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O PRINCÍPIO DA DOUTRINA-DA-CIÊNCIA (1797)

Por Johann Gottlieb Fichte


Tradução Rubens Rodrigues Torres Filho
Extraído do Volume Fichte da Coleção Os Pensadores – editora Abril Cultural

I
Permita-nos o leitor, com quem temos de entrar em consonância de
pensamento, dirigir-nos diretamente a ele e tratá-lo com o familiar “tu”.
1) Podes sem dúvida pensar: eu; e, ao pensá-lo, encontras intimamente tua
consciência determinada de certa maneira: pensas somente algo, precisamente aquilo
que captas sob aquele conceito de eu, e é disso que tens consciência; e, assim
sendo, não pensas algo outro, que, de outro modo, poderias também pensar e que
já pensaste. – Por ora não vem ao caso para mim saber se coligiste mais ou menos
do que eu mesmo, no conceito: eu. Aquilo que me importa, seguramente tu o tens
também aí, e isso me basta.
2) Em lugar desse algo determinado, terias podido também pensar algo outro,
por exemplo: tua mesa, tuas paredes, tua janela: e chegas mesmo a pensar
efetivamente esses objetos, se te peço que o faças. Tu o fazes em decorrência de
um pedido, em decorrência de um conceito daquilo que deves pensar; que, como
admitiste, também poderia ser outro, digo eu. Logo, notas atividade e liberdade
neste pensar, nesse passar do pensamento do eu ao pensamento da mesa, das
paredes, e assim por diante. Teu pensar é para ti um agir. Não temas, que, ao
admitires isso, me esteja concedendo algo de que mais tarde poderias arrepender-
te. Falo somente da atividade de que, neste estado, tens consciência imediata, e na
medida em que tens consciência dela. Mas se estiveres no caso de não ter
consciência aqui de atividade nenhuma – há muitos filósofos célebres de nossa
época nesse caso – separemo-nos então aqui mesmo, em paz, um do outro: pois de
agora em diante não entenderás mais nenhuma de minhas palavras.
Falo com aqueles que me entendem sobre este ponto. Vosso pensar é um agir,
vosso pensar determinado é, portanto, um agir determinado, isto é, aquilo que
pensais é exatamente isso porque no pensar agistes exatamente desse modo; e seria
algo outro (pensaríeis algo outro) se tivésseis agido de outro modo em vosso pensar
(se tivésseis pensado de outro modo).

3) Ora, aqui deves pensar em particular: eu. Como este é um pensamento


determinado, ele é necessariamente instituído – segundo as proposições que
acabam de ser estabelecidas – por um procedimento determinado no pensar; e a
tarefa que te proponho, meu compreensivo leitor; é: tomar consciência
propriamente e intimamente de como procedes quando pensas: eu. Como poderia
ocorrer que nós dois não tivéssemos abrangido nesse conceito exatamente o
mesmo, tenho de te orientar.
Ao pensares tua mesa ou tua parede, tu, já que efetivamente, como leitor
compreensivo, tens consciência da atividade em teu pensar, eras para ti mesmo,
nesse pensar, o pensante; mas o pensado não era, para ti, tu mesmo, e sim algo a ser
distinguido de ti. Em suma, em todos os conceitos como este, como o poderás
descobrir em tua consciência, o pensante e o pensado são dois. Mas, ao te pensares,
não és para ti apenas o pensante: és também, ao mesmo tempo, o pensado; nesse
caso, pensante e pensado devem ser um só; teu agir no pensar deve retornar a ti
mesmo, ao pensante.
Portanto – o conceito ou o pensamento do eu consiste no agir sobre o si do próprio eu; e
inversamente, um tal agir sobre si mesmo dá o pensamento do eu, e pura e simplesmente
nenhum outro pensamento. O primeiro ponto acabas de de encontrar em ti mesmo e de
mo conceder. Se acaso puderes ficar chocado com o segundo e ter dúvida quanto a
nosso direito de inverter a proposição, deixo a teu cargo experimentar se pelo
retorno de teu pensar sobre ti, como o pensante, acaso aparece outro conceito que
não o de ti mesmo; e se podes pensar a possibilidade de que apareça outro. –
Assim, ambos, o conceito de um pensar que retorna para dentro de si e o conceito
do eu; e o eu não advém por nenhum outro ato possível, a não ser pelo descrito.

