar o herói para enfrentar o desconhecido.” (VOGLER, 2006, p. 57). O jogo
The Last of Us, Game of Thones e Days Gone são exemplos.
Já no quinto passo, temos a “travessia do primeiro limiar. “É o momento em
que a personagem entra plenamente no Mundo Especial. Vogler reforça que “O
primeiro limiar marca a passagem do primeiro para o segundo ato. Tendo domi-
nado o seu medo, o herói resolveu enfrentar o problema e partir para ação. Acaba
de partir em sua jornada, e não pode mais voltar atrás.” (VOGLER, 2006, p. 58).
O jogo Days Gone ilustra bem essa passagem.
O sexto passo é a oportunidade de o herói aprender as regras do Mundo
Especial. São “testes, aliados e inimigos”. Aqui a determinação do herói é testada
por diferentes desafios. Em geral, essa parte corresponde ao início do segundo
ato em uma história. Para este passo, os melhores exemplos estão em The Walking
Dead e Game of Thones.
O sétimo passo é a “aproximação da caverna oculta”. Vogler nos diz: “final-
mente, o herói chega à fronteira de um lugar perigoso, às vezes subterrâneo e
profundo, onde está escondido o objeto de sua busca.” (VOGLER, 2006, p. 60).
Days Gone leva o jogador ao delírio nesta etapa.
O oitavo passo é “a provação”, na qual tudo fica indefinido pelo herói. Sua
vida está em jogo e a sorte no ar. Para Vogler, o herói “enfrenta a possibilidade da
morte e é levado ao extremo numa batalha contra uma força hostil.” (VOGLER,
2006, p.60). Na visão de Vogler, todo herói precisa se confrontar com o peri-
go mortal e vivenciar essa experiência de vida-morte. Podemos perceber isso em
Logan, Super homem e Kriptonita.
O nono passo é a “recompensa”, pois o herói fez jus ao título por ter corrido
riscos em prol de um bem maior. Aqui corresponde ao final do segundo ato da
história.
O décimo passo: “caminho de volta”. Vogler explica: “essa fase marca a decisão
de voltar ao Mundo Comum. O herói compreende que, em algum momento, vai
ter que deixar para trás o Mundo Especial, e que ainda há perigos, tentações e
testes à sua frente.” (VOGLER, 2006, p. 64)
O décimo primeiro passo é a “ressureição”. Vogler reforça que “a força do des-
tino oferece uma série mais complexa de testes finais, e o herói enfrenta a morte
de variadas maneiras.” (VOGLER, 2006, p. 65)

capítulo 3 • 56
O décimo segundo e último passo é o “retorno com o elixir”. Para Vogler “o
herói retorna ao Mundo Comum, mas a jornada não tem sentido se ele não trou-
xer de volta um elixir, tesouro ou lição do Mundo Especial.” (VOGLER, 2006, p.
66). Os valores da jornada do herói é que são importantes, sentenciou o pesquisa-
dor (2006), afinal, o herói volta transformado na jornada. No jogo Half-life, o
personagem principal, Gordon Freeman, está prestes a escapar quando é abordado
pelo “homem de preto”, que lhe propõe uma difícil escolha.
Jeannie Novak chama atenção para a diferença na construção narrativa dos
games. Segundo Novak, “em um game, todo o tempo do mundo está disponível
para introdução de tramas paralelas, surpresas, revi-
ravoltas e outros truques que ajudam a criar tanto a
ilusão de liberdade para o jogador como a aparência
de um mundo mais realista que oferece experiências
limitadas.” (NOVAK, 2011, p. 126)
Outro fato a ser levado em consideração é que
os jogadores também têm a opção de escolher dife-
rentes caminhos em um game e isso enriquece mais
a experiência com o mesmo. Outra sugestão em
que podemos aplicar a jornada do herói é a série
Legacy of Kain, o enredo tem muitas reviravoltas,
além das questões filosóficas.

•  Diálogos: outro elemento importante ao longo da criação do roteiro são os


diálogos, eles têm funções que precisam ser reveladas dentro dos contextos. Aqui
vale outra observação, os diálogos variam de um veículo de mídia para outro. Na
TV, por exemplo, trabalhamos muitos diálogos, pois a TV é uma herança do rádio
e nem sempre você está ali olhando para a tela. Já no cinema, os diálogos devem
ser mais elaborados, visto que temos o recurso da imagem, e o telespectador quer
acompanhar a história pelas imagens e naturalmente que os diálogos fazem parte
da história, mas, assim como os games, eles apresentam função de dramaturgia
mais precisa, ou seja, a finalidade do diálogo não deve se restringir à conversação.
Aqui vale uma observação, em acordo com Novak (2010), os diálogos criados para
os personagens não jogadores (NPCs), por outro lado, devem atender às finalida-
des descritas nas próximas seções. Então, vamos lá.

capítulo 3 • 57
O diálogo deve ter a função de revelar o personagem, ou seja, o texto do diá-
logo deve refletir o vocabulário específico e a escolha do personagem. Novak frisa
que “o diálogo deve revelar o histórico do personagem, inclusive suas caracterís-
ticas físicas, sociais e sua personalidade.” (NOVAK, 2010, p. 176). Um exemplo
é o Kain, da série Legacy of Kain, ele é a encarnação do anti-herói e como não se
lembrar do Homem-Aranha?
O diálogo deve revelar emoções e pode refletir mágoa, alegria, raiva. Para
Novak, “um personagem impaciente está sempre impaciente, como você mudaria
seu tom de voz para indicar que ele está furioso ou extremamente impaciente?”
(NOVAK, 2010, p. 176). Cada personagem tem sua maneira de se expressar, as-
sim como cada um de nós.
O diálogo apresenta a função de avançar a trama. O enredo do game pode
evoluir por meio de conversações entre os personagens. Para Novak, “o método
preferencial para avançar a trama é a narração. Uma alternativa melhor pode ser o
uso de texto escrito ou de um narrador para manter os jogadores informados sobre
o enredo.” (NOVAK, 2010, p. 176). Claro que alguns diálogos bem escritos entre
os personagens podem ajudar a avançar o enredo.
Ele também pode revelar conflitos. Um diálogo pode revelar o conflito por
meio de um embate, entretanto, Novak (2010) diz que uma maneira melhor de
lidar com os conflitos é expressá-los por meio das ações dos personagens.
E por fim, o diálogo também pode ter a função de estabelecer relacionamen-
tos. Exemplo: “Lembre-se, você é meu pai...” ou “Primo Matt...”

Sequência e cena

Existe uma diferença entre sequência e cena. A criação da cena é o momento


no qual você vai trabalhar os diálogos e fazer indicação de algo que seja impor-
tante no entendimento do texto e para o avanço da narrativa. Uma cena é um
conjunto de planos, e o plano, por sua vez, é a “imagem entre dois cortes, ou seja,
o tempo de duração entre ligar e desligar a câmera a cada vez.” (RODRIGUES,
2007, p. 26). E o tempo de duração de cada plano vai variar com as necessidades
dramáticas de cada cena e a preferência do diretor. Já a sequência é um conjunto
de cenas. Importante lembrar que uma sequência deve ter começo, meio e fim.
Chris Rodrigues nos esclarece:

capítulo 3 • 58
A sequência de um casamento, por exemplo, pode ser formada pelas cenas do pedido
do casamento em um restaurante, a cena da mulher em uma loja comprando o vestido
de noiva, em casa provando o vestido, o noivo em um bar na festa de despedida de
solteiro, o noivo esperando na igreja, a noiva chegando, a cerimônia do casamento,
a saída na porta da igreja, terminando com o carro partindo com os noivos. (RODRI-
GUES, 2007, p. 26)

O mesmo vale para a criação no universo dos games. Precisamos pensar na


sequência das cenas, como nos games com grandes histórias. A título de exem-
plificação, temos: The Walkind Dead, The Last of Us, e Game of Thrones. Estes são
casos em que a narrativa é voltada para cenas de ação e aventura. Vamos verificar
agora como se escreve uma cena e seu cabeçalho do jogo de NPC Earth e Beyond.
O nome dos personagens sempre é escrito em caixa-alta e os diálogos são escritos
em caixa-baixa, assim como as indicações das escolhas.
Loric
Deixa para lá. Por que imitar os antigos e seu exemplo celestial se você pode fi-
car na Estação Terra, tomar uma Coca e entediar-se mortalmente? Por que sonhar
se você pode se desligar? Você sabe? Você acha que de Winter está fazendo alguma
coisa com o ar daqui?
Jogador
Não sei.
Loric
Respire fundo. Vá em frente. Parece que há alguma coisa nele. É como se
ela estivesse desesperada para que nós achássemos maravilhoso. Ela é dona do ar,
você sabe.
Se o jogador responder:
Jogador
Sim.
Loric
Eu também acho que sim. Acho que ela está mudando as coisas. Coisas que
a maioria das pessoas considera normais, como o ar. Você sabe há quanto tempo
não respiro ar puro? Sabe há quanto tempo?
Loric
Ah, esqueça. Preciso de dinheiro para ir até Deneb. São só dez créditos. Você
pode me ajudar?

capítulo 3 • 59
Se o jogador responder:
Jogador
Esqueça.
Loric
Só quero ir a algum lugar que não pertença a ninguém ou onde nem tudo foi
comprado e vendido. O que são dez créditos para você?
Se o jogador responder:
Jogador
Acho que dez créditos não vão me fazer falta...
Loric
Você fez a escolha certa. Seja generoso com os aventureiros, pois você nunca
sabe quando também será um.
Loric
Quando chegar lá, eu me lembrarei de você. Lembrei-me de você e de outras
pessoas como você. Lá serei diferente. Tenho certeza. (NOVAK, 2011, p. 178)

Modelos de estruturas para diversas mídias

No decorrer dos capítulos anteriores, percebemos que as histórias têm em


comum o formato clássico com começo, meio e fim e principalmente que cada
veiculo de comunicação apresenta suas particularidades ao conceber sua narrativa.
O cinema conta uma história de um jeito, a TV de outro, os games de outro jeito
e os seriados também. Não importa, pois cada um tem seu público e quem escreve
deve saber destas particularidades.
Na atual circunstância, os segmentos da indústria se encontram na convergên-
cia e podemos perceber isso com produtos licenciados como Game of Thrones e The
Walking Dead. Ambos têm suas histórias na literatura, nos seriados e também nos
games. São o que chamamos de um produto transmídia e vamos estudar este fe-
nômeno em um capítulo posterior. Outro fator preponderante é que os segmentos
de games para console e para computador começaram a experimentar certo grau
de convergência tecnológica, impulsionados pelos games on-line. Novak (2010)
lembra que “os fabricantes de videogame, buscando conquistar esse mercado, ago-
ra oferecem conectividade à internet em seus sistemas. Xbox 360 (Microsoft),
Playstation 3 (Sony) e Wii (Nintendo). (NOVAK, 2010, p. 33)

capítulo 3 • 60
A pesquisadora propõe uma reflexão sobre o futuro dos games diante o avanço
da tecnologia. Será que há algum outro segmento da indústria prestes a emergir?
E os consumidores? Eles optarão pela portabilidade ou pela experiência cinemato-
gráfica dos games de console em estilo de home theatre?
Dicas
•  Um jogo é uma atividade com regras e condição de vitória ou derrota;
•  Faça a morte ter importância;
•  Nomes de personagens devem ser curtos e descritivos;
•  Dê ao seu jogador o valor de seu dinheiro;
•  Use o personagem do jogador para determinar as métricas do jogo;
•  Nomeie seus heróis de maneira apropriada;
•  Dê a seus personagens, formas, silhuetas, cores e texturas distintas;
•  Use o personagem do jogador para refletir as condições do jogo.

RESUMO
Neste capítulo aprendemos sobre o uso dos arquétipos na construção dos personagens
e também sobre a jornada do herói. Já no próximo capítulo vamos trabalhar com a função do
game designer, que tem como missão de definir as interações possíveis entre o jogador e
o cenário do jogo. Isso inclui pensar e descrever em detalhes quais interações do tipo clicar
em itens possíveis, sob quais condições e quais as consequências de cada uma delas. O
game designer deverá colocar tudo isso no documento de game design, dando destaque
às interações mais importantes, ou seja, aquelas que provavelmente ocorrerão mais vezes
dentro da partida. Ah! Você não sabe o que é um documento de game design? Então, leia o
próximo capítulo.

ATIVIDADES
01. Escolha um jogo de gameplay e tente aplicar o que estudamos neste capítulo. Você pode
optar por A era do gelo ou Tartarugas Ninja.

capítulo 3 • 61
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CESAR, C. Como criar personagens. São Paulo: Europa, 2015.
HUIZINGA, J. Homo Ludens. O Jogo Como Elemento da Cultura. São Paulo: Perspectiva, 2017.
MANTOVI, P. Roteiros & Criação de Personagens – Série Aprenda e Faça. São Paulo: Criativo, 2014.

