Você está na página 1de 36

Curso

«A Bendita e
o maldito»

Curso «A Bendita e o maldito» Locus Mariologicus Instagram: @locusmariologicus


Centro de Pesquisa e Formação email: info@locusmariologicus.org
AULA 11
«O Arcanjo Gabriel nas Anunciações de Lucas»
Sumário
1 - As Anunciações do Arcanjo Gabriel

2 - As duas anunciações do Arcanjo

3 - De onde surge o arcanjo Gabriel?

4 - O oráculo de Gabriel sobre o nome


humano e o nome divino de Cristo
Senhor
1 - As Anunciações do Arcanjo Gabriel
Estas narrações relacionam João Batista a Jesus através deste arcanjo. Apenas
através dos textos e dos seus contextos poderemos determinar a
identidade/função deste arcanjo no Novo Testamento. A característica mais
marcante da estrutura literária é o paralelismo entre João Batista e Jesus, que
apresenta em quatro etapas para cada um deles:
João Jesus
Anunciação 1,5-25 1,26-38
Nascimento 1,57-58 2,1- 20
Circuncisão 1,59-79 2,21
Crescimento 1,80 2,40-52
1 - As Anunciações do Arcanjo Gabriel
Quantitativamente:
● 2 versículos para o nascimento de João
● 20 versículos para o nascimento de Jesus
e em sentido contrário
● 21 versículos para a circuncisão de João
● 1 versículo só para a circuncisão de Jesus
Podemos então concluir que qualitativamente, esses paralelismos têm a função de
manifestar uma gradação e ao mesmo tempo um contraste entre João, o Precursor, e
Jesus o Messias. É o que está subjacente aos outros textos do Evangelho (3,15-16;
7,18-23; 16,16) e dos Actos dos Apóstolos (1,5.22). Essa preocupação foi motivada pelo
fato de João Batista ser objeto de um culto independente do de Cristo. Paulo o conheceu
em suas missões, e é justamente por meio de Lucas, seu companheiro, que o conhecemos:
Atos 18,25 e 19,3-4.
2 - As duas anunciações do Arcanjo
Numa visão macroscópica apresentamos o paralelismo de acordo com as seguintes fases:
Fases João Jesus
1º Apresentação dos personagens 1,5-7 1,26-27
2º Manifestação do arcanjo Gabriel 1,8-11 1,26-28
3º Turbamento do interlocutor 1,12 1,29
4º "Não temas" 1,13 1,30
5º Anúncio do nascimento 1,13-14 1,31
6º Grandeza e missão da criança 1,15-17 1,32-32
7º Pergunta-objeção 1,18 1,34
8º Resposta do anjo 1,19-20 1,35-37
9º Conclusão 1,21-25 1,38
2 - As duas anunciações do Arcanjo
Quando comparamos o Zacarias-Isabel a Maria-José, reparamos que estes
últimos eram desposados no sentido hebraico deste termo, que indicava a sua
jovem idade. O primeiro casal parece ter maior valor quantitativa e
qualitativamente. Em primeiro lugar, o que chama a atenção é o longo louvor
que o evangelista faz à sua conduta, um louvor que não encontra paralelo por
parte de José e Maria. O mesmo se pode dizer em termos de situações e
funções. Zaccarias encontra-se no alto da capital, no único santuário; Maria
numa província e aldeia desprezadas (Jo 1,46; 7,41.52). Zacarias é sorteado
(isto é, escolhido por Deus: cf. At 1,24-25) para exercer a mais alta função de
mediação entre Deus e o povo em oração. Ele se apresenta em toda a sua
glória, em contraste com esses humildes de Maria e José.
2 - As duas anunciações do Arcanjo
O mesmo se pode dizer da vantagem sociológica: Zacarias é de pura raça
sacerdotal, assim como sua esposa (1,5). Maria, por outro lado, não é qualificada por
nenhuma descendência. Contraste muito vívido, por causa dos quatro personagens
apresentados neste início, ela é a única órfã: José é altamente qualificado como
descendente do rei Davi. E, no entanto, Maria, a órfã, é colocada numa proeminência
que derruba o paralelismo inicial. Ela é nomeada primeiro, na frente de José,
contrariando a precedência normal, respeitada no caso de Zacarias e Isabel. Ela é
mencionada duas vezes neste mesmo versículo 27.
Em nossa sinopse dos dois anúncios ela é encontrada a primeira vez em paralelo
com Zacarias, o personagem supremo (um sacerdote, uma virgem), e a segunda vez com
sua esposa Isabel. José parece ficar em segundo plano entre essas duas menções de Maria.
E isso prepara a sequência, na qual ela estará em paralelo com Zacharias, destinatário
do anúncio. A precedência masculina é invertida. Enquanto Lucas começa a dissociar
o segundo casal, Maria José, insiste na unidade do primeiro casal: ambos (1,6.7).
2 - As duas anunciações do Arcanjo
Ponto comum: os dois casais não têm filhos. É uma frustração para o primeiro,
caracterizada por uma esterilidade sem esperança. Isso pode parecer um ainda
não para o jovem casal, se a repetição insistente do termo virgem já não
preparasse outra coisa.
Mas o contraste mais evidente é aquele que quebra o paralelismo desde as
primeiras palavras da história e nos obriga a começar a coluna da direita com
pontos de suspensão: o anjo aparece a Zacarias somente depois de seis
versículos (laudatórios em Lc 1,10), enquanto no caso de Maria, o Arcanjo se
manifesta imediatamente, antes mesmo dela ser apresentada, e suas primeiras
palavras ajudam a apresentá-la:
2 - As duas anunciações do Arcanjo
Manifestação do anjo
1,11 1,26
No sexto mês
Lhe apareceu foi enviado
o anjo do Senhor o anjo Gabriel
estando à direita
do altar de incenso por Deus
Ele entrou em direção dela (Maria)
O sacerdote se move ao encontro do anjo, enquanto para Maria é o anjo que
se move para ir com ela naquela província infame. O menor vai em direção ao maior.
2 - As duas anunciações do Arcanjo
Este contraste começa a delinear uma inversão paradoxal de valores em favor dos
esquecidos, com uma descentralização do sagrado que Jo 4,24 prepara: o culto
escatológico não mais em Jerusalém ou no Monte Garizim, mas em toda parte onde
existem adoradores em espírito e verdade. O anúncio a Zacarias realiza-se no templo,
morada de Deus (cf. 1,2 e 2,49); o anúncio a Maria numa província marginal e
desprezada.
No caso de Zacarias é uma visão. No caso de Maria, apenas a audiência é
especificada. E isso introduz um apóstrofo laudativo do anjo, sem paralelo no anúncio
a Zacarias: [O anjo] disse-lhe: εἰσελθὼν πρὸς αὐτὴν εἶπεν
- Alegra-te Χαῖρε
objeto-de-favor-de-Deus. κεχαριτωμένη
O Senhor está contigo. ὁ κύριος μετὰ σοῦ.
2 - As duas anunciações do Arcanjo
Esta saudação original tem dois elementos:
l. Um convite absoluto à alegria, sem motivação, como nos anúncios escatológicos
dos profetas.
2. Um nome que Deus dá a Maria do alto, como acontece na Bíblia a quem recebe
uma missão (cf. Jz 6,12). Mas este nome significa apenas a benevolência gratuita de
Deus (charis: 1,30 raiz do termo kecharitomene 1,28).
Lucas não elogiou Maria em paralelo com Zacarias e Isabel, porque o louvor vem
de cima, de Deus; daí a desproporção inicial. Enquanto os pais de João Batista foram
elogiados por sua prática da lei, Maria é elogiada somente pela graça no termo charis,
frequente apenas em Lucas e Paulo, e que retorna duas vezes no anúncio a
- l,28 : kecharitomene, o nome da graça que lhe é conferido;
- l,30 : eurescharin: você encontrou graça, versículo que é o comentário do anterior.
2 - As duas anunciações do Arcanjo
A vantagem de Zacarias segundo a lei é subitamente anulada pela mensagem
divina, que proclama a vantagem de Maria segundo a graça; e apenas de Maria, já
que José não está incluído no elogio, em contraste com Zacarias e Isabel
intimamente unidos um ao outro pelo ambos (amphoteroi, repetido em 1,6-7). A
simetria é afirmada nos versículos seguintes:
O turbamento
1,12 1,29
Ao ver o anjo do Senhor Por estas palavras
Zacarias ficou turbado. ela permaneceu muito turbada
E o medo caiu sobre ele E se perguntava
o que significaria
tal saudação
2 - As duas anunciações do Arcanjo
Zacarias estava perturbado pela visão, Maria por ouvir: um convite à
alegria messiânica e um elogio incomum. A perturbação de Zacarias e de
Maria é expressa com o mesmo verbo: etarachte, mas reforçada no caso de
Maria pela nuance superlativa que traz o prefixo de: dieterachte.
O resto contrasta com a vantagem da jovem da galileia. O sacerdote fica
passivo sob o choque: o medo caiu sobre ele. Maria, por outro lado, está em
uma situação ativa: reflete. O termo dielogizeto deriva da mesma raiz da qual
derivam o diálogo e a dialética. Aqui, como em outros lugares, o Evangelho
de Lucas vai contra a maré no que diz respeito aos slogans, segundo os
quais a mulher é caracterizada pela passividade e o homem pela atividade.
Se isso é verdade em Mateus, é exatamente o oposto em Lucas.
2 - As duas anunciações do Arcanjo
O paralelismo é acentuado no versículo seguinte:
Além do temor
1,13 1,30
Mas o anjo lhe disse: Mas o anjo lhe disse:

- Não tenha medo, Zacarias - Não tenha medo, Maria

porque a tua oração foi ouvida porque você encontrou graça diante de Deus
A fórmula não temas é uma expressão estereotipada para mitigar o choque
diante de uma manifestação de Deus. Mas essa simetria novamente leva a um
contraste na mesma linha: no caso de Zacarias, sua oração foi cumprida.
2 - As duas anunciações do Arcanjo
Descobrimos o seu desejo aqui. No caso de Maria não há manifestação de
qualquer desejo ou pedido. No caso dela, tudo é de graça, tudo é graça. Tal é o
sentido do nome que lhe foi dado. Depois vem a mensagem. Em ambos os
casos um nascimento.
Anúncio de um nascimento
1,13-17 1,30.33
Tua mulher Isabel Eis que conceberás no teu ventre
conceberás um filho e darás à luz um filho
e lhe porás e lhe porás
o nome de João. o nome de Jesus
Ele será alegria e exultação para vocês
e muitos se alegrarão
2 - As duas anunciações do Arcanjo
Pois ele será grande Ele será grande

diante do Senhor

Nem vinho nem bebida fermentada beberá.


E ele será cheio e será chamado Filho do Altíssimo

de Espírito Santo. O Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi.

desde o ventre de sua mãe


Reconduzirá Reinará para sempre
muitos filhos de Israel sobre a casa de Jacó

ao Senhor seu Deus

e ele andará adiante, e seu reino não terá fim


2 - As duas anunciações do Arcanjo
sob o olhar de Deus, com o
espírito e força de Elia, para
trazer os corações dos pais de volta aos
filhos (Ml 3,23) e os rebeldes a pensar

como os justos, a fim de formar


um povo bem disposto para o Senhor.
sob o olhar de Deus, com o
espírito e força de Elia, para
trazer os corações dos pais de volta aos

filhos (Ml 3,23) e os rebeldes a pensar

como os justos, a fim de formar um povo bem disposto para o Senhor.


2 - As duas anunciações do Arcanjo
Também aqui a simetria verbal é apenas a moldura de um contraste que é
ampliado passo a passo. Abundância de palavras do lado de João Batista, mais
abreviadas do lado de Jesus, anunciam a Zacarias que a sua esposa terá um filho
para ele, porque é o homem que conta. O anúncio é feito somente a ele, a
posteridade pertence a ele.
Por outro lado, Maria, a mulher, é a única a ser levada em consideração. José,
mesmo tendo sido indicado como o homem desse casal (1,27), permanece fora da
perspectiva. O paralelismo com Zacarias teria exigido a fórmula: "Você terá um
filho para José", e em vez disso nada é dito. Zacarias, o pai, é convidado a impor o
nome de João ao filho (o que será impedido em 1.59.61). Inversamente, é Maria, a
mãe, e não José (ao contrário de Mt 1,21.25), quem vai impor o nome a Jesus.
2 - As duas anunciações do Arcanjo
As duas crianças são qualificadas como grandes (1,15,32: nova coincidência de
paralelos), mas o adjetivo é atribuído:
- a João Batista de forma relativa: grande diante de Deus;
- a Jesus de forma absoluta: ele será grande, fórmula que a Bíblia reserva para
Deus.
Os dois nomes têm um significado, que marcam uma gradação:
- João significa: YHWH faz misericórdia;
- Jesus, crescendo, YHWH é Salvador.
O contraste é amplificado no anúncio profético sobre os dois filhos. Por um
lado, João caracteriza-se sobretudo pelo seu ascetismo, Jesus pela transcendência do
Filho de Deus; João através de sua atividade de profeta, conversor e precursor;
Jesus através de seu reinado sem fim.
2 - As duas anunciações do Arcanjo
A simetria, quebrada pela missão muito diferente dos dois filhos - o servo e o rei
divino - é restabelecida pelas perguntas paralelas de Zacarias e Maria:

Perguntas-objeções
1,18 1,34
De que forma poderei conhecer isto? Como isso vai acontecer?
eu na verdade, sou velho pois não conheço homem
e minha esposa está na velhice [mais uma vez aqui não se menciona o cônjuge]
Existem duas objeções:
- A velhice não permite mais a procriação de Zacarias.
- O estado de Maria de não "conhecer homem" (no sentido bíblico, sexual do termo) se
opõe ao plano de Deus.
2 - As duas anunciações do Arcanjo
A pergunta de Zacarias, formulada em termos de conhecimento, pode levar a
pensar na dúvida, enquanto Maria limita-se ao como e se pergunta como conciliar o
irreconciliável. Ela especifica a sua posição ambígua como virgem (duas vezes em
1,27), concedida em casamento a um homem, dizendo: não conheço nenhum homem, o
que indica a fase matrimonial em que se encontrava.
Dado o estreito paralelismo das duas objeções, o contraste das duas respostas é
surpreendente:
- Zacarias se vê a provar a sua incredulidade, é punido e calado.
- Maria, em sentido contrário, recebe uma resposta favorável, que é o ápice da
mensagem. O anjo lhe revela que este Filho do Altíssimo (1,32) virá somente de
Deus e especifica o caráter teofânico da vinda. O estado paradoxal de Maria
encontra-se com a ação de Deus:
2 - As duas anunciações do Arcanjo
Resposta do anjo
1,19-20 1,35
Em resposta Em resposta
o anjo lhe disse: o anjo lhe disse:
Eu sou Gabriel e estou perante Deus, fui enviado
a falar com você e trazer-lhe esta boa notícia.
Eis que você ficará mudo e você não poderá mais O Espírito Santo virá sobre você e o poder do Altíssimo te
falar até que venha o dia cobrirá com a sua sombra
em que essas coisas acontecerão, portanto, aquele que nascer será chamado Santo, Filho de Deus
porque não acreditaste [1,45] Bem-aventurada aquela que acreditou,
em minhas palavras porque terão
que se cumprirão (plérothesontai) o seu cumprimento (teleiosis)
a seu tempo as palavras proferidas pelo Senhor
2 - As duas anunciações do Arcanjo
O estreito paralelismo das duas introduções: em resposta o anjo lhe disse, destaca
um contraste surpreendente: Zacarias é castigado; Maria plena da graça. A
diferença não parece depender tanto das nuances sutis de suas objeções, mas sim
do direito de falar, reconhecido a Maria e recusado ao sacerdote.
O ditado paulino: as mulheres nas assembléias estão caladas (1 Cor 14,34) parece
ser derrubado aqui: o sacerdote no santuário está calado. As últimas palavras ditas pelo
anjo a Zacarias encontrarão o seu oposto e paralelo tardio nos lábios de Isabel
em Lc 1,45. Zacarias, que pediu um sinal, recebe apenas o seu castigo, e Maria,
que não o pediu, recebe um sinal: e eis que Isabel, tua parente, também
concebeu um filho em sua velhice, e aquela que era considerada estéril já está no
sexto mês; pois nada é impossível para Deus».
2 - As duas anunciações do Arcanjo
Para Zaccaria o diálogo acabou. Para Maria continua. O paralelismo feito de
um contraste crescente termina em uma conclusão irônica. O sacerdote,
oficiando em sua glória, não pode mais falar e fica reduzido a gestos impotentes,
sobre os quais o texto insiste com pleonasmos, enquanto Maria fala e conclui
com uma admirável resposta de fé:
Conclusão
1,22 1,38
Quando saiu
não pôde falar Maria então disse:
Eles entenderam então que ele tivera uma visão no
santuário.
Ele gesticulou para eles – Eis aqui a serva do Senhor
e ele permaneceu mudo. faça-se em mim segundo aquilo que disseste.
2 - As duas anunciações do Arcanjo
Último contraste: Zacarias se afasta do anjo, e o anjo se afasta de Maria: encontramos o
contraste do início:
Disjunção
1,23 1,38
Após
o período de seu serviço
voltou para sua casa E o anjo se afastou dela.
O anúncio a Zacarias continua com a sua realização (Lc 1, 24-25): «depois
daqueles dias, Isabel, sua mulher, concebeu, mas escondeu-se durante cinco
meses, dizendo: Assim me fez o Senhor nestes dias, nos quais voltou (para mim)
seu olhar para tirar minha vergonha de entre os homens».
2 - As duas anunciações do Arcanjo
Aqui está um contraste final nada é dito sobre a realização a respeito de Maria.
Essa realização, profetizada para o futuro em 1,35, como uma grande teofania, é
objeto de reticências. Em nenhum lugar é especificado que ela concebeu, como se diz de
Isabel. O fato se manifesta apenas por suas consequências no capítulo 2 de Lucas: a
Visitação. Esta multiplica imensuravelmente e liricamente em alegria e ação de graças
por Isabel e, mais ainda, por Maria, cuja vinda provoca esta nova etapa, o que
corresponde à ação de graças discreta e oculta de Isabel.
Em suma, o paralelismo entre os dois anúncios, manifestado por algumas
palavras-chave, limita-se ao quadro que apresentamos. Este serve sobretudo para
destacar um contraste com a glória de Jesus e de sua Mãe. A história, que havia
insistido na unidade do casal Zacarias-Isabel, dissocia inicialmente o casal José-Maria
para manifestar a união de Maria só com Deus, ao longo do texto (1,28.30.31-32.35).
O paralelismo desaparece mais tarde, quando o nascimento, a circuncisão e o
crescimento das duas crianças acentuam o contraste com a glória de Jesus.
3 - De onde surge o arcanjo Gabriel?
É evidente que Lucas 1-2 depende de Daniel 7-9. O nome de Gabriele
seria suficiente para garantir isso. Os dois únicos textos bíblicos, em que este
nome aparece, são Dn 8,16 «e ouvi uma voz humana vinda do meio do Ulai:
“Gabriel” – gritava –, “explica-lhe a visão» e 9,21 «não havia terminado essa
prece, quando se aproximou de mim, em um relance era a hora da oblação da
noite, Gabriel, o ser que eu havia visto antes em visão»: uma das principais
profecias messiânicas do Antigo Testamento, a profecia das 70 semanas.
O fato do mensageiro desta profecia aparecer significa que o Messias está
lá. Esta justaposição entre Lucas 1-2 e Daniel 7-9 é ilustrada por inúmeras
coincidências, que foram especificadas na estrutura e teologia de Lucas:
3 - De onde surge o arcanjo Gabriel?
❖ Em Lc 1,10-11 e em Dn 9, 20-21 Gabriel aparece na oferta da noite.
❖ Em Lc 1,12 e em Dn 10,7 o aparecimento de Gabriel desperta turbamento.
❖ Em Lc 1,13 como em Dn 10,12 Gabriel diz: não tenhas medo.
❖ Em Lc 1,13 como em Dn 9,20 o vidente orou em sua aflição e foi ouvido.
❖ Em Lc 1,19 como em Dn 9,20-21 e 10,11 Gabriel, que está diante de Deus, é enviado
para falar em nome de Deus
❖ Em Lc 1,20.22 como em Dn 10,15 o vidente permanece "mudo".
❖ Lc 1,22 usa o termo visão como Dn 9-10: optasia, termo usado 6 vezes em Dn 9-10,
raro no Novo Testamento: 4 vezes, das quais 3 em Lucas (1,22; 24,23 e Atos 26,19).
❖ Em Lc 1,28 e Dn 9,23 a vidente (no nosso caso Maria) é qualificada como favorita de
Deus, objeto de sua misericórdia para Daniel, de seu favor ou graça para Maria:
noções próximas!
3 - De onde surge o arcanjo Gabriel?
❖ Em Lc 1,29-30 encontramos o temor e o não temor dirigido a Maria, exatamente
como em Dn 10,11-12;
❖ Em Lc 1,35 Cristo é qualificado de santo por excelência e consagrado como tal,
segundo o cumprimento tipológico da lei sublinhada em 2,23, provável eco da unção
do Santo dos Santos segundo Dn 9,24. Além disso, Lc 1,35 parece implicar o sentido
de uma unção real e divina.
Outras abordagens dizem respeito a Maria:
❖ Em Lc 1, 29 ela reflete e tenta compreender, como Daniel em Dn 8,15.
❖ Em Lc 2,50, como em Dn 8,27, cala-se e não compreende.
❖ Em Lc 2,51, como em Dn 7,28, ela guarda essas coisas no coração.
O regresso do arcanjo Gabriel e a realização de sua profecia em anúncio
direto da vinda do Messias comandam toda a dinâmica de Lc 1-2.
4 - O oráculo de Gabriel sobre o nome humano e o nome divino de Cristo
Em Lc 1,32.35 encontramos o anúncio de Gabriel a Maria que atribui dois nomes a
Cristo. Antes de mais nada, o nome humano: você o chamará... Jesus (1,32). Depois o
nome divino: Ele será chamado Santo, Filho de Deus: o contexto (com referência a Ex
40,35) dá a esses dois nomes um significado transcendente. A apresentação é o
cumprimento (cf. 2,21-22.39) deste duplo futuro anunciado pelo anjo Gabriel, enviado
por Deus.
O nome humano de Jesus
1,31.38 2,21
O chamarás (kaleo) foi chamado (kaleo)
com o nome de Jesus com o nome de Jesus (-Salvador)
que pelo anjo lhe fora posto
Conceberás antes de ser concebido
Em teu ventre (en gastri) no seio (en koilia)
4 - O oráculo de Gabriel sobre o nome humano e o nome divino de Cristo
Os contatos dos termos e temas entre o anúncio e o cumprimento são muito
marcantes:
1. A imposição do nome de Jesus, com redundância pleonástica do verbo kaleo
(2,21).
2. A referência ao anjo que o prescreveu.
3. Pleonasmo concebido no seio em 1.31 como em 2.21.
Dizemos pleonasmo, porque conceber (verbo syllambano, o único usado para a
concepção de Isabel em 1,24 e 1,36) era perfeitamente claro por si só. O acréscimo
en koilia (2,21) parece ter a função de atualizar a profecia de Sf 3,20, retomada na
mensagem da anunciação: «você conceberá no seu ventre» (Lc 1,31). Esta expressão
inútil e surpreendente ecoa de forma mais literal e mais material bekirbek (3,15).
Lucas, retomando-o, desenvolve-o usando o termo grego mais óbvio, mais elegante
e mais específico para indicar o seio materno: en koilia.
4 - O oráculo de Gabriel sobre o nome humano e o nome divino de Cristo
Em 2,23 o mesmo verbo kaleo retorna para a atribuição a Cristo do nome de
Santo, igualmente anunciado no futuro pelo anjo, mas realizado (manifestado) no
templo por intermédio da lei. Não devemos esquecer o contexto da shekinah, que
dá seu significado ao nome de Santo em Lc 1,35.
O nome divino de Jesus
1,35 2,23
O Anjo lhe disse O apresentaram (…) para cumprir a lei

Ele será chamado Santo Ele será chamado Santo pelo Senhor
4 - O oráculo de Gabriel sobre o nome humano e o nome divino de Cristo
Essa abordagem parecerá mais tênue, pois se limita a dois termos chamado de Santo.
Mas a retoma de Lc 1,35 é deliberada, porque a tradução óbvia de Êx 13,1, que Lucas
cita, deveria ter sido, segundo o hebraico como segundo o grego: «consagra
(santifica-me) todo homem que abrir a matriz (de sua mãe) entre os filhos de Israel
(Ex 13,1).
Lucas transpõe a expressão de Ex 13,1: «será consagrado» em «será chamado
santo». Esta tradução tem evidentemente o propósito de conformar o texto do Antigo
Testamento com as palavras de Gabriel em Lc 1,35 para qualificar Cristo com um
nome divino. A progressão de Lc 2,21-24 está portanto aqui: no oitavo dia Cristo
recebe o nome de Jesus (isto é Salvador, cf. 2,11), prescrito pelo anjo, e o nome
transcendente de Santo: designação específica de Deus no Antigo Testamento. Isso se
manifesta tipicamente pela observância da lei (Ex 13,l).
4 - O oráculo de Gabriel sobre o nome humano e o nome divino de Cristo
Este duplo nome não deriva apenas do oráculo de Gabriel, mas também de um
primeiro cumprimento contido no oráculo dos anjos do Natal (2,11): «nasceu um
Salvador - tradução do nome humano de Jesus-, quem é Cristo o Senhor - este
segundo termo tem um significado transcendente no contexto.
Segundo Lucas, esses dois oráculos encontram o seu cumprimento nos dois
ritos da circuncisão (2,21), em que a criança recebe o seu nome, e no templo, ao
final das 70 semanas, em que a lei do Senhor tipologicamente atesta que essa
criança é o Senhor do templo em que entra. Neste caso o templo é qualificado por
sua vinda mais do que ele é qualificado pelo templo.
Portanto a apresentação de Jesus no templo significa o cumprimento do oráculo
de Gabriel no qual Jesus é qualificado com o duplo nome anunciado: nome
humano de Jesus (1,32; 2,21) e nome transcendente de Santo (1,35; 2,23).
GRATO PELA VOSSA ATENÇÃO
TEMPO PARA AS PERGUNTAS
PODEM LIGAR OS MICROS

Você também pode gostar