Aqui vês ao mesmo tempo em que sentido o pensar do eu te é atribuído. A


saber, os signos da linguagem passaram pelas mão da falta de pensamento e
adquiriram algo da indeterminação que ela tem; não há como entender-se
satisfatoriamente através deles. Só quando se fornece o ato pelo qual um conceito
de institui, este adquiri sua determinação completa. Faze o que te digo e pensarás o
que eu penso. Este método será observado também, sem exceção, no
prosseguimento de nossa investigação. -Assim, havias talvez acolhido no conceito
do eu uma multiplicidade de traços que eu não havia acolhido nele, por exemplo: o
conceito de tua individualidade, porque também esta é indicada com aquele signo
verbal. De tudo isto estás doravante dispensado; somente aquilo que é instituído
pelo mero retorno de teu pensar a ti mesmo é o eu de que falo aqui.
4) As proposições estabelecidas, que são expressão imediata da observação que acabamos
de fazer, só podem suscitar escrúpulos sob a condição de serem tomadas por algo
mais do que essa expressão imediata. O eu somente é instituído pelo retorno do
pensar sobre si mesmo, digo eu; e, ao dizer isto, falo exclusivamente daquele que
pode ser instituído pelo pensar: aquilo que, quando penso assim, aparece
imediatamente em minha consciência e que, quando tu pensas assim, aparece
imediatamente em tua consciência; em suma, falo somente do conceito do eu. Aqui
não se trata ainda, de modo nenhum, de um ser do eu fora do conceito; se em que
medida pode surgir a questão de tal ser em geral, é algo que mostrará no seu devido
tempo. Portanto, para assegurar o leitor contra toda dúvida possível e contra todo
perigo de, no decorrer da investigação, ver a proposição admitida por ele ser
tomada em um sentido que ele não quis admitir, acrescento à proposição que acaba
de ser estabelecida – o eu é um pôr de si mesmo, e outras semelhantes – a
expressão: para o eu.
Posso também indicar, agora mesmo, a razão desse escrúpulo do leitor, que o
faz temer ser levado a admitir algo a mais; sob a condição de que isto não venha a
ocasionar dispersão, pois tudo o que venha a ser dito é uma observação
contingente, que, aqui, ainda não pertence propriamente ao assunto e só é trazida à
baila para não deixar persistir, por um instante sequer, alguma obscuridade. – Foi
afirmado: Teu eu é instituído e exclusivamente pelo retorno a ti mesmo de teu
pensar. Em algum pequeno recanto de tua alma encontra-se uma objeção contra
isso – ou: devo pensar, mas, para poder pensar, é preciso que antes eu seja ; ou
então; devo me pensar, retornar para mim, mas aquilo que deve ser pensado, ao
qual se deve retornar, precisa antes ser, para depois ser pensado ou para que se
retorne a ele. Em ambos os casos postulas um estar aí, um existir de ti mesmo,
independente do pensar e do ser-pensado de ti mesmo, e como pressuposto dele:
no primeiro caso a existência do (eu) pensante, no segundo a do (eu) a ser pensado. A
propósito desde ponto, diz-me, por ora, apenas o seguinte: quem é que está
afirmando que tu deverias já estar sendo, antes do teu pensar? – Sem dúvida tu
mesmo, e esse teu afirmar é sem dúvida um pensar; e aliás – com afirmas ainda e
nós te concedemos de todo coração – é um pensar necessário e que, nesse
contexto, se impõe a ti. Entretanto, só sabes – espero eu- desse teu existir, que
deve ser tomado como pressuposto, na medida em que o pensas; logo, também
esse existir do eu nada mais é do que o estar posto-posto de ti mesmo por ti
mesmo. Logo, no fato que nos indicaste, se o considerarmos com suficiente rigor,
não está contido nada mais que isto: tens de pensar, como anterior à tua autoposição
presente, que foi elevada à consciência clara, uma outra autoposição, ocorrida sem consciência
clara, à qual a presente se refere e pela qual esta é condicionada. Até que te indiquemos a
fecunda lei segundo a qual isto é assim, contenta-te com a compreensão de que o
fato alegado não enuncia nada mais do que foi declarado, e assim não serás
desorientado por ele.
II
Passemos a um nível superior de especulação.
1) Pensa-te e observa como o fazes – esse foi meu primeiro pedido. Tiveste de
observar, para me entenderes (pois eu falava de algo que só podia estar em ti
mesmo) e para encontrares como verdadeiro, em tua própria experiência, o que eu
te dizia. essa atenção voltada para nós mesmos naquele ato era o subjetivo, comum a
nós dois. Teu procedimento no pensar de ti mesmo, que em mim também não era
outro, era aquilo ao qual davas atenção; era o objeto de nossa investigação:
o objetivo, comum a nós dois.

Mas agora te digo: observa teu observar de tua autoposição; observa aquilo que, na
investigação levada a efeito acima; tu mesmo fizeste, e como fizeste para observar a
ti mesmo. Faze daquilo mesmo, que até agora era o subjetivo, o objeto de uma
nova investigação, que agora iniciamos.

2) Não é tão fácil assim atinar com o ponto que tenho de tratar aqui; mas, se
falharmos, teremos falhado e tudo, pois sobre ele repousa minha doutrina inteira.
Permita-me pois o leitor guiá-lo com um intróito e colocá-lo tão próximo quanto
possível daquilo que terá de observar.
Ao teres consciência de um objeto qualquer – seja, por exemplo, a parede que
tens diante de ti – tens propriamente consciência, como acabas de admitir, de teu
pensar dessa parede, e só na medida que tens consciência dele tens consciência da
parede. Mas, para teres consciência de teu pensar, tens de ter consciência de ti
mesmo. – Tutens consciência de ti mesmo, dizes; logo,
distingues necessariamente teu eu pensante do eu pensado no pensamento do eu.
Mas, para que possas fazê-lo, o pensante nesse pensar tem de ser por sua
vez objeto de um pensar superior, para poder ser objeto da consciência; com isso,
obténs, ao mesmo tempo, um novo sujeito, que deve novamente ter consciência
daquilo que antes era o estar-consciente-de-si. E aqui argumento mais uma vez como
antes; e depois de termos principiado a inferir segundo essa lei, não podes mais
indicar-me nenhum lugar onde devêssemos deter-nos; logo, para cada consciência,
precisaremos de uma nova consciência, cujo objeto é a primeira, e assim ao
infinito, logo, jamais poderemos chegar a admitir uma consciência efetiva. -Só tens
consciência de ti mesmo, como aquele do qual há consciência; mas, nesse caso,
aquele que tem consciência se torna, novamente, aquele do qual há consciência, e
tens, novamente, de tomar consciência daquele que tem consciência deste, e assim
ao infinito: e, assim podes ver como chegarias a uma primeira consciência…

Em suma: por essa via, a consciência absolutamente não se deixa explicar. –


Recapitulando: qual era a essência do raciocínio acima e a razão precisa pela qual a
consciência era inconcebível por essa via? Esta: todo objeto chega à consciência
única e exclusivamente sob a condição de que eu tenha, também, consciência de
mim mesmo, do sujeito que tem consciência. Essa proposição é irrefutável. -Mas
nessa minha autoconsciência, foi afirmado ainda, eu sou para mim mesmo objeto,
e, para o sujeito desse objeto, vale mais uma vez o que valia para o precedente: ele
se torna objeto e precisa de um novo sujeito; e assim ao infinito. Desse modo, em
toda consciência, sujeito e objeto seriam separados um do outro e cada um deles
considerado em sua particularidade; esta era a razão pela qual a consciência
redundou incompreensível para nós.

E no entanto, há consciência; por conseguinte, aquela afirmação tem de ser falsa.


Dizer que ela é falsa significa: seu contrário tem validade; logo, tem validade a
seguinte proposição: há uma consciência em que o subjetivo e o objetivo
absolutamente não se separam, e são absolutamente um e o mesmo. Logo, tal
consciência seria aquilo de que precisamos para explicar a consciência em geral.
Agora, sem cuidar mais disso, voltemos tranqüilamente à nossa investigação.
3) Ao pensares, como te pedimos, ora objetos, que deveriam estar fora de ti, ora
a ti mesmo, sabias, sem dúvida, que e o que e como pensavas; pois éramos capazes
de conversar um com o outro sobre isso, como fizemos acima.
Como chegaste, então, a essa consciência de teu pensar? Tu me responderás: eu
o sabia imediatamente. A consciência de meu pensar não eventualmente algo
contingente ao meu pensar, só acrescentada a ele posteriormente e vinculada com
ele, mas é inseparável dele. – Assim responderás, e assim tens de responder; pois
não consegues pensar teu pensar sem uma consciência dele.