Referências complementares
CHANDLER, H. Manual de Produção de Jogos Digitais. São Paulo: Bookman, 2012.
MCGONNIGAL, J. A realidade em jogo. São Paulo: Best Seller, 2012.
MUSBURGER, Robert. Roteiro para mídia eletrônica. 1. ed. São Paulo: Campus, 2008.
RABIGER, Michael. Direção de cinema: Técnicas e Estética. 1. ed. São Paulo: Campus.
SCHUYTEMA, Paul. Design de Games - Uma Abordagem Prática. 1. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2008.

Referências sugeridas
ARISTÓTELES. Poética. São Paulo: Nova Cultural, 1984. (Coleção Os Pensadores)
CAMPOS, Flávio de. Roteiro de cinema e televisão. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
COMPARATO, Doc. Da criação ao roteiro. Rio de Janeiro: Summus Editorial, 2009.
FIELD, Syd. Como resolver problemas de roteiro. São Paulo: Objetiva, 2002.
FURTADO, Jorge. A adaptação literária para cinema e televisão. Palestra na Jornada Nacional de
Literatura. Passo Fundo-RS, 2003.
JENKINS, H. A cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2009.
HUTCHEON, Linda. Uma teoria da adaptação. Santa Catarina: Editora UFSC, 2010.
MACIEL, Luiz Carlos. O poder do clímax: fundamentos do roteiro de cinema e TV. Rio de Janeiro: São
Paulo: Record, 2003.
MARTIN, Brett. Homens difíceis. Rio de Janeiro: Editora Aleph, 2014.
MCKEE, Robert. Story. Curitiba: Arte e Letra, 2006.
NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. Campinas: Papirus, 2016.
NOVAK, Jeannie. Desenvolvimento de Games. São Paulo: Cengage Learning, 2010.
ROGERS, Scott. Level UP: um guia para o design de grandes jogos. São Paulo: Blucher, 2012.
SARAIVA, Leandro e CANNITO, Newton. Manual de roteiro ou Manuel, o primo pobre dos
manuais de cinema e TV. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2009.
SAYAD, Cecilia. O jogo da reinvenção. Charlie Kaufman no cinema. São Paulo: Alameda, 2008.

Referências games
Tetris, Philiphs
The Last of Us, Naughty Dog (PlayStation 3 e 4)

capítulo 3 • 62
4
Storyboard e tipos
de roteiros
Storyboard e tipos de roteiros
Ao pensar em uma história, a primeira ideia que surge é: do que ela se trata?
Seja para literatura, games ou para o cinema, este é apenas um ponto de partida
para inúmeras indagações. Quando a filmografia passa pela adaptação literária,
novos tópicos ganham discussão. Mas um elemento que sempre chama atenção no
que tange ao audiovisual é o trabalho do adaptador que às vezes não é lembrado, e
na grande maioria, não chega sequer a ser mencionado nos créditos de divulgação
do filme.
No caso de jogos, entra a questão dos produtos licenciados. O cinema surgiu
como forma inovadora de contar uma história. Para tanto, a construção cinemato-
gráfica de uma trama pede um roteiro, objeto este escrito e posteriormente trans-
formado para as telas. O processo de adaptação dos games para as telas também
obedece ao mesmo princípio, levando em conta suas particularidades. O processo
de criação de um texto escrito para cinema, games ou literatura também pode ser
escrito de forma linear e não linear. A resposta a essa indagação implica o estudo
de diversos fatores.
Diferente em sua criação, o roteiro cinematográfico não é considerado texto
literário, embora narre uma história, apresente personagens e diálogos. São di-
versos os elementos implicadores dessa vertente. Em comum com a literatura, o
roteiro narra a história, descreve lugares e ambientes, mas difere da criação de um
livro, pois não se preocupa com a expressão de uma língua nem com figuras de
linguagens, recursos esses destinados à literatura. Da mesma forma é o roteiro para
games. Por outro lado, seu processo de escrita apresenta os efeitos visuais, indica
trilha sonora, cortes, posição de câmera, elementos estes exclusivos do audiovisual.
O parâmetro de discussão da construção do roteiro cinematográfico ser litera-
tura ou não deixa transparecer sempre algum grau de subserviência aos cânones,
como apontou Robert Stam (2009). É importante observar que o registro escrito,
seja para o roteiro ou romance e depois o filme, resume-se ao fato que ambos são
narrativas. O escopo semântico atende à necessidade de contar uma trama, suge-
rindo e descrevendo cena a cena. O filme em si é a ampliação do registro dessa
leitura e escrita. Na linha de apresentação, o roteiro é construído para um leitor
especializado, visto que é um preparatório antes das filmagens e nesse texto são
possíveis muitas versões até chegar a um resultado satisfatório. Uma vez definidas
essas questões, vem a construção do storyboard, no qual vamos podemos visualizar
tudo o que foi planejado no roteiro.

capítulo 4 • 64
OBJETIVOS
•  Aplicar o conceito de Game Design Document;
•  Construir um Game Design Document;
•  Categorizar os tipos de roteiros;
•  Abordar o processo de adaptação literária dos jogos para o cinema;
•  Ilustrar o conceito de storyboard e suas implicações no jogo eletrônico;
•  Abordar planos e enquadramentos usados no cinema e como podemos utilizar na constru-
ção de técnicas de storyboard.

Game Design Document

Antes de entrar na criação do roteiro, uma produtora poderá solicitar um


GDD. Mas o que é um GDD? O GDD é um documento completo sobre seu
jogo que pode chegar até 300 páginas. Scott Rogers (2012) nos orienta na cons-
trução de um GDD completo e suas particularidades. São quatro documentos que
nos guiarão: a página única, o dez-páginas, o gráfico de ritmo e o Game Design
Document. Para este documento não existe um formato oficial, como trabalhamos
com o roteiro de cinema, por exemplo.
Segundo Rogers (2012) “o objetivo de um bom Game Design Document é a
comunicação, para o jogador, para os membros de sua equipe, e para os parceiros
de distribuição.” (ROGERS, 2012, p. 83). Agora, vamos desmembrar cada um
destes itens.
Página única: deve apresentar uma visão completa do seu jogo em uma única
página. Deve conter:
I. Título do jogo.
II. Plataformas pretendidas.
III. Público pretendido ou target
IV. Classificação ESRB2 ou PEGI3. É uma organização autorregulatória que foi
criada para garantir diretrizes de conteúdo e moralidade. A classificação indicativa
dos jogos eletrônicos e de interpretação de personagens e aplicativos digitais que

2  American Institute Entertainment Software Rating Board


3  Pan European Game Information

capítulo 4 • 65
são emitidas por entidades estrangeiras reguladoras, passa a ser reconhecida pelo
Ministério da Justiça como pré-requisito a autoclassificação nacional. Como não
há equivalência entre as faixas de classificação adotadas pelos dois sistemas (ESRB
e PEGI) e as seis faixas de classificação de uso obrigatório no Brasil, o desenvol-
vedor ou detentor dos direitos do produto deverá atribuir a classificação brasi-
leira mais adequada, para o que poderá utilizar o Guia Prático de Classificação
Indicativa. (ROGERS, 2012, p. 84)

Existem seis faixas de classificação que podem ser atribuídas pela ESRB:
eC (EarlyChilhood) (primeira infância): não contém nenhum material que
os pais possam achar inapropriado.
E (everyone) (todos): pode conter fantasia, cartum ou violência moderada e
uso não frequente de linguagem moderada.
E10 (Everyone 10+) (todos acima de 10 anos): pode conter fantasia, cartum
ou violência moderada e o uso não frequente de linguagem forte.
M (Mature 17+) (maduro, maiores de 17 anos): pode conter violência in-
tensa, sangue, conteúdo sexual e linguagem forte.
Ao (Adultsonly 18+) (somente adultos maiores de 18 anos): inadequado
para pessoas com menos de 18 anos – pode conter cenas prolongadas de violência
intensa, conteúdo pornográfico e de nudez. (ROGERS, 2012, p. 85)

V. Resumo da história do jogo, aqui equivale ao storyline, pois é o DNA da sua


narrativa. Resumo do jogo:

O velho MacDonald tem uma fazenda... e aqueles animais estão fartos! Cansados de
serem explorados, os animais constroem armaduras cibernéticas mortais e atacam! O
fazendeiro MacDonald deve lutar contra ondas enfurecidas de vacas assassinas, ove-
lhas sinistras e galinhas enlouquecidas para proteger sua produção. Venda sua colheita
para melhorar a fazenda e comprar armas! Cultive tanto quanto lute, senão você vai
“comprar a fazenda”. (ROGERS, 2012, p. 436)

Uma dica: inclua o começo, o meio e o fim da história do jogo, dê uma indi-
cação do estilo de jogo, dos objetivos do jogador e dos elementos.

capítulo 4 • 66
Esboço do jogo

Aqui você não precisa entrar em muitos detalhes e sim contar como será o
processo em si.

Os jogadores criam e mantêm uma fazenda básica, plantam e cuidam da colheita du-
rante a Rodada de Cultivo. Inimigos, atacam durante a Rodada de Batalha. Colha e
venda a produção remanescente durante a Rodada de Venda. Use os lucros para com-
prar novas sementes, reconstruir sua fazenda e melhorar suas armas na Rodada de
Compras. Após (4 conjuntos de 4 rodadas), o jogador luta com um boss para progredir
para nova estação. As últimas estações apresentarão clima que afetará as rodadas de
colheita, venda e batalha. (ROGERS, 2012, p. 436)

Nos diferenciais de vendas, você pode acrescenta, por exemplo: construa e crie
fazendas, armas e colheitas únicas. Diferentes combinações ou múltiplos finais
para o jogo com base no desempenho do jogador. Em produto concorrente, um
similar seria: Tower Defense

Figura 4.1  –  Fonte: site worldpress.

GDD-dez páginas

O dez páginas é um documento equivalente ao argumento para o cinema.


Aqui é o momento de expandir a sua história com mais detalhes, visto que este do-
cumento define a “espinha” do seu jogo. A intenção é fazer os leitores e produtores
ficarem seduzidos pela sua história, afinal, você procura alguém para financiar o

capítulo 4 • 67
seu projeto, então faça-o bem interessante para que o seu leitor queira continuar
lendo. Scott Rogers nos ensina algumas dicas de como podemos direcionar a in-
formação das dez páginas para cada tipo de público.
Para Rogers (2012), se for para uma equipe de produção, você deve fornecer
diagramas claros de gameplay, usar sentenças curtas e enérgicas, assim como ter-
minologia específica para que sua intenção seja entendida e depois comparar o
gameplay como jogos apropriados, mesmo título vintage.
Agora, se sua apresentação for para o departamento de marketing ou para
executivo, o pesquisador Rogers (2012), nos dá outras dicas, como: mostrar
imagens conceituais que sejam emocionantes, usar texto na forma de tópi-
cos, usar exemplos descritivos e por fim usar jogos modernos e bem-sucedidos
como comparação.
No esboço das dez páginas o que não pode faltar, segundo Scott Rogers
(2012). A primeira página deve ter: título do jogo, plataformas (game systems)
pretendidos, idade target dos jogadores, classificação ESRB pretendida e data de
lançamento projetada. Já na página 2 você fará um rascunho do jogo em que
deve conter o resumo da história do jogo e o fluxo dele. O resumo da história
você já sabe, pois equivale ao storyline. Agora, no fluxo do jogo você deve des-
crever brevemente o fluxo de ação, no contexto das locações em que o jogador
irá se encontrar.
A título de exemplificação no jogo Tomb Raider: Legend temos um jogo de
ação e aventura na terceira pessoa no qual temos a protagonista Lara Croft pro-
curando, desde as selvas da Bolívia até as montanhas do Tibete, pela misteriosa
chave Ghalali, um artefato que pode ser a chave para encontrar a própria mãe
de Lara há muito desaparecida. Para Scott Rogers, outras questões no fluxo de
jogo incluem:

Quais são os desafios que o jogador enfrentará e os métodos pelos quais ele pode
superá-los.
Como funciona o sistema de progressão/recompensa? Como o jogador evolui en-
quanto os desafios aumentam?
Como o gameplay se amarra na história? O jogador encontrará quebra-cabeças que
garantem acesso a novas áreas quando resolvidos? Os jogadores terão de lutar com
bosses que barram sua progressão?
Qual a condição de vitória para o jogador? Salvar o universo? Matar todos os inimigos?
Colecionar 100 estrelas? Todas as anteriores? (ROGERS, 2012, p. 89)

capítulo 4 • 68
Seguindo as dicas

Na página três você deve falar dos seus personagens principais e o foco é dire-
cionado ao protagonista. Apresente um mapa básico dos controles do personagem.
Na página quatro fale sobre o gameplay. Importante detalhar como a sequên-
cia do jogo será apresentada. A trama traz múltiplos capítulos? Ou o jogo é divi-
dido em níveis ou rounds?
Na página cinco é onde você deve apresentar o mundo do jogo. Procure listar
os ambientes mencionados na trama, fornecendo descrições curtas que esbocem o
que o jogador irá encontrar.
Na página seis você deve falar sobre a experiência do jogo. Qual a sensação
que o seu jogador terá? O seu jogo é de humor? Terror? Será eletrizante? Existem
modos ou interfaces para o seu gameplay? Rogers (2012) nos oferta como exemplo
o “ataque-cóptero” em Call of Duty 4: Modern warfare ou o modo fúria de Rubi
em Wet. Scott Rogers propõe responder algumas questões sobre a experiência de
jogo que você deve responder.

