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A aprendizagem dos valores maçónicos em 

Loja

"Faça da disciplina um lema, da dedicação uma bandeira e da paixão pelo trabalho


um exemplo"

(comercial Ayrton Senna)

Desde a sua estruturação iniciada na primeira metade do século XVIII, a Maçonaria vem
defendendo princípios e valores morais, posicionando-se politicamente e identificando-se
com causas nobres, lutas sociais e movimentos cívicos, revolucionários e libertários, que
a fizeram prosperar até aos nossos dias, sempre combatendo a intolerância, os
preconceitos, a ignorância, os privilégios e defendendo ideias inovadoras.

Ao longo da sua trajectória, a Maçonaria procurou actuar no sentido de educar os seus


obreiros para serem pessoas de uma convivência saudável, com sólida formação de
espírito de luta para a busca do aperfeiçoamento individual e social.

E, para manter a conduta moral exigida pela Ordem, o obreiro deve exercer o domínio
das paixões, reconhecer e corrigir defeitos, cultuar a inteligência e pôr em prática os
rigorosos ensinamentos colocados à sua disposição.

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Esta aprendizagem inspira-se na Ética Maçónica que, mais do que um simples dever,
fundamenta as suas acções nos conceitos de liberdade, igualdade e de fraternidade, em
busca da concretização dos valores e regras morais inscritos nos seus rituais e
regulamentos, orientando a conduta dos seus obreiros com ênfase na solidariedade
humana e na justiça, em toda a sua plenitude.

Neste sentido, o trabalho da Maçonaria em Loja visa a aprimorar o carácter dos seus
membros e a promover reflexões sobre a espiritualidade e elevação do nível de
consciência e convivência irrestrita e fraternal, de forma que seja aperfeiçoada a
capacidade de raciocínio e que os obreiros possam agir no mundo profano como
construtores sociais aptos a influenciar a opinião pública e provocar mudanças
qualitativas nas atitudes das pessoas, despertando a lucidez e mostrando a realidade,
fomentando a importância de bons exemplos.

Para cumprir esse desiderato, a aprendizagem dos valores maçónicos em Loja é


proporcionado a partir de reflexões sobre o conteúdo das Instruções, Rituais,
Constituição, Regulamento Geral, que pressupõem o autodesenvolvimento como
processo contínuo, envolvendo aspectos éticos, morais, espirituais, culturais e sociais,
onde tudo é harmonizado pelo esforço individual do obreiro e pelos princípios
norteadores da filosofia maçónica, de forma livre, que não dita regras nem o ritmo,
tornando o Maçom o mestre de si mesmo, onde o seu maior símbolo é o
autoconhecimento.

Como resultado desses ensinamentos, vislumbra-se o impulsionamento da capacidade


de pensar e a prática de virtudes e de acções concretas no mundo profano, de forma
transformadora, forjando um cidadão consciente que procura fazer tudo de forma justa
para promoção do bem e para tornar feliz a colectividade, como consequência do seu
aperfeiçoamento pessoal e influência na sua esfera de relacionamentos, com o
reconhecimento de todos os que o rodeiam. A convivência com esse Maçom aprimorado
torna-se uma experiência prazerosa e inspiradora com efeito multiplicador
incomensurável.

Com o propósito de perenizar esse valor e colher frutos sempre saborosos, temos no
quotidiano das nossas Lojas exemplos daquelas que são bem geridas, disciplinadas na
ritualística, ricas nas actividades e que observam o cumprimento das regras e
fundamentos da Ordem, sendo bem reputadas e objecto de visitas constantes de irmãos
de outras Oficinas, que se procuram inspirar para melhorar o desempenho, praticando o
tradicional método do benchmarking, comparando acções, avaliando a gestão e clima de
convivência.

Naqueles casos de amor à primeira vista, muitos obreiros impedidos de chegar ao


óptimo individual nas suas Lojas de origem, aí incluídos iniciados recentes, e munidos de
coragem e em busca de desafios, partem para o pedido de transferência, vislumbrando a
possibilidade de aprimoramento pessoal. Talvez seja prematuro especular, mas no
retorno das nossas actividades presenciais, após esse período de pandemia, muitas

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mudanças poderão ocorrer, em especial naquelas Lojas que resistiram e não
organizaram reuniões virtuais, fragilizando o culto aos valores vinculados aos laços
fraternais e de estudos.

Dentre as Lojas que não conseguem reter os seus obreiros e sentem minguar a sua
força de trabalho, com o enfraquecimento das suas Colunas, o diagnóstico desagua
frequentemente em deficiência no processo de gestão, quando não é dada a devida
importância ao aperfeiçoamento dos obreiros, contribuindo para o desinteresse, o
desencanto e a deserção de muitos irmãos, pela falta de oportunidade de treinamento,
de discussões de temas relevantes e de um ritualismo vazio, um teatro repetitivo apenas
para cumprir tabela. Uma Loja não consegue evoluir com o freio de mão puxado.

Ocorre que, elaborar uma análise da Maçonaria como um observador acima do bem e do
mal, sem o espírito de pertencimento e de corresponsabilidade para com os destinos das
nossas Lojas, independente de cargos, graus e qualidades, confortavelmente instalados
em ambientes aconchegantes – em especial nesse retiro domiciliar cumprindo o
distanciamento social recomendado pelas autoridades de saúde -, pode ensejar tarefa
aparentemente simples. Por sua vez, apresentar críticas sobre a gestão da Loja e sugerir
medidas de correcção pode recair em mais do mesmo, dependendo da forma e do poder
de argumentação do avaliador.

Porém, quando se pensa no que individualmente podemos fazer para contribuir para a
eficácia das nossas Lojas, para a efectiva aplicação dos valores maçónicos, aí o bicho
pega. É o velho dilema de enfrentar o questionamento de que conseguimos avaliar e dar
bons conselhos para os outros, mas não o conseguimos para nós mesmos, causando
certo desconforto. É o conhecido "Paradoxo de Salomão", uma situação em que temos
bons argumentos para resolver os problemas dos outros e dificuldades em solucionar os
nossos pessoais.

Dar apenas uma opinião, de longe é o melhor. A alternativa de argumentar que a Loja
está com um projecto em discussão (eterna) ou ainda está colhendo sugestões é a
melhor das desculpas. Quantas já superaram esta fase e já estão agindo efectivamente?
O mundo lá for a continuará aguardando as nossas providências? Como ficam os valores
que cultuamos e a nossa credibilidade, em especial junto aos novos iniciados "ainda"
cheios de esperanças?

O que não falta nas nossas Lojas são manifestações do tipo: "já disse várias vezes e já
dei diversos conselhos, mas ninguém prestou atenção! ", ou então a conclusiva e
desanimadora: "as minhas palavras foram levadas pelo vento, doravante não falo mais
nada", e por aí vai. De forma inapropriada, ouve-se nos átrios de distantes Potências
comentários do tipo "eu faria diferente...", característico dos "engenheiros de obras
feitas" ou a "fácil sabedoria ex-post". Onde estaria esse sabichão da Ordem na hora de
fazer o que seria o certo?

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Em muitas oportunidades, a eventual sugestão ocorreu de forma atabalhoada, carregada
de emoções, em situações em que o obreiro atravessa a ritualística e quebra a harmonia
dos trabalhos com comentários paralelos, julgando-se senhor do certo e do errado.
Outros apontam deslizes de forma abrupta, como se donos fossem, com ar professoral e
recorrendo à condição de "fundadores", usurpando função dos titulares responsáveis,
quando não reclamam de uma determinada circunstância, falando for a de hora e
invocando "questão de ordem", funcionando, enfim, como um anti modelo. Que valor
estaria faltando?

Em tempos reuniões em videoconferências e de redes sociais agitadas como uma


tormenta de Verão, grupos de WhatsApp que se transformam em verdadeiras Oficinas
de trabalho, com total descumprimento das recomendações de que determinados
assuntos fiquem restritos a sessões ritualísticas e que existe uma "Bolsa de Propostas e
Informações" continuamente preparada e ávida para receber pranchas bem
fundamentadas, com contribuições de todos e de que existe uma forma protocolar de
encaminhamento. Continua faltando algo!

Precisamos adoptar uma postura diferenciada e acolher a Maçonaria, em especial a


nossa Loja, como um património, um valor pessoal, um tesouro a ser administrado,
conservado, aprimorado e desfrutado com muito carinho, não apenas delegando ao
Venerável e aos Vigilantes a responsabilidade para tal.

Torna-se imprescindível colocarmo-nos no lugar deles e ver os problemas das nossas


Lojas de uma perspectiva diferente, pois o legado dos irmãos que nos antecederam
precisa ser honrado e somos os únicos que poderão dar continuidade à obra e deixar a
nossa marca para as gerações que nos irão suceder, em especial a Geração "Z",
ocupando ou não um "cargo" de destaque [1].

Afinal, somos uma família ou não? Estamos apenas em busca de proveito pessoal ou
para posarmos de "pavões misteriosos"? Somos agora apenas figuras carimbadas em
lives maçónicas, tipo políticos em campanha em busca de projecção "nacional",
participando simultaneamente de vários eventos, apenas para marcar presença?
Estamos efectivamente sintonizados com os valores maçónicos e prestigiando as
actividades das nossas Lojas-mãe? Para melhor compreender e aprofundar a reflexão é
aconselhável substituir o pronome "nós" pelo "eu" e aí a situação se complica. O que
"eu" preciso fazer?

Neste contexto, fica claro que o problema se circunscreve à seara da disciplina em Loja
ou mesmo nas actuais videoconferências maçónicas. Ah, disciplina! É isso! Nunca é
demais relembrar que, em termos gerais, o termo disciplina é definido nos principais
dicionários como um conjunto de regras ou ordens que regem a conduta de uma pessoa
ou colectividade ou aquelas destinadas a manter a boa ordem em qualquer assembleia
ou corporação. A boa ordem, portanto, é presumida na observância e submissão ou
respeito a um determinado regulamento que, no nosso caso, é precedido de um
juramento de honra, um valor a ser preservado. É novidade?

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Aplicada ao nosso dia a dia, a disciplina enseja conduta pautada por padrões éticos
independentes de normas e regulamentos, envolvendo respeito e limites a serem
observados, sob pena de gerar conflitos e dissabores. Aprendemos, desde criança, que
respeito é um valor inestimável e, para conseguir realizar um objectivo, precisamos
seguir regras e procedimentos disciplinares.

Neste sentido, sobressai o zelo que devemos ter nas nossas Lojas para não nos
deixarmos levar pela vaidade e arroubos de poder ao incentivar ou promover alterações
desfigurativas nos nossos Rituais ao arrepio dos Protocolos vigentes, dando provas
inequívocas de arrogância e de falta de disciplina. As reuniões maçónicas têm o condão
de despertar a importância da disciplina, como factor de educação, para que possamos
encarar os desafios da vida. Este valor é-nos ensinado e temos boas referências de
normativos a orientar as nossas acções.

A autodisciplina é uma habilidade que requer consciência crítica e capacidade de


observação amparada por procedimentos e hábitos que nos impomos com alguma
finalidade. Então, sabemos o que fazer. É uma questão de atitude. A avaliação que
precisamos enfrentar é: sou um apático, um reclamão nervosinho ou apenas um irmão
bacana, oportunista, bom de retórica e em busca de projecção pessoal? Como "eu"
posso contribuir para a Loja que me acolheu com tanto carinho?

Tratando-se de perenidade das instituições, 300 anos não é pouco, mas pode não ser
suficiente para garantir outro período semelhante. Exceptuando-se o Brasil, no mundo a
Maçonaria está encolhendo em número de obreiros, mas ainda desfruta de bons motivos
e um extenso legado a comemorar e não se pode deixar de dar destaque aos irmãos que
defendem os valores ensinados pela Ordem e fazem-na respeitada e reconhecida, e que
são a maioria. Por tudo isto, pergunto aos meus botões: isto aplica-se a mim ou não?

Enfim, nunca é demais repetir e enfatizar que

a missão do Mestre no exercício da sua plenitude é transmitir aquilo que aprendeu,


compartilhar informações e experiências, dar o exemplo, respeitar a ritualística,
honrar o compromisso de ser um facilitador para os estudos dos novos Aprendizes
e Companheiros, para que os mesmos sejam melhores do que aqueles que os
treinaram.

O Maçom de valor (de raiz) é presente, incentivador, colaborativo, partícipe e disciplinado


[2].

A disciplina é a mãe do êxito

(Ésquilo)

Márcio dos Santos Gomes

Notas

5/6
[1] – Ver artigo "Maçonaria e Geração 'Z' Pós-pandemia". disponível em:
https://opontodentrocirculo.com/2020/08/26/maconaria-e-geracao-z-pos-pandemia/

[2] – Ver artigo "Plenitude Maçónica", disponível em:


https://opontodentrodocirculo.wordpress.com/2018/12/13/plenitude-maconica/

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