Portanto, em primeiro lugar, teríamos encontrado aqui uma consciência tal


como a que procurávamos acima; uma consciência em que o subjetivo e o objetivo
estão imediatamente unificados. A consciência de nosso próprio pensar é essa
consciência. – Em segundo lugar, tens consciência imediata de teu pensar; como te
representas isso? Obviamente de nenhum modo, a não ser do seguinte: tua
atividade interior; que se dirige para algo fora dela (o objeto do pensar), vai ao
mesmo tempo para dentro de ti mesmo, e para ti mesmo. Mas pela atividade que
retorna a si e surge, para nós, segundo que foi visto acima, o eu. Logo, em teu
pensar de ti mesmo tinhas consciência de ti mesmo, e era justamente essa
autoconsciência aquela consciência imediata de teu pensar, quer tivesse pensado
um objeto, quer a ti mesmo. -Assim, a autoconsciência é imediata; nela, subjetivo e
objetivo estão inseparavelmente unificados e são absolutamente um.
Uma tal consciência imediata chama-se, na expressão científica, uma intuição, e
assim também a chamaremos. A intuição de que se trata aqui é um pôr-se
como pondo ( algo objetivo, que também poder ser eu mesmo, com mero objeto),
mas de nenhum modo, eventualmente, um mero pôr; pois com isso
continuaríamos envolvidos na mesma impossibilidade, que acaba de ser indicada,
de explicar a consciência. O que importa, acima de tudo, para mim, é ser entendido
e convencer sobre este ponto, que constitui a fundação de todo o sistema que será
apresentado aqui.

Toda consciência possível, como objeto de um sujeito, pressupõe uma


consciência imediata em que subjetivo e objetivo sejam pura e simplesmente um;
sem isso, a consciência é pura e simplesmente inconcebível.
Será sempre em vão que se procurará por um elo entre o sujeito e o objeto, se
ambos já originariamente não tiverem sido apreendidos em sua unificação. Por
isso, toda filosofia que não parte do ponto em que ambos estão unificados é,
necessariamente, fútil e incompleta, e não é capaz de explicar o que deve explicar;
logo, não é uma filosofia.

Essa consciência imediata é a intuição do eu que acaba de ser descrita; nela o eu


põe a si mesmo necessariamente e é, portanto, o subjetivo e o objetivo em um só.
Toda outra consciência é vinculada a esta e mediada por ela; e única e
exclusivamente pela vinculação com ela se torna uma consciência. Só ela não é
mediada ou condicionada por nada; é absolutamente possível, e pura e
simplesmente necessária, se é que deve haver qualquer outra consciência. – O eu
não deve ser considerado como mero sujeito, como foi considerado até agora,
quase sem exceção, mas como sujeito-objeto no sentido indicado.

E aqui não se trata de nenhum outro ser do eu, a não ser daquele que se
encontra ba auto-intuição descrita; ou, para exprimi-lo ainda mais rigorosamente,
do ser dessa própria intuição. Eu sou essa intuição, e pura e simplesmente mais
nada, e essa intuição mesma é eu. Por esse pôr de si mesmo, não deve ser
produzida, eventualmente, uma existência do eu, como uma coisa-em-si capaz de
subsistir independentemente da consciência; afirmação esta que seria o maior dos
absurdos. Tampouco se pressupõe antes dessa intuição uma existência do eu
independente da consciência, como coisa (capaz de intuir); o que ao meu ver, não
seria um absurdo menor, embora não se deva dizer isso quando os sábios mais
afamados do nosso século filosófico pendem para essa opinião. Uma tal existência
não deve ser pressuposta, digo eu; pois, se não podeis falar de nada de que não tendes
consciência e se tudo aquilo de que tendes consciência é condicionado pela autoposição
indicada, então não podeis inversamente de algo determinado, de que tendes consciência,
ou seja. daquela existência do eu pretensamente independente de todo intuir e
pensar, a condição daquela autoconsciência. Ou tendes de confessar que falais de algo
sem saber dele, o que dificilmente fareis, ou teríeis de negar que a autoconsciência
indicada condiciona todo outra consciência, e basta que me tenhais entendido para
que isso vos fique claro aqui: que, com nossa primeira preposição, não somente
para o caso alegado, mas para todos os casos possíveis, fomos colocados
irreversivelmente no ponto de vista do idealismo transcendental; e que é
absolutamente a mesma coisa entender aquela e convencer-se deste.