Qual a primeira coisa que o jogador vê quando ele começa o jogo?


Que emoções/climas serão invocados por seu jogo?
Como a música e o som serão usados para transmitir o clima de seu jogo?
Como o jogador irá navegar pelas telas do jogo? Inclua um diagrama simples de como
o jogador navegará nesta interface. (ROGERS, 2012, p. 92)

Na página 7 vem a mecânica do gameplay. Rogers (2010) propõe uma divisão:


mecânica e perigo: Vamos entender cada uma delas: Uma mecânica “é algo com
o qual o jogador interage para criar ou auxiliar o gameplay. Alguns exemplos:
plataformas móveis, portas que abrem, cordas que balançam, gelo escorregadio”.
(ROGERS, 2012, p. 93). Já o perigo é uma mecânica que pode ferir ou matar o
jogador, mas não tem inteligência, segundo Rogers (2010).
Alguns exemplos de perigos: plataformas eletrificadas, buracos com estacas,
lâminas de guilhotina balançante, jatos de fogo.
Na página oito, temos os inimigos. Quais inimigos encontraremos no mundo
do jogo? Rogers (2012) sugere personagens Boss. “Personagens boss são maiores,
inimigos mais assustadores geralmente encontrados no fim de níveis ou capítulos.
Bosses são diferentes porque muitos deles têm personalidades únicas.” (ROGERS,
2012, p. 95). Como o jogador os derrota? O que o jogador ganha em derrotá-los?

capítulo 4 • 69
Na página nove vem cena de corte. O jogo tem filmes ou cenas de corte?
Rogers (2012) orienta a descrever o método pelo qual elas serão criadas incluindo
a computação gráfica (CG), animação em flash, show de fantoches.
E finalmente a página dez. Aqui temos materiais de bônus. Nesta etapa,
Rogers (2012) sugere falar sobre qualquer material de bônus ou destraváveis que
encorajarão o jogador a praticar novamente. Dê alguns exemplos de coisas que os
jogadores serão capazes de destravar.

Storyboard nos jogos eletrônicos

Agora vamos estudar como o storyboard se adapta ao caso de jogos eletrônicos


e quais as principais técnicas e motivações. No caso de jogos, se considerarmos o
caso de plataformas 3D, a tecnologia aplicada terá que mostrar sempre os efeitos
de vários ângulos, o que tem que ser bem planejado para que não se torne inviável
em termos de peso durante o jogo. Para isso, o efeito e o tipo de tecnologia aplica-
dos dependerão totalmente do storyboard, que nos dará até mesmo uma noção de
que tipo de personagem e quando o efeito ocorrerá.
Por exemplo, em alguns casos, alguns efeitos serão vistos apenas de longe,
ou serão efeitos de plano de fundo. Em geral, os planos de um storyboard são
os seguintes:
•  Plano geral (longshot ou fullshot); •  Primeiro plano (close up);
•  Plano de conjunto; •  Plano de detalhe;
•  Plano médio; •  Visão subjetiva.
•  Plano americano;

Para Chris Rodrigues (2007), o plano geral é o que engloba um grande es-
paço no qual os personagens não podem ser identificados, é pouco utilizado em
jogos, ao menos durante a fase em que se está interagindo. Nas introduções ou
apresentações pode e muitas vezes o plano geral é por conta da apresentação do
universo e do contexto geral.
Plano conjunto “é o plano em que enquadramos dois atores com a mesma
função dramática.” (RODRIGUES, 2007, p. 31). No caso de jogos 2D, um plano
de conjunto é bastante utilizado, mostrando o personagem sendo guiado e o am-
biente a seu redor. Isso ocorre com The Last of Us, por exemplo.
Já o plano médio “é onde o personagem é enquadrado da cintura para cima. É
muito usado para mostrar o movimento das mãos do personagem.” (RODRIGUES,
2007, p. 29). Ao passo que o plano americano é onde “o personagem é mostrado

capítulo 4 • 70
do joelho para cima, tendo sua origem nos westerns americanos, com a função
de mostrar a cartucheira do revólver na cintura.” (RODRIGUES, 2007, p. 29).
Já o plano detalhe “mostra parte do corpo, como detalhes da boca, da mão etc.”
(RODRIGUES, 2007, p. 30). É usado também para mostrar objetos.
O primeiro plano é “onde o personagem é enquadrado do busto para cima,
dando maior evidência ao ator, servindo para mostrar características, intenções e
atitudes do personagem.” (RODRIGUES, 2007, p. 29). Já na visão subjetiva ou
câmera subjetiva é quando “o espectador ou o ator tem o ponto de vista da câme-
ra, ou se move no lugar dela.” (RODRIGUES, 2007, p. 33). Muito utilizada em
cenas de deslocamento do ator, em que a câmera na mão do operador assume o
ponto de vista do ator em movimento.
Em 3D você pode criar várias possibilidades de plano em um mesmo mo-
mento, em que o jogador pode controlar sua visão por meio de determinadas
teclas de atalho. Você pode, entretanto, amarrar a visualização do jogador em
um plano médio um pouco mais afastado visto de costas, assim o jogador pode
ver o personagem e suas ações. Outra visão muito utilizada, que dá uma melhor
visualização e controle ao jogador é a visão subjetiva, na qual o jogador visualiza
o universo do jogo pelos olhos do personagem, vendo inclusive as armas que ele
carrega e mirando nos alvos à sua frente. No caso de se ter várias possibilidades,
o storyboard deve dar exemplos em cada plano, e se torna um pouco mais com-
plicado, mas terá que ser associado a um estudo em planta baixa das sequências
e dos ambientes a serem criados. A seguir, há um exemplo de storyboard para jo-
gos, retirado do site, disponível em: <http://finegamedesign.com/script/index.
html>. Acesso em: jul. 2018.

Os tipos de roteiros

Em uma narrativa, podemos trabalhar com dois tipos de roteiros: aqueles


em que a estrutura é desenvolvida de forma linear e aqueles em que a estrutura
narrativa é realizada de forma não linear. A narrativa é o que acontece na trama, a
sequência de fatos e situações vivenciados pelas ações dos personagens. A narrati-
va, em sua sequência, pode ser linear ou não linear
Nos roteiros lineares o usuário/espectador, em geral, tem controle sob a ordem
dos eventos da obra. A escrita estruturou o pensamento humano sob suas linhas,
conduzindo assim a uma linearidade própria da construção da palavra escrita,
guiando o pensamento do leitor por seu único fio condutor e não permitindo que

capítulo 4 • 71
este se aventure por outras vias que não uma única oferecida pelo autor. Então,
resumidamente a narrativa linear é quando as ações são apresentadas na ordem
cronológica dos acontecimentos, seguindo começo, meio e fim. O que também
chamamos de uma forma clássica de contar uma história.
Esta linearidade proposta pela escrita e assimilada tão bem pelo homem se
fez presente também nos meios de comunicação, que a partir dela construíram
suas mensagens por meio de roteiros lineares, que obedeciam a uma lógica tem-
poral e linear. Um grande exemplo disso é a televisão, que tem o conteúdo de
cada canal construído por roteiros temporalmente sequenciados; novelas, pro-
gramas humorísticos, séries e filmes que obedecem até hoje este mesmo preceito
– guiado pela forma linear de se narrar os fatos. Importante notar que a TV de
hoje procura levar interatividade ao telespectador, buscando sua participação
via chats ou ligações ao vivo. O universo das redes sociais, como as páginas do
Facebook e Instagram deram outro movimento a essa rede tão ampla de comu-
nicação. Isso é uma prova dos novos tempos, em que o telespectador possui o
poder de interação.
Já os roteiros não lineares estão ligados em geral à questão da interatividade,
em que o espectador pode mudar a história e o curso de ação. Mas também po-
demos ter roteiros para filmes em que a ordem e sequência dos fatos apresentados
não estão em ordem cronológica, e sim de ação. A partir do início da revolução
digital, a comunicação entre os homens tem sofrido inúmeras transformações,
desde a criação de novos canais comunicacionais, até mudanças nas linguagens
de alguns meios preexistentes. Estas interferências ocorrem devido aos diversos
fatores intrínsecos ao meio digital.
A narrativa não linear é apresentada por descontinuidade, não obedece à
cronologia dos fatos da trama. Pode ter rupturas, cortes abruptos ou mesmo
antecipações de cenas. Como exemplo, temos a trilogia de Alejandro González
Iñarritu: Amores Perros, 21 gramas e Babel. Quando falamos de interatividade e
novas mídias, normalmente falamos de roteiros não lineares. Em relação aos ga-
mes, Jeannie Novak elucida que “Os games não precisam adotar uma narrativa
linear. Isso está vinculado à aparente liberdade de escolha atribuída aos jogado-
res, que podem seguir diferentes caminhos durante o jogo.” (KOVAK, 2010, p.
140). É exatamente este poder de escolha que oferta a diferença ao jogador e ao
universo interativo.

capítulo 4 • 72
Adaptação de roteiros à estrutura de jogos

Para Rabiger (2007) existe relação entre palavras e imagens e propõe al-
guns questionamentos:

O que é mostrado ilustra o que é dito? Há uma diferença e, consequentemente, um


contraponto entre o que é visto e o que é ouvido? Há uma contradição significativa
entre o que é dito e o que é mostrado. Em algum ponto, as palavras são usadas para
nos levar para frente ou para trás no tempo? Ou seja, você consegue localizar uma
mudança de tempo verbal na gramática do filme? Isso pode ser feito de forma visual,
como no conhecido clichê em que as folhas do outono caem depois de vermos cenas
de verão. (RABIGER, 2007, p. 55)

Em entendimento com as colocações de Rabiger, o processo de adaptação em


si visa a uma aproximação das duas linguagens e essa discussão sempre rende um
debate enriquecedor. Vamos buscar o entendimento dessa estrutura.

O autor

Pensando sobre a autoria cinematográfica, o diretor e roteirista Charlie


Kaufman, analisa o termo “autor”. Segundo Kaufman, o termo “tem também um
sentido simbólico, pois ele indica a presença de um ser pensante que se expressa
por meio do filme – o que, por sua vez, atribui ao trabalho um valor artístico.”
(KAUFMAN apud SAYAD, 2008, p. 28). O processo criativo sempre apresenta
especulações, mas o que define o estilo narrativo é o que a imagem revela seja no
enquadramento, nos movimentos de câmera ou na montagem final, isso seja na
televisão, no cinema ou nos games.
A tentativa de associar roteiro cinematográfico à literatura é uma vontade de
afirmar o potencial do texto, esquecendo que essa proposta é outra linguagem.
Hoje o trabalho de um roteirista ganhou mais visibilidade, disputando espaço que
era sempre dedicado aos diretores da indústria cinematográfica.
No universo dos games também é assim. O jornalista americano e pesquisador
Brett Martin, em seu livro Homens difíceis, fala da figura do chamado: showrunner,
“termo utilizado nos Estados Unidos para designar a pessoa responsável pela série
de televisão, assume um controle cada vez maior na criação e execução do produ-
to.” (MARTIN, 2014, p. 25). No Brasil, são os nossos respeitados novelistas, que
a TV Globo enobrece como uma grife para cada horário. Para criação dos games,
é comum termos a figura do showrunner.

capítulo 4 • 73
É importante ressaltar que algumas correntes teóricas querem mostrar o rotei-
ro cinematográfico como literatura fragmentada, não reconhecendo sua diferença
de estilo. Há claramente uma confusão com a literatura moderna, o que não vem
ao caso nesse contexto. Se por um lado, no início do século, o roteiro buscava uma
apresentação, como cinema de autor por uma via literária, esse diálogo não condiz
hoje com a indústria do cinema, que se ampliou e tem a seu favor a tecnologia. É
exatamente neste ponto que se aproxima dos games, visto que os mesmos buscam
maior participação do espectador.
A relação entre texto e imagem acompanha o caminho literário desde a Arte poé-
tica de Aristóteles (1984), por meio da expressão ut picutura poesis, ou seja, pintura é
poesia. A linguagem poética é apresentada também como imagem. Segundo François
Jost “o cinema mantém laços profundos com a pintura, menos pelo paralelismo destes
efeitos, quadro, cores, luz, menos pela analogia de seu dispositivo, em uma palavra:
por sua relação ao olho, à vista e à visão, do que por sua relação à mão na qual se deve
buscar o estatuto do autor de filme.” (JOST apud SERAFIM, 2009, p. 15)
Na linha de transcodificação da página para tela, cabe ao roteirista não se
deixar influenciar pelo já proposto e aproveitar as habilidades e truques da escrita
cinematográfica para expandir o universo da trama literária. Encontrar a voz que
conta a história, o fio condutor é o primeiro dos desafios em meio a tantos outros,
enquanto o trabalho do romancista é encontrar uma voz que irá alcançar o leitor.
Podemos elencar alguns games que foram adaptados para as telas e com grande
sucesso de público e crítica. Liderando Lara Croft – Tomb Raider (2001) e Mortal
Kombat, em 1994.

