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Aqui, outra dificuldade para a teoria loclciana das ideias sim-
ples de sensação. Se não é o estímulo sensível que as individualiza,
ainda que dentro de limites demasiadamente amplos , como vimos, que
será então? Por outro lado, poderemos negar que um cego tenha a ideia
de escuridão, ou um surdo a ideia simples de silêncio? Por outro lado,
ainda , não seria mais coerente, dentro do ponto de vista do filósofo,
considerar essas ideias como ideias simples de reflexão , por resultarem
de uma acção negadora da mente? (Ver nota n.o 17, p. 155)
[153]
sidera-as todas como ideias positivas distintas, sem reparar
nas causas que as produzem, porque esta é uma investi-
gação que não diz respeito à ideia enquanto está no enten-
dimento mas à natureza das coisas que existem fora de nós.
Ora, isto são duas coisas bem diferentes que devem ser
cuidadosamente distinguidas, porque uma coisa é perceber
e conhecer a ideia de branco ou de preto, outra, muito
diferente, qual deve ser a espécie de partículas e qual a sua
disposição na superfície de um objecto para fazer que ele
apareça como branco ou como preto.
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Noção cartesiana.
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duz assim uma nova ideia que depende unicamente de um
movimento diferente dos espíritos animais no órgão desti-
nado a produzir essa sensação.
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Como se vê, Locke não abre a hipótese aventada no final da
nota n. 0 15, p. 153, e fala de palavras negativas que significam a ausên-
cia de ideias positivas, parecendo não considerar esse significado de
ausência uma nova ideia.
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Este § denuncia qua Locke entreviu as dificuldades do tema.
Quem sabe? - talvez tivesse mesmo aflorado uma perspectiva gesta/tis ta
(o que permite ver o buraco é a zona iluminada que o rodeia). Mas
quedou-se, uma vez mais, no plano da experiência comum.
[155]
7. Para melhor descobrir a natureza das nossas ideias e
discorrer inteligivelmente acerca delas, será conveniente
distingui-las enquanto são ideias ou percepções na nossa mente e
enquanto são modificações da matéria nos corpos que causam em
nós essas percepções. É preciso distinguir exactamente estas
duas coisas para que não pensemos (como habitualmente se
faz) que as ideias são exactamente as imagens e semelhanças
de algo inerente ao objecto que as produz, porque a maio-
ria das ideias de sensação não são mais a cópia na nossa
mente de algo existente fora de nós, do que os nomes que
as significam são uma cópia das nossas ideias, ainda que
esses nomes não deixem de as suscitar em nós, quando os
ouvimos pronunciar 19 .
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Convenhamos em que o paralelismo não pode ser levado à
letra. Locke entende que as ideias (as ideias correspondentes às quali-
dades segundas, como veremos) não são cópias ou imagens das quali-
dades dos objectos, mas nem por isso defende que sejam arbitrárias ou
convenciOnaiS.
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9. Posto isto, deve-se distinguir nos corpos duas espé-
cies de qualidades. Em primeiro lugar, aquelas inteiramente
inseparáveis do corpo, qualquer que seja o estado em que
se encontre, de modo que ele as conserva sempre em todas
as alterações e mudanças que sofra, por maior que seja a
força que possa exercer-se sobre ele. Estas qualidades são de
tal natureza que os nossos sentidos as encontram constan-
temente em cada partícula de matéria com grandeza sufi-
ciente para ser percebida e a mente considera-as insepa-
ráveis de cada partícula de matéria, mesmo que seja
demasiado pequena para que os nossos sentidos a possam
perceber individualmente. Por exemplo: tomai um grão de
trigo e dividi-o em duas partes; cada parte possui ainda
solidez, extensão, figura e mobilidade; dividi-o uma vez
mais e as partes ainda conservam as mesmas qualidades; e
se continuais a dividi-lo até que as partes se tornem insen-
síveis, nenhuma delas perderá jamais qualquer dessas quali-
dades. Porque a divisão (que é tudo quanto um moinho ou
um triturador ou qualquer outro corpo faz a outro, quando
o reduz a partes insensíveis) não pode nunca suprimir num
corpo a solidez, a extensão, a figura e a mobilidade, mas
unicamente faz, daquilo que antes era apenas uma, várias
massas de matéria distintas e separáveis; todas essas massas
de matérias, consideradas a partir desse momento como
outros tantos corpos distintos, constituem um certo
número determinado, uma vez acabada a divisão. A essas
qualidades chamo qualidades originais e primárias de um
corpo, as quais, a meu ver, podemos considerar causas
produtoras das nossas ideias simples de solidez, extensão,
figura, movimento ou repouso e número.
