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N° USP: 14169147
5. O espírito é o ser ativo que percebe; a ideia, o ser passivo cuja condição de
existência é ser percebido. A ideia depende de um espírito que a percebe, mas o
espírito não necessariamente precisa perceber uma ideia para existir. Sua
realidade é substancial e causa os objetos do conhecimento humano, sem que seja
causada por estes. Ele é a condição primeira cuja existência é independente, o
incondicionado que possibilita ideias, ele é o meio no qual e pelo qual elas existem e
são percebidas.
Afinal, é possível que um ser ativo seja determinado pela potencialidade, e
não pela efetividade - isto é, que possa ser ativo, e não que constantemente o seja.
Mas como seria plausível esse ser que conhece e percebe sem nada perceber e
nada pensar, sem sobre nada operar? Ora, basta que se detenha ao que ocorreria a
um espírito que nunca teve nenhuma experiência sensível: não podendo ter
nenhuma idéia sobre coisas, por estas não poderia ser agradado ou desagradado e,
portanto, não poderia ter e tampouco poderia perceber paixões; não teria, assim,
nenhuma matéria prima sobre a qual a imaginação e memória poderiam trabalhar, e
com estas inertes, não poderia perceber qualquer operação da mente. Nada
conheceria; mas poderia algo conhecer, caso sua condição fosse outra ou caso sua
sensibilidade fosse milagrosamente restituída. Todavia, não fosse espírito, então o
que seria? De um lado, as suas propriedades conferiram-lhe substância; de outro,
irredutível à ideia, existiria sem ser percebido ou sem perceber. E como uma
existência independente que não é mente nem ideia encaixaria-se na arquitetura
desenhada nos primeiros parágrafos da obra, sobretudo quando o imaterialismo
berkeleyano já está postulado?
Se, de fato, nossa leitura está à contrapelo do que Berkeley tacitamente
assume pelos tempos verbais utilizados - a saber, que a mente é aquilo que pensa e
percebe, aquilo que age efetivamente, e não aquilo que pode pensar e pode
perceber, aquilo que pode potencialmente agir -, é porque acreditamos que tal
interpretação confere mais coerência e consistência a uma leitura inicial da obra.