SEÇÃO II DA ORIGEM DAS IDEIAS O EMPIRISMO DE HUME “Todos admitirão sem hesitar que existe uma considerável diferença entre as percepções da mente quando o homem sente a dor de um calor excessivo ou o prazer de um ar moderadamente tépido e quando relembra mais tarde essa sensação ou a antecipa pela imaginação.Essas faculdades podem remedar ou copiar as percepções dos sentidos, mas jamais atingirão a força e a vivacidade do sentimento original.” HUME. Investigação sobre o entendimento humano – Seção II – Da origem das ideias.§11 SOBRE AS IDEIAS E IMPRESSÕES “Podemos, pois, dividir aqui todas as percepções da mente em duas classes ou espécies, as quais se distinguem pelos seus diferentes graus de força ou vivacidade. As menos fortes ou vivazes são comumente denominadas pensamentos ou ideias . A outra espécie não tem nome em nossa língua, como em muitas outras, suponho que por não ser necessário para nenhum fim que não fosse filosófico o incluí- las sob um termo ou designação geral.Tomemos, pois, uma pequena liberdade e chamemo-las impressões , usando a palavra num sentido algo diferente do usual. Pelo termo impressão entendo todas as nossas percepções mais vivazes, quando ouvimos, vemos sentimos, amamos, odiamos, desejamos ou queremos. E as impressões distinguem-se das idéias, que são as impressões menos vivazes das quais temos consciência quando refletimos sobre qualquer dessas sensações ou movimentos acima mencionados.” HUME.Investigação sobre o entendimento humano. Seção II Da Origem das Ideias. §12. DO JOGO ASSOCIATIVO DAS IDEIAS “A primeira vista, nada parece mais ilimitado do que o pensamento humano, que não só escapa a todo poder e autoridade humana, mas não se restringe sequer aos limites da natureza e da realidade. Formar monstros e ligar formas e aparências incongruentes não custa mais trabalho à imaginação do que conceber os objetos mais naturais e familiares. E, embora o corpo esteja preso a um planeta sobre o qual se arrasta com dor e dificuldade , o pensamento nos pode transportar no espaço de um instante às mais longínquas regiões do universo – e mesmo além do universo, no caos sem fronteiras, em que se diz que a natureza jaz em total confusão. É possível conceber o que nunca foi visto ou ouvido, e não há nada a que não alcance o poder do pensamento, salvo o que implica uma contradição absoluta. Mas, embora nosso pensamento pareça possuir essa liberdade ilimitada, examinando o assunto mais de perto vemos que em realidade ele se acha encerrado dentro de limites muito estreitos e que todo o poder criador da mente se reduz à simples faculdade de combinar, transpor, aumentar ou diminuir os materiais fornecidos pelos sentidos e pela experiência. Quando pensamos numa montanha de ouro, não fazemos mais do que juntar duas ideias compatíveis entre si, ou e montanha, que já conhecíamos anteriormente. Podemos conceber um cavalo virtuoso, pois os nossos sentimentos nos levam à concepção de virtude, e esta pode unir-se à figura e forma de um cavalo, animal que nos é familiar. Em resumo, todos os materiais do pensamento derivam da sensação interna ou externa; só a mistura e composição destas dependem da mente e da vontade. Ou, para expressar-me em linguagem filosófica, todas as nossas ideias ou percepções mais fracas são cópias de nossa impressões, ou percepções mas vivas.” HUME.Investigação sobre o entendimento humano. Seção II Da Origem das Ideias. §13. DO JOGO ASSOCIATIVO DAS IDEIAS “Creio que os dois argumentos que seguem bastarão para provar isto. Em primeiro lugar sempre que analisamos nossos pensamentos ou ideias, por mais complexos e sublimes que sejam, descobrimos que eles se resolvem em ideias simples, que são as cópias de uma sensação ou percepção anterior. Mesmo as ideias que à primeira vista mais parecem afastar-se dessa origem mostram, a um exame mais atento, derivar dela. A ideia de Deus, no sentido de um Ser infinitamente inteligente, bom e sábio, surge das reflexões que fazemos sobre as operações de nossa mente, aumentando num grau ilimitado essas qualidades de bondade e sabedoria. Podemos prosseguir este exame até onde nos aprouver; sempre veremos que todas as ideias que examinamos derivam de uma impressão semelhante. Os que desejam negar que esta proposição seja universalmente verdadeira e mostrar que ela comporta exceções, só têm um método, aliás bastante fácil, de refutá-la: basta apresentarem uma ideia que, na sua opinião, não derive desta fonte. Caberá então a nós, se quisermos sustentar a nossa doutrina, apontar a impressão ou percepção viva que lhe corresponde.” HUME.Investigação sobre o entendimento humano. Seção II Da Origem das Ideias. §14 SEÇÃO IV DÚVIDAS CÉTICAS SOBRE AS OPERAÇÕES DO ENTENDIMENTO DOS OBJETOS DA RAZÃO OU INVESTIGAÇÃO HUMANA “Todos os objetos da razão ou investigação humana podem ser divididos naturalmente em duas espécies, a saber: relações de ideias e questões de fato. À primeira espécie pertencem as ciências da Geometria, álgebra e Aritmética; e numa palavra, toda a firmação que seja intuitivamente ou demonstrativamente certa. Que o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos dois lados é uma proposição que expressa uma relação entre esses números. As proposições desta espécie podem ser descobertas pela simples operação do pensamento, sem dependeram do que possa existir em qualquer parte do universo. Ainda que jamais existisse um círculo ou um triângulo na natureza, as verdades demonstradas por Euclides conservariam para sempre a sua certeza e evidência.” HUME.Investigação sobre o entendimento humano. Seção II Da Origem das Ideias. §20 SOBRE AS QUESTÕES DE FATO
