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DIDÁTICA

Fabiola dos Santos Kucybala


A escola como promotora
da educação para
e na cidadania
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Reconhecer a função social da escola.


„„ Analisar a importância da educação para a cidadania.
„„ Construir estratégias que promovam relações de cooperação entre
a escola, a família e a comunidade.

Introdução
A escola como promotora da educação para e na cidadania é aquela
que se preocupa com uma proposta de ensino que constitui o sujeito
cidadão como um ser crítico, questionador, reflexivo e atuante na socie-
dade. Possibilitam-se assim aprendizagens que vão além do currículo
fragmentado, pautando-se na gestão democrática, na autonomia e na
criticidade.
Neste capítulo, você vai estudar sobre a função social da escola e
compreender quais os aspectos e as perspectivas que são necessários
para uma educação para e na cidadania. Além disso, vai conhecer es-
tratégias que possibilitam relações de cooperação entre escola, família
e comunidade.

A função social da escola


A educação está presente em cada momento de nossas vidas. Ela é construída
em todos os lugares em que estamos inseridos e é fundamental para vivermos
e convivermos em sociedade. No decorrer do tempo, a educação passou por
relevantes modificações, entre elas o aprimoramento de novas maneiras de
2 A escola como promotora da educação para e na cidadania

pensamento sobre o saber e o processo pedagógico. Essas mudanças têm se


refletido principalmente nas ações dos alunos no contexto escolar, no com-
prometimento do processo de ensino-aprendizagem e nos diferentes papéis
sociais que a escola exerce. De acordo com Rodrigues (2007, p. 9):

A educação é o elemento da vida social responsável pela organização da


experiência dos indivíduos na vida cotidiana, pelo desenvolvimento de sua
personalidade e pela garantia da sobrevivência e do funcionamento das pró-
prias coletividades humanas.

Diante de tal perspectiva, é importante fazer uma breve retomada histórica


acerca da função social da escola, levando em consideração os elementos
da sociologia da educação ao abordar algumas ideias de Émile Durkheim,
Karl Heinrich Marx e Max Weber. Para embasar as diferentes concepções
de sociedade e como a educação é fundamentada por cada pensador, serão
apresentadas as ideias de Alberto Tosi Rodrigues (2007), em seu livro Socio-
logia da Educação.
Iniciamos pela visão do sociólogo francês Émile Durkheim (1858–1917),
que traz contribuições importantes ao processo educacional. Ele afirma que
a vida se dá no meio moral, ou seja, é conforme as suas classes, seus grupos,
suas profissões que a pessoa se torna membro da sociedade e aprende o seu
lugar nela. Rodrigues (2007, p.27) define que a educação para Durkheim é
“[...] o processo pelo qual aprendemos a ser membros da sociedade. Educação
é socialização”.
Pensando na socialização enquanto consciência coletiva e processo social,
é possível afirmar, de acordo com Rodrigues (2007, p. 28), que “[...] aprender a
ser membro da sociedade é aprender o seu devido lugar nela”. Nesse sentido,
o homem faz a sociedade ao mesmo tempo em que a sociedade faz o homem,
visto que esta é vista como um todo que antepõe as partes, e as manifestações
coletivas sobrepõem-se às individuais. Segundo a visão de Durkheim, por
meio da educação, é possível conviver em sociedade para agregar as regras
e os costumes essenciais à vida coletiva — o que torna as pessoas iguais e
diferentes ao mesmo tempo.
Durkheim não desenvolveu nenhum método pedagógico, mas as suas
ideias contribuíram para tirar a educação da concepção individualista, pois,
de acordo com ele, a ação educativa visava desenvolver o indivíduo para se
tornar parte do espaço público. Contudo, conforme destaca Ferrari (2008a,
documento on-line), a ação educativa, na visão de Durkheim, funcionava de
forma normativa: a criança estava pronta para assimilar os conhecimentos à
A escola como promotora da educação para e na cidadania 3

medida que o professor dominava as circunstâncias. Tratava-se de um exercício


em que a criança deveria reconhecer a autoridade do educador, como uma
obediência consentida, trazendo consigo apenas a sua natureza de indivíduo. Na
visão de Bourdieu, Rodrigues (2007) diz que a ação pedagógica de Durkheim
é uma violência simbólica, pois impõe um poder arbitrário que é imposto a
toda a sociedade por meio do sistema de ensino.
A partir da segunda metade do século XIX, Karl Heinrich Marx (1818–1883),
filósofo e pensador alemão, aparece como um pesquisador cujo objeto funda-
mental de pesquisa é a sociedade capitalista. Rodrigues (2007) cita que, para
Marx, o que move a sociedade é a luta entre as classes. O domínio das forças
produtivas torna-se influente na divisão social do trabalho e, consequentemente,
nas relações sociais de produção e na formação das classes sociais, sendo um
processo constante de mudança.
Ferrari (2008b, documento on-line) destaca que o marxismo prevê que o
proletariado (que vende a sua força de trabalho) se libertará dos vínculos com
as forças opressoras e, assim, dará origem a uma nova sociedade. Na pers-
pectiva da educação, ainda de acordo com Rodrigues (2007), a preocupação
era que ela rompesse a alienação do trabalho e conduzisse de maneira efetiva
à emancipação como ser humano. Outra característica é que Marx defendia
um ensino público e igual para todos, excluindo o ensino tendencioso e o
atrelamento à política de Estado. Ferrari (2008b, documento on-line) destaca
que a função social da educação, para Marx, era combater a alienação e a
desumanização; ele entendia que a educação deveria ser ao mesmo tempo in-
telectual, física e técnica.
Rodrigues (2007) complementa fazendo uma relação entre as sociologias
de Durkheim e Marx. Segundo ele, para Durkheim “[...] a educação é o me-
canismo pelo o qual o indivíduo torna-se membro da sociedade, se socializa”
(RODRIGUES, 2007, p. 51). Para Marx, por sua vez, “[...] ela é um mecanismo
que, conforme seu conteúdo de classe, pode ser utilizado para oprimir ou para
emancipar o homem” (RODRIGUES, 2007, p. 51). Já a sociologia do alemão
Max Weber (1864–1920) defende a ideia de que a sociedade não seria só uma
“coisa exterior e coercitiva” (RODRIGUES, 2007, p. 51) que determinaria o
comportamento dos indivíduos, e sim o resultado de uma “nuvem de interações
interindividuais” (RODRIGUES, 2007, p. 51). Nas palavras de Rodrigues
(2007, p. 52), “[...] a sociologia weberiana reside no conceito de ação social e
no postulado de que a sociologia é uma ciência compreensiva”.
Essa ação social implica agir em sociedade, o que, para Rodrigues (2007),
envolve algum grau de racionalidade ou irracionalidade por parte de quem
age. Essa racionalidade está referida aos outros indivíduos que os cercam,
4 A escola como promotora da educação para e na cidadania

num estudo baseado na interação: o sujeito, no momento de agir, leva em


consideração o comportamento dos outros.
Nesse sentido, ao fazer essa breve retomada histórica acerca das concepções
de alguns pensadores e das funções sociais da escola, é possível afirmar que
a educação enfrenta a difícil tarefa de acompanhar as mudanças postas pela
sociedade e de aproximá-las ao cotidiano dos alunos, a fim de prepará-los
para desenvolver competências que favoreçam a capacidade de gerenciar
conflitos, de agir com autonomia e de interagir com as pessoas e o meio de
forma espontânea e crítica. O relatório apresentado à Unesco (DELORS, 1999),
o qual destaca os quatro pilares da educação, propõe aspectos importantes a
esse respeito. Esses pilares são ao mesmo tempo pilares do conhecimento e da
formação continuada, que podem servir como bússola para orientar o futuro
da educação. Segundo Delors (1999, p. 89):

Para poder dar resposta ao conjunto das suas missões, a educação deve
organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo
de toda a vida, serão de algum modo para cada indivíduo, os pilares do
conhecimento: aprender a conhecer, isto é adquirir os instrumentos da
compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente;
aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em
todas as atividades humanas; finalmente aprender a ser, via essencial que
integra as três precedentes.

Para isso, faz-se necessária uma nova reflexão no processo educativo


e no momento atual da educação, como forma de buscar novos avanços
didáticos e metodológicos de promoção do processo de ensino-aprendi-
zagem, por meio de um enfoque motivador, problematizador e instigador,
de maneira que proporcione a formação de cidadãos críticos, conscientes
e empáticos para a sociedade. Além disso, a escola deve possibilitar o
desenvolvimento do pensamento reflexivo, que, segundo Alarcão (1996),
contribui decisivamente para a promoção do progresso, combinando a
capacidade de questionar com atitudes de espírito aberto. A partir desse
ensino reflexivo, é possível propiciar caminhos para que o aluno busque
conhecimentos que vão além daqueles propostos pelos conteúdos, de forma
que haja uma mudança de paradigmas e uma implementação de ações que
envolvam e insiram os sujeitos nas transformações postas pela sociedade.
Escosteguy (2017, p. 139) destaca:

Em meio a essa crise de identidade e função social da escola, começam a


surgir novas reflexões e concepções de educação que devolvem à escola o
A escola como promotora da educação para e na cidadania 5

seu papel de espaço educativo e de transformação social, visando recuperar


os laços entre educação escolar significativa e a prática social, conciliando
aprendizagem escolar com uma formação mais integral.

É preciso enxergar a escola como um lugar repleto de diversidades, onde


todos são aprendizes e refletem constantemente sobre os seus afazeres. Tanto
alunos quanto professores necessitam de espaços de diálogo e conhecimento
que contribuam para a formação desses sujeitos. Nesse sentido, a escola deve
ser um espaço propício para a construção de uma sociedade democrática,
voltada para a formação da cidadania e consciência crítica, que combata
todas as formas de exclusão social e que entenda o aluno como ser integral
e pleno. Gadotti (2000, p. 7, documento on-line) complementa dizendo que
educação deve estar mais voltada para a “[...] transformação social do que
para a transmissão cultural”.
Diante de tanta complexidade que o mundo moderno proporciona, cabe
à escola contribuir para que o sujeito contemporâneo busque as informações
necessárias para o seu aperfeiçoamento e crescimento intelectual. Da mesma
forma, ele deverá saber selecionar essas informações, analisar as possibili-
dades e adotar uma postura crítica e criativa, de modo a posicionar-se frente
a qualquer escolha que venha a fazer.
Com isso, a escola vai deixando de ser meramente conteudista para as-
sumir uma postura crítica e reflexiva, unindo a teoria e a prática para o en-
riquecimento do fazer diário e para o direcionamento de novas formas de
pensar. O sujeito, nesse contexto, conscientiza-se sobre o papel que exerce,
problematizando a prática, organizando situações e mediando os processos.
A partir da construção dessa escola, é possível pautar as ações cotidianas em
práticas inclusivas, democráticas, atuantes e críticas, a fim de problematizar
e contextualizar a realidade em que se está inserido, voltando-se para um
ambiente propício à reflexão e à aprendizagem.
Pode-se afirmar que a escola, além de ser um espaço onde se ensinam
as disciplinas propostas pelo currículo, deve estar aberta às demandas
sociais presentes em sua realidade, contribuindo para enraizar o espírito
de coletividade, reflexão, autonomia e autodesenvolvimento nos seus edu-
cadores. Nesse sentido, tem a tarefa de investir na formação do grupo de
trabalho e prepará-lo para enfrentar as demandas existentes no cotidiano
da sala de aula. À medida que os saberes e as experiências são valorizados,
a escola constrói uma relação aberta, dinâmica e processual, estabelecendo
novas experiências pautadas no diálogo, na escuta e nas possibilidades de
transformações.
6 A escola como promotora da educação para e na cidadania

Contudo, para que todo esse trabalho seja significativo, é preciso que
haja, por parte dos profissionais da educação, uma constante reflexão sobre
a prática. Alarcão (1996) destaca que a reflexão-ação torna a prática peda-
gógica mais adequada aos objetivos visados e ao contexto social. Gadotti
(2000, documento on-line) complementa dizendo que a pedagogia da práxis
é uma pedagogia transformadora, pois oferece um referencial seguro nesse
momento de perplexidade. Freire (1996, p. 42) acrescenta que “[...] a prática
docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico,
dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer”.
Portanto, é possível afirmar que, ao longo da história, a educação — a
escola, mais especificamente — assumiu e exerceu diferentes papéis na
busca pela qualidade do processo de ensino-aprendizagem. Atualmente,
diante de tantas demandas que ultrapassam os conhecimentos formais, a
escola precisou rever a sua atuação, pautando as suas ações em práticas mais
humanizadoras, sociais, reflexivas, conscientes e democráticas. O ensino e
o trabalho, seguindo esse mesmo viés, também se modificaram, passando
a assumir um caráter mais participativo, desafiador e problematizador,
de maneira a valorizar as descobertas, a curiosidade, os questionamentos
e as opiniões dos envolvidos nesse processo. Para que todo esse trabalho
seja efetivamente concretizado, é preciso que ele esteja voltado à realidade
de cada escola e às suas particularidades, para que se criem estratégias
de aprendizagem que visem à formação da cidadania, à inserção em uma
sociedade democrática e à vivência de valores inerentes ao convívio social,
expandindo-se para além da instituição escolar.

Educação para e na cidadania


A educação se transforma a todo momento e, com isso, os seus papéis, as suas
funções e atribuições também vão se aprimorando. Abrem-se espaços para
preocupações relacionadas ao desenvolvimento de alunos críticos, reflexivos,
questionadores, curiosos e que busquem fazer a diferença na sociedade em
que estão inseridos. A partir do processo de redemocratização do país e das
discussões acerca da ação educativa, surge a importância de se pensar em
uma proposta de educação voltada para a cidadania, proporcionando um
ensino que contemple todos os indivíduos numa perspectiva de formação
da cultura cidadã.
A escola como promotora da educação para e na cidadania 7

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), em


seu Artigo 2º (BRASIL, 1996, documento on-line), dispõe que entre algu-
mas finalidades da educação está o preparo para o exercício da cidadania.
A partir de alguns pressupostos que alicerçam a relação entre educação e
cidadania, é possível criar espaços de debate que ampliem essas discussões
para além dos conteúdos mínimos exigidos. No entanto, antes de aprofundar
tal temática, é importante conhecer o significado dessa expressão. Recorrendo
ao dicionário Aurélio (FERREIRA, 2010), cidadania é a “[...] condição de
quem possui direitos civis, políticos e sociais, que garante a participação
na vida política” ou ainda o “[...] exercício dos direitos e deveres inerentes
às responsabilidades de um cidadão”. Gadotti (2016a, p. 10, documento
on-line) complementa dizendo que cidadania “[...] é essencialmente cons­
ciência de direitos e de deveres e exercício da democracia”. Ampliando essa
discussão para o âmbito das escolas, é possível afirmar que a relação entre
educação e cidadania poderá ser discutida e efetivada a partir de temáticas
que tratam sobre questões presentes na vida cotidiana e que estão voltadas
para a compreensão e construção da realidade social na qual os indivíduos
estão inseridos.
Atualmente, tem-se a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), do-
cumento criado de forma articulada e integrada, que contou com a partici-
pação de profissionais do ensino e da sociedade civil. Esse documento visa
definir:

[...] o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos


os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação
Básica, de modo a que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e
desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional
de Educação (PNE) (BRASIL, 2018, p. 7).

Segundo a BNCC (BRASIL, 2018), o seu principal objetivo é promover o


desenvolvimento integral dos estudantes em suas dimensões cognitiva, social,
emocional, cultural e física. Para isso, estabelece 10 competências gerais,
que se inter-relacionam nas três etapas da educação básica e articulam-se
na construção dos conhecimentos, no desenvolvimento de habilidades e na
formação de atitudes e valores, propostos pela Lei de Diretrizes e Bases
(BRASIL, 1996, documento on-line). Na Figura 1, estão descritas essas 10
competências gerais.
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A escola como promotora da educação para e na cidadania

Figura 1. Competências gerais da Base Nacional Comum Curricular.


Fonte: Bozza (2018, documento on-line).
A escola como promotora da educação para e na cidadania 9

Ao observar as competências propostas pela Base Nacional Comum Curri-


cular e relacioná-las à educação para e na cidadania, algumas questões impor-
tantes podem ser levantadas, principalmente no que diz respeito à educação
integral. Segundo o documento da Base (BRASIL, 2018, p. 14), isso significa:

[...] assumir uma visão plural, singular e integral da criança, do adolescente,


do jovem e do adulto — considerando-os como sujeitos de aprendizagem —
e promover uma educação voltada ao seu acolhimento, reconhecimento e
desenvolvimento pleno, nas suas singularidades e diversidades.

Nesse sentido, a escola como espaço propício de aprendizagem e diversidade


contribui para alicerçar a educação de valores, competências e habilidades que
auxiliem o estudante a refletir, participar, analisar criticamente a realidade
em que está inserido e buscar soluções para resolver os problemas existentes,
numa perspectiva cidadã e autônoma.
Partindo do pressuposto de que a cidadania deve estar presente e incluída
nas propostas e nas discussões escolares atuais, é importante pensar em alguns
aspectos e perspectivas de ensino e aprendizagem que organizam e legitimam
a construção de uma escola que esteja preocupada com a educação para e na
cidadania. Pensando nisso, Gadotti (2016a, p. 11, documento on-line) diz que
educar para a cidadania é “[...] educar para um outro mundo possível”. Ele ainda
complementa que esse educar pode acontecer tanto formal, quanto informalmente:

[...] um espaço de formação crítica e não apenas de formação de mão-de-


-obra para o mercado; é inventar novos espaços de formação alternativos
ao sistema formal de educação; é educar para mudar radicalmente nossa
maneira de reproduzir nossa existência no planeta. Não se pode mudar o
mundo sem mudar as pessoas: são processos interligados (GADOTTI, 2016a,
p. 11, documento on-line).

Desse modo, a escola tem uma função ainda mais ampla: se a educação para
a cidadania acontece também fora dos espaços formais, cabe às instituições de
ensino vincular e adequar essas temáticas ao currículo proposto, integrando
saberes, problematizando situações cotidianas e levantando diferentes hipóteses
acerca da realidade vivenciada, com vistas à criação de novas relações de
convívio social e novos espaços de discussões, e ao estímulo do pensamento
crítico e questionador.
Considerando tais apontamentos, alguns conceitos surgem para definir
a importância de uma educação para e na cidadania. Entre eles, o da escola
cidadã — utilizado por Paulo Freire (1996) — luta pela superação das desi-
gualdades, visando o direito à educação.
10 A escola como promotora da educação para e na cidadania

Segundo Gadotti (2016b, documento on-line), inicialmente chamada de es-


cola pública popular, ela formava para a inclusão e a cidadania, caracterizando-
-se pela democratização da educação em termos de acesso e permanência, e
por uma concepção interdisciplinar do currículo e da avaliação. Por volta do
final da década de 1980, surgia o conceito de escola cidadã como uma escola
que forma para e pela cidadania.
O mesmo autor, em seu artigo A escola na cidade que educa, faz uma
relação entre a escola cidadã e o termo “cidade educadora”, afirmando que
deve haver um diálogo entre escola e cidade, de forma a garantir a integração
entre ambas e a participação enquanto transformação social. Gadotti (2006,
p. 135, documento on-line) complementa: “Não se pode falar de Escola Ci-
dadã sem compreendê-la como escola participativa, escola apropriada pela
população como parte da apropriação da cidade a que pertence”.
No entanto, é importante ressaltar que cada escola possui uma realidade,
um tipo de clientela e demandas que norteiam e embasam o fazer pedagógico.
Para ser uma escola cidadã que educa para e na cidadania, é necessário criar
condições que façam com que os indivíduos tenham voz ativa na transformação
da sociedade e na luta pela conquista de novos direitos, por meio de uma gestão
democrática e do fortalecimento de conselhos participativos.
Sem dúvida essa não é uma tarefa simples, mas cabe às escolas promover
espaços de diálogo e participação que aproximem o currículo às questões da
sociedade, a fim de possibilitar, por meio da educação para e na cidadania,
a consciência dos direitos e deveres dos cidadãos. Ampliam-se assim as dis-
cussões e fortalece-se o processo de democratização do ensino, por meio de
práticas voltadas à formação integral do sujeito.

Estratégias que promovem relações de


cooperação entre a escola, a família e a
comunidade
Na sociedade atual, existem dois pilares que são fundamentais para o desen-
volvimento dos sujeitos: a família, que é a instituição responsável por fornecer
as bases para a proteção e o bem-estar da criança, de maneira que esta tenha
os seus primeiros contatos de interação para a construção de sua identidade;
e a escola, que é onde se garante o direito à educação numa perspectiva de
promoção do desenvolvimento integral dos indivíduos, sendo uma extensão
da família para a garantia das interações sociais entre outros sujeitos. Segundo
A escola como promotora da educação para e na cidadania 11

Perrenoud (1995, p. 90), esses dois pilares — família e escola — são “[...] duas
instituições condenadas a cooperar numa sociedade escolarizada”.
Partindo desse preceito, é importante levantar algumas questões pertinentes
sobre a importância de essas duas instituições caminharem em paralelo, quando
o assunto é uma educação de qualidade. Porém, embora haja a necessidade
de se estabelecer uma parceria entre escola e família, ainda são muitos os
embates, as tensões e ambiguidades que permeiam essa relação.
Entretanto, antes de descrever como essas relações devem ser promovidas,
é importante apresentar o que diz a legislação sobre esse fazer conjunto entre
escola e família. A Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996, documento on-
-line), em seu Artigo 12, dispõe sobre as incumbências dos estabelecimentos de
ensino. Entre elas, destaca-se a apresentada no inciso VI, que diz que é tarefa
das instituições “[...] articular-se com as famílias e a comunidade, criando
processos de integração da sociedade com a escola”.
A escola, inserida em uma realidade específica, com sujeitos pertencentes
a esse contexto social, tem como tarefa estabelecer relações de cooperação,
interação e trabalho conjunto, promovendo ações que estejam voltadas à sua
própria comunidade. Esse trabalho pode ser promovido por meio de processos
democráticos de gestão educacional.
A gestão democrática enquanto ação conjunta deve fazer parte da rotina
escolar como um todo. Para que ela realmente aconteça de maneira eficaz,
é necessário que todos os envolvidos participem, argumentem, questionem,
sugiram e principalmente possibilitem o diálogo. Desse modo, a equipe gestora
deve executar, organizar, avaliar as ações e integrar os diferentes componentes do
segmento escolar, de forma que o grupo tenha maior autonomia para enfrentar as
mudanças com clareza, cooperação, interesse, confiança e participação de todos.
Lück (2012) destaca que entre alguns mecanismos de construção da au-
tonomia da gestão democrática está a formação de órgãos colegiados, que se
constituem por meio de Conselhos Escolares, Associação de Pais e Mestres,
Colegiados Escolares, entre outros. A autora ressalta que a criação de órgãos
colegiados tem como objetivo auxiliar na tomada de decisão, visando ajudar o
estabelecimento de ensino em todos os seus aspectos, por meio da participação
de pais, professores e funcionários.
Desse modo, uma das formas de aproximar as famílias das instituições de
ensino é a criação de tais órgãos. Para Lück (2012, p. 66),

[...] seu significado está centrado na maior participação dos pais na vida
escolar, como condição fundamental para que a escola esteja integrada na
comunidade, assim como a comunidade nela, que se constitui na base para a
maior qualidade do ensino.
12 A escola como promotora da educação para e na cidadania

Além disso, outra forma de promover a integração entre família, escola e


comunidade é com a participação na elaboração do Projeto Político-Pedagógico
(PPP). Esse projeto surge como uma prática vivenciada, que perpassa o co-
tidiano da escola e abre espaços nos quais todos os segmentos escolares têm
papel fundamental no processo decisório. Nele, as pessoas podem expressar
suas opiniões, manifestar seus pensamentos e deixar aflorar o que têm de
mais profundo, original e criador. Por meio dele, possibilitam-se a abertura às
opiniões, a tomada de decisão, a clareza de objetivos e metas e a construção de
um ambiente acolhedor, participativo, democrático e decisório. Gurgel (2009,
p. 3, documento on-line) destaca: “[...] é importante que o projeto preveja
aspectos relativos aos valores que se deseja instituir na escola, ao currículo e
à organização, relacionando o que se propõe na teoria com a forma de fazê-lo
na prática”.
A sua construção, nesse sentido, deve partir da realidade em que a escola
está inserida e levar em consideração questões como o que se deseja alcançar,
o que falta para que seja alcançado e o que será feito na prática para imple-
mentar tal ação. Assim, o seu processo é caracterizado por discussões, ações
e tomada de consciência. Guareschi (2006, p. 6) destaca:

[...] a construção e a implementação de um projeto político-pedagógico é a


prática corajosa de toda escola ou instituição que quer ser libertadora, crítica,
cidadã, participativa. É através dessa prática que novos(as) cidadãos(ãs) podem
surgir, na tentativa de construção de uma sociedade mais justa, democrática,
solidária e participativa.

A participação dos membros da comunidade na construção do projeto da


escola vai seguramente levá-la ao sucesso, porque, desenvolvido dessa forma,
permite que as pessoas ressignifiquem as suas experiências, reflitam sobre
as suas práticas, resgatem, reafirmem e atualizem os seus valores na troca
com valores de outras pessoas, reafirmem as suas identidades, estabeleçam
novas relações de convivência e indiquem um horizonte de novos caminhos,
possibilidades e propostas de ação. Esse movimento visa à promoção da
transformação necessária e desejada pelo coletivo escolar e comunitário.
Como afirma Vasconcellos (2006, p. 173), “[...] o processo de planejamento
participativo abre possibilidade de um maior fluxo de desejos, de esperanças e,
portanto, de forças para a tão difícil tarefa de construção de uma nova prática”.
É de extrema importância que a escola tenha autonomia para construir um
projeto voltado para sua proposta pedagógica, bem como a realidade em que
está inserida. É lançando mão do Projeto Político-Pedagógico que a escola
A escola como promotora da educação para e na cidadania 13

constrói a sua identidade e utiliza ferramentas que possibilitem o diálogo, a


reflexão coletiva e organização do trabalho pedagógico.
Nesse sentido, Veiga (1995, p. 14) destaca:

[...] a principal possibilidade de construção do projeto político-pedagógico


passa pela relativa autonomia da escola, de sua capacidade de delinear sua
própria identidade. Isto significa resgatar a escola como espaço público, lugar
de debate, do diálogo, fundado na reflexão coletiva.

Cabe destacar que o processo de autonomia desenvolvido pelo PPP perpassa


todos os espaços escolares, entre eles o da sala de aula. É na relação estabelecida
entre equipe docente, discente e comunidade que laços serão construídos e
novas possibilidades poderão ser criadas, com vistas à qualificação do processo
de ensino-aprendizagem.
Segundo Lück (2012), outra forma de promover a participação da família
e da comunidade é por meio do envolvimento na realização de atividades
pedagógicas, nas trocas de experiências sobre a educação dos filhos, em
círculos de pais, ações de parcerias e trabalhos voluntários e de promoção,
na aproximação entre escola e comunidade.

Heloísa Lück (2012), em seu livro Concepções e Processos Democráticos de Gestão Educacio-
nal, apresenta quadros que registram alguns objetivos propostos por pais e professores
de escolas municipais de Pinhais, no estado do Paraná, para orientar o trabalho dos
membros do Conselho Escolar. Entre eles estão algumas ações de envolvimento dos
pais e da comunidade na escola (LÜCK, 2012, p. 68):
„„ garantir livre acesso da comunidade à escola, