Você está na página 1de 17

MATRIZES DO

PENSAMENTO III:
PSICOLOGIA
COGNITIVA
A cognição humana
Tania Beatriz Iwaszko Marques

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

> Explicar o desenvolvimento da psicologia cognitiva e da neuropsicologia


cognitiva.
> Identificar a neurociência cognitiva como abordagem da cognição humana.
> Reconhecer o desenvolvimento da ciência cognitiva computacional.

Introdução
Nas últimas décadas, a cognição humana tem despertado o interesse de cientistas
e do público em geral, pois envolve questões do cotidiano de todos. Na medida em
que as pesquisas foram evoluindo, surgiram diferentes abordagens para explicar a
cognição humana, cada uma delas com campo conceitual, interesses de pesquisa
e metodologias de pesquisa próprios. Embora psicologia cognitiva seja o nome
de uma das abordagens específicas, a expressão também é, às vezes, utilizada
para englobar todas elas.
Neste capítulo, você vai conhecer as quatro abordagens da cognição humana:
psicologia cognitiva, neuropsicologia cognitiva, neurociência cognitiva e ciência
cognitiva computacional. Você vai estudar os conceitos básicos de cada uma das
abordagens, bem como alguns dos principais pontos fortes, limitações e outros
aspectos relacionados à prática de pesquisa.
2 A cognição humana

Psicologia cognitiva e neuropsicologia


cognitiva
A psicologia cognitiva está relacionada à tentativa de compreender a cognição
humana com evidências, mais especificamente, comportamentos, sem uso
de equipamentos para visualizar o interior do cérebro. Já a neuropsicologia
cognitiva estuda pacientes que tenham lesão no cérebro com o objetivo de
entender como é a cognição humana normal (EYSENCK; KEANE, 2017).

Psicologia cognitiva
A psicologia cognitiva baseia-se na ideia de que se pode compreender a
cognição humana observando os comportamentos de uma pessoa enquanto
ela executa tarefas. Essa abordagem oferece uma base conceitual e técnica
para as outras abordagens que você conhecerá neste capítulo.
Embora a preocupação com questões relacionadas à cognição humana seja
antiga, costuma-se situar o início da psicologia cognitiva nos anos 1950, espe-
cialmente com os trabalhos do linguista Noam Chomsky. A partir da década de
1970, a analogia entre a mente e o computador tornou-se popular (STERNBERG,
2008). A Figura 1 mostra uma representação simples do processamento da
informação no início dos estudos sobre a cognição humana com base nos
princípios da psicologia cognitiva. Está representado um processamento do
tipo bottom-up (de baixo para cima).
A cognição humana 3

ESTÍMULO

Atenção

Percepção

Processos de pensamentos

Decisão

RESPOSTA OU AÇÃO

Diencéfalo

Figura 1. Processamento serial da informação do tipo bottom-up.


Fonte: Adaptada de Eysenck e Keane (2017).

Observe na Figura 1 que, nesse tipo de funcionamento, é realizado ape-


nas um processamento por vez, o que chamamos de processamento serial,
mais presente em tarefas novas. O processamento bottom-up é diretamente
influenciado pela estimulação externa. Existe também o processamento top-
-down (de cima para baixo), em que se consideram não apenas o estímulo,
mas também as expectativas e os conhecimentos do indivíduo. É o proces-
samento top-down que leva em conta os conhecimentos e as expectativas,
que permite a você, por exemplo, ler uma palavra mesmo quando algumas
letras são substituídas por algarismos:

P5NSAM5NTO

Em geral, mais de um processamento ocorre ao mesmo tempo, o que se


chama de processamento paralelo. É mais comum em tarefas habituais, como
quando cozinhamos enquanto conversamos com alguém.
A psicologia cognitiva, na tentativa de entender a cognição humana nor-
mal, é a base para as outras três abordagens, apesar de suas limitações. A
4 A cognição humana

influência se dá tanto na teoria quanto nas tarefas cognitivas utilizadas nas


pesquisas e na compreensão dos resultados a partir do conhecimento de
como as tarefas são realizadas. Confira a seguir algumas dessas limitações.
Algumas questões dividem opiniões, pois o que um autor vê como limitação
o outro vê como ponto forte. Você pode estar se perguntando quem tem
razão, mas, na verdade, não há um consenso.

„ Ambientes controlados: as pesquisas são realizadas em laboratório


com indivíduos saudáveis. Segundo Eysenck e Keane (2017, p. 4), as
pesquisas carecem, portanto, de validade ecológica, de “aplicabilidade
(ou o contrário) dos achados dos estudos laboratoriais aos contextos
da vida cotidiana”. Entretanto Sternberg (2008) alega ser possível va-
lorizar os aspectos positivos da situação laboratorial, pois a análise
estatística, a administração e a contagem dos dados ficariam mais
simples, bem como a aplicação de amostras para representar uma
população, proporcionando grandes chances de inferências causais
válidas. Em defesa da psicologia cognitiva, Sternberg (2008, p. 35)
questiona: “devemos usar técnicas mais naturalistas […] mas à custa
de controle experimental?”.
„ Experimentador implacável: o comportamento do pesquisador não é
influenciado pelo comportamento do participante. Você não encontrará
essa situação na vida real.
„ Evidências indiretas: com evidências indiretas como resultados dos
experimentos, não sabemos exatamente o que está acontecendo no
cérebro enquanto uma tarefa é realizada e, por isso, não podemos ter
certeza se o processamento é serial ou paralelo.
„ Descrições verbais: alguns autores, como Eysenck e Keane (2017) con-
sideram que descrições verbais podem ser vagas, dificultando a sua
previsibilidade. Sternberg (2008, p. 30), porém, assinala o “acesso aos
insights introspectivos a partir do ponto de vista dos participantes”
como um ponto forte, porque não poderia ser acessado de outra forma
se não com as verbalizações.
„ Especificidade do paradigma: “ocorre quando os achados de alguma
tarefa experimental ou paradigma não são obtidos, mesmo quando,
aparentemente, estão sendo usados tarefas ou paradigmas muito
semelhantes” (EYSENCK; KEANE, 2017, p. 5).
„ Ausência de “uma arquitetura ou estrutura abrangente que esclareça as
inter-relações entre os componentes do sistema cognitivo” (EYSENCK;
KEANE, 2017, p. 5).
A cognição humana 5

Apesar de haver muitas limitações nos estudos da psicologia cognitiva,


como vimos, ela serve de base no campo conceitual para as outras três
–– neuropsicologia cognitiva, neurociência cognitiva, ciência cognitiva com-
putacional. No desenvolvimento das tarefas cognitivas a serem realizadas
durante as pesquisas, essas outras abordagens se valem do trabalho da
psicologia cognitiva, tentando superar suas limitações.

Neuropsicologia cognitiva
Ao contrário da psicologia cognitiva, que procura observar o comportamento
de sujeitos normais, a “neuropsicologia cognitiva está preocupada com os
padrões de desempenho cognitivo (intacto e deficiente) apresentados pelos
pacientes com dano cerebral” (EYSENCK; KEANE, 2017, p. 5). Estudando o
cérebro de pessoas que sofreram danos cerebrais tanto por doenças quanto
por ferimentos, a neuropsicologia cognitiva infere informações sobre a cogni-
ção normal (MOGRABI; MOGRABI; LANDEIRA-FERNANDEZ, 2014). As pesquisas
realizadas na década de 1960 permitiram entender que é possível que a
memória de longo prazo funcione normalmente mesmo que a memória de
curto prazo esteja prejudicada, ao contrário do que se pensava anteriormente.
Isso só foi possível ao estudar pessoas com lesão cerebral.
Você pode ter concluído que o foco da neuropsicologia cognitiva é o fun-
cionamento do cérebro, mas, para muitos teóricos dessa abordagem, sendo
Max Coltheart o principal deles, o foco é entender a mente, como funciona a
cognição. Não existe, porém, um consenso, pois outros pesquisadores utilizam
neuroimagens para identificar áreas lesionadas no cérebro de pacientes.
Com base em Coltheart, além disso, a neuropsicologia cognitiva tem algumas
suposições, que você conhecerá a seguir.

Não é por acaso que utilizamos a palavra suposição. Trata-se exa-


tamente de suposição, não de evidência ou constatação. São apre-
sentadas aqui várias suposições, ou seja, pressupostos, ideias dadas a priori,
que não provêm de achados, mas, ao contrário, os achados são explicados a
partir delas.

A primeira suposição é a modularidade, que pressupõe “que o sistema


cognitivo consiste em muitos módulos ou processadores relativamente in-
dependentes ou separados, cada um especializado em determinado tipo de
processamento” (EYSENCK; KEANE, 2017, p. 6). Não há consenso sobre a sua
6 A cognição humana

importância e, como vimos, trata-se de uma suposição, não de uma evidência


ou constatação. De acordo com essa suposição, cada módulo apresenta
uma especificidade de domínio, que é a “noção de que determinado módulo
responde seletivamente a certos tipos de estímulo (p. ex. rostos), mas não a
outros” (EYSENCK; KEANE, 2017, p. 6).
A segunda suposição é a modularidade anatômica, que é a crença de que
cada módulo está localizado em uma região do cérebro. Existem evidências
disso para o sistema de processamento visual, mas não para tarefas com-
plexas em que são verificados ativamentos de lobos frontais em diversas
áreas. Apesar de existirem evidências de especialização de regiões cerebrais,
as neuroimagens mostram uma maior conectividade entre as áreas, com
muito mais processamento paralelo do que serial. Os estudos sugerem que
“é somente da interação entre áreas que funções complexas podem emergir”
(MOGRABI; MOGRABI; LANDEIRA-FERNANDEZ, 2014, p. 25).
A terceira suposição é a da existência de uma uniformidade da arquitetura
funcional para todas as pessoas. Essa crença se justifica pela impossibili-
dade de generalizar os achados das pesquisas se cada pessoa tivesse uma
arquitetura funcional única (EYSENCK; KEANE, 2017).
Por fim, a quarta suposição é a subtratividade, que é a ideia de que uma
lesão cerebral afeta “um ou mais módulos de processamento, mas não altera
ou acrescenta nada” (EYSENCK; KEANE, 2017, p. 7). No entanto, pesquisas têm
evidenciado recuperação, mesmo que seja parcial, de processos cognitivos,
seja dentro da própria região lesionada ou por meio de outras áreas cerebrais.

Confira a seguir uma síntese das suposições de Coltheart sobre a


cognição humana descritas (EYSENCK; KEANE, 2017).
1. Modularidade: o sistema nervoso é composto por módulos com funções
específicas.
2. Modularidade anatômica: cada módulo está localizado em uma região es-
pecífica do cérebro.
3. Uniformidade da arquitetura funcional: a mesma arquitetura cerebral se
repete em todas as pessoas.
1. Subtratividade: uma lesão afeta um módulo específico, mas não os demais.
A cognição humana 7

Outros conceitos que você precisa conhecer são os de dissociação e de


associação, pois envolvem críticas às suposições de funcionamento modular.
As dissociações ocorrem quando um paciente com lesão cerebral desem-
penha bem uma tarefa, mas tem prejuízo em outra, por exemplo, tarefas
que exigem a memória de curto prazo intacta quando a de longo prazo está
prejudicada. A explicação poderia ser módulos de processamento distintos,
o que confirmaria a suposição da neuropsicologia cognitiva. No entanto,
outra explicação pode ser dada, que é a complexidade da tarefa. Diante
dessa crítica, os neuropsicólogos cognitivos respondem com a dissociação
dupla, “achado de que alguns indivíduos com lesão cerebral têm desempenho
intacto em algumas tarefas, mas desempenho fraco em outras, enquanto
outros indivíduos exibem o padrão oposto” (EYSENCK; KEANE, 2017, p. 7). A
dissociação dupla elimina a explicação pela complexidade da tarefa. Essas
suposições são também contestadas.
Outro elemento importante para entendermos a suposição da modulari-
dade é a existência de uma síndrome, pois a associação de “certos sintomas ou
deficiências no desempenho são consistentemente encontrados em inúmeros
pacientes com lesão cerebral” (EYSENCK; KEANE, 2017, p. 8). As associações
costumam ser tomadas como evidências de uma síndrome, que é um conjunto
de sinais ou sintomas encontrados juntos. Existem, no entanto, críticas a
essa explicação, pois as áreas envolvidas podem ser adjacentes em vez de
um mesmo módulo.
Tradicionalmente, a pesquisa na neuropsicologia cognitiva ocorreu com
estudos de casos isolados, em função de os pacientes não terem quadros
iguais. Isso é uma limitação metodológica bastante importante, já que não se
pode fazer generalizações a partir de um caso. Para lidar com essa limitação, a
opção foi realizar estudos de séries de casos. “Vários pacientes supostamente
com deficiências cognitivas semelhantes são estudados, depois, os dados
de pacientes isolados são comparados, e a variação entre eles é avaliada”
(EYSENCK; KEANE, 2017, p. 8).
A neuropsicologia cognitiva tem muitos pontos fortes e muitas limitações,
como as outras abordagens. Um dos pontos fortes é sua contribuição às teorias
da linguagem e ao estudo da distinção entre as memórias de curto e de longo
prazo. A limitação principal é que as evidências por meio de imagens não
apoiam os seus conceitos (MOGRABI; MOGRABI; LANDEIRA-FERNANDEZ, 2014).
8 A cognição humana

A neuropsicologia cognitiva trabalha com cérebros com alguma


lesão e, portanto, a forma predominante de pesquisa é o estudo
de caso, o que é uma limitação metodológica. Para tentar diminuir o impacto
dessa limitação, realiza estudos de séries de casos. Apesar das limitações, a
neuropsicologia cognitiva, ao estudar cérebros com lesões, ofereceu grandes
contribuições aos estudos da memória e da linguagem.

Nesta seção, você estudou a psicologia cognitiva e a neuropsicologia


cognitiva, duas das abordagens da cognição humana, conhecendo alguns de
seus principais conceitos, pontos fortes e limitações. A seguir, você conhecerá
a terceira abordagem sobre a cognição humana, a neurociência cognitiva.

Neurociência cognitiva
A neurociência cognitiva envolve a utilização de evidências provenientes do
comportamento e do cérebro para compreender a cognição humana. O cérebro
tem 100 bilhões de células nervosas, os neurônios, com muitas conexões ente
si. Veja na Figura 2 a representação de um neurônio com uma sinapse (ligação
entre neurônios) em destaque. Note a estrutura esquemática do neurônio,
com suas partes — corpo celular, dendritos e axônios —, bem como a sinapse
com terminais axônicos e neurônios pós-sinápticos. Dendritos e axônios
são os prolongamentos dos neurônios. Os dendritos recebem os estímulos,
enquanto os axônios são os prolongamentos que transmitem as informações
do neurônio para as outras células. Neurônios pós-sinápticos são os que se
localizam após a sinapse, a ligação entre os neurônios.
A cognição humana 9

Figura 2. Neurônio com sinapse em destaque.


Fonte: Izquierdo (2018, p. 6).

O cérebro tem dois hemisférios: o direito e o esquerdo. Cada um dos dois


hemisférios tem quatro grandes áreas, chamadas de lobos — frontal, parietal,
temporal e occipital —, que você pode visualizar na Figura 3. Na mesma Figura,
confira também os sulcos, que são estrias no cérebro: sulco central, sulco
parieto-occipital e corte pré-occipital. Enquanto as fendas são chamadas de
sulcos, as saliências são chamadas de giros. As áreas cerebrais são divididas
em dorsal (em direção ao topo), ventral (em direção à base), frontal (em di-
reção à frente), posterior (parte de trás), lateral (ao lado) e medial (no meio).
10 A cognição humana

Sulco Lobo
central parietal
Lobo Lobo
frontal occipital

Fissura de
Sylvius
Lobo temporal Cerebelo

Figura 3. Hemisfério cerebral esquerdo com lobos e sulcos.


Fonte: Bear, Connors e Paradiso (2017, p. 8).

Além de conhecer a anatomia básica do cérebro, é importante que você co-


nheça a organização cerebral. O cérebro funciona de acordo com dois princípios
contraditórios entre si: o princípio de controle de custos, que visa a diminuir
as distâncias entre as conexões, e o princípio da eficiência, para integrar as
informações. Às vezes, as informações estão distantes uma da outra e, para
resolver essas dificuldades, os neurônios se relacionam com neurônios próximos
a si e com até 10 mil neurônios. Para resolver a questão da localização, existem
módulos, que são áreas de conexão agrupadas, e centros, que são regiões
com muitas conexões com outras regiões (BULLMORE; SPORNS, 2012). Esse
conhecimento não é útil apenas para psicólogos, neurologistas e psiquiatras:

Educadores — professores e pais — […] são, de certa maneira, aqueles que mais
trabalham com o cérebro. Mais do que intervir quando ele não funciona bem,
os educadores contribuem para a organização do sistema nervoso do aprendiz
e, portanto, dos comportamentos que ele aprenderá durante a vida (COSENZA;
GUERRA, 2011, p. 6).