As questões de fato, que formam os segundos objetos da razão
humana, não são verificadas da mesma forma; e tampouco a evidência de sua verdade, por maior que seja, tem a mesma natureza que a antecedente. O contrário de toda afirmação de fato é sempre possível, pois que nunca pode implicar uma contradição e é concebido pelo intelecto com a mesma facilidade e clareza, como perfeitamente conforme à realidade. Que o sol não nascerá amanhã não é uma proposição menos inteligível e não implica mais contradição do que a assertiva contrária, de que o sol nascerá.Seria vão, por isso, tentar demonstrar a sua falsidade. Se isso fosse demonstrativamente falso, implicaria uma contradição e jamais poderia ser claramente concebido pelo intelecto.” HUME.Investigação sobre o entendimento humano. Seção II Da Origem das Ideias. §21 SOBRE OS RACIOCÍNIOS FUNDADOS NAS RELAÇÕES DE CAUSA E EFEITO “Se nos quisermos persuadir, contudo, sobre a natureza dessa evidência que nos dá garantia em questões de fato, devemos indagar como chegamos ao conhecimento dessa relação da causa e do efeito. Aventurar-me-ei a afirmar, como uma proposição geral que não admite exceção, que o conhecimento dessa relação não é, em caso algum, alcançado por meio de raciocínios a priori, mas origina-se inteiramente da experiência, quando verificamos que certos objetos particulares estão constantemente ligados uns aos outros. Que um objeto seja apresentado a um homem da maior capacidade e poder natural de raciocínio; e esse objeto lhe for inteiramente desconhecido, ela não poderá, mesmo pelo exame mais minucioso de suas qualidades sensíveis, descobrir qualquer de suas causas e efeitos. Adão, ainda que suponhamos perfeitamente desenvolvidas desde o primeiro instante as suas faculdades racionais, não poderia ter inferido da fluidez e transparência da água que esta o afogaria, nem da luz e do calor do fogo que este o consumiria. Nenhum objeto mais revela, pelas suas qualidades que se manifestam aos sentidos, nem as causas que o produziram, nem os efeitos que dele decorrerão; e tampouco a nossa razão, sem o socorro da experiência, é capaz de inferir o que quer que seja em questões de fato e de existência real” HUME.Investigação sobre o entendimento humano. Seção II Da Origem das Ideias. §23 SOBRE OS RACIOCÍNIOS FUNDADOS NAS RELAÇÕES DE CAUSA E EFEITO “Mas é possível que a mesma verdade não pareça, à primeira vista, tão evidente no que se refere a acontecimentos com que estamos familiarizados desde que viemos ao mundo, acontecimentos que têm estreita analogia com o curso ordinário da natureza e que passam por depender das qualidades simples dos objetos, sem qualquer estrutura desconhecida. Inclinamo-nos a crer que poderíamos descobrir esses efeitos pela simples operação de nossa razão, sem experiência. Acreditamos que, se fôssemos trazidos de repente a este mundo, poderíamos ter inferido desde o primeiro instante que uma bola de bilhar comunicaria o seu movimento a outra bola por impulso; e que não seria preciso aguardar o acontecimento para nos pronunciarmos com certeza a seu respeito. Tão grande é a influência do costume, que, nos casos em que é mais forte, não apenas cobre a nossa ignorância natural mas esconde também a si próprio e parece não existir simplesmente porque é encontrado no mais algo grau. [...] O intelecto jamais poderá encontrar o efeito na suposta causa, mesmo pelo mais acurado estudo e exame, porquanto o efeito difere radicalmente da causa, e por isso não pode de nenhum modo ser descoberto nela. O movimento da segunda bola de bilhar é algo muito diverso do movimento da primeira, nem há o que quer que seja num deles para dar a mais leve indicação do outro. Uma pedra ou um pedaço de metal erguido no ar e deixado sem nenhum apoio cai imediatamente; mas quem considera esse fato a priori poderá descobrir na situação alguma coisa que sugira a ideia de um movimento para baixo e não para cima, ou qualquer outro movimento na pedra ou no metal? HUME.Investigação sobre o entendimento humano. Seção II Da Origem das Ideias. §24,25 SOBRE OS RACIOCÍNIOS FUNDADOS NAS RELAÇÕES DE CAUSA E EFEITO “E, assim como a primeira imaginação ou invenção de um efeito particular em todas as operações naturais é arbitrária quando não consultamos a experiência, também devemos considerar como tal o suposto liame ou conexão entre causa e efeito, que os liga um ao outro e torna impossível resultar qualquer outro efeito da operação dessa causa. Quando vejo, por exemplo, uma bola de bilhar mover-se para outra em linha reta, mesmo supondo-se que o movimento da segunda bola me viesse casualmente ao pensamento, não poderia eu conceber uma centena de outra ocorrências a originar-se dessa causa? Não seria possível que ambas as bolas ficassem em absoluto repouso? Não poderia a primeira bola voltar em linha reta ou ressaltar da segunda em qualquer linha ou direção?Todas essas suposições são coerentes e concebíveis. Por que, então, dar preferência a uma delas, que não é mais coerente concebível do que o resto? Todos os nossos raciocínios a priori jamais nos poderão apontar uma razão para essa preferência. Numa palavra, pois: todo efeito é uma ocorrência distinta de sua causa. Não pode por isso, ser descoberto na causa, e sua primeira invenção ou concepção a priori deve ser inteiramente arbitrária. E mesmo depois que ele foi sugerido sua conjunção com a causa não parecerá menos arbitrária, visto existirem sempre muitos outros efeitos que devem parecer, à razão, tão coerentes e naturais quanto esse. Seria em vão, pois, que pretenderíamos determinar qualquer ocorrência particular ou inferir qualquer causa ou efeito sem o auxílio da observação e da experiência.” HUME.Investigação sobre o entendimento humano. Seção II Da Origem das Ideias. §25 BREVE CONCLUSÃO “ Se portanto, somos levados por argumentos a confiar na experiência passada e fazer dela o padrão de nossos juízos futuros, tais argumentos só podem ser prováveis, ou daquela espécie que diz respeito às questões de fato e de existência real, segundo a divisão apresentada acima. Mas, se a nossa explicação dessa espécie de raciocínio é admitida como sólida e satisfatória, torna-se evidente que não existe tal sorte de argumentos. Dissemos que todos os argumentos relativos à existência baseiam-se na relação de causa e efeito; que o nosso conhecimento dessa relação deriva inteiramente da experiência; e que todas as nossas conclusões experimentais partem da suposição de que o futuro será conforme ao passado. Por conseguinte, tentar provar esta última suposição por meio de argumentos prováveis, ou seja, argumentos relativos à existência, é evidentemente girar num círculo vicioso e tomar como assente o próprio ponto que está em debate. [...] O hábito é, pois, o grande guia da vida humana. É aquele princípio único que faz com que nossa experiência nos seja útil e nos leve a esperar, no futuro, uma sequência de acontecimentos semelhantes às que se verificaram no passado. Sem a ação do hábito, ignoraríamos completamente toda a questão de fato além do que está imediatamente presente à memória ou aos sentidos. Jamais saberemos como adequar os meios aos fins ou como utilizar os nossos poderes naturais na produção de um efeito qualquer. Seria o fim imediato de toda ação, assim como da maior parte da especulação.” HUME.Investigação sobre o entendimento humano. Seção II Da Origem das Ideias. §30,37 OBSERVAÇÃO IMPORTANTE SOBRE AS RELAÇÕES DE IDEIAS. “Nem pode jamais a Geometria, quando solicitado seu auxílio pela filosofia natural, remediar esse defeito ou conduzir-nos ao conhecimento das causas primeiras com toda essa exatidão de raciocínio que a faz tão justamente celebrada. Todos os diversos ramos da Matemática partem da suposição de que a natureza estabeleceu certas leis em suas operações; e empregam-se raciocínios abstratos, quer para ajudar a experiência a descobrir essas leis, quer para determinar-lhes a influência em casos particulares, onde ela depende da distância e quantidade precisas. É por exemplo, uma lei do movimento descoberta pela experiência que o momento ou força de qualquer corpo que se move está na razão composta ou proporção de seu conteúdo sólido e de sua velocidade; e, por conseguinte, que uma pequena força pode afastar o maior obstáculo ou erguer o maior peso se, por um dispositivo ou mecanismo qualquer, pudermos aumentar a velocidade dessa força de modo a torná-la superior à sua antagonista. A Geometria nos presta serviço na aplicação desta lei ao fornecer as dimensões justas de todas as partes e figuras que podem entrar em qualquer espécie de máquina; não obstante, o descobrimento da lei em si mesma deve-se apenas à experiência, e todos os raciocínios abstratos do mundo não nos fariam avançar um passo no seu conhecimento. Quando raciocinamos a priori e consideramos apenas algum objeto ou causa tal como se apresenta ao intelecto, fora de qualquer observação, ele jamais nos poderia sugerir a ideia de um objeto diferente, tal como seria o seu efeito; e muito menos mostra-nos uma conexão inseparável e inviolável entre os dois. Muito sagaz seria o homem que pudesse descobrir pelo raciocínio que o cristal é o efeito do calor e o gelo do frio, sem ter tido notícia prévia da operação dessas qualidades. HUME.Investigação sobre o entendimento humano. Seção II Da Origem das Ideias. §30,27
Nação tarja preta: O que há por trás da conduta dos médicos, da dependência dos pacientes e da atuação da indústria farmacêutica (leia também Nação dopamina)