Figura 4.2  –  Fonte: IMDB.

capítulo 4 • 74
Tal como um romance, o roteiro de um filme ou game ganha delineamento
de personagens pelo entrecruzar de tramas, apresentadas nas ideias e no enredo
principal. É por um personagem condutor que vamos entrar no mundo desco-
nhecido, seja no filme, game ou romance e conhecer seus desdobramentos, assim
como a ideologia do autor e sua visão de mundo. Para Walter Benjamin “contar
histórias é sempre a arte de repetir histórias.” (BENJAMIN, 1992, p. 90). Porém,
para repeti-las é preciso uma roupagem e isso traz em si o processo de criação. Em
se tratando da sétima arte, uma história nunca surge sozinha, visto que o trabalho
de feitura do filme é sempre em equipe. Para avançar na discussão, o teórico e ro-
teirista americano Syd Field (2002) pontua que ao adaptar um romance, você está
trocando uma forma pela outra, ou seja, você está escrevendo uma obra original.
Field explica:

Um romance geralmente lida com a vida interior de alguém, os pensamentos, os sen-


timentos, as emoções e as memórias do personagem que ocorrem dentro do cenário
mental da ação dramática. Em um romance, você pode escrever a mesma cena em
uma frase, em um parágrafo, em uma página ou em um capítulo, descrevendo o mo-
nólogo interior, os pensamentos, os sentimentos e as impressões do personagem. Um
romance geralmente acontece na mente do personagem. Um roteiro lida com exterio-
ridades, com detalhes – o tique-taque de um relógio, uma criança brincando em uma
rua vazia, um carro virando a esquina. Um roteiro é uma história contada em imagens,
colocada no contexto da estrutura dramática. (FIELD, 2002, p. 174)

Com base na assertiva de Syd Field, podemos confrontar o conceito de au-


toria no roteiro de cinema ou game. Uma das significações do termo “adaptar”
seria transpor de um meio para outro ou como prefere Field “é a habilidade de
fazer corresponder ou adequar por mudança ou ajuste, modificando alguma coisa
para criar uma mudança de estrutura, função e forma que produz uma melhor
adequação.” Em síntese, romance é romance e roteiro é roteiro. (FIELD, 2002,
p. 175). Se o romancista parte de uma ideia e o infinito narrativo ao seu dispor,
ao roteirista cabe fazer o “papel cirúrgico” do texto tendo que acrescentar uma di-
mensão visual, visto que o filme precisa ser contado em imagens. Em um roteiro,
é preciso estruturação, técnica de cenas e diálogos de maneira que possa conduzir
o telespectador para o universo imagético. Se o romancista precisa contar sua his-
tória com palavras, o roteirista precisa contar sua história em imagens. O romance
ou game servirá de suporte para trama.

capítulo 4 • 75
A adaptação em si

Questões de adaptação e relações intertextuais entre outras expressões artísti-


cas, como a literatura, e os meios audiovisuais fazem parte do próprio desenvolvi-
mento da linguagem audiovisual. Para Linda Hutcheon (2011) com o surgimento
das novas tecnologias e a convergência das mídias, a autoria passa obrigatoria-
mente pela adaptação. A pesquisadora lembra que ao dizermos que a obra é uma
adaptação, anunciamos abertamente sua relação declarada com outra(s) obra(s). É
isso que Gerard Genette entende “por um texto em ‘segundo grau’, criado e então
recebido em conexão com um texto anterior”. “(GENETTE, 1982, p. 5). Eis o
motivo pelo qual os estudos de adaptação são frequentemente estudos compara-
dos. Isso é bem diferente de dizer que as adaptações não são trabalhos autônomos
e que não podem ser interpretadas como tais, conforme vários teóricos têm insis-
tido, elas obviamente o são, analisou Hutcheon (2011).
Uma adaptação será naturalmente diferente, visto que ocorre uma trans-
posição de um meio de comunicação para o outro. Stam reforça essa ideia “um
meio multifacetado como o filme, que pode jogar não somente com palavras
(escritas e faladas), mas ainda com música, efeitos sonoros e imagens fotográfi-
cas animadas.” (STAM, 2008, p. 4). Existe um complexo jogo entre o literário,
a cultura de massa e o popular. É verdade que a indústria dos games só cresce
de um ano para o outro e este apelo popular das histórias deixa os produtores
atentos às adaptações.
Linda Hutcheon observa que de qualquer modo, da memória literária à me-
mória televisiva, o que podemos observar é “que a cumplicidade entre as diferentes
linguagens só aumentou o interesse para as obras literárias, muitas vezes por obras
quase esquecidas. A literatura sobrevive; mais do que isso: se transforma e se adap-
ta ao mundo moderno.” (HUTCHEON, 2011, p. 45)
As escolhas, tanto para quem escreve uma obra original, como para quem
se depara com o desafio de uma adaptação, são muito próximas, na medida
em que o livre-arbítrio pode desvirtuar tanto a vida como as obras livremente
inspiradas. Apesar de já ter um drama delimitado, com personagens e paisa-
gens fornecidos pelo livro, uma adaptação enfrentará, a princípio, os mesmos
percalços que um leitor comum enfrenta ao iniciar um processo de leitura. Diz
Umberto Eco:

capítulo 4 • 76
Em um texto narrativo, o leitor é obrigado a optar o tempo todo. (...) E essa liberdade é
possível precisamente porque – graças a uma tradição milenar, que abrange narrativas
que vão desde os mitos primitivos até o moderno romance policial – os leitores se
dispõem a fazer suas escolhas no bosque da narrativa acreditando que algumas delas
serão mais razoáveis que outras. (ECO, 1986, p. 185)

A diferença, quando se remete às adaptações cinematográficas, reside no fato


de ser uma leitura acrescida da autoridade de outro artista: o que transforma as
interações subjetivas existentes em um simples ato de leitura em um evento, cujas
consequências, de uma forma ou de outra, influenciarão nas futuras apreciações da
obra literária. Hutcheon afirma: “Em vários casos, por envolver diferentes mídias,
as adaptações são recodificações, ou seja, traduções em forma de transposições in-
tersemióticas de um sistema de signos (palavras, por exemplo).” (HUTCHEON,
2011, p. 41)
Stam acrescenta que em uma mídia variada “tudo pode transmitir o ponto
de vista: o ângulo da câmera distância focal, a música, a mise-en-scène, a perfor-
mance ou o figurino (STAM, 2008, p. 39)”. Para o leitor, espectador ou ouvinte,
a adaptação é inevitavelmente um tipo de intertextualidade se o receptor estiver
familiarizado com o texto adaptado.

O roteiro: desvendando o texto

Escrever um roteiro é um trabalho de recortar palavras. Oito em cada dez


roteiristas se defendem com essa frase. Afinal, são horas na frente da tela, tempo
de pesquisa e ajustes, na busca de uma história bem contada e uma trama inteli-
gente, para construção da “carpintaria narrativa”. Então, qual o mistério? Por que
escrever um roteiro é sempre um desafio? O roteiro, antes de tudo, exige técnica
e quase sempre é escrito para o audiovisual. Robert Mckee assinala “da inspiração
ao último tratamento, a escrita de um roteiro pode levar tanto tempo quanto um
romance.” (MCKEE, 2006, p. 19). Todo roteiro deve ter um começo, meio e fim.
Na teoria de Aristóteles (1984), isso significa que toda expressão dramática tem
um período para se manifestar. Grande parte dos roteiristas segue a estrutura dramá-
tica tradicional, como herança do teatro grego, colocada por Aristóteles. O roteiro
não vai narrar uma trama, e sim mostrar o desenvolvimento da história, como a
trama chega ao espectador. No Brasil ainda não existe nenhuma escola que se destina

capítulo 4 • 77
à formação de roteiristas, embora o mercado seja cada vez mais amplo. Noventa por
cento dos profissionais são autodidatas; essa falha na formação profissional é uma la-
cuna que sempre prejudica o resultado final. O roteiro está todo para o audiovisual,
o cinema, o rádio, a televisão, o teatro, a publicidade. Para Syd Field “Um roteiro é
uma história contada em imagens, com diálogos e descrições, localizada dentro do
contexto da estrutura dramática. Estrutura é o fundamento de todo roteiro – é a
espinha, o esqueleto que ‘mantém’ tudo coeso.” (FIELD, 2002, p. 17)
Entende-se por uma divisão dos fatos que a trama apresenta e que seja mostra-
do ao público dessa forma, pautando sempre o melhor entendimento da narrativa.
Outro elemento de suma importância é traçar o perfil dos personagens: isso deve
acontecer antes da escaleta. Para Field (2002), há três elementos fundamentais do
roteiro: cabeçalho da cena (deve conter interior ou exterior, localidade e tempo),
descrição visual do que é visto ou ouvido, quando está assistindo ao filme e diálo-
gos (falas e pensamentos dos personagens).
No roteiro, o diálogo é escrito no centro da folha, com as margens mais estreitas
e o nome do personagem todo em maiúsculo. Quase todos os roteiros para cinema
são escritos no formato americano “master scenes”, que defende uma página de ro-
teiro para cada minuto de filme. Esse tempo “página/minuto” requer um pouco de
prática, mas não conseguir alcançá-lo não interfere na qualidade do enredo.
Ao explorar outro campo narrativo, o escritor tem como tarefa apresentar sua
estória. No campo do cinema, abre-se uma vasta possibilidade de atingir um pú-
blico e isso é altamente sedutor, em voga pelo advento da internet. A elaboração
desse signo linguístico, que será transformado em outro código, visto que as exi-
gências do meio cada vez atraem mais autores. A título de exemplificação, temos
atualmente o escritor George R. R. Martin, responsável pelo livro: As crônicas de
gelo e fogo, adaptado para seriado pela HBO como “Game of Thrones”. Por razões
contratuais, a cada temporada um episódio é escrito pelo próprio autor.

Os produtos licenciados

Um licenciador está envolvido quando o conteúdo de um game é adaptado de


uma fonte original. Em geral, as taxas são caras, pois se tratam de produtos conhe-
cidos. Neste caso, você está pensando em criar um game com base em um con-
ceito já existente, assim não perca tempo enquanto não tiver os direitos autorais.
Novak (2010) lembra também que talvez algum concorrente já tenha adquirido

capítulo 4 • 78
os direitos, ou você não tenha a credibilidade necessária para convencer o detentor
dos direitos autorais de que criará algo à altura do original, ou simplesmente não
esteja interessado em vendê-los para ninguém.
A New Line cinema é um exemplo de licenciador, tendo cedido à Eletronic
Arts os direitos do filme O senhor dos anéis, por exemplo. A vantagem quando se
trabalha com a licença é que você tem a oportunidade de transpor um mundo
criativo já estabelecido, rico em detalhes e em histórias, para um novo meio. Sua
tarefa é reimaginá-lo de maneira que permaneça algo do original.

Apropriações ou transformações?

Ao adaptar um romance para um roteiro cinematográfico, é comum que o


roteirista faça alguns ajustes para um melhor desenvolvimento da narrativa, uma
vez que uma ideia pode funcionar bem, como recurso literário, mas não oferecer a
mesma possibilidade para as imagens. Stam pontua sobre essa liberdade na escrita.