Agora que você já estudou a estrutura básica do cérebro, está na hora de


identificar as principais técnicas para o seu estudo. Para estudar o cérebro em
funcionamento, são necessários equipamentos bem mais complexos do que os
utilizados pelas duas outras abordagens. Às vezes, esses equipamentos são
muito caros, o que restringe a sua utilização, apesar de sua grande eficiência.
A cognição humana 11

Técnicas para o estudo do cérebro


O estudo do cérebro post-mortem (após a morte) resultou em muitos conhe-
cimentos sobre a sua estrutura. No entanto, conforme Sternberg (2008, p. 43),
“a tendência nos últimos tempos tem sido a de concentrar-se em técnicas
que proporcionem informações sobre o funcionamento mental humano à
medida que ele ocorre”, in vivo (vivo).
Atualmente, é possível utilizar muitas técnicas para conhecer a estrutura
e o funcionamento do cérebro. Podemos saber quais áreas são ativadas
na realização de certas tarefas ou se elas são ativadas em sequência e em
que ordem. Muitas dessas técnicas, além de serem utilizadas em pesquisa,
são também utilizadas para diagnósticos médicos. Agora você irá conhecer
algumas dessas técnicas, de acordo com Eysenck e Keane (2017).

„ Registro de unidade isolada ou registro de célula única: consiste em


inserir um microeletrodo no cérebro para estudar neurônios isolados. É
a mais minuciosa das técnicas, porém é invasiva e, portanto, raramente
utilizada em pesquisas com humanos.
„ Potenciais relacionados a eventos (ERPs): o eletroencefalograma (EEG)
é utilizado para obter esse tipo de informação. Trata-se de um exame
com baixa resolução espacial, que não identifica as áreas específicas
do cérebro envolvidas nos eventos, mas tem boa precisão temporal.
Por meio de eletrodos fixados no couro cabeludo, pode-se medir a
atividade cerebral diante de um estímulo repetido ou outros estímulos
semelhantes. Alterações muito pequenas de atividade cerebral podem
ser captadas. É utilizado para tarefas simples. De acordo com Rotta,
Ohlweiler e Riesgo (2016, p. 82), “um traçado de EEG corresponde a
uma espécie de ‘pescaria’ da atividade cerebral no momento em que
foi feita. Portanto, é um exame extremamente dinâmico e pode variar
com o momento”.
„ Tomografia por emissão de pósitrons (PET): tem baixa resolução tempo-
ral, mas boa resolução espacial, medindo a atividade do cérebro após
a aplicação de um marcador que se concentra nos vasos sanguíneos
do cérebro.
„ Imagem por ressonância magnética (IRM): um campo magnético provoca
a movimentação dos prótons no cérebro, o que os faz liberar energia.
O aparelho escaneia as áreas mais brilhantes, aquelas que liberam
mais energia. Com esse exame, é possível verificar as estruturas do
cérebro, mas não seu funcionamento.
12 A cognição humana

„ Imagem por ressonância magnética funcional (IRMf): tem boa resolução


tanto espacial quanto temporal. Portanto, na pesquisa, é melhor do
que a PET. Mede o BOLD, que é o “contraste dependente do nível de
oxigênio no sangue” (EYSENCK; KEANE, 2017, p. 15).
„ Imagem por ressonância magnética funcional relacionada a evento
(IRMfe): tem sido muito utilizada, pois permite comparar padrões de
atividades relacionadas a eventos isolados.
„ Magnetoencefalografia (MEG): mede os campos magnéticos produzidos
pela atividade elétrica cerebral. Tem resoluções temporal e espacial
boas, mas seu custo é alto.
„ Estimulação elétrica transcraniana (TMS): um dispositivo emite pulsos
magnéticos breves, afetando uma área do cérebro. O efeito imita uma
lesão, o que auxilia na determinação da importância da área para o
desempenho na tarefa.
„ Estimulação magnética transcraniana repetitiva (rTMS): os pulsos elé-
tricos da TMS são aplicados rápida e repetidamente. Tem sido muito
utilizada. Em geral, fala-se somente TMS.

A resolução espacial indica a localização, ou seja, a área em que o


evento ocorre no cérebro. A resolução temporal informa o momento
em que o evento ocorreu, o que permite identificar se ele ocorreu em reação a
uma determinada tarefa e quanto tempo depois. Cada um dos equipamentos para
estudar o cérebro apresenta diferentes níveis de resolução espacial e temporal.

Após conhecer todas estas técnicas, você deve estar se perguntando


qual delas é a melhor para pesquisas sobre cognição humana. Não existe a
melhor técnica, pois todas apresentam qualidades e limitações. A escolha da
técnica depende do objetivo. Uma das grandes contribuições da neurociência
cognitiva é “que existem integração e coordenação substanciais no cérebro”
(EYSENCK; KEANE, 2017, p. 20), em vez de uma especialização funcional extrema.
As aplicações dos resultados de pesquisas da ciência cognitiva podem trazer
grandes avanços à prática médica. Mesmo que não imediatamente, representa
uma grande esperança de cura:

O desenvolvimento atual das neurociências é verdadeiramente fascinante e gera


grandes esperanças de que, em breve, tenhamos novos tratamentos para uma
grande parte dos distúrbios do sistema nervoso, que debilitam e incapacitam
milhões de pessoas todos os anos (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2017, p. 21).
A cognição humana 13

Nesta seção, você conheceu mais uma abordagem da cognição humana,


a neurociência cognitiva, e aprendeu sobre a estrutura e o funcionamento
cerebral, bem como sobre as técnicas mais utilizadas para realizar as pes-
quisas sobre a cognição humana. Na próxima seção, você conhecerá a quarta
abordagem da cognição humana, a ciência cognitiva computacional.

Ciência cognitiva computacional


Com a ciência cognitiva computacional, a cognição humana é estudada com
o desenvolvimento de modelos computacionais, considerando o conheci-
mento sobre o comportamento e o cérebro. Como vimos antes, a psicologia
cognitiva vale-se de explicações verbais. A ciência cognitiva computacional,
ao contrário, vale-se de modelos computacionais. Existem muitos tipos de
modelos computacionais, e a maioria se concentra em aspectos específicos
do comportamento. No entanto, há uma arquitetura cognitiva, que é uma
“estrutura abrangente para a compreensão da cognição humana na forma
de um programa de computador” (EYSENCK; KEANE, 2017, p. 24). Explicando
essa relação entre cérebro e computador, Silva (2021, p. 14) esclarece que “o
pensamento computacional representa a forma como as tarefas podem ser
executadas de forma mais eficiente pelos humanos”.

Não se pode confundir, porém, modelagem computacional com


inteligência artificial. A primeira “envolve a programação de com-
putadores para simularem ou imitarem aspectos do funcionamento cognitivo
humano”, e a segunda “envolve a construção de sistemas de computador que
produzem resultados inteligentes, mas os processos envolvidos podem ter pouca
semelhança com os usados pelos seres humanos” (EYSENCK; KEANE, 2017, p. 23).
O que vamos estudar nesta seção é a modelagem computacional.

A maior parte dos modelos computacionais é do tipo conexionista, con-


sistindo “em redes interligadas de unidades simples; as redes exibem a
aprendizagem por meio da experiência, e itens específicos de conhecimento
são distribuídos entre as inúmeras unidades” (EYSENCK; KEANE, 2017, p. 24). Nos
modelos conexionistas, a propagação retrógrada (backprop) é um mecanismo
de aprendizagem que compara as respostas reais com as respostas corretas,
para que o modelo aprenda o comportamento sem ter sido programado
para isso. Além disso, os modelos computacionais dependem de sistemas
de produção, que se constituem por muitas regras de produção. Uma regra
de produção determina a condição em que uma ação deve ser executada. A
14 A cognição humana

memória de trabalho contém as informações processadas no momento. A


arquitetura cognitiva tem auxiliado na compreensão do sistema cognitivo. As
pesquisas em ciência cognitiva computacional têm alargado a abrangência das
pesquisas, pois ela se baseia em informações muito mais rigorosas e precisas
do que as dos modelos verbais. Porém os modelos computacionais, em geral,
ignoram os aspectos emocionais e motivacionais da cognição humana, o que
é uma grande limitação, já que esses fatores não podem ser isolados em
condições reais. Dias (2010) salienta que, embora o modelo conexionista seja
muito influente ainda, suas limitações têm se tornado cada vez mais claras.

Os modelos computacionais são precisos e podem modelar padrões


de atividade cerebral e efeitos de lesões cerebrais. A grande limitação,
entretanto, é que não conseguem trabalhar com os aspectos motivacionais e
emocionais, não conseguindo replicar as condições do mundo real.

Nesta seção, você conheceu a ciência cognitiva computacional, última das


quatro abordagens da cognição humana, identificando conceitos, aspectos
fortes e limitações. Seus achados, como os das outras abordagens, também
têm auxiliado no desenvolvimento de diagnósticos mais precisos e de trata-
mentos médicos mais eficientes, mas, sozinha, essa abordagem não dá conta
de responder a todas as questões sobre a cognição, por isso tem se aliado
cada vez mais a outras abordagens.

Neste capítulo, você conheceu as quatro abordagens da cognição humana:


psicologia cognitiva, neuropsicologia cognitiva, neurociência cognitiva e
ciência cognitiva computacional. Você estudou as abordagens separadamente,
mas é importante saber que, cada vez mais, elas estão se aliando na busca de
respostas mais completas para as questões sobre a cognição humana. Você
conheceu os conceitos principais de cada uma das abordagens, bem como
alguns pontos fortes e algumas das suas limitações. Para que as limitações de
cada uma sejam superadas, as abordagens estão unindo forças para conseguir
um maior entendimento sobre a cognição humana, tanto em relação ao seu
funcionamento quanto às estruturas envolvidas. Confira a seguir, de modo
bastante resumido, a principal característica de cada abordagem.

„ Psicologia cognitiva: observa comportamentos.


„ Neuropsicologia cognitiva: analisa cérebros lesionados.
„ Neurociência cognitiva: usa equipamentos de imageamento cerebral.
„ Ciência cognitiva computacional: elabora modelos computacionais.
A cognição humana 15

Com os conhecimentos adquiridos sobre as diferentes abordagens, é


possível que você entenda melhor alguns diagnósticos médicos, algumas
técnicas terapêuticas e algumas possibilidades preventivas baseadas nessas
descobertas. Em outros momentos, essas informações servirão de base para
você entender teorias que virá a estudar.

Referências
BEAR, M. F.; CONNORS, B. W.; PARADISO, M. A. Neurociência: desvendando o sistema
nervoso. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.
BULLMORE, E.; SPORNS, O. The economy of brain network organization. Nature Reviews
Neuroscience, v. 13, p. 336-349, 2012.
COSENZA, R. M.; GUERRA, L. B. Neurociência e educação: como o cérebro aprende. Porto
Alegre: Artmed, 2011.
DIAS, Á. M. Tendências em arquiteturas cognitivas. Arquivos Brasileiros de Psicologia,
v. 62, n. 1, 2010.
EYSENCK, M. W.; KEANE, M. T. Manual de psicologia cognitiva. 7. ed. Porto Alegre: Art-
med, 2017.
IZQUIERDO, I. Memória. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2018.
MOGRABI, D. C.; MOGRABI, G. J. C.; LANDEIRA-FERNANDEZ, J. Aspectos históricos da
neuropsicologia e o problema mente-cérebro. In: FUENTES, D. et al. Neuropsicologia:
teoria e prática. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. p. 19-28.
ROTTA, N. T.; OHLWEILER, L.; RIESGO, R. S. (org.). Transtornos da aprendizagem: aborda-
gem neurobiológica e multidisciplinar. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016.
SILVA, F. R. Fundamentos de pensamento computacional. In: SANTOS, M. S. et al. Pen-
samento computacional. Porto Alegre: SAGAH, 2021. p. 13-26.
STERNBERG, R. J. Psicologia cognitiva. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008.

Leituras recomendadas
BADDELEY, A.; ANDERSON, M. C.; EYSENCK, M. W. Memória. Porto Alegre: Artmed, 2010.
COSENZA, R. M. Neurociência e mindfulness: meditação, equilíbrio emocional e redução
do estresse. Porto Alegre: Artmed, 2021.
SUN, R. (ed.). Cognition and multi-agent interaction. New York: Cambridge University,
2006.

Você também pode gostar