Portanto – a inteligência intui a si mesma, meramente como inteligência, ou


como inteligência pura, e nessa auto-intuição consiste seu ser. Logo, caso possa
eventualmente haver, ainda, outro modo de intuição, essa intuição será
denominada, com razão, intuição intelectual. – Em vez da palavra inteligência prefiro
empregar a denominação: egoidade; pois esta designa da maneira mais imediata,
para todo aquele que é capaz de um mínimo de atenção, esse retorno da atividade
para dentro de si mesma1
III
Há ainda uma circunstância, na observação da atividade requerida por nós,
que merece ser notada. Considere-se, por enquanto, esta observação apenas como
acessória. Sobre ela não será construído nada imediatamente, só bem mais adiante
se mostrará que conseqüências ela tem. Apenas, não podemos perder a ocasião,
que temos aqui, de fazer essa observação.

Na representação de um objeto ou de ti mesmo, tu te encontras como ativo.


Observa mais uma vez intimamente aquilo que aparece em ti na representação da
atividade. – Atividade é agilidade, movimento interior; o espírito se arrebata acima
de opostos absolutos; – descrição pela qual de nenhum modo se torna concebível o
que é inconcebível, mas é lembrada vivamente aquela intuição que se encontra
necessariamente em cada um de nós. – Mas essa agilidade não se deixa intuir e não
é intuída, a não ser como um desprender a força ativa de um repouso; e assim a intuíste
de fato, se apenas desempenhaste efetivamente o que exigimos de ti.
Pensaste, de acordo com o meu pedido, tua mesa, tua parede, e assim por diante,
e, depois de teres produzido ativamente em ti os pensamentos desses objetos,
ficaste então absorvido na contemplação pousada e fixa dele (Obtutu haerbas fixus in
illo, como diz o poeta). Eu te disse: agora pensa-te, e observa que esse pensar é um
fazer. Tinhas, para cumprir o exigido, de desprender-te daquele repouso da
contemplação, daquela determidade de teu pensar, e determiná-la de outro modo; e
só na medida em que observaste esse desprender e esse alterar da determidade é
que te observaste como ativo. Invoco aqui exclusivamente tua própria intuição
interior; demonstrar-te de fora algo que só pode estar em ti mesmo, não sou capaz
de fazer.

O resultado da observação feita agora seria este: só é possível encontrar-se como


ativo na medida em que se opõe a essa atividade um repouso (uma retenção e
fixidez da força interior). (Esta proposição, que aqui lembramos apenas de
passagem, também é verdadeira universalmente e, nos capítulos seguintes, será
estabelecida nessa sua validade universal: Toda determinação, o que quer que seja
determinado, ocorre por contraposição. Aqui estamos considerando apenas o caso
singular que temos diante de nós.)
Qual era a determinação particular do teu pensar que, como repouso, precedeu
imediatamente aquela atividade pela qual pensaste a ti mesmo: ou, para exprimi-lo
mais exatamente, que estava imediatamente unificada com ela, de tal modo que não
podias perceber uma sem a outra. – Eu te disse: pensa a ti mesmo, para designar a
ação que devias desempenhar, e tu me entendeste sem mais explicações. Logo,
sabias o que significa: eu. Mas não precisavas saber – e, segundo minha
pressuposição, não sabias – que esse pensamento é instituído por um retorno da
atividade a si mesma, e era isso que devias aprender. Ora, o eu, em virtude do que
foi visto acima, nada mais é do que um agir que retorna a si mesmo; em um agir
que retorna a si mesmo é o eu. Como poderias então conhecer a este último, sem
conhecer a atividade pela qual ele é instituído? Unicamente da maneira seguinte: ao
entenderes a expressão eu, encontraste a Ti isto é, ao teu agir como inteligência,
determinado de certa maneira; embora sem conhecê-lo exatamente como um agir. Tu
o conhecias apenas como determidade ou repouso, sem saber propriamente, nem
procurar saber de onde vinha aquela determidade de tua consciência; em suma,
assim que me entendeste, aquela determidade estava imediatamente lá. Por isso me
entendeste e pudesse dar à tua atividade, que eu solicitava, a direção conveniente.
Logo, a determidade de teu pensar pelo pensar de ti mesmo era- e tinha
necessidade de ser- aquele repouso pelo pensar de que te desprendeste para entrar
em atividade.