O termo para adaptação enquanto “leitura” da fonte do romance, sugere que, assim
como qualquer texto pode gerar uma infinidade de leituras, qualquer romance pode
gerar um número infinito de leituras para adaptação, que serão inevitavelmente par-
ciais, pessoais, conjunturais, com interesses específicos. A metáfora da tradução, simi-
larmente, sugere um esforço íntegro de transposição intersemiótica, com as inevitáveis
perdas e os ganhos típicos de qualquer tradução. (STAM, 2006, p. 9)

O termo “adaptação” já está desgastado em suas diferentes mutações no que


tange ao audiovisual. Quando se recorre ao livro original para recriar as cenas
em imagens, o texto fonte pode ter uma aproximação perceptível ou apenas sua
ideia aproveitada.
Já o caso do filme, o Jogador número um de Steven Spielberg busca uma
aproximação da linguagem cinematográfica com a linguagem dos jogos eletrô-
nicos. Spielberg apresentou seu Jogador número 1, com muita riqueza nos efei-
tos visuais. Ao apresentar o futuro no ano de 2044, os efeitos visuais são bem
atraentes, pois temos um grande plano geral do ambiente onde o protagonista
vive e onde temos também o cenário como uma comunidade customizada. Logo
após a introdução do personagem principal, temos um plano em sequência no
qual vemos a rota que o personagem faz ao sair de casa até onde está seu jogo de
realidade virtual: Oasis.

capítulo 4 • 79
Ao entrarmos nesse mundo da realidade virtual, o filme torna-se uma anima-
ção em 3D e é então onde temos uma combinação de planos. Após um plano geral
do ambiente, temos um plano de sequência que mostra o percurso do personagem
nesse universo e que logo acaba se tornando um plano conjunto quando o perso-
nagem encontra um conhecido dentro do jogo. Segundo Novak:

Em um game, todo o tempo do mundo está disponível para a introdução de tramas


paralelas, surpresas, reviravoltas e outros truques que ajudam a criar tanto a ilusão
de liberdade para o jogador como a aparência de um mundo mais realista que ofere-
ce experiências ilimitadas. Os jogadores também têm a opção de escolher diferentes
caminhos em um game, o que enriquece ainda mais a experiência do jogo. (NOVAK,
2010, 126)

A realidade virtual faz parte de uma nova linguagem hoje nos cinemas e
Spielberg explorou essa vertente. Dentro da realidade virtual, há um momento em
que ocorre uma corrida de carro. Foi nessa cena que se apresentaram vários takes
na primeira pessoa, mostrando a visão do personagem durante a corrida.
O que torna crível, pois é exatamente assim a visão que temos ao jogar um
jogo de corrida. Outro ponto de destaque é a introdução dos adversários durante a
corrida, o King Kong e um T-Rex, cujo CGI é igual ao do filme Jurassic Park, tam-
bém dirigido por Steven Spielberg. Tendo esses dois adversários na pista, temos o
plano contra-plongée que dá a sensação de superioridade aos monstros perseguindo
os carros. No mundo real, não há tanta combinação de planos.
O uso da computação gráfica para criar a realidade virtual no filme está muito
realista, mas com um tom de animação para podermos ver que não é real. Como pode-
mos notar, este foi um caminho trilhado com a aproximação da linguagem dos games.

RECORDANDO
Em relação à estrutura da história no roteiro, já sabemos que o primeiro ato determina
a estrutura (personagens, relacionamentos, situação e o principal problema enfrentado pelo
personagem ou pelos personagens principais). No segundo ato, desenvolvemos as compli-
cações nos relacionamentos enquanto o personagem principal luta contra os obstáculos que
o impedem de resolver o problema principal. Já no terceiro ato, intensificamos a situação e
resolvemos, quase sempre com um clímax, o que satisfaz emocionalmente. Essa é uma nar-
rativa clássica e linear, porém, você pode montar uma narrativa não linear invertendo todas
as ordens. Solte sua criatividade!

capítulo 4 • 80
Fique atento nestas dicas de Scott Rogers (2012)

•  Um Game Design Document deve ser longo o suficiente para descrever a


ação em um jogo;
•  Não se esqueça da classificação ESRB pretendida;
•  Crie o seu caminho do documento página-única para o dez-páginas e para
o Game Design Document;
•  Use ferramentas como gráficos de ritmo para ajudar a encontrar problemas
o mais cedo possível no design de seu jogo;
•  A câmera em primeira pessoa permite maior imersão para o jogador;
•  A câmera em terceira pessoa permite que o jogador tenha boa visão do seu
personagem e do mundo;
•  Trate a câmera como se fosse o “detetive” do jogador;
•  Use ângulos de câmera e tomadas de Hollywood para aumentar o visual e a
dramaticidade do jogo.

ATIVIDADES
O exercício a seguir vem sugerido por Scott Rogers (2012).

01. Você deve criar um jogo em que é o rei de uma colina e vive em guerra com reino vizinho.
A batalha vai começar e alguns dos seus soldados podem ser traidores. Vence quem conse-
gue atravessar o reino e capturar a bandeira.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CESAR, C. Como criar personagens. São Paulo: Europa, 2015.
HUIZINGA, J. Homo Ludens. O Jogo Como Elemento da Cultura. São Paulo: Perspectiva, 2017.
MANTOVI, P. Roteiros & Criação de Personagens – Série Aprenda e Faça. São Paulo: Criativo,
2014.

Referências complementares
CHANDLER, H. Manual de Produção de Jogos Digitais. São Paulo: Bookman, 2012.
MCGONNIGAL, J. A realidade em jogo. São Paulo: Best Seller, 2012.
MUSBURGER, Robert. Roteiro para mídia eletrônica. 1. ed. São Paulo: Campus, 2008.

capítulo 4 • 81
RABIGER, Michael. Direção de cinema: Técnicas e Estética. 1. ed. São Paulo: Campus, 2007.
SCHUYTEMA, Paul. Design de Games – Uma Abordagem Prática. 1. ed. São Paulo: Cengage
Learning, 2008.

Outras referências utilizadas no desenvolvimento deste capítulo


ARISTÓTELES. Poética. São Paulo: Nova Cultural, 1984. (Coleção Os Pensadores)
BENJAMIN, Walter. A tarefa do tradutor. Tradução Karlheinz Barck. Rio de Janeiro: UERJ, 1992.
(Cadernos de Mestrado)
COMPARATO, Doc. Da criação ao roteiro. Rio de Janeiro: Summus Editorial, 2009.
ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1986.
FIELD, Syd. Como resolver problemas de roteiro. São Paulo: Objetiva, 2002.
HUTCHEON, Linda. Uma teoria da adaptação. Santa Catarina: Editora UFSC, 2010.
JENKINS, H. A cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2009.
MARTIN, Brett. Homens difíceis. Rio de Janeiro: Editora Aleph, 2014.
MCKEE, Robert. Story. Curitiba: Arte e Letra, 2006.
NOVAK, Jeannie. Desenvolvimento de Games. São Paulo: Cengage Learning, 2010.
SAYAD, Cecilia. O jogo da reinvenção. Charlie Kaufman no cinema. São Paulo: Alameda, 2008.
SERAFIM, José Francisco (Org.). Autor e autoria no cinema e na televisão. Salvador: EDUFBA,
2009.
STAM, Robert. Bakhtin: da teoria literária à cultura de massa. São Paulo: Editora Ática, 2000.
___________. A literatura através do cinema: realismo, magia e a arte da adaptação. Tradução de
Marie-Anne Kremer e Gláucia Renate Gonçalvez. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
ROGERS, Scott. Level UP: um guia para o design de grandes jogos. São Paulo: Blucher, 2012.
RODRIGUES, Chris. O cinema e a produção. Rio de Janeiro: Lamparina editora,2007.

Referências de games
Call of Duty 4: Modern Warfare
Game of Thrones
The Last of Us
Tower Defense
Tomb Raider
The Walking Dead

capítulo 4 • 82
5
Jogos eletrônicos e
jogabilidade
Jogos eletrônicos e jogabilidade
A gramática cinematográfica propõe uma história a ser contada por imagens,
na qual temos enquadramentos, sons, planos e movimentos de câmeras. Os ga-
mes, por sua vez, oferecem a oportunidade da imersão na história, sem dizer que
outras narrativas tradicionais também se associaram ao meio dos games, como os
efeitos sonoros, legendas de diálogos e o bate-papo entre jogadores. Se as lingua-
gens se coadunam, nos resta discutir o que as une e o que as separa. O que desta
interatividade pode ser aplicada à narrativa e principalmente como vamos aplicar
ao roteiro?
Em um mundo em constante transformação, as múltiplas formas de se con-
tar uma história vão se ampliando. A tecnologia nos oferece novas ferramentas e
possibilidades com recursos modernos, mas o principal, em meio a tantas opções,
continua sendo o fazer e o contar uma história. Modificam-se os meios, mas o ser
humano permanece o mesmo e as histórias escritas, são construídas para refletirem
a natureza humana, seja pela óptica dos games, a literatura ou o cinema.

OBJETIVOS
•  Compreender a função do ato de narrar;
•  Compreender os conceitos de transmídia aplicados à narrativa dos games;
•  Identificar o gráfico de ritmo na narrativa de game;
•  Selecionar fatos/versões e vocábulos que imprimam ao texto a função persuasiva;
•  Compreender a importância da narrativa embutida e o processo de adaptação dos jogos
para o cinema.

Design narrativo para artefatos digitais

O desenvolvimento dos jogos digitais amplia-se com o avanço da tecnologia.


Dentro destes acontecimentos, vamos entender outras ferramentas que podemos
utilizar na composição da narrativa para os games. Um bom exemplo veio do
filme Jogador número 1, adaptado para o cinema por Steven Spielberg, em que o
diretor trabalhou com jogos, realidade virtual e referências do cinema. O primei-
ro ponto é o entendimento do conceito de transmídia. Para Henri Jenkins, uma
história transmídia:

capítulo 5 • 84
Desenrola-se por meio de múltiplas plataformas de mídia, com cada novo texto contri-
buindo de maneira distinta e valiosa para o todo. Na forma ideal de narrativa transmídia,
cada meio faz o que faz de melhor – a fim de que uma história possa ser introduzida em
um filme, ser expandida pela televisão, por romances e quadrinhos, seu universo possa
ser explorado em games ou experimentado como atração em um parque de diversões.
(JENKINS, 2009, p. 138)

Na visão de Jenkins, uma obra transmidiática abre espaço para ser preenchido
pelo público no vazio da narrativa. A abertura deste espaço deve aparecer no rotei-
ro pelo subtexto que o roteirista propõe no direcionamento da história. O design
narrativo busca ampliar a trama, aplicando a qualquer mídia, reconfigurando seu
objeto de uso para interação. Os artefatos digitais como tablets, smartphones, apps,
e e-book funcionam como artefato interativo e midiático, trazendo como caracte-
rísticas lúdicas o design de games. Enquanto a narrativa clássica da literatura pro-
põe ao leitor criar seu mundo imaginário, os artefatos digitais apresentam mundos
construídos e suas possibilidades de interação e recriação.
Na concepção dos elementos narrativos nos games, Jeannie Novak diz que
“existem vários elementos narrativos que são específicos dos games, muitos dos
quais diferem dos elementos narrativos tradicionais. Esses elementos incluem a
interatividade, a não linearidade, o controle pelo jogador, a colaboração e a imer-
são.” (NOVAK, 2011, p. 139). Essa ruptura com o clássico não significa um for-
mato definitivo e sim uma modificação, afinal, o mundo muda constantemente
e cabe aos criadores a percepção nas diferentes formas de se contar uma história.

A narrativa visual nos jogos bidimensionais e tridimensionais

Os jogos bidimensionais (2D) são aqueles nos quais não podemos mover a
câmera em movimentos circulares, ao passo que os jogos tridimensionais (3D)
podemos mover a câmera e assim observar todas as dimensões de um objeto tri-
dimensional. Como exemplo, em game 2D, temos a franquia Mario e Mortal
Kombat. O pesquisador Gabriel Cavalcanti define as diferenças entre os jogos. Nos
bidimensionais “o personagem pode se movimentar apenas em dois sentidos, para
frente e para trás e tem apenas visão lateral.” (CAVALCANTI, 2015, p. 24). Já os
jogos tridimensionais, “são aqueles nos quais podemos nos movimentar no jogo
em todas as direções, não só apenas para frente e para trás e podemos ver o objeto
nos três eixos X, Y e Z, ou seja, em suas três dimensões, por isso objetos tridimen-
sionais.” (CAVALCANTI, 2015, p. 24). Vamos entender como isso funciona.

capítulo 5 • 85
O cinema tem linguagem própria e o advento das novas tecnologias trouxe
vasta ampliação na forma de contar uma história e os jogos bidimensionais sur-
gem incorporando essa linguagem. Em sua obra Design de Games: Uma aborda-
gem Prática, Paul Schutema, apresenta todas as etapas de desenvolvimento de um
jogo digital, da pré-produção a pós-produção. Schutema é quem define o que é o
jogo digital:

Um game é uma atividade lúdica composta por uma série de ações e decisões, limitado
por regras e pelo universo do game, que resultam em uma condição final. As regras
e o universo do game são apresentados por meios eletrônicos e controlados por um
programa digital. As regras e o universo dos games existem para proporcionar uma
estrutura e um contexto para as ações de um jogador. As regras também existem para
criar situações interessantes com o objetivo de desafiar e se contrapor ao jogador. As
ações do jogador, suas decisões, escolhas e oportunidades, na verdade, sua jornada,
tudo isso compõem a “alma do game”. A riqueza do contexto, o desafio, a emoção, e a
diversão da jornada de um jogador, e não simplesmente a obtenção da condição final,
é que determinam o sucesso do game. (SCHUYTEMA, 2008, p. 7)

Em acordo com Schuytema (2008), podemos dizer que o que difere o game
das demais narrativas é o aspecto da jogabilidade e o poder de escolha que é ofe-
recido ao jogador.

A interatividade no cinema e nos jogos eletrônicos

Nas últimas décadas, o espaço de interação com o cinema se ampliou. Se hoje,


debatemos e falamos sobre a participação ativa do telespectador, é preciso ressaltar
que esses avanços seguiram por caminhos bem trilhados pelos seus realizadores e
antes já testados pelos games.
Jenkins diz que os consumidores não apenas assistem aos meios de comuni-
cação, “eles também compartilham entre si ao que assistem – seja usando uma ca-
miseta proclamando sua paixão por determinando produto, postando mensagens
em uma lista de discussão, recomendando um produto a um amigo ou criando
uma paródia de um comercial que circula na internet.” (JENKINS, 2009, p. 103).
Jenkins ainda completa que muitos guias de roteiristas “falam sobre a ‘jornada
do herói’, popularizando as ideias de Campbell, e designers de games são, do
mesmo modo, aconselhados a sequenciar as tarefas que seus protagonistas devem

capítulo 5 • 86
desempenhar em provações físicas e espirituais semelhantes.” (JENKINS, 2009,
p. 173)
A estrutura da jornada do herói, o qual Jenkins nos remete pode ser identifi-
cada em jogos como The Last of Us e Life is Stranger. Para o americano, essa fami-
liaridade com a estrutura básica do enredo permite ao roteirista omitir sequências
transicionais jogando o público direto no centro da ação. Já para Jeannie Novak
(2010) dentro da narrativa de game, o papel do narrador nem sempre é ocupado
por aqueles que os criaram. Segundo a autora “os próprios jogadores desempe-
nham papel importante no processo narrativo. Sabendo disso, é importante que
os desenvolvedores de games evitem roteirizar excessivamente a história.”
(NOVAK, 2010, p. 142). Um exemplo, os jogadores não precisam de diálogos ou
narrativas adicionais que quebrem o ritmo do game e impeçam sua plena partici-
pação na história.
Um exemplo desse universo do entretenimento
em que temos cinema e game é filme Matrix. O
mesmo foi construído para a era da convergên-
cia, conforme pontuam muitos críticos, procu-
rando integrar múltiplos textos para criar uma
narrativa tão ampla que não podia ser contida
somente em uma mídia. Criado pelos irmãos
Wachowski, o jogo transmídia logo se estabele-
ceu. Primeiro exibiram o filme original, depois
alguns quadrinhos na internet para instigar mais
a curiosidade do público. Para a sequência do
segundo filme, foi lançado um game para com-
putador, o que provocou mais curiosidade e ade-
Figura 5.1  –  Fonte: Adorocinema. rência dos fãs. Matrix Reloaded obteve U$134
milhões de lucro nos primeiros quatro dias após o lançamento.
Em uma ampliação da leitura e interpretação de Matrix, podemos dizer que é uma
obra que faz referência aos arquétipos de gêneros populares (o hacker, os misteriosos
homens de preto etc.) e às fontes da mitologia (Morfeu, Perseféfone, o Oráculo).
Se protagonistas e antagonistas são arquétipos óbvios, e não personagens indi-
vidualizados, romanescos ou complexos, são imediatamente reconhecíveis, obser-
vou Jenkins. O mesmo pontua:

capítulo 5 • 87
Essa dependência de personagens recorrentes é especialmente importante no caso
dos games, cujos manuais de instruções e cenas iniciais os jogadores muitas vezes
ignoram, concedendo pouco tempo para explicações antes de agarrarem o controle e
tentarem navegar pelo universo do jogo. Críticos de cinema muitas vezes comparam
os personagens de Matrix a personagens de videogame. Roger Ebert, por exemplo,
sugere que avaliava sua preocupação com Neo, em Revolutions, menos em termos
de afeição pelo personagem e “mais como a pontuação de um videogame. Dá para
imaginar o programa se reiniciando e, depois, todos aqueles pequenos zeros e uns se
reorganizando para começar o jogo outra vez. (JENKINS, 2009, p. 174)

A mitologia da parte final de Matrix foi toda transferida para um jogo. A


ideia não agradou a todos. Na ocasião, muitos críticos de games disseram que
os games dependiam muito do conteúdo do filme e não ofereciam experiências
suficientes para os novos jogadores. Jenkins reforça que “muitos fãs manifesta-
ram decepção porque suas próprias teorias sobre o universo de Matrix tinham
mais riqueza e nuance do que qualquer coisa que viram na tela. (JENKINS,
2009, p. 139)

Narrativa emergente e narrativa embutida

Os games têm como característica o nível de interatividade. Para Jeannie


Novak, “os games contam histórias de maneira bastante semelhantes aos filmes,
dedicando muito mais atenção aos aspectos visuais e superficiais do que ao contex-
to ou ao personagem.” (NOVAK, 2011, p. 138). O pesquisador Eric Zimmernan
apresenta uma divisão de narrativas em relação aos games. Em sua obra Rules
of play, ele define dois tipos de narrativa. A narrativa embutida, que se entende
como aquela imutável, que faz parte do roteiro do jogo e o jogador não consegue
modificar (ZIMMERNAN, 2003), e a narrativa emergente, que é aquela cons-
truída para o jogador interagir, de acordo com seus atos e sua participação ativa.
(ZIMMERNAN, 2003)
Jeannie Novak completa que “outras tradições narrativas também foram in-
corporadas aos games na forma de música, efeitos sonoros, locução e diálogo,
bate-papo entre os jogadores e legendas de diálogos na tela.” (NOVAK, 2011, p.
122). A interatividade permite a dois jogadores tomarem decisões e passarem por
experiências diferentes.

capítulo 5 • 88
Construindo contextos: o processo de adaptação

Para construir o universo ficcional e seus contextos, é preciso falar do modelo


transmídia e sua aplicação nos jogos. Para Jenkins, o modelo transmídia:

Está intimamente ligado às grandes mudanças, no modo como a indústria televisiva


americana encara seus consumidores – distanciando-se de um modelo com base em
hora marcada para um paradigma com base na televisão de envolvimento. Essas mu-
danças no contexto da audiência levaram as indústrias da televisão e da publicidade a
procurar mecanismos alternativos de mediação do envolvimento da audiência. (JEN-
KINS, 2009, p. 167)

Para Foucault, a “Função autor expressa modos de existência, de circulação e


de funcionamento de alguns discursos.” (FOUCAULT, 1992, p. 46). Em suma,
estabelece relação de quem faz com aquilo que foi feito. No trabalho de roteiri-
zação de um game para um filme, sempre vai existir esta comparação, na qual se
esquece de que a proposta é para um outro código de comunicação. Quem é o
autor de uma obra fílmica? A disputa é saudável, quando o bom roteirista procura
somar novos elementos à trama já pronta e busca enriquecer a narrativa. Porém,
no contexto do audiovisual o resultado sempre é coletivo. José Francisco Serafim
salienta que:

Podemos por um lado vincular a autoria ao viés formal/estético da obra e ao seu cará-
ter original e criativo. Podemos também pensar do ponto de vista jurídico e do mercado
onde essas obras circulam, e do direito autoral, e nesse caso o termo autor é destinado
a qualquer pessoa que tenha realizado uma obra, no caso audiovisual, e que terá em
decorrência desse fato direito – financeiros – sobre ela. (SERAFIM, 2009, p. 15)

A relação entre texto e imagem acompanha o caminho literário desde a Arte


poética de Aristóteles (1984), por meio da expressão ut picutura poesis, ou seja,
“pintura é poesia”. A linguagem poética é apresentada também como imagem.
Segundo François Jost, “o cinema mantém laços profundos com a pintura, menos
pelo paralelismo destes efeitos, quadro, cores, luz, menos pela analogia de seu dis-
positivo, em uma palavra: por sua relação ao olho, à vista e à visão, do que por sua
relação à mão na qual se deve buscar o estatuto do autor de filme.” (JOST apud
SERAFIM, 2009, p. 15)

capítulo 5 • 89
Na linha de transcodificação da página para tela, cabe ao roteirista não se
deixar influenciar pelo já proposto e aproveitar as habilidades e os truques da
escrita cinematográfica para expandir o universo da trama. Encontrar a voz que
conta a história, o fio condutor é o primeiro dos desafios em meio a tantos outros,
enquanto o trabalho do romancista é encontrar uma voz que irá alcançar o leitor.
Diante do levantamento proposto, como definir o conceito de autor e autoria
para o audiovisual, em um universo cada vez mais interativo?
O cinema frequentemente lança luzes para os jogos de apelo popular e acaba
por levar essa história para o cinema. A título de destaque podemos relacionar
Tomb Raider: a origem (2018), do diretor Roar Uthaug. Vamos acompanhar a
busca da heroína Lara Croft para encontrar o pai. Já em o Jogador número 1, de
Spielberg, é uma adaptação do romance de Ernest Cline. A principal jornada
de Wade é decifrar um quebra-cabeça deixado por James Halliday, criador do
game, sendo o filme uma caça aos easter-eggs para o espectador. A cada cena, a
cada quadro, em algumas sequências, o olhar do espectador é atraído por uma
referência à cultura pop/geek. O início da corrida é uma daquelas cenas em que o
olhar “se perde” e não se consegue guiá-lo em apenas uma direção. O carro-chefe
de o Jogador Número 1 é a grandiosa mise-en-scène, um êxtase já no primeiro ato.
Uma imersão nostálgica e emotiva, uma viagem no tempo. Na corrida, temos o
De Lorean de De volta para o futuro, a Van de Esquadrão Classe A, a moto de Akira
com rodas de Tron, o clássico carro de Speed Race, Ryu, o Batmóvel de Adam West,
Christine, Mad Max, King Kong no topo do Empire State, T-Rex de Jurassic Park e
infinitas referências. Ainda no cinema, Curtindo a Vida Adoidado, Clube dos 5, O
Iluminado, dentre outros. Musicalmente, ouvimos Bee Gees, Tears for Fears, A-ha,
Joan Jett e Van Halen.

Figura 5.2 – Fonte: Adorocinema.

capítulo 5 • 90
Spielberg, indiscutivelmente, quebra o recorde de referências em um único
filme, envolvendo os fãs de games, animes e da cultura pop oitentista, quadro
a quadro. Com uma estrutura sutil, o roteiro foi escrito por Spielberg e Ernest
Cline, autor do livro homônimo, o cinema de Spielberg volta com força, trazendo
o melhor do diretor, e unindo o universo cinematográfico ao mundo dos games e
ao universo tecnológico.
A questão da autoria é bastante controversa e polêmica no cenário contem-
porâneo. Para Lev Manovich (2004), vivemos a “Era do remix”, ou seja, o que
predomina são colagens e fusões. Não há como ignorar as diferenças notáveis
no processo de construção literária e cinematográfica. O conceito de “Autoria”
surge desde os gregos, com Homero, passando por Platão, Aristóteles, entre ou-
tros. Segundo Flávio Campos, “os dramaturgos da Grécia Antiga escreveram suas
tragédias a partir de mitos fornecidos pela tradição, Homero compôs a Ilíada
e a Odisseia a partir de mitos fornecidos pela tradição e de relatos de batalha.”
(CAMPOS, 2007, p. 293)
O avanço da tecnologia e suas transformações nos fizeram mudar a forma
de ver a escrita e a leitura e, consequentemente, transformaram o jeito de perce-
bermos a questão da autoria e a concepção de autor. Para Manovich, “se o pós-
-modernismo define a década de 1980, o remix definitivamente está dominando
o começo deste século (2000) e provavelmente continuará na próxima década.”
(MANOVICH, 2004, p. 253). Com base na assertiva de Manovich, como pode-
mos aplicar o conceito de autoria, tão em voga pela velocidade da internet, em
um processo de adaptação para o cinema? É preciso trazer para a discussão alguns
conceitos e confrontá-los.
O conceito de autoria no âmbito da literatura passou a ter visibilidade, com
o surgimento da Filosofia. A recombinação de códigos é uma prática antiga na
humanidade, seja pela reformulação de estilos ou linguagens. Manovich exem-
plifica que “a Roma Antiga remixou a Grécia Antiga, o Renascimento remixou a
Antiguidade.” (MANOVICH, 2004, p. 253). Já Regina Zilberman entende que
“a escrita ocidental apareceu durante o século VII a.C. Sua utilização para registro
de obras individuais teve de esperar alguns séculos, ocorrendo a partir da épo-
ca em que Platão redigiu seus diálogos e foram fixados os textos das epopeias.”
(ZILBERMAN, 2001, p. 1). Uma vez legitimada a forma escrita, a identificação
do autor tornou-se necessária.

capítulo 5 • 91
Assim, seria uma adaptação para o audiovisual somente um remix? O filósofo
Walter Benjamin (1994) já havia apontado que as obras da reprodutibilidade téc-
nica chegavam a lugares e pessoas em que as obras originais não poderiam chegar,
e mesmo o livro impresso não podia atingir tal público, e isso democratizava o
acesso às obras. Em diálogo com uma adaptação literária, uma vez que o livro é
transposto para o cinema ou para a televisão, essa última com um vasto público, a
possibilidade de futuramente alcançar mais leitores é infinitamente maior.
Dentro do contexto da cultura da convergência, o escritor Bruce Sterling fala
sobre o filme Matrix, considerado um marco na narrativa transmídia e em suas
diferentes adaptações.

Em primeiro lugar, o filme tem elementos de atração pop. Todos os tipos de elemen-
tos: ataques suicidas por forças especiais de elite, choque entre helicópteros, artes
marciais, uma inocente, mas apaixonada história de amor predestinado, monstros com
olhos esbugalhados absolutamente de primeira qualidade, roupas de fetiche, cativeiro
e tortura e resgate ousado, além de submarinos muito estranhos e bem legais... Há
exegese cristã, um mito redentor, morte e renascimento, um herói em autodescobri-
mento. A Odisseia, Jean Baudrillard (muito Baudrillard, a melhor parte do filme), to-
ques antológicos de ficção cientifica, da escola de Philip K. Dick, Nabucodosor, Buda,
taoísmo, misticismo de artes marciais, profecia oracular, telecinesia, do tipo que entorta
colheres, shows de mágica de Houdini, Joseph Campbell e metafísica matemática go-
deliana. (JENKINS, 2009, p. 141)

Em acordo com Jenkins (2009), os irmãos Wachowski construíram um


playground onde outros artistas puderam fazer experiências e que os fãs pude-
ram explorar.
Tal como um romance, o roteiro de um filme ou game ganha delineamento
de personagens pelo entrecruzar de tramas, apresentadas nas ideias e enredo prin-
cipal. É por um personagem condutor que vamos entrar no mundo desconhecido,
seja no filme ou romance ou game e conhecer seus desdobramentos, assim como
a ideologia do autor e sua visão de mundo.
Voltamos à pergunta: seria uma adaptação somente um remix, um recorte ou
uma obra original? Para Walter Benjamin, “contar histórias é sempre a arte de re-
petir histórias.” (BENJAMIN, 1992, p. 90). Porém, para repeti-las é preciso uma
roupagem e isso traz em si o processo de criação. Em se tratando da sétima arte, ela
nunca surge sozinha, visto que o trabalho de feitura do filme é sempre em equipe.

capítulo 5 • 92
Em relação aos games, Jeannie Novak, acrescenta: “o cenário ou contexto re-
presenta o mundo que está sendo explorado pelo público, pelos personagens ou
pelo jogador. Ao criar uma história para um game, pense no mundo em que seus
personagens deverão viver e interagir.” (NOVAK, 2011, p. 133)
Questões de adaptação e relações intertextuais, entre outras expressões ar-
tísticas, como a literatura e os meios audiovisuais, fazem parte do próprio de-
senvolvimento da linguagem audiovisual. Para Linda Hutcheon (2011), com o
surgimento das novas tecnologias e a convergência das mídias, a autoria passa
obrigatoriamente pela adaptação. A pesquisadora lembra que ao dizermos que a
obra é uma adaptação, anunciamos abertamente sua relação declarada com outra
(s) obra (s).
É isso que Gerard Genette entende “por um texto em ‘segundo grau’, criado e
então recebido em conexão com um texto anterior”. (GENETTE, 1982, p. 5). Eis
o motivo pelo qual os estudos de adaptação são frequentemente estudos compa-
rados. Para Hutcheon (2011), isso é bem diferente de dizer que as adaptações não
são trabalhos autônomos e que não podem ser interpretadas como tais, conforme
vários teóricos têm insistido, elas obviamente o são.

A criação dos personagens nos games

É importante reforçar o conceito da criação dos personagens na história. Para


se contar uma narrativa, é preciso ter um protagonista, elemento este que vai ser
apresentado por um personagem, o qual irá conduzir a trama, o enredo principal
e as tramas secundárias. São os personagens que vivem fatos ocorridos em deter-
minado tempo e espaço, contados por alguém: o narrador.
Este personagem é alguém com o qual o leitor/telespectador precisa se identi-
ficar, portanto necessita de uma empatia que desperte amor ou raiva, e até mesmo
uma dubiedade para deixá-lo mais humano. Nessa força centralizadora, reside o
protagonista, aquele que vai dar rumo à história e seu antagonista, quem fará força
oposta. Segundo David Howard “mesmo nas histórias com muitos personagens,
e com estrutura diferente, cada subenredo dentro da história principal tem seu
protagonista.” (HOWARD e MABLEY, 1996, p. 58). O conflito do protagonista
pode ser interno (psicológico) ou externo. O personagem Joe de The Last of Us
vive os dois conflitos.

capítulo 5 • 93
Para Mckee, a chave da verdadeira personagem é o desejo. Em suas palavras “a
verdadeira personagem só pode ser expressa através de uma escolha em um dilema.
Como a pessoa escolhe agir sob pressão é quem ela é – quanto maior a pressão,
mais verdadeira e profunda a escolha da personagem.” (MCKEE, 2006, p. 351).
O conflito vivenciado pelo personagem pode ser de cunho social, religioso, eco-
nômico e psicológico. Eis o ponto de partida. Aqui podemos trazer outros perso-
nagens como os que habitam o universo de The Walking Dead, Game of Thrones e
Life is Strange.
Como estudamos no capítulo 1, a palavra “protagonista” vem do grego prôtos
(“primeiro”) e agonistés (“combatente”), essa é a definição apresentada por Flávio de
Campos, que ainda esclarece sobre a escolha do personagem principal. Para Campos
“a seleção de personagem principal da narrativa segue a mesma demanda da seleção
do principal ponto de vista do seu narrador, estabelecer uma referência a partir da
qual a narrativa será composta e, mais tarde, recebida pelo espectador – e assim, dar
unidade e facilitar composição e recepção.” (CAMPOS, 2007, p. 108). A escolha
do protagonista pelo senso comum pede um antagonista. Campos (2007) afirma
que o que define o antagonista não é o seu perfil e sim sua função de antagonizar,
e esclarece que “Por sua definição relativa – o antagonista existe apenas em relação
ao personagem que ele antagoniza –, um antagonista tanto pode ser personagem
redondo, quanto um tipo ou um arquétipo. E um personagem pode antagonizar
outro na história toda, em um incidente, em uma cena, em um segmento de cena
ou apenas em uma fala, em um gesto.” (CAMPOS, 2007, p. 151)
O avanço da tecnologia cada vez mais oferece suporte para ampliação das
narrativas. Hoje, um autor dificilmente se limita a criar um único universo em
uma obra, os criadores procuram construir ambientes atraentes e que não se esgo-
tem em uma única mídia. O universo é maior do que o filme, maior até do que a
franquia e, como ensinou Jenkins, “as especulações e elaborações dos fãs também
expandem o universo em várias direções.” (JENKINS, 2009, p. 162). Essa asserti-
va vai ao encontro do que a pesquisadora Jeannie Novak propõe na construção de
personagens de game. Ela defende:

Os personagens de um game dividem-se em personagens de jogador e persona-


gens não jogadores, também conhecidos como NPCs, uma abreviação de non-player
characters. Às vezes um único jogador pode controlar vários personagens de um joga-
dor (frequentemente em grupo, como em uma equipe esportiva ou em tropas militares).
(NOVAK, 2011, p. 154)

capítulo 5 • 94
Uma vez que ressaltamos o universo dos personagens, agora vamos conhecer
os mundos em que eles podem habitar.

Mundos transmídia

A narrativa transmídia é diferente da adaptação. A primeira é uma história


contada por meio de múltiplas mídias. Não se trata de contar a mesma história
em diferentes mídias. Como Henry Jenkins destacou em seu livro Cultura da con-
vergência, “a narrativa transmídia se desdobra por meio de diferentes plataformas
de mídia, em que cada texto de cada meio produz uma distintiva e valorosa con-
tribuição para o todo”. (JENKINS, 2009, p. 29). O cinema, a literatura, os games
e a teledramaturgia necessitam avidamente de histórias. Necessitam também de
tramas, de preferência recheadas de aventura, romance, sexo e imagens sugestivas.
Para Henri Jenkins:

Uma história transmídia desenrola-se por meio de múltiplas plataformas de mídia, com
cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo. Na forma ideal
de narrativa transmídia, cada meio faz o que faz de melhor – a fim de que uma história
possa ser introduzida em um filme, ser expandida pela televisão, por romances e qua-
drinhos, seu universo possa ser explorado em games ou experimentando como atração
de um parque de diversões. Cada acesso à franquia deve ser autônomo, para que não
seja necessário ver o filme para gostar do game e vice-versa. Cada produto determina-
do é um ponto de acesso à franquia como um todo. (JENKINS, 2009, p. 138)

O interesse do público é assistir a uma história bem contada. Uma grande


obra é aquela em que o autor oferece várias possibilidades de ampliação dos seus
núcleos e que possam ser explorados em diferentes mídias. Hutcheon avalia que
uma adaptação “envolve, para seu público conhecedor, uma duplicação interpre-
tativa, um movimento conceitual para frente para trás entre a obra que conhece-
mos e aquela que estamos experienciando.” (HUTCHEON, 2011, p. 189). E o
audiovisual faz isso, juntando o referencial ao sonho, à magia.
No mundo dos games, Jeannie Novak, destaca que “a narrativa de um game
desempenha papel significativo naquilo que é conhecido como imersão, situação
em que a história, os personagens e o modo de jogar são tão poderosos e absorven-
tes que os jogadores se envolvem profundamente no mundo do game.” (NOVAK,
2011, p. 144). Com a narrativa interativa, hoje, faz-se necessário que o roteiris-
ta possa propor outros caminhos no ato da criação, em que segundo Newton

capítulo 5 • 95
Cannito (2010) tenha não somente uma narrativa, mas um universo que incentive
rituais e, principalmente, favoreça a formação de comunidades. Importante des-
tacar que essa ideia da interatividade é uma prerrogativa da linguagem dos games.
Um exemplo, que podemos destacar é o caso do seriado Lost. Segundo
Cannito, em Lost “a narrativa é aparentemente tradicional, mas inova ao se ex-
pandir por outras mídias. O sucesso da série está relacionado às estratégias inte-
rativas.” (CANNITO, 2010, p. 193). O planejamento de interatividade levou o
seriado muito além da televisão.

Gráfico de ritmos

Quem nos apresenta o conceito de gráfico de ritmos é Scott Rogers (2012). O


conceito de gráfico de ritmo é realizado para examinar a progressão do jogo, além
de ser útil no desenvolvimento do GDD, também fornece um mapa de estrutura
do jogo. Mas antes vamos na progressão do gameplay. Rogers nos dá algumas
dicas, tais como:

O jogador começa do marco zero (ou nível 1) sem habilidades, equipamento e capa-
cidade. O jogador tem muitas habilidades que são apresentadas a ele no começo do
jogo, mas têm que ser destravadas com o tempo. O mecanismo de destravamento
pode ser experiência dinheiro ou outro fator. O jogador tem muitas habilidades, mas
não tem conhecimento de como usá-las... O jogador tem poder significativo que poderá
usar imediatamente... somente para ter de “começar do zero”, conforme a história do
jogo é estruturada como flashback. (ROGERS, 2012, p. 100)

Agora, vamos ao gráfico de ritmo. Cada gráfico necessita dos seguintes ele-
mentos. Rogers (2012) assim os classifica:
•  Nome do nível/ambiente;
•  Nome do arquivo (designação de nível/ambiente);
•  Hora do dia (no contexto do jogo);
•  Elementos da história para o nível;
•  Progressão: foco do gameplay no nível;
•  Tempo de jogo estimado do nível;
•  Esquema de cor do nível/ambiente;
•  Inimigos/bosses introduzidos e usados;
•  Mecânicas introduzidas e usadas;
•  Perigos introduzidos e usados;

capítulo 5 • 96
•  Power-ups encontrados no nível/ambiente;
•  Novas habilidades, armas, ou equipamentos introduzidos/destravados;
•  Quantidade e tipos de tesouro que o jogador pode encontrar;
•  Material de bônus encontrado no nível /ambiente;
•  Trilha musical (ou ilhas) a serem usadas nesse nível/ambiente.

A título de exemplo, vamos pegar o modelo de


Máximo: Ghost to Glory, fornecido por Scott Rogers
(2012). O jogo é do Playstation 2.

Nível 1-1
Nome: grave perigo (cemitério).
Hora do dia: noite.
História: máximo entra no cemitério, abrindo
caminho entre criaturas mortas-vivas que barram
sua passagem.
Progressão: o jogador sabe movimentos básicos, Figura 5.3  –  Fonte: Amazon..
de combate e defesa. O jogador aprende habilidade de coletar e mapear.
Tempo de jogo estimado: 15 minutos.
Mapa de cores: verdes (árvores), marrom (árvores, rochas), roxos (lápides).
Inimigos: esqueletos (básico), esqueleto de espada (vermelho), esqueleto (ma-
chado), fantasma, zumbi (básico), caixão de madeira, imitação de arca.
Mecânicas: solo sagrado, lápides quebráveis, tocha quebrável, tampa de cripta
quebrável, cadeado, portal (porta), portal (cova), arca escondida, pedestal final.
Perigos: solo profano, estátua de Achille, chão com buraco, torre de caveira,
ponte móvel, água profunda, poça de lava.

Agora, vamos mudar para o Nível- 1-2


Nome: calor de matar (cemitério).
Hora do dia: noite.
História: a broca de Achille rachou as terras, fazendo poças de lava abrirem
no cemitério.
Progressão: o jogador sabe realizar pulos perigosos e combate mais intenso.
Tempo de jogo estimado: 15 minutos.
Mapa de cores: vermelho (lava), marrom (árvores rochas), roxos (lápides).

capítulo 5 • 97
Inimigos: esqueletos (básico), esqueleto (machado), esqueleto de espada (verme-
lho), esqueleto de espada (azul), esqueleto (guardião), zumbi (básico), corvo, fantasma.
Mecânicas: solo sagrado, lápides quebráveis, tocha quebrável, tampa de cripta
quebrável, estátua de chave, cadeado, portal (porta), caixão de inimigo, platafor-
ma flutuante, roda de prêmios, arca de tesouro, arca trancada, arca escondida,
pedestal final.
Perigos: solo profano, portão oscilante, torre de caveira, jato de fogo, poça
de lava.
Para Scott Rogers (2012), quando você compara duas ou mais colunas de um
gráfico de ritmo, “certos padrões começam a emergir a respeito da introdução
de novos inimigos, mecânicas, itens e habilidades. Você pode então, identificar
deficiências no design e começar a mover os elementos.” (ROGERS, 2012, p.
102). Rogers traz algumas pontuações que são importantes de serem observadas
ao longo da criação do jogo, tais como: aglomeração, ou seja, introduzir novos
inimigos e mecânicas de uma vez. Sair da “mesmice”, aqui você deve evitar que as
combinações de inimigos e mecânicas sejam idênticas. Ainda procure alternar as
cores e trilhas musicais.
A respeito dos efeitos sonoros eles devem ser desenvolvidos conforme você
desenvolve o conjunto de movimentos de seus personagens e inimigos. Rogers
sugere uma catalogação destes efeitos sonoros. Eis as sugestões:

Movimento: comece com os sons de caminhar e correr em superfícies específicas,


como pedra, terra, metal e respigando pela água para fazer seu personagem parecer
fundamentado no mundo. Pular, aterrissar, rolar e deslizar precisam de sons também
para permitir que o jogador saiba que realizou movimentos.
Ataques: fazer som de “swoosh” para o balançar de uma espada e o chute, isso os
fará parecer mais dinâmicos. Faça sons de ataques únicos de maneira distinta, como o
Pac-Man, “comendo um fantasma” ou o pulo/pisada do Mario.
Impactos: um belo som de impacto na carne fará um soco ou chute parecerem mais
poderosos. Armas, feitiços e explosões, todos precisam de sons dinâmicos e altos para
fazer o jogador saber que acertou algo ou alguém. Não se esqueça dos efeitos de rea-
ção dos objetos, como madeira quebrando, vidro estilhaçando e metal tinindo.
Armas: tiros de arma, tinir de espadas e sons de laser. Quanto maior a arma, maior o
efeito sonoro. Suas armas também podem soar tão únicas quanto aprecem: por exem-
plo, o “uón”, icônico de um sabre de luz em Star Wars.
Reações a acerto: “Humpf!”, “Ooh!”, e “Argh!” podem soar divertidos quando você
está gravando, mas eles são alguns dos mais importantes sons no jogo. Sempre que o
jogador for acertado, ele precisa saber.” (ROGERS, 2012, p. 406)

capítulo 5 • 98
Como podemos perceber, o gráfico de ritmo é de suma importância para o
avanço da narrativa e principalmente para que o protagonista cumpra sua jornada
com ação.

ATIVIDADES
Neste capítulo, a atividade proposta vem sugerida por Jeannie Novak em seu livro refe-
renciado neste capítulo. (NOVAK, 2010, p. 210)

01. Você é imune a uma doença imortal que provoca o envelhecimento rápido dos seres hu-
manos. Cabe a você encontrar a cura. Use seus poderes de dedução para descobrir a origem
da doença e encontrar o antídoto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CESAR, C. Como criar personagens. São Paulo: Europa, 2015.
HUIZINGA, J. Homo Ludens. O Jogo Como Elemento da Cultura. São Paulo: Perspectiva, 2017.
MANTOVI, P. Roteiros & Criação de Personagens – Série Aprenda e Faça. São Paulo: Criativo,
2014.

Referências complementares
CHANDLER, H. Manual de Produção de Jogos Digitais. São Paulo: Bookman, 2012.
MCGONNIGAL, J. A Realidade em Jogo. 1. São Paulo: Best Seller, 2012. 1.
MUSBURGER, Robert. Roteiro para mídia eletrônica. 1. ed. São Paulo: Campus, 2008.
RABIGER, Michael. Direção de cinema: Técnicas e Estética. 1. ed. São Paulo: Campus, 2007.
SCHUYTEMA, Paul. Design de Games – Uma Abordagem Prática. 1. ed. São Paulo: Cengage
Learning, 2008.

Outras referências utilizadas no desenvolvimento deste capítulo


ARISTÓTELES. Poética. São Paulo: Nova Cultural, 1984. (Coleção Os Pensadores)
BENJAMIN, Walter. A tarefa do tradutor. Tradução Karlheinz Barck. Rio de Janeiro: UERJ, 1992.
(Cadernos de Mestrado)
CAMPOS, Flávio de. Roteiro de cinema e televisão. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
FIELD, Syd. Como resolver problemas de roteiro. São Paulo: Objetiva, 2002.
FOUCAULT, Michel. O que é um autor. 3. ed. Lisboa: Veja-Passagens, 1992.

capítulo 5 • 99
GENETTE, Gérard. O discurso da narrativa. Lisboa: Vega, 1982.
HUTCHEON, Linda. Uma teoria da adaptação. Santa Catarina: Editora UFSC, 2010.
JENKINS, H. A cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2009.
MARTIN, Brett. Homens difíceis. Rio de Janeiro: Editora Aleph, 2014.
MANOVICH, Lev. Quem é o autor? Sampleamento/Remixagem/Código aberto. In: BRASIL, André et al
(Org.). Cultura em fluxo: novas mediações em rede. Belo Horizonte: PUC Minas, 2004.
MCKEE, Robert. Story. Curitiba: Arte e Letra, 2006.
NOVAK, Jeannie. Desenvolvimento de Games. São Paulo: Cengage Learning, 2010.
SARAIVA, Leandro; CANNITO, Newton. Manual de roteiro ou Manuel, o primo pobre dos manuais
de cinema e TV. São Paulo: Conrad, 2009.
SERAFIM, José Francisco (Org.). Autor e autoria no cinema e na televisão. Salvador: EDUFBA,
2009.
ROGERS, Scott. Level UP: um guia para o design de grandes jogos. São Paulo: Blucher, 2012.
ZILBERMAN, Regina. Institucionalização da autoria e reificação do escritor. Fameco, Minas
Gerais, v. 4, n. 1, p. 1-10, jan/jun.2001.

Referências de games
Call of Duty 4: Modern Warfare
Game of Thrones
Mario
Máximo: Ghost to Glory
Matrix
The Last of Us
Tower Defense
Tomb Raider
The Walking Dead
Life is Strange

GABARITO
Capítulo 1

01. O gabarito oferecido é composto na leitura de Scott Rogers que se encontra na nos-
sa bibliografia.

capítulo 5 • 100
– Chapeuzinho Vermelho caminha pela floresta até a casa da Vovó (clássico jogo de
exploração). Dê a Chapeuzinho algumas prendas para coletar, a fim de encher sua cesta de
piquenique (sistema de inventário) e faça com que ela pule um ou dois troncos caídos em
seu caminho.
– Chapeuzinho encontra o Lobo Mau – o jogador tem seu primeiro encontro com o
inimigo. Naturalmente, você ainda não pode matar o Lobo (a menos que os inimigos sejam
lobinhos lacaios).
– Carregando um conjunto completo de prendas (sistema portal), Chapeuzinho encontra
a casa da vovó (próximo nível), onde ela encontra a vovó esperando na cama.
– Chapeuzinho questiona a verdadeira identidade da Vovó (que grandes olhos você
tem!). Isso pode ser feito em forma de um questionário, de um quebra-cabeça, ou até mesmo
de um jogo de ritmo. (ROGERS, 2010, p. 67)

Capítulo 2

01. Nesta narrativa de O poderoso chefão, de Francis Ford Coppola, você tem muitas trilhas
para montar. Vamos às sugestões:
I. Você pode colocar um dos irmãos para assumir o posto de grande chefe da máfia.
II. Levar a família para um mundo legítimo, longe de tudo e de todos.
III. Estabelecer um código de lealdade com a máfia.
IV. Quais são seus territórios?
V. Quais são seus inimigos?
Vejam que com estes cinco pontos, vocês já têm material suficiente para produzir um jogo.

Capítulo 3

01. Comece com o gameplay e detalhe como a sequência de jogo é apresentada. Existirão
múltiplos capítulos na história? A história se aplica à jornada do herói? O jogo está dividido
em níveis ou rounds? Há cenários legais, como dirigir enquanto atira ou fugir de uma pedra
gigante? E para construção dos personagens, em qual arquétipo você se apoiaria apara
deixar a sua história mais crível? Lembre-se de que a personalidade e as ações de seu per-
sonagem devem determinar sua aparência. Então, dê a seus personagens formas, silhuetas,
cores e texturas distintas, assim procure nomear seus heróis de maneira apropriada. Em
seguida, use o personagem do jogador para determinar as métricas do jogo. Também use o
personagem do jogador para refletir sobre as condições do jogo e principalmente, divirta-se

capítulo 5 • 101
no seu processo de criação. Liberte-se e deixe a inspiração te pegar. Se for bom para você,
com toda certeza será para quem for jogar sua história.

Capítulo 4

01. Defesa/rei da colina. (ROGERS, 2012)


É parecido com o controle de área, porém é dada uma locação para equipe de jogadores,
que precisa ser defendida por um período de tempo determinado.

Capture a bandeira. (ROGERS, 2012)


Esse modo de jogo tem um dos jogadores se tornando o alvo dos outros jogadores, seja
por ter um objeto (como uma bandeira ou crânio esquisito do Halo) ou ser designado como
“ele” pelo jogo. O jogador que é “ele”, é, algumas vezes, tornado deficiente enquanto é “ele”.
Este pode ser jogado tanto competitivamente quanto cooperativamente, com outros colegas
de equipe protegendo o jogador.

Capítulo 5

01. Você pode construir as condições de vitórias e de derrotas, escolhendo um gênero e


colocando regras para este game e principalmente, apostando na criação dos personagens.
Outra proposta é criar pontuação, assim como punição ou recompensa.

capítulo 5 • 102
ANOTAÇÕES

capítulo 5 • 103
ANOTAÇÕES

capítulo 5 • 104

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