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NO ENSINO
FUNDAMENTAL
SUMÁRIO
Educação
Valéria Maria Pena Ferreira
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EDITORIAL
Comitê Editorial:
AMARÍLIS COELHO CORAGEM, ANGELO BARBOSA MACHADO, ANTÔNIO AUGUSTO GOMES BATISTA,
ANTÔNIO MACHADO DE CARVALHO, EDUARDO FLEURY MORTIMER, IVETE WALTY, LUCÍOLA PAIXÃO SANTOS,
MARIA EMÍLIA CAIXETA e MARILDES MARINHO.
colaboradores:
ALESSANDRA LUISA TEIXEIRA, ANTONIO JÚLIO MENEZES NETO, ANTÔNIO MACHADO DE CARVALHO,
BERNADETE SANTOS CAMPELLO, MARIA AUXILIADORA CUNHA GROSSI, MARIA AUXILIADORA MONTEIRO,
MARIA EMÍLIA C. C. LIMA, MARIA MADALENA SILVA DE ASSUNÇÃO, MARISE MUNIZ, ORLANDO G. AGUIAR,
SELMA A. M. BRAGA, SUELI BARBOSA THOMAZ E VALÉRIA MARIA PENA FERREIRA
Impressão e Acabamento:
Revista produzida sem o uso de fotolitos pelo processo de “PRÉ-IMPRESSÃO DIGITAL” por:
W. Roth (0xx11) 6436-3000
ENTREVISTA
TRABALHO E EDUCAÇÃO:
A PROPOSTA DO MST. JEAN HÉBRARD - O OBJETIVO DA ESCOLA
O movimento social mais comen- É A CULTURA, NÃO A VIDA MESMA
tado hoje pela imprensa se mostra Hébrard, pesquisador e Inspetor Geral do Mi-
aqui em outro ângulo: sua con- nistério da Educação da França, fala sobre o
cepção de escola voltada para o Brasil e sobre a falta de comunicação com os
trabalho. alunos, que tanto aflige professores do mundo
inteiro.
Nossa capa:
APRENDER A APRENDER: GARANTIA DE UMA
A Rádio Favela mostra seu
EDUCAÇÃO DE QUALIDADE?
poder de agente educativo.
Imagem: Morro, Di Caval- Um dos grandes mitos da educação contemporânea — o de que
canti, 1930 alunos devem ser autônomos — é questionado por uma argu-
mentação que revaloriza o papel dos professores.
AGENDA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .93
EDUCADOR-LEITOR: escreva para PRESENÇA PEDAGÓGICA, manifestando sua opinião sobre este número da
Revista.
ASSINANTE: não deixe de atualizar seu cadastro junto à Revista. Não se esqueça de que é preciso renovar sua
assinatura.
EM TEMPO: Maria Laura Magalhães Gomes, colaboradora em “Presença de Livros”, do número 32, é professora
do Departamento de Matemática da UFMG
JEAN HÉBRARD
O objetivo da escola é a
cultura, não a vida mesma
• Entrevista concedida a sobre o Brasil Contemporâneo da EHESS, política pública de Educação, Jean Hébrard
Ana Galvão
Antônio Augusto Batista e onde tem desenvolvido pesquisas sobre o possui um perfil singular, pouco comum aos
Isabel Frade.
Transcrição e edição de nosso país. Tem vindo periodicamente ao pesquisadores atuais. Talvez por isso consi-
Ana Galvão
Brasil para dar conferências, palestras, ga falar de lugares tão diferenciados,
fazer pesquisas nos acervos e prestar asses- trazendo, tanto para educadores, como para
soria na elaboração de políticas de edu- quem trabalha com a elaboração e acom-
cação e de leitura, como por exemplo, dos panhamento das políticas educacionais,
Parâmetros Curriculares Nacionais de reflexões fundamentais para se pensar a
História e do Programa Pró-Leitura. educação no mundo contemporâneo.
JEAN HÉBRARD
PP: Com que temas você tem traba- balho muitas vezes e trazia para nós toda
lhado ao longo de sua trajetória? a bibliografia do momento. Especia-
Hébrard: Tive uma formação pro- lizei-me na história da alfabetização.
fundamente marcada pela educação Meu primeiro artigo nos Annales é sobre
primária, como professor e como aluno, a história da alfabetização. Foi muito
e pelo ambiente rural, onde se deu importante para mim ter desenvolvido
minha formação de base. Tenho traba- uma maneira nova de pensar a história
As questões lhado, ao longo do tempo, especialmente cultural, que é precisamente essa his-
relacionadas à
com os fenômenos da aculturação e com tória dos equipamentos intelectuais.
educação me
o autodidatismo. As questões rela- Fiquei muito impressionado quando
interessam
cionadas à educação me interessam pro- descobri Lucien Febvre, para mim o
profundamente:
fundamente: minha área específica de maior historiador francês. Ler sua obra
minha área
atuação é a escola primária, a aprendiza- foi uma experiência maravilhosa. Lucien
específica de
gem elementar. Quando trabalhei na Febvre tornou-se, para nós que somos
atuação é a
escola primária, a Escola Normal de Saint-Cloud, forman- interessados na educação, que fazemos
aprendizagem do professores para as escolas normais, História Cultural, uma leitura impres-
elementar. fui progressivamente, ao longo dessa cindível. Porque para mim é muito
formação, percebendo a importância da importante ficar no campo da educação.
História. Para trabalhar com esses pro-
fessores, de todas as disciplinas, o pro- PP: É um campo muito desprestigia-
blema era como falar, como inventar um do esse da educação, não é?
discurso capaz de constituir uma for- Hébrard: A educação é a minha
mação geral para eles. A evidência esta- vida. Para mim não existe nada mais
va na História. Fui, então, fazer for- forte do que a educação. É muito
mação em História, na École de Hautes importante.
Études. Deixei a minha formação em
Filosofia e fiz uma formação em PP: E a pedagogia?
História, tendo como professores Roger Hébrard: Não. Penso que a peda-
Chartier, Jacques Revel e Dominique gogia é um discurso vazio. A educação é
Julia. Uma coisa muito importante para um campo político e cultural. Um
mim foi a ligação de Roger Chartier com desafio permanente para as democra-
os Estados Unidos, porque ele ia lá a tra- cias.
JEAN HÉBRARD
PP: E o que você está chamando de preciso saber muito bem como fun-
pedagogia? Por que você a considera cionam. Penso que a única forma de inter-
um discurso vazio? venção é a descrição da escola. Se você é
Hébrard: A pedagogia era uma coisa capaz de descrever bem o que acontece na
terrível na França. Uma de suas funções escola, o que é a escola, você é capaz de
era, por exemplo, a de justificar por que se mudá-la um pouquinho. Essa capacidade
faziam determinados exercícios em sala de descrição é fundamental, porque a
Não é possível de aula. É terrível esse discurso de articu- coisa mais importante na vida da escola é
montar apenas
lação de um exercício, herdado de um a repetição, a repetição permanente. Os
com a vontade
século de história da educação. Como problemas com os quais a aritmética tra-
uma escola
articular esse exercício com uma finali- balha são tão fortes, que é impossível
diferente. A escola
dade filosófica? Cada vez que uma pessoa encontrar, a cada século, uma forma tão
é um processo tão
me fala, normalmente um professor em forte. O ditado é uma forma tão forte de
complexo, mas
formação, de pedagogia, cito Nietzche, intervenção pedagógica que não é pos-
tão complexo que
é impossível, com a Genealogia da Moral. A Genealo- sível inventar a cada século um exercício
apenas com a gia da Moral é o livro mais antipeda- tão forte. Assim, a repetição é o núcleo da
vontade, mudá-la. gógico que conheço, porque o discurso pedagogia, e define em parte os tempos
Você herda os pedagógico é precisamente o discurso da da escola.
dispositivos, e moral. A idéia é que a intervenção na edu-
para modificar um cação, particularmente na formação, não é PP: Quais seriam os tempos da escola?