Ou, para tornar isto mais claro: Quando eu te disse: pensa-te, e tu me entendeste
esta última palavra, desempenhaste no próprio ato de entender a atividade que retorna a
si, pela qual o conceito do eu é instituído, apenas sem saber disso, pois não estavas
particularmente atento a isso; e disso decorreu para ti aquilo que encontraste em
tua consciência. Observa como o fazes – disse-te eu em seguida; e tu
desempenhaste a mesma atividade que já havias desempenhado, porém com
atenção e consciência.

Em geral, costuma-se chamar a atividade interior, captada em seu repouso, de de


conceito. Logo, era o conceito de eu que estava necessariamente unificado com a
intuição dele e sem o qual a consciência do eu permaneceria impossível; pois só o
conceito perfaz e abrange a consciência.
O conceito, onde quer que apareça, nada mais é do que a atividade do próprio
intuir, não captada como agilidade, mas como repouso e determinabilidade; e é isso
que ocorre também com o conceito do eu. A atividade que retorna a si, captada
como fixa e persistente – pela qual desde logo ambos, eu, como ativo, e eu, como
objeto de minha atividade, coincidem – é o conceito do eu.

Na consciência comum só aparecem conceitos, e nunca intuições com toais; não


obstante, o conceito só é instituído pela intuição, embora sem nossa consciência.
só é possível elevar-se à consciência da intuição por liberdade, como acaba de
ocorrer a propósito do eu; e toda intuição consciente refere-se a um conceito, que
indicada à liberdade uma direção. Daí decorre que, em geral, assim como em nosso
caso particular, o objeto da intuição existe anteriormente à intuição. Esse objeto é
justamente o conceito. Segundo nossa presente colocação, é fácil ver que este nada
mais é do que a própria intuição não considerada com tal, como atividade, mas
como repouso.

Nota
1 Ultimamente costuma-se empregar com freqüência, para exprimir esse
mesmo conceito, a palavra Selbst (si mesmo). Se deduzo corretamente, a família
inteira a que pertence essa palavra, por exemplo: selbiger (o próprio) etc., derselbe (o
mesmo) etc., indica uma referência a algo já posto, mas pura e simplesmente na
medida em que está posta por seu mero conceito. Se sou eu esse posto, então a palavra
é formada: Selbst. Logo, Selbst pressupõe o conceito de eu; e tudo o que é pensado
de absolutez nessa palavra é emprestado desse conceito. Numa exposição popular
a palavra Selbst é talvez mais cômoda porque dá ao conceito do eu, que é pensado
juntamente com ela, embora sempre obscuramente, uma ênfase particular, de que o
leitor comum bem pode precisar; mas, na exposição científica, parece-me que o
conceito deveria ser nomeado por seu signo imediato e próprio. – Mas qual seria o
propósito a alcançar, colocando em confronto ambos os conceitos, o do Selbst e o
do eu, como diferentes, e deduzindo do primeiro uma doutrina sublime e do
segundo uma doutrina abominável, como ocorreu recentemente em um escrito
destinado ao grande público, cujo autor tinha a obrigação de saber, pelo menos
historicamente, que esta última palavra também é tomada em outra significação e
que sobre o conceito designado por ela nessa significação é construído um sistema
que absolutamente não contém aquela doutrina abominável? – Qual seria o
propósito a alcançar com isso é absolutamente impossível conceber, quando não se
quer nem pode admitir um propósito hostil. (N. do A.)Topo

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