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movimento das suas partes insensíveis. Tais são as cores, os
sons, os paladares, etc. A estas dou o nome de qualidades
secundárias, às quais se poderia acrescentar uma terceira espé-
cie que todos admitem não serem mais do que potências,
ainda que sejam qualidades tão reais no objecto como as
que eu, acomodando-me à terminologia habitual, chamo
qualidades, mas a que chamo qualidades secundárias para as
distinguir das que existem realmente nos corpos e não
podem deles ser separadas. Porque, por exemplo, a potên-
cia que existe no fogo para produzir, por meio das suas
qualidades primárias, uma nova cor ou uma nova consis-
tência na cera ou no barro é tanto uma qualidade no fogo
como a potência que ele possui para produzir em mim,
pelas mesmas qualidades primárias, isto é, pelo volume,
pela textura e pelo movimento das suas partes insensíveis,
uma nova ideia ou sensação de calor ou de queimadura que
eu antes não sentia.
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individualmente imperceptíveis devem vir do objecto que
nós olhamos aos olhos, e desse modo comunicam ao cére-
bro algum movimento que produz essas ideias que temos
em nós acerca de tais objectos.
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Locke move-se dentro de uma concepção corpuscular da
matéria que animou o pensamento filosófico e científico mais signi-
ficativo da sua época .
(1 59]
14. Tudo o que acabo de dizer em relação às cores e
aos odores pode aplicar-se também aos paladares, sons e
demais qualidades sensíveis semelhantes, as quais, seja qual
for a realidade que equivocadamente lhes atribuamos, não
são, em verdade, nos objectos, senão potências para pro-
duzir em nós sensações e dependem daquelas qualidades
primárias que são, como disse, o volume, a figura, a tex-
tura e o movimento das suas partes.
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de calor, nele produzida pelo fogo, está realmente no Jogo, e
que a sua ideia de dor, do mesmo modo causada pelo fogo,
não está no fogo. Por que razão a brancura e a frieza hão-de
estar na neve e a dor não, já que ela produz em nós todas
essas ideias, o que só pode fazer por meio do volume, da
figura , do número e do movimento das suas partes
sólidas?
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-estar e, algumas vezes, a de dores agudas ou cólicas. Que
estas ideias de mal-estar e de dor não estão no maná, mas
são efeitos das suas operações em nós, e que não estão em
parte alguma quando não as percebemos, é algo que toda
a gente também está disposta a admitir. E, no entanto, é
dificil persuadir os homens de que a brancura e a doçura
não estão realmente no maná, não sendo senão os efeitos
das suas operações (pelo movimento, tamanho e figura das
suas partículas) sobre os olhos e sobre o paladar, do mesmo
modo que a dor e o mal estar-causados pelo maná não são,
como todos admitem, senão os efeitos das suas operações
no estômago e nos intestinos, pelo tamanho, movimento
e figura das suas partes não sensíveis (pois, como já se
provou, um corpo não pode actuar de nenhuma outra
maneira) Como se o maná não pudesse actuar sobre os
olhos e sobre o paladar e produzir, desse modo, na mente,
certas ideias particulares e distintas, que não possui em si,
do mesmo modo como admitimos que pode actuar sobre
os intestinos e sobre o estômago, produzindo assim certas
ideias particulares e distintas que não tem em si. Posto que
todas essas ideias são efeitos do modo pelo qual o maná
actua sobre diversas partes dos nossos corpos pelo tamanho,
figura, número e movimento das suas partes, não se vê a
razão por que aquelas ideias produzidas pelos olhos e pelo
paladar hão-de ser consideradas como realmente existentes
no maná e não assim as ideias produzidas pelo estômago e
pelos intestinos; nem tão-pouco se vê por que razão a dor
e o mal-estar, ideias que são efeitos do maná, hão-de ser
considerados como inexistentes, quando não são sentidos;
e será necessário explicar por que razão a doçura e a bran-
cura, que são efeitos do mesmo maná sobre outras partes
do corpo e por um modo de actuar igualmente desco-
nhecido, hão-de, no entanto, ser consideradas como exis-
tentes no açúcar, quando não se vê essa brancura ou não se
experimenta essa doçura.
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19. Consideremos as cores vermelho e branco no
pórfiro; impeça-se que a luz incida sobre ele: as suas cores
desaparecem e já não produzirá em nós essas ideias. Que a
luz volte a incidir sobre ele e então produzirá de novo em
nós essas aparências. Pensará alguém que houve uma alte-
ração real no pórfiro pela presença ou ausência de luz e que
essas ideias de branco e vermelho estão realmente no pór-
firo iluminado, sendo evidente que ele não tem nenhuma cor,
quando está na escuridão? Ele possui, na verdade, de dia ou
de noite, uma configuração de partículas tal que, pela
reflexão dos raios de luz de algumas das partes dessa pedra
dura, é capaz de produzir em nós a ideia de vermelho e,
pela reflexão de outras partes, a ideia de branco. Mas no
pórfiro nunca estão nem o branco nem o vermelho, mas
apenas uma textura que tem a potência de produzir tais
sensações em nós.
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nunca acontece com a figura, que nunca produz a ideia
de um quadrado numa mão, quando causou a ideia de
um globo na outra. Mas, se as sensações de calor e frio
não são mais que o aumento ou a diminuição do movi-
mento das partes minúsculas dos nossos corpos, causados
pelos corpúsculos de qualquer outro corpo, é fácil enten-
der que, se esse movimento é maior numa mão que na
outra e se se aplica a ambas as mãos um corpo que tenha
nas suas pequenas partículas um movimento maior que o
que tem uma das mãos e menor que o que tem a outra,
esse corpo, ao aumentar o movimento de uma mão e
diminuir o da outra, causará, por isso, as diferentes sensa-
ções de calor e de frio que dependem desses diversos graus
de movimento.
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realmente existente nos corpos, aos quais damos nomes
derivados dessas ideias.
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24. Mas, ainda que essas duas últimas espeoes de
qualidades sejam meramente potências e nada mais que
potências, que se referem a outros corpos e derivam das
diferentes modificações das qualidades originais, elas são,
no entanto, geralmente consideradas de um modo distinto.
Porque as da segunda espécie, i.é., as potências que pro-
duzem em nós várias ideias através dos nossos sentidos, são
tidas por qualidades realmente existentes nas coisas que
assim nos afectam; mas as da terceira espécie são chamadas e
consideradas como puras potências. Por exemplo, as ideias
de calor ou de luz, que recebemos do sol através dos nos-
sos olhos ou do tacto, são tidas usualmente por qualidades
reais que existem no sol e algo mais que puras potências.
Mas quando consideramos o sol em relação à cera que ele
derrete ou branqueia, julgamos que a brancura e a moleza
produzidas na cera não são qualidades no sol, mas efeitos
produzidos por potências nele existentes. Todavia, se bem
as examinarmos, estas qualidades de luz e calor, que são
percepções minhas quando o sol me aquece ou me ilumina,
não são mais reais nesse astro do que as modificações por
ele produzidas na cera, quando a branqueia ou derrete.
Todas elas são igualmente potências no sol, dependendo das
suas qualidades primárias, pelas quais ele pode, num caso,
alterar de tal modo o volume, a figura, a textura ou o
movimento de algumas partes insensíveis dos meus olhos
ou das minhas mãos que produza em mim a ideia de luz
ou a de calor; no outro caso, pode alterar de tal modo o
volume, a figura, a textura ou o movimento das partes insen-
síveis da cera que a faça causar em mim as ideias distintas
de branco e de mole.
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figura ou movimento, não nos inclinamos a considerá-las
como efeitos destas qualidades primárias que não aparecem
aos nossos sentidos como participantes na sua produção e
com as quais essas ideias não têm qualquer relação aparente
nem qualquer conexão concebível. Daí que nos sintamos
tão inclinados a imaginar que essas ideias são a semelhança
de algo realmente existente nos próprios objectos; porque
a sensação não nos mostra que o volume, a figura e o
movimento de partes contribuam para a produção dessas
ideias e também porque a razão não nos pode fazer ver de
que modo os corpos, pelo seu volume, pela sua figura e pelo
seu movimento, possam produzir na mente as ideias de azul
ou de amarelo, etc. Mas no outro caso, no da acção dos
corpos cujas qualidades se alteram reciprocamente, desco-
brimos com clareza que a qualidade produzida por essa
mudança não tem ordinariamente nenhuma semelhança
com o que quer que exista na coisa que a produz. Por isso
a consideramos com um simples efeito de uma potência.
Porque, se bem que, ao receber do sol a ideia de calor ou
a de luz, nos inclinemos a pensar que ela seja a percepção
e a semelhança de tais qualidades no sol, no entanto, quando
vemos que a cera ou uma face de tez branca muda de cor
ao ser exposta ao sol, não podemos imaginar que isso seja
a emanação ou a semelhança de algo realmente existente
no sol, porque não encontramos no próprio astro essas
diferentes cores. Como os nossos sentidos são capazes de
notar uma semelhança ou dissemelhança entre as qualida-
des sensíveis de dois objectos exteriores diferentes, concluí-
mos sem dificuldade que a produção de qualquer qualidade
sensível em qualquer objecto é o efeito de uma mera
potência e não a transmissão de alguma qualidade real-
mente existente na causa eficiente quando nesta não encon-
tramos uma tal qualidade sensível. Mas como os nossos
sentidos não são capazes de notar nenhuma dissemelhança
entre a ideia produzida em nós e a qualidade do objecto
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que a produz, inclinamo-nos a imaginar que as nossas
ideias são semelhanças de algo que existe nos obejctos e
não os efeitos de certas potências radicadas na modificação
das suas qualidades primárias, com as quais as ideias pro-
duzidas em nós não têm qualquer semelhança.
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