pouquinho esses uma intervenção que se faz com o objeti- Hébrard: O tempo de base é o
dispositivos é vo pedagógico, é uma intervenção que se tempo das práticas. É um tempo muito,
preciso saber faz dentro da determinação da própria muito lento. O segundo é o tempo das
muito bem como história. Penso que os eventos na história políticas da educação, da organização da
funcionam. da educação, no campo da educação, são escola, dos grandes modelos de organi-
eventos muito determinados. Não é pos- zação. Em vinte séculos ou mais, por
sível montar apenas com a vontade uma exemplo, existiram somente dois mode-
escola diferente. A escola é um processo los: o ensino individual e o ensino
tão complexo, mas tão complexo que é simultâneo. E o terceiro tempo é o do
impossível, apenas com a vontade, mudá- discurso, muito forte e de uma veloci-
la. Você herda os dispositivos, e para mo- dade muito rápida. Uma invenção discur-
dificar um pouquinho esses dispositivos é siva a cada ano, a cada mês, a cada dia. O
JEAN HÉBRARD
ruptura definitiva ticular, com a restrição do desenvolvi- mundo, e não mais uma realidade
em face de uma mento mental do aluno, da idade do somente da família. A família tradicional,
realidade que o aluno... São poucos os dispositivos acabada, falida, enfrenta uma realidade
professor não capazes de funcionar dentro desse mode- nova, particularmente a da adolescência.
consegue mais lo, dentro dessa quantidade de restrições. Há, no sistema educativo, uma ruptura
trabalhar. Esta definitiva em face de uma realidade que o
realidade é uma PP: No momento em que você estava professor não consegue mais trabalhar.
oposição muito fazendo a sua formação em História e Esta realidade é uma oposição muito
clara: os alunos pensando em educação, vivemos um clara: os alunos existem. Antes existiam
existem. quadro de vários impactos: o im- as famílias e não os alunos. Eu penso que
pacto de 68, o impacto dos trabalhos os anos 60 e 70 foram anos terríveis para
sobre o sistema de ensino francês, a educação, porque todos os modelos
que mostram a articulação entre o educativos se mostraram fracassados. As
sistema de ensino e as desigualdades idéias naquele momento — éramos todos
sociais. Quando analisamos a His- marxistas — estavam ligadas ao fracasso
tória numa perspectiva de longo dos alunos. E ante a nossa vontade de
prazo, esquecemos que, embora a democratizar a educação, os sociólogos
JEAN HÉBRARD
com a cultura da ma para nós hoje. É por isso que os anos cionais, mais do que aproximar, tal-
família. São alunos 70 são anos muito decisivos, porque mar- vez tenham promovido, como você
com uma cultura cam o nascimento de uma contradição. disse, uma fratura na transmissão
que não é mais a Pensávamos que a escola era um disposi- dessa cultura. O que você acha des-
cultura da família, tivo muito simples para transferir os co- sas novas propostas centradas na
mas que existe e nhecimentos de uma geração a outra. O cultura dos alunos?
que é forte. problema é que, a partir dos anos 70, o Hébrard: É importante pensar sobre
sistema de transferência da cultura não a primeira reação diante dessa situação
funciona mais. Porque os alunos não são difícil. Lembro como os professores, nos
alunos sem cultura ou com a cultura da anos 70, mesmo na universidade, tinham
família. São alunos com uma cultura que horror de trabalhar como professores,
não é mais a cultura da família, mas que nessa situação. Sentiam-se diante de
existe e que é forte. Isso é muito impor- alunos que não estavam "nem aí" para o
tante. E no primeiro momento, a Sociolo- saber, não tinham nenhum desejo de
gia — de Bourdieu, de Baudelot — foi aprender. É impressionante essa con-
uma ilusão. O trabalho real sobre a Socio- tradição. O que fazer? A primeira idéia
logia da Educação se faz nos anos 80 e 90, da escola foi a de jogar com esse público,
JEAN HÉBRARD
JEAN HÉBRARD
JEAN HÉBRARD
Porque o que é importante na escola não não é mais capaz de educar; instrução,
é a formação. Bom, onde se dá a for- que é a função normal da escola; e guar-
mação? No trabalho. Para nós é uma da, porque a cidade não é mais um local
certeza, pelo menos para nós que traba- adequado para uma infância livre. O que
lhamos com a educação, que a única for- é mais importante na escola não é a
mação do professor é a aula. Todos os instrução, é a vigilância. É um problema
discursos são discursos totalmente muito grande para nós essa confusão das
A sociedade não vazios. Na formação, mais importante é funções da escola. A formação de um
tem lugares
organizar esse encontro, realizar essa professor é uma formação acadêmica
próprios para as
mediação com a prática. Hoje, a escola muito longa, para fazer o quê? Guardar?
crianças. O
continua essencialmente como um sis-
problema central
tema de guarda. E a função de guarda se PP: Na sua trajetória, você tem atua-
hoje é: como fazer
confunde com a função de formação. do em diferentes áreas: na pesquisa,
com que as
Aliás a função de guarda é bem mais no ensino, na política...
crianças tenham
uma vida que não importante do que a função de for- Hébrard: É verdade. Quando as
seja perigosa, mação. Para nós, na França, é bem evi- escolas normais desapareceram, traba-
ociosa,e, ao dente que quando uma escola está fecha- lhei, durante cinco anos, como pes-
mesmo tempo, da por causa de uma greve de profes- quisador numa equipe no INRP. Mas
que não seja essa sores, o importante não é que haja al- foi um trabalho muito chato ficar como
vida escolar guns dias de aula a menos, o importante pesquisador sem dar aulas. Eu penso
absurda, em que é o que fazer com os alunos, o que fazer que não é bom o pesquisador fazer o
se confunde a das crianças. A sociedade não tem seu trabalho e não poder falar com
segurança da lugares próprios para as crianças. O alunos sobre ele. Os alunos são um
criança e a problema central hoje é: como fazer com bom controle da pesquisa. Depois, por
instrução. que as crianças tenham uma vida que um acaso da vida, eu passei a atuar na
não seja perigosa, ociosa,e, ao mesmo política. Comecei uma carreira ligada à
tempo, que não seja essa vida escolar política da educação. Foi muito interes-
absurda, em que se confunde a segu- sante e penso que foi uma formação
rança da criança e a instrução. Eu penso muito maior do que a da pesquisa e da
que o grande problema da escola hoje é formação acadêmica. Aprendi tudo
a confusão desses dois papéis, ou me- sobre a educação em cinco anos de tra-
lhor, três: educação, porque a família balho político. Hoje sou Inspetor Geral
JEAN HÉBRARD
e gosto muito. Fui para muitos países política, se você é capaz de saber que
estrangeiros conhecer diferentes sis- existem modelos muito melhores do que
temas educativos. Agora sou um dos o seu, você tem uma posição de humil-
responsáveis pela organização da esco- dade. Você sabe que o que faz não é
la primária. muito bom. Que existem coisas muito
melhores para fazer, mas não são pos-
PP: São lógicas muito diferentes: uma síveis porque a conjuntura da ação
A pesquisa é a é a lógica da ação política, que nos política não permite. E aceitamos fazer
possibilidade de
leva a ter muito uma posição norma- tal ação política, sabendo que não é a
não ficar idiota,
tiva com relação à realidade. Já na melhor, mas que é a que a sociedade é
imbecil; é um
pesquisa precisamos evitar esse tipo capaz de aceitar. Para nós é muito
exercício da
de projeto de intervenção, não é? importante ter um necessário distancia-
inteligência. Sua
Hébrard: Exatamente. É preciso mento da ação política. E a pesquisa tem
primeira função
evitar essa postura tanto para fazer uma essa capacidade de constituir uma dis-
para pessoas
como nós, boa pesquisa quanto para fazer uma boa tância. De que gosto mais? Não sei se é
que têm a política. Para se fazer uma boa política é de fazer política ou de fazer pesquisa.
responsabilidade preciso também um trabalho de pes- Os dois, eu acho.
política, é a de quisa. Penso que em alguns campos
inventar acadêmicos, como o da economia, da PP: E essa sua ação na pesquisa e na
possibilidades, saúde, da educação, é impossível espe- política acabou gerando alguns produ-
mesmo que depois rar, porque a ação é cada dia, é aqui, com tos, como livros para professores...
não possam usá- uma força terrível. Como trabalhar na Hébrard: Escrever demanda muito
las na realidade. urgência da ação política e no tempo da tempo. O problema é que, quando se faz
pesquisa? O problema é aceitar que a pesquisa e ação política, é difícil reser-
pesquisa não é um sistema de aplicação var tempo para escrever. A escrita é a
imediata. A pesquisa é a possibilidade capacidade de verificar a ausência de
de não ficar idiota, imbecil; é um exercí- contradições. Sem a escrita ninguém é
cio da inteligência. Sua primeira função capaz de ver a ausência de contradições.
para pessoas como nós, que têm a A formação é um trabalho político.
responsabilidade política, é a de inventar Quando escrevo um livro para a for-
possibilidades, mesmo que depois não mação dos professores faço um trabalho
possam usá-las na realidade. Na ação político, não um trabalho científico.
JEAN HÉBRARD
PP: Você vê relações entre o que está nia, Bósnia, todas essas coisas não
ocorrendo na cultura em diferentes banalizam um pouco a própria
países? emoção?
Hébrard: As grandes evoluções da Hébrard: Não. A violência ao
nossa sociedade estão muito rela- mesmo tempo é uma fascinação e uma
cionadas, muito ligadas. A globalização revolta. É impossível haver revolta sem
não é somente econômica, é também fascinação e fascinação sem revolta. O
Os grandes social e cultural. Somos muito seme- que você disse é uma posição dos inte-
progressos da
civilização se lhantes, todos, no mundo. Sou pouco lectuais. É muito fácil viver essa po-
fazem sobre essa nacionalista. Eu penso que o nacionalis- sição crítica sem ser capaz de propor
maneira de mo é a maior maneira de provocar catás- uma ação real. A nossa especialidade, a
partilhar não
trofes. A nossa sensibilidade mudou educação, é um problema diretamente
somente os
grandes valores – muito: a televisão, o cinema, são sis- ligado à ação. Que bom ser crítico toda
moral, ética – mas temas maravilhosos de constituição de uma vida, nada a impor... Que infelici-
também os emoções mundiais. Isso faz com que dade estar no poder... É uma incapaci-
sentimentos. O
que sustenta um nós, do mundo inteiro, sejamos inca- dade de assumir uma posição de poder,
valor moral é a pazes de suportar certos fenômenos que que é uma posição de aceitar o erro, o
emoção. Não é a ocorrem em alguns locais. É um grande erro da ação. Por sorte, na educação,
racionalidade, é a
progresso da civilização. E os grandes somos obrigados a educar as crianças.
emoção. Por
exemplo, não progressos da civilização se fazem sobre Somos obrigados a ensinar todas as
somos mais essa maneira de partilhar não somente os manhãs. Isso é uma sorte extraordinária,
capazes de grandes valores — moral, ética — mas porque nos prende ao chão, à realidade
suportar a morte
de uma criança, também os sentimentos. O que sustenta concreta. Gosto muito da poesia de
por fome ou atos um valor moral é a emoção. Não é a Manoel de Barros, A gramática do
de agressividade. racionalidade, é a emoção. Por exemplo, chão, porque ele tem uma visão estética
não somos mais capazes de suportar a do mundo sem jamais perder essa
morte de uma criança, por fome ou atos maneira de ter os dois pés na terra. A
de agressividade. ação humana não pode esperar o mode-
lo. É preciso haver uma ação antes de se
PP: Mas, ao mesmo tempo — temos estar seguro de que um bom modelo
tantas vezes visto isso na televisão — existe. Por isso gosto da História, não só
a guerra do Golfo ao vivo, Tchetchê- da História da Educação, mas da
JEAN HÉBRARD
História de modo geral. Penso ser Marc Para mim, foi a alteridade total. O que é
Bloch quem disse que História é uma isso que ela está me contando? Foi um
maneira de cercar no passado a urgência momento totalmente irreal. E a partir
do presente. desse momento, me senti como Cabral,
como todos... Não foram os índios
PP: Qual é o lugar do Brasil nesse tra- antropófagos, mas foram os canga-
balho que você realiza de estar sempre ceiros... E tudo isso em Ouro Preto, esse
O Brasil gerou um lidando com processos de aculturação Brasil barroco, um barroco completa-
imenso trabalho, a
cada dia, de e de contato com outras culturas? mente diferente dos outros. E o que
entender uma Hébrard: O Brasil tem uma im- mais me impressionou foi o teatro, mais
cultura tão portância muito grande na minha vida. do que as igrejas, foi o teatro. Eu estava
diferente da
Eu acho que o Brasil, para os europeus, no camarote do governador e imaginei,
minha. A fantasia
do historiador é é encontrar na vida o que foi esse horror vivi imediatamente um espetáculo do
encontrar o do primeiro encontro entre Cabral e o século XVIII no camarote do gover-
passado diante índio antropófago. Descobrir um mundo nador, um momento em que havia ouro
dele. E aqui não
era o passado, era novo. Para mim, uma coisa muito por toda a parte... Eu pensava: o que é
a diferença. Penso importante é como pensar a diferença tudo isso? Impossível descrever através
que para entender total. No meu caso, o primeiro momen- de representações. Tudo era maravi-
a diferença é
to dessa descoberta do Brasil foi no lhoso, como diziam os primeiros
preciso haver
semelhança. avião. E no avião foi o tempo: um país europeus que aqui chegaram, e me fazia
tão grande que, para viajar, já no Brasil, pensar a alteridade. Isso gerou um
é preciso esperar quatro horas... O imenso trabalho, a cada dia, de entender
segundo momento foi a cidade, e foi uma cultura tão diferente da minha. A
Belo Horizonte. Uma cidade que não fantasia do historiador é encontrar o
conhecia. Uma cidade do primeiro passado diante dele. E aqui não era o
mundo. E o terceiro momento, o mais passado, era a diferença. Penso que para
importante para mim, foi Ouro Preto. entender a diferença é preciso haver
Lembro muito bem, estava perto de uma semelhança. Gosto muito de viajar no
fonte, na praça, e uma amiga brasileira Maroni, no Oiapoque, para ver as
começou a me falar de Guimarães Rosa. aldeias, os índios, mas é uma distância
Eu não conhecia nem mesmo o nome. E muito mais radical. Há tão pouca seme-
começou a me contar Grande sertão. lhança que essa diferença para mim não
Entendemos gênero como anos, fundamentaram-se nas dife- que vimos surgir a preocupação de
uma construção social e histórica renças de gênero, de modo que a trabalhar tais questões na sala de
que ocorre envolvendo o corpo do reflexão sobre as relações de aula. Nesse sentido, a proposta em
homem e da mulher em sua poder estabelecidas entre homens relação ao tema transversal "Ori-
dimensão biológica. Por tratar-se e mulheres se tornou condição entação Sexual" objetiva a re-
de uma construção histórica e para o exercício da plena cidada- flexão e a discussão sobre sexo e
social, as relações entre homens e nia, principalmente para as mu- sexualidade como expressão do
mulheres e os conceitos de mas- lheres. Em conseqüência dessas ser humano desde seu nascimento.
culino e feminino são plurais e relações historicamente desiguais, Incluem-se nessa discussão as
diversificados em culturas dife- vem-se observando, atualmente, o questões atinentes às relações de
rentes e até em uma mesma cul- surgimento de novos modelos de gênero, às doenças sexualmente
tura, em função da classe, religião, relacionamento entre homens e transmissíveis, principalmente a
raça, idade etc. Sendo assim, os mulheres e, nesse sentido, as AIDS e a gravidez na adolescên-
discursos, as representações e as questões relacionadas à sexuali- cia.
relações entre homens e mulheres dade e às relações de gênero pas- Mesmo reconhecendo o estrei-
estão em constante transformação saram a fazer parte dos temas to vínculo existente entre esses
e mudança. transversais propostos pelos temas, optamos por enfatizar as
Nos últimos anos, a conquista PCNs – Parâmetros Curriculares questões relacionadas ao gênero,
feminina de novos espaços sociais Nacionais. pois, mesmo estando os temas
e políticos tem trazido à tona Foi, portanto, a partir de uma estreitamente imbricados, falar
questionamentos acerca de dis- realidade, a discriminação entre sobre sexualidade implica outras
criminações que, durante muitos gêneros, existente na sociedade, dimensões teóricas aqui não abor-
O livro de Marcos Ribeiro, batom, usar vestido, usar sutiã etc. nas, sendo que o ponto de concen-
que ora discutimos, apresenta pe- Quanto às desvantagens, as res- tração desse desejo encontra-se
quenos textos abordando as postas relacionam-se a comporta- em jogar bola, soltar pipa e se
relações de gênero, a partir dos mentos que são considerados co- sujar. Além disso, observamos
seguintes temas: comportamento, mo típicos de meninos e que elas também uma alta recorrência em
sentimentos, estética, brincadei- lamentam não fazer: tirar a blusa, relação a considerar desvantagem
ras, físico e moda. Após esses tex- fazer xixi na rua, não poder usar o fato de cuidar do irmão.
tos, o autor propõe ao leitor ques- barba e bigode, ser forte, não A criança, ao chegar ao espaço
tões relacionadas a cada tópico poder brigar, pular muro etc. Em escolar, já está marcada do ponto de
discutido. Trata-se de um exercício relação às brincadeiras menci- vista do gênero, e a escola, de modo
que possibilita às crianças ques- onam: não poderem brincar na geral, reforça essas marcas. A
tionarem padrões culturais acerca rua, na lama, de tapão, jogar bola, família é fortemente domesticadora
dos papéis e comportamentos soltar pipa e andar de carrinho de para ambos os sexos, pois, como
atribuídos socialmente a homens e rolimã. Em relação às atividades instituição social, acaba por assumir
mulheres. domésticas, apresentam como o papel, designado pela cultura e
Na primeira questão, o autor desvantagem de ser menina o fato pelas gerações precedentes, de
apresenta dois quadros a serem de cuidar do irmão. inculcar nas novas gerações os valo-
preenchidos com as vantagens e Apesar de essas meninas res e atitudes relativos à sexualidade
desvantagens de ser menino ou terem em média 8/9 anos de idade, e às relações de gênero.
menina. Os alunos completam o elas já demonstram em suas Por isso a escola ainda não
quadro destinado a MENINOS, respostas uma sólida incorporação pode contar, efetivamente, com a
enquanto as alunas completam o dos valores culturais, mas ao participação da família em inicia-
quadro intitulado MENINAS. mesmo tempo demonstram a não- tivas que abordem tais questões.
Nas respostas das meninas, aceitação do estabelecido e o dese- No entanto, qualquer trabalho que
observa-se que elas consideram jo da mudança. venha a desenvolver nesse sentido
como vantagens, para o sexo femi- Pelas respostas podemos não pode relegar o importante
nino, algumas brincadeiras: brin- inferir que existe, por parte das papel que a instituição familiar
car de boneca, de casinha, de car- meninas, uma tímida recusa das desempenha nessa construção. A
rinho; alguns comportamentos: das normas estabelecidas social- escola deve buscar meios não só
mostrar carinho, ter medo, ajudar mente, como também um desejo para a participação da família, mas
a mãe, e comportamentos rela- de ter acesso a brincadeiras con- também para que esta não difi-
cionados à moda e à beleza: passar sideradas culturalmente masculi- culte a realização do trabalho.
A partir dessas respostas, para meninas?". Algumas meninas que os meninos?" Em relação a
parece-nos que os meninos tendem conseguiram apontar para a pers- esse item observamos que a maio-
a se mostrar mais estereotipados pectiva do arbitrário, ou de ser ria dos meninos consideram as
que as meninas, pois os primeiros "apenas" uma "escolha", enquanto meninas mais frágeis porque elas
ainda são alvo de maior pressão no os meninos manifestaram posição choram, são molengas ou mais
sentido de uma tipificação quanto contrária, não conseguindo inferir delicadas. Quase a metade das
a comportamentos. Nesse sentido, que a relação cor/sexo faz parte de meninas concordou com os meni-
parece haver um receio, por parte uma construção cultural e social. nos. Outra questão nesse mesmo
da família, da escola e de outras No entanto, para a maioria das item foi: "Você conhece alguma
instituições sociais, receio este, já meninas e dos meninos essa menina que é mais esperta que
incorporado pelos meninos, de que relação foi considerada como muito menino?". As respostas a
o uso de adereços poderá transfor- natural e simbiótica, ou seja, como essa pergunta refletem bem as re-
má-los em homossexuais. Em con- se nas cores já houvesse a priori as presentações prevalecentes em
trapartida, a questão da homos- características do sexo a que são nossa sociedade em relação ao
sexualidade feminina ainda faz associadas e, em conseqüência gênero. Os meninos foram unâni-
parte de um terreno menos visível, disso, o azul passasse a ser mas- mes em afirmar que não conhe-
ou mais silenciado. culino e o rosa, feminino. cem alguma menina mais esperta
Na terceira questão, o autor A quarta atividade traz as que os meninos; já as meninas se
pergunta: " Por que o azul é uma seguintes questões: "Você acha dividiram entre respostas negati-
cor usada para meninos e o rosa que as meninas são mais frágeis vas e afirmativas.
Ainda nessa questão o autor
pergunta: "Existe alguma coisa de
errado nisso?" (no fato de as meni-
nas serem mais espertas). Todos os
meninos responderam que nada há
de errado nisso, porém, como foi
visto, nenhum deles conhece uma
menina mais esperta. Das nove
meninas, sete responderam que
nada há de errado nisso. Duas
meninas responderam que há algo
de errado no fato de a menina ser
No decorrer da análise das que as meninas também sobre como efetivar os temas
respostas às questões apresentadas gostam de chutar bolas. O que transversais propostos pelos Pa-
no livro Menino brinca de importa aqui é a maneira râmetros Curriculares Nacionais.
boneca?, foi possível constatar como os adultos aprovam ou Talvez possamos entender tais
que, ainda em tão tenra idade, 8/9 desaprovam tais transgres- dificuldades como um refúgio
anos, as crianças já passaram por sões, o que vai deixar claro os para o silenciamento sobre essas
um sólido processo de construção modelos prevalecentes. Quan- questões.
das relações de gênero, ao mani- do chegam à escola, os pe- Trabalhar com as questões
festarem concepções a respeito de quenos atores carregam tais relacionadas ao gênero constitui,
comportamentos, valores e ati- modelos, reforçados para a ainda, um grande desafio: para os
tudes típicas daquelas conside- menina, hoje mais do que pais que temem, mesmo que
radas como padrão para meninos e nunca, baseando-se em bo- inconscientemente, que seu filho
meninas em nossa sociedade. necas em série, cada vez mais se torne afeminado, que sua filha
Pensamos, no entanto, que desejadas nos desvarios da transgrida os padrões de compor-
esse tipo de trabalho, mesmo que a sociedade de consumo. (Whi- tamento aceitos socialmente para a
princípio pareça pouco efetivo, taker, 1995, p.40) mulher; para professores que nem
representa uma oportunidade para sempre detêm o conhecimento
discutir e procurar modificar tais Com essas discussões pre- teórico sobre o assunto e, muitas
posições, pois felizmente a identi- tendemos chamar a atenção para a vezes, incorporaram e vivem va-
dade de gênero nunca está pronta importância de se trabalhar no
ou acabada em um determinado espaço escolar o tema “Orientação
momento: ela está sempre se cons- Sexual,” aí incluídas as relações de
tituindo, e por isso é instável e gênero. Queremos chamar a aten-
passível de transformações. ção também para as inúmeras difi-
Ao apresentarmos tais dis- culdades ainda encontradas para a
cussões, assim como Dulce Con- realização desse trabalho: resistên-
suelo Andreatta Whitaker salienta, cia dos pais; ausência de investi-
Não estamos ignorando mento e de propostas efetivas, por
que meninos, às vezes, acom- parte da escola; dificuldades teóri-
panham suas irmãs ou amigui- cas e pessoais do/a professor/a;
nhas em brinquedos de casi- falta de clareza, por parte da esco-
nha. E nem nos esquecemos de la, professores/as, pais e alunos/as
relações entre homens e mulheres. tema Orientação Sexual — aí BRASIL. Secretaria de Educação Funda-
mental. Parâmetros Curriculares
No entanto, entendemos que esse incluídas as relações de gênero, as Nacionais: pluralidade cultural, orien-
tação sexual. Brasília: MEC/SEF, 1997.
trabalho só terá sucesso se houver doenças sexualmente transmis- 164p.
_____. Parâmetros Curriculares Nacionais:
uma constante interlocução entre síveis, a gravidez na adolescência
terceiro e quarto ciclos: apresentação
escola e família. Além disso, ou- — ser trabalhado nas escolas, dos temas transversais. Brasília:
MEC/SEF, 1998. 436p.
tras instâncias sociais, como a torna-se necessária uma formação FELIPE, Jane. Sexualidade nos livros infan-
tis: relações de gênero e outras impli-
Igreja e a mídia, não podem ser de professores diferente da que cações. In:MEYER, Dagmar E. (Org.)
Saúde e sexualidade na escola. Porto
negligenciadas, pois elas também temos, atualmente, em nossos cur- Alegre: Mediação, 1998. p.111-124..
sos de graduação, seja nas licen- LOURO, Guaciria Lopes. Sexualidade:
lições da escola. In: MEYER, Dagmar
ciaturas — Educação Física, Geo- E. (Org.) Saúde e sexualidade na
escola. Porto Alegre: Mediação, 1998.
grafia, História, Letras, Mate- p.85-96.
_____. Gênero, sexualidade e educação:
mática etc —, ou na Pedagogia, uma perspectiva pós-estruturalista.
pois serão os profissionais dessas Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. 179p.
RIBEIRO, Marcos. Menino brinca de
áreas que estarão nas escolas tra- boneca? Conversando sobre o que é
ser menino e menina. 4.ed. Rio de
balhando, sem nenhuma formação Janeiro: Salamandra, 1990. 56p.
WHITAKER, Dulce Consuelo Andreatta.
específica, com os temas transver- Menino-menina: sexo ou gênero?
sais. Tendo em vista essa reali- Alguns aspectos cruciais. In: SERBINO,
Raquel Volpato & GRANDE, Maria
dade, faz-se necessário e urgente Aparecida Rodrigues de Lima (Orgs.).
A escola e seus alunos: estudos sobre
criar e viabilizar novas perspecti- a diversidade cultural. São Paulo: Edi-
tora da Universidade Estadual
vas de qualificação para os profes- Paulista, 1995. p. 31-52.
sores.
ponês dedica ao trabalho no con- E é nesse sentido de uma esco- uma de suas práticas as várias
texto da escola com novas neces- la politécnica que o projeto educa- dimensões da pessoa humana
sidades de formação profissional tivo do MST busca romper com a de um modo unitário ou associ-
evidentes no mundo de hoje, sem milenar separação teoria/prática, ativo, em que cada dimensão
capitular frente ao projeto neoli- manual/intelectual. Propõe que a tenha sintonia com a outra,
beral. Não existe um direciona- educação seja integral, múltipla, tendo por base a realidade
mento único, pois as realidades no reintegrando as várias esferas da social em que a ação humana
campo são diversas e o MST vida humana: vai acontecer. (Princípios,
busca contemplar e respeitar essas Estamos defendendo então 1996, p.8)
diferenças. Mas existem princí- que a educação no MST as- Os Princípios da Educação do
pios que norteiam o projeto edu- suma este caráter de unilate- MST buscam romper com a velha
cativo. ralidade, trabalhando em cada lógica capitalista de fragmentação
do conhecimento, sem perder de
vista a disputa pelo controle da
tecnologia, da ciência, trabalhando
com parâmetros que superam a
simples resistência, pois apresen-
tam propostas concretas. Desse
modo, também o projeto educa-
cional do MST seria alternativo ao
projeto homogeneizador do capi-
talismo globalizado.
No livro Coragem de Educar
(1994), publicado pela Fundep,
uma fundação educacional ligada
ao MST, existe uma discussão
acerca da cooperação agrícola,
fundamental ao projeto educativo
do MST. Nesta discussão,
propõe-se a construção de Agro-
vilas para tirar o trabalhador rural
do isolamento, possibilitando a
Para não deixar de viver a laços familiares e comuni- com seus pares, unidos num só
prática do trabalho, realizam via- tários. Duplamente entre pa- objetivo: formarem-se e ca-
gens, e em cada etapa do curso res, na condição de jovens e de pacitarem -se.
existe um período chamado de TC assentados, eles vivem um A Escola Josué de Castro,
(tempo comunidade), destinado a processo de transformação mantida por um movimento social
um estágio obrigatório num as- através do ensino direcionado e sindical, apresenta diversas
sentamento. Nesse estágio, o e vivenciado na prática. Não especificidades, entre elas uma
aluno recebe as lições e é avaliado só na prática do gerenciamen- perspectiva mais ampla de for-
pelos cooperados e pela direção to de uma cooperativa, mas mação profissional, justamente
estadual do MST, criando-se, também na prática social de pelo fato de ser uma escola manti-
assim, um movimento dinâmico compartilhar, solidarizam-se da por um movimento social.
entre as teorias e a prática. No TE
(tempo escola) os alunos passam
dois meses em cada etapa, en-
volvidos em atividades de aulas,
estudo, oficinas, atividades cultu-
rais e participando da empresa que
gerem. Essa etapa é dividida em
diversos tempos: Tempo Aula (5
horas-aula por dia), Tempo Traba-
lho, Tempo Oficina, Tempo Edu-
cação Física, Tempo Reflexão
Escrita, Tempo Estudo, Tempo
Verificação de Leitura, Tempo
Cultura, Tempo Formatura, Tempo
Lazer. Andrade (1997, p. 259)
observa que:
Nos moldes alternativos
de funcionamento da escola, o
Tempo-Escola configura-se
como um novo processo de
socialização que ultrapassa os
Encontramos na escola inú- entende por despertar poéti- bidas ilusoriamente como simples
meros textos poéticos, muitas co. Tudo isso permanece instrumentos, são lançadas como
vezes trabalhados de forma rígida muito marcado, muito nítido, projeções, explosões, vibrações,
e pouco criativa, inviabilizando como se poesia e declamação maquinarias, sabores: a escritura
um tratamento lúdico que poderia fossem conceitos antinômicos, faz do saber uma festa. (Barthes,
desenvolver-se pelo jogo das esta destinando-se a preser- 1989, p. 21)
palavras, pela imaginação, pela var aquela, e a suplantá-la
brincadeira. Encontramos também definitivamente no espírito A poesia — segundo Ba-
a leitura desses textos assemelhan- das crianças. (Porcher, 1982, chelard — continua a beleza do
do-se à eterna aula de declamação p.49) mundo, estetiza o mundo. Em seu
da escola primária, o que torna Nesse sentido, o que se produz livro Poética do devaneio, ele
reduzido e precário o espaço reser- é a linguagem informativa, sem nos fala da necessidade de uma
vado à poesia. Sobre esses usos da dar margem à possibilidade de ‘tomada de consciência da lin-
poesia na escola Louis Porcher uma relação mais sedutora e trans- guagem’ no nível dos poemas. A
afirma: gressora com a palavra. Se, ao linguagem poética abriria, então,
Nos dias de hoje ainda contrário, num outro universo de um infinito de possibilidades. Ao
continua existindo na escola percepção, tomamos a ‘escritura’, tratar dos devaneios voltados para
primária a velha e indes- como nos diz Roland Barthes, em a infância, o filósofo se refere à
trutível contradição entre as seu aspecto de imagens que suge- necessidade de desenvolvermos
finalidades atribuídas à aula rem formas, cores e significados, todos os privilégios da imagi-
de declamação e aquilo que se as palavras não são mais conce- nação.
O caráter ‘conservacionista’
da promoção cultural se funda no
aspecto da preservação de uma
cultura que, do ponto de vista da
prática, valoriza a passividade e a
memorização. O texto está dado e
tem em si uma verdade que inibe,
descarta o diálogo com o leitor.
Tenta-se preservar a memória do
grupo na perspectiva de uma ide-
ologia estática, de uma idéia opos-
ta às ações e interferências do
sujeito. Não que seja indevida a
preservação de uma memória —
esta é uma das faculdades de
invenção que o homem possui —
mas indevida é a forma como se
pretende entender a memória na
esfera das necessidades da vida
humana. A memória é suporte fun- Nesse sentido, indagamos Um aumento crescente do
damental da identidade e um acú- sobre o caráter funcional dos pro- interesse da escola pela pro-
mulo de experiência. É, como nos dutos de uma cultura que gera moção de textos infanto-juve-
diz Benjamin, a musa da narrativa: simplesmente um comportamento nis, ainda que esse aumento
A capacidade épica por de ‘difusão’ e de transmissão de venha quase sempre impreg-
excelência. Só graças a uma informações. Nesse contexto, nado de preocupações utili-
memória abrangente pode a instala-se a ideologia do ‘acesso’, taristas que facilitam a re-
épica, por um lado, apropriar- que cuida de passar adiante um dução da leitura a mero exer-
se do curso das coisas e, por objeto cultural com o intuito cício didático de transferência
um outro, fazer as pazes com o mesmo de difundir conhecimen- de informação (...) A adoção
desaparecimento delas, com o tos. Do ponto de vista da pro- do pragmatismo implícito da
poder da morte. (Benjamin, moção da leitura no Brasil, por "ideologia das necessidades"
1995, p.66) exemplo, notamos: não consegue, todavia, escon-
* Professora da PUC-Minas.
Imagem: Vieilard avec un enfant, séc xv, Domenico Ghirlandajo.
APRENDER A APRENDER: GARANTIA DE UMA EDUCAÇÃO DE QUALIDADE?
Nessa perspectiva, apregoa-se (...) Atualmente, o professor para fazer sua viagem ao mundo
a emergência de um "novo" para- quanto mais ausente da sala, instigante da investigação. Sabe-se
digma, consubstanciado no "apren- quanto menos interferir no ainda que a pesquisa deve consti-
der a aprender" que se centra na processo de aprendizagem do tuir-se como princípio formativo
aprendizagem, tida como única aluno, é melhor. O aluno tem a da docência.
forma de construção do conheci- capacidade de pesquisa autôno- Entretanto, o papel do professor
mento: ma e pode, assim, desenvolver torna-se cada vez mais necessário,
(...) É preciso construir a seu pensamento independente. nesta sociedade extremamente tecni-
didática do "aprender a apren- O aluno deve definir seu percur- cista, pois a ele cabe fazer a media-
der", no contexto globalizado so, usando o "aprender a apren- ção entre o acervo crescente de in-
do conhecimento moderno. As der". Na sociedade globalizada formações — multifacetadas e frag-
teorias mais atuais em edu- do conhecimento e da infor- mentadas — e os alunos, contex-
cação apontam, com insistên- mação, o professor tornou-se tualizando-as, integrando-as e criti-
cia persistente, para esta dispensável. (Barbosa, 1998) cando-as, para que se possa assegu-
direção, a par do reconheci- Não se trata de menosprezar a rar o desenvolvimento da reflexão e
mento consensual em torno da pesquisa, que é muito importante, a construção do conhecimento.
relevência da educação, ciência tanto para o professor, para que Além disso, só através da
e tecnologia para o desenvolvi- sua prática se renove, quanto para intervenção docente, da sua com-
mento. (Demo, 1993, p.215) o aluno que precisa ser orientado, petência na transmissão do conhe-
Por outro lado, esses parâme- parâmetro do que parece exce- porânea. Prega a redução do poder
tros transnacionais impactam áreas lente. Tudo isso está sendo do Estado, a ampliação e a liber-
sociais, como a educação e a saúde. orquestrado pelo Banco Mun- dade do mercado. No âmbito edu-
No caso da educação, apregoa-se dial cuja visão de Sistema de cacional, pode-se afirmar que o
que o sistema escolar tem de se Ensino está atrelada na profis- neoliberalismo penetra no campo
configurar como um mercado edu- sionalização, visando adequar da educação brasileira, principal-
cacional, levando as escolas a de- os individuos às exigências mente, a partir da participação do
finir estratégias competitivas, con- das atividades produtivas e da País na Conferência de Educação
quistando nichos que atendam, de circulação do mercado mun- para Todos, ocorrida em Jointien,
forma competente, à diversidade dial. (Ianni, 1996, p.6) em 1990. Assiste-se, a partir de
presente nas demandas de consumo O neoliberalismo, segundo então, a uma crescente participação
por educação. Segundo essa lógica, fator a ser analisado, constitui-se na educação, não só de agentes
a escola deve ter tanto a função de como uma alternativa de poder econômicos externos — Banco
transmitir certas competências e extremamente rigorosa, formada Mundial (antigo BIRD) e Banco
habilidades, para que as pessoas por um conjunto de estratégias Interamericano de Desenvolvimen-
atuem competitivamente, quanto a político-econômicas e jurídicas, to (BID) — como do empresariado
função de classificar e hierarquizar voltadas para a busca de uma saída nacional. Na verdade, o empresa-
os postulantes aos denominados frente à crise capitalista contem- riado se tornou, por um lado, o
empregos do futuro. principal ator educacional e, por
Essa "nova" concepção de outro, um importante intermedi-
educação tem a pretensão de se ador das políticas dos agentes fi-
tornar universal e as reformas dos nanceiros internacionais.
sistemas de ensino ora empreendi- A política educacional brasi-
das por diversos países possuem, leira, ancorada na visão de mundo
geralmente, os mesmos princípios, dos mencionados agentes externos
bases e estruturas: e internos, elabora, no início da
(...)Que coincidência inte- década de 90, o conhecido "Plano
ressante, todo mundo, de re- de Qualidade Total em Educação"
pente, acordou para melhorar (PQTE, 1991), que visa às se-
o Sistema de Ensino, preparar guintes metas: privatização da
quadros profissionais e ajus- educação; descentralização; pri-
tar a nação à modernidade, ao orização de um novo modelo edu-
Atualmente, na perspectiva do
mundo globalizado, exige-se mui-
to mais do que a simples univer-
salização da escola básica. É
requerido que a educação tenha
qualidade. Difunde-se a idéia de
que a implantação de uma edu-
cacional, fundado na sofisticação Encontra-se disponível uma cação competente e consistente,
tecnológica; qualidade do ensino, vasta bibliografia sobre as impli- pode levar o País da posição de
entendida como produtividade; cações das novas tecnologias na mero consumidor de tecnologia
atendimento às necessidades do determinação do novo perfil ocu- importada à posição de produtor
mercado; avaliação sistemática do pacional e dos requisitos de quali- de tecnologia. O pior é que, apesar
Sistema Educacional, tendo em ficação do trabalhador. Muitos dos discursos e da diminuição dos
vista as demandas do mercado. pesquisadores explicitam que, índices de fracasso escolar (con-
A revolução tecnológica, últi- neste novo contexto produtivo, re- seguida pela promoção automáti-
ma variável a ser enfocada, tam- quisita-se uma qualificação peda- ca, aceleração etc.), a educação
bém denominada de IIIª Revo- gogizada, que possibilite aos tra- brasileira vem perdendo muito em
lução Industrial, consubstancia-se balhadores os meios e as condições termos de consistência teórica,
no recurso às novas tecnologias de para sua qualificação e reatualiza- aplicabilidade, prática, formação
base microeletrônica, na mani- ção profissionais. Afirmam, inclu- omnilateral, como denunciam
pulação da estrutura atômica e sive, que a politecnia, orientada pesquisadores: Gentilli (1994),
molecular da matéria e na pes- pelo princípio da relação entre Silva (1993), Frigotto (1995),
quisa biotecnológica (Machado, ciência e aplicação tecnológica, Oliveira (1998).
1995). Essa revolução provocou poderia responder às necessidades É muito difícil definir quali-
muitas transformações, que se e aos desafios atuais, porque ela dade. Segundo Manilha (1989), o
traduziram na adoção de uma nova pressupõe uma sólida formação termo qualidade sofreu dispersão
dinâmica na estrutura organiza- geral que contribui para superar a semântica, tantos e tão variados são
cional do setor produtivo, no tradicional dualidade, consubstan- os sentidos que lhe são atribuídos.
aumento da produtividade, na ciada na dicotomização entre for- Para Demo (1995), a quali-
demanda por uma qualificação da mação técnica e geral, apontando dade tem dois aspectos: formal
força de trabalho e no aumento do na direção de uma qualificação (referente aos instrumentos e
desemprego estrutural. ampla, integrada, flexível e crítica. métodos) e política (referente a
finalidades e conteúdos). A quali- dutividade, rentabilidade e mensu- representantes, que nos Estados
dade formal é neutra, porque não é rabilidade. (Frigotto, 1995) Unidos, nas primeiras décadas do
perversa em si, mas na sua utiliza- Essa visão produtivista de século XX, criou as Escolas Ati-
ção. A qualidade política diz educação vem, como alguns pes- vas. Nessas escolas difundia-se o
respeito ao relacionamento do quisadores explicitam, articulan- princípio do "aprender a aprender"
homem com a natureza e com os do-se com o "aprender a apren- que, colocando a criança como
outros homens e, nessa medida, der". (Warde e Hadad, 1996) centro do processo (pedocentris-
pode ser positiva ou negativa, pois Esse "aprender a aprender" mo), enfatizava a importância,
a política é ambivalente. São os não constitui uma concepção nova, tanto de descobrir suas neces-
usos e valores sociais que definem pois está vinculado ao escola- sidades, quanto de estimular sua
as acepções de qualidade e, em novismo e, mais especificamente, atividade, isto é, a ação prática, a
educação, a qualidade, na sua a Dewey, um dos seus principais experiência pessoal.
dimensão positiva, é que garante a As idéias de Dewey, entre elas
formação do indivíduo, como o "aprender a aprender", foram
cidadão e sujeito da práxis social. divulgadas no Brasil por Anísio
Segundo Singer: Teixeira, seu ex-aluno e um dos
(...) A visão democrática de pioneiros da Escola Nova, nas
qualidade em educação não vê décadas de 20 e 30.
contradição entre a formação A partir da penetração maciça
do cidadão e a formação do do neoliberalismo no País, vem-se
profissional, da futura mãe ou dando ênfase às denominadas
pai de família, do esportista, do Necessidades Básicas de Apren-
artista e assim por diante. dizagem que, além de priorizar
(Singer, 1996) apenas a aprendizagem, margina-
São essas dimensões de quali- lizando o ensino, enfatizam as
dade que devem ser priorizadas, necessidades individuais, em
mas a educação brasileira contem- detrimento das sociossistêmicas.
porânea, por estar mais voltada (Torres, 1994)
para o mercado, propõe que a Segundo essa "filosofia", os
qualidade se oriente por princí- processos de aprendizagem devem
pios como: adaptabilidade e ajuste voltar-se para a incorporação e
de mercado, competitividade, pro- difusão do desenvolvimento tec-
alunos. No primeiro ciclo (1ª e 2ª também de atitudes referentes a ler em casa. No dia combina-
séries) este uso prevê as seguintes aspectos de socialização e com- do, uma parte deles relata
situações didáticas: partilhamento, e de padrões de suas impressões, comenta o
… busca de informações e gosto pessoal. que gostou ou não, o que pen-
consulta a fontes de diferentes A biblioteca, entendida como sou, sugere outros títulos do
tipos (jornais, revistas, enci- um estoque de materiais variados, mesmo autor ou conta uma
clopédias etc.), com ajuda; utilizados para aprendizagem da pequena parte da história
manuseio e leitura de livros na leitura, torna-se, no volume cor- para ‘vender’ o livro que o en-
classe, na biblioteca e, quando respondente à Língua Portuguesa, tusiasmou aos colegas. (PCN,
possível, empréstimo de mate- um espaço que abriga v. 2, p. 63)
riais para leitura em casa … textos dos mais variados
(com supervisão do profes- gêneros, respeitados os seus
sor); socialização das expe- portadores: livros de contos,
riências de leitura. (PCN, v. 2, romances, poesia, enciclopé-
p. 115) dias, dicionários, jornais, revis-
tas (infantis, em quadrinhos, de
No segundo ciclo (3ª e 4ª palavras cruzadas e outros
séries) o uso de acervos e bibliote- jogos), livros de consulta das
cas é expandido para incluir, além diversas áreas do conhecimen-
das atividades acima menciona- to, almanaques, revistas de lite-
das, o rastreamento da obra de ratura de cordel, textos grava-
escritores preferidos e a formação dos em áudio e em vídeo, entre
de critérios para selecionar outros. (PCN, v. 2, p. 92)
leituras e desenvolvimento de
padrões de gosto pessoal. (PCN, A biblioteca, como local onde
v. 2, p. 131) os livros são compartilhados,
A biblioteca é vista, portanto, aparece em diversos momentos. A
como um espaço de aprendiza- roda de leitores é um exemplo de
gem, uma continuidade da sala de atividade, em que os alunos
aula, que propicia não só o desen- … tomam emprestado um
volvimento de habilidades ligadas livro (do acervo de classe ou
ao uso eficaz da informação, mas da biblioteca da escola) para
A biblioteca
como espaço de
aprendizagem
Mas, para Maffesoli, as pes- Alguns projetos chegam à rede. O que ficou mais próximo da
soas costumam dar a impressão de escola prontos, discriminados com realidade para as professoras é que
que atuam segundo os desejos títulos, objetivos, clientela, justi- se tratava de uma exigência para
daqueles a que estão subordinados. ficativa e estratégias de ação. Ou- melhoria do salário, advinda da
Executam as tarefas do modo tros são lançados apenas como implantação do Fundep (Fundo
como foram solicitadas, num pro- idéias que podem ser desenvolvi- Nacional de Desenvolvimento do
cesso de teatralidade. Conservam das ou acabam por morrer no Ensino Fundamental).
as aparências da normalidade, mas nascedouro. A reunião, que seria destinada
acabam por atuar numa duplici- à capacitação das professoras,
dade protetora que combina, de O cotidiano de um tornou-se um quebra-cabeças no
modo consciente ou quase incons- projeto pedagógico: sentido de saber quem faria o quê,
ciente, a necessidade e os espaços ações e relações quando e onde? Para a professora
de liberdade que permitem uma de Matemática e Ciências, da 3ª
atuação segundo a formação, os No primeiro dia de retorno à série, isso não significou um pro-
valores, a ideologia que possuem. escola, após o período de férias, blema, pois ela já ministrava aulas
A dinâmica dos projetos é rica as professoras foram notificadas de Inglês e Artes para seus alunos.
de significados. Com um olhar sobre a nova exigência da rede Nesse aspecto, dispôs-se ime-
atento pode-se apreender o proces- central, que estabeleceu a obriga- diatamente a resolver a questão:
so e também os pontos de insatis- toriedade de cada professor de- nas segundas-feiras ficaremos
fação, de estrangulamento, de dicar quatro horas por semana todo o tempo com nossos alunos.
duplicidade e de astúcia que fazem para atuar em outras atividades, Nos outros dias da semana, das
parte da escola, como organização com outra turma. 16:00 horas até as 17:00 horas,
sociocultural. A diretora-geral, a diretora poderemos ir para outra turma. As
Os projetos, de um modo adjunta e a orientadora pedagógica professoras da 3ª e 4ª séries fazem
geral, são sugeridos pela orienta- não sabiam explicar o que pre- o rodízio entre si e as da 1ª e 2ª
dora educacional, pela orientadora tendia a rede com tal orientação. séries, também.
pedagógica e pela rede oficial. São Não havia documento algum que A professora da 1ª série, por
apresentados às professoras nas mostrasse a importância, a finali- ser religiosa, ofereceu-se para tra-
reuniões destinadas ao planeja- dade, o objetivo. A exigência foi balhar com religião, o que, aliás,
mento anual/semanal, nas quais passada pela diretora adjunta, que, ela já fazia nas suas aulas. A idéia
passam a se conhecer, trocam su- por sua vez, recebeu tal orientação de se escolher a área de trabalho
gestões e pontos de vista. numa reunião geral na sede da foi imediatamente descartada. O
Desabafou: quero dar minha aula, nos meus moldes, são mal acostu- O sentido da
fazer o que sei fazer – dar aula de mados com as outras professoras, resistência
Português, não quero fazer como fico muito tempo exigindo com-
algumas colegas estão fazendo, portamento necessário ao desen- O Fundef passou a ser o pai
faltando às quartas-feiras, para volvimento das atividades. Não do Projeto Rodízio. Aceito em
não terem que participar do Pro- estou dando aula de arte, não função da melhoria financeira que
jeto. Como elas não vêem nenhu- concordo com o Projeto Rodízio, trazia no seu bojo, as professoras
ma validade no Projeto, conside- apenas mando os alunos pin- foram contornando as regras e
ram que, se faltarem, não trarão tarem os desenhos mimeogra- atuando de modo diferente do pre-
prejuízo para os alunos. fados. Antes eu sentia prazer de visto, com medo de críticas aber-
Uma outra professora argu- propor várias atividades artísti- tas que poderiam levá-las a entrar
mentou que não tinha voz sufi- cas aos meus alunos, que traba- em conflito com a escola, com a
cientemente alta para controlar os lhavam com sucata, faziam rede. Tornou-se um segredo que
alunos no pátio durante a re- arranjos florais, potes, dobra- não podia ultrapassar os muros da
creação. A orientadora pedagógi- duras. organização.
ca sugeriu que ela usasse um Chegou-se ao fim do ano leti- Insatisfeitas com as atividades
apito. A professora voltou a insis- vo sem que o Projeto Rodízio a serem desenvolvidas, por não se
tir que os alunos não iriam escutá- fosse aceito pelas professoras: sentirem capazes, preparadas,
la. Mais uma vez, a orientadora acabou transformando-se em estimuladas, as professoras usam
pedagógica justificou que ficaria práticas existentes nos anos ante- o discurso do tempo, aparente-
com uma turma de cada vez no riores na escola, tais como re- mente em favor do aluno. Suas
pátio. Era uma professora recém- creação, sala de vídeo e bibliote- mensagens podem ser facilmente
chegada na escola, não tinha ca. A aula de Artes, o Inglês e a decifradas. É clara a visão que
poder de barganha. Religião foram abandonados. Às portam de educação: a transmissão
A professora que sempre quartas-feiras tinha-se a impres- do saber acumulado, que não com-
desafiou o currículo, ministrando são de que o Projeto Rodízio esta- porta outras formas de aprender.
aula de Artes e Inglês para seus va em pleno funcionamento, e É a imagem do conservadoris-
alunos, também não concordou que as professoras faziam jus ao mo cego e obstinado (Chevalier,
com o projeto e afirmou: quero percentual recebido, dedicando 1996), mantendo a tradição da
dar aula de arte para os meus quatro horas semanais a outras escola de local do saber, do apren-
alunos, não para os de outras atividades, com outros alunos da der a ler, escrever e contar. Fazem
professoras. Os alunos não estão escola. uso da sala de aula, com cadeiras e
O professor Tarcísio Mauro leu na capa: "Rádio comunitária Uma ano e meio depois, em 14
Vago, depois de trabalhar o dia baseada em favela de Belo Hori- de março de 2000, nascia o pro-
inteiro em sua tese de doutorado, zonte opera sem concessão, será grama Favela em sintonia com a
decidiu relaxar. Sentou-se no sofá representante do Brasil em con- educação. Como apresentadores,
de sua casa na capital mineira, gresso na Itália e chega a atingir o Wemerson de Amorim, professor
apanhou o caderno de cultura de 4º lugar em audiência na Grande da Faculdade de Educação da Uni-
um grande jornal de São Paulo e BH". Era 23 de julho de 1998. versidade Federal de Minas Gerais
Vale destacar a seção Mestres recebeu o prêmio Referência em José Mendes Júnior nunca teve os
da favela, que traz para serem Gestão Escolar, em abril deste muros pichados ou sofreu depre-
entrevistadas pessoas da própria ano. O prêmio é concedido por dação.
comunidade onde se situa a entidades como o Conselho dos Desconstruir a violência foi
Rádio Favela, o Aglomerado da Secretários de Educação, a Fun- também o caminho escolhido pela
Serra. Formado por seis vilas, é o dação Roberto Marinho e a Unes- Rádio Favela para combater o uso
maior aglomerado de favelas da co. de drogas entre os jovens do
Região Metropolitana de Belo Ambos, quando entrevistados, aglomerado. "Todo mundo quer
Horizonte, localizado na zona sul falaram da violência. Ele, porque combater as drogas com arma,
da capital. desenvolveu a tese de mestrado a com colete à prova de bala, com
Já passaram pela seção entre- respeito dos mitos sobre criminali- grandes penitenciárias. Isso nunca
vistados como o sociólogo Wilson dade e comunidade. Ela, porque vai acabar com elas, porque são o
Cruz, que mora na comunidade há lida com a violência no seu dia-a- que mais movimenta dinheiro no
35 anos, e a professora Maria Car- dia. "A gente não fala em comba- mundo. Contra esse poderio, você
men Barbosa de Matos, ex-direto- ter a violência, seria um contra- tem de ir com a conscientização",
ra da Escola Estadual José Mendes senso. A gente fala em descons- defende Mizael Avelino dos San-
Júnior, que fica no aglomerado. truí-la", argumentou Maria Car- tos, presidente da rádio e um de
Sob a direção de Maria Carmen, a men. Exemplo de como a tática seus fundadores. Esse posiciona-
escola foi a única da capital que vem dando certo é que a Escola mento fez a Rádio Favela receber
da ONU, em 1996, 1997 e 1998, o
prêmio Dia Mundial sem Drogas.
Reconhecimento que veio
depois de a rádio ser fechada
várias vezes ao longo da sua
história, que começou no final dos
anos 70, quando um grupo de 50
jovens e adolescentes do aglome-
rado montou uma rádio com trans-
missor à base de bateria de cami-
nhão. Época, como lembra Miza-
el, em que na favela não havia
Misael, fundador da Rádio Favela energia elétrica, era proibido usar
Um
Machado
que não
assusta Conto de Escola, Machado
de Assis. Belo Horizonte:
Dimensão, 1999.
* Professora do UNI-BH.
Lançamento
A história ganhou as
manchetes. Exatamente como hoje em
dia, os fatos mais relevantes, os aconte-
cimentos mais importantes do passado estão lá,
na primeira página dos jornais. Mais que uma idéia criativa de como
aproximar o jovem leitor do estudo da História, é uma bela maneira de introduzir uma
noção básica - a de que a História foi e sempre será feita no cotidiano.
São 6 edições especiais, fartamente ilustradas com diagramação que permite leitura ágil e atraente
a alunos de 5ª a 8ª séries:
Agricultura orgânica:
a salvação da lavoura
MARISE MUNIZ, jornalista
Quem busca no cardápio natu- adubos orgânicos, reciclando os desse sistema, ele garante que é
ralista à base de legumes, verduras resíduos e usando racionalmente possível produzir frutas e legumes
e frutas uma alternativa alimentar os recursos naturais. "Quando o tão bonitos quanto aqueles que
saudável nem sempre está livre de solo é enriquecido com material recebem aditivos químicos, com a
riscos. A maior parte desses "ino- orgânico, melhora de forma signi- vantagem de oferecer maior valor
centes" vegetais contém defen- ficativa sua capacidade de for- em nutrientes e sabor mais apura-
sivos agrícolas que contaminam necer nutrientes, aumentando tam- do, sem contaminação de defen-
não apenas sua parte externa, pois bém sua resistência a pragas", sivos. Quando levamos esses ali-
a planta absorve pela raiz essas explica o médico veterinário Ra- mentos da horta para a mesa, sabe-
substâncias químicas aplicadas ao fael Paiva Isidoro, que atua há mos que estão ainda vivos; não é
solo de cultivo, incorporando-as nove anos como consultor na área um cadáver que se coloca no
integralmente. Que não se deses- e há sete como produtor de horta- prato.
perem, porém, os vegetarianos: já liças empregando esse sistema.
começa a ganhar campo no País a Para Isidoro, é um equívoco Bases ecológicas
agricultura orgânica, que produz pensar que os produtos orgânicos
saudáveis hortaliças e legumes são necessariamente feios e ra- Tida até pouco tempo como
sem uma só gota de veneno contra quíticos. Ele alega que a primeira uma prática alternativa restrita a
pragas. coisa capaz de garantir saúde à hortas caseiras, a agricultura or-
A alternativa orgânica reúne planta é uma boa nutrição forne- gânica apresenta-se gradativamente
técnicas que fertilizam o solo com cida por um solo sadio. Através como a opção mais promissora
* Professores da UFMG
interpreta-os e assimila-os. Aprender para todos, e não apenas para aqueles que
envolve esforço, disponibilidade e abertura irão prosseguir seus estudos em níveis supe-
para rever pontos de vista e elaborar novos riores. Observa-se assim um deslocamento
significados. Assim, construção e instrução dos objetivos do ensino de ciências para
são elementos de um mesmo processo, e a além das aprendizagens de conteúdos especí-
questão central da didática em ciências é ficos, de forma a construir competências na
como propor a instrução de modo a favore- argumentação e raciocínio sobre problemas
cer processos construtivos que conduzam a relevantes. •
uma apropriação de conceitos e habilidades
científicas.
JULHO
O BRASIL não
descobriria Portugal
ANTÔNIO MACHADO DE CARVALHO
O caricaturista Caruso publi- mais que uma trapalhada digna de indiretos gerados pela sua pri-
cou na última semana de abril do anedota, mostra a magnitude dos mazia nos múltiplos campos da
corrente ano uma preciosa charge. desafios que nos esperam nos dias vida social. Os que ficaram, por
Nela, o então Ministro Rafael de hoje. qualquer motivo, na rabeira das
Greca aparece na ponte de coman- As civilizações humanas se transformações adentraram o ciclo
do da submersa nau capitânia, constituíram em torno de incon- histórico gerado por aquelas revo-
encimada com o título "O Brasil táveis revoluções tecnológicas do luções tecnológicas de maneira
não descobriria Portugal". A ironia Neolítico até a atual pós-moder- subordinada e fragilizada, gravi-
com o fracasso da réplica do barco nidade, passando pelas revoluções tando em torno dos projetos
de Cabral — um mastro quebrou metalúrgicas, do vapor e outras. históricos daqueles que estavam à
no início da viagem e, em seguida, Através delas os homens foram frente do processo.
os dois motores entraram em transformando seus sistemas pro- As revoluções tecnológicas
colapso, deixando a embarcação à dutivos, adaptativos e ideológicos nunca foram, entretanto, mono-
deriva em alto mar; além disso, numa espiral evolucionista, porém pólio de quem quer que seja. Povos
foram equivocados os cálculos não linear. Essas sucessivas muta- que lideraram as mudanças em
sobre a quantidade de lastro ções, porém, atingiam a todos (ou determinada época podiam per-
necessário, o que levou os respon- a quase todos os povos) de feitamente ficar a reboque de ou-
sáveis pela aventura a misturar maneira diferencial. Aqueles que tros num momento seguinte. Exem-
chumbo com sacos de cimento encabeçaram as transformações plos não faltam: os árabes se bene-
para tentar resolver o problema —, gozaram dos benefícios diretos e ficiaram extraordinariamente das
* Professor da FAE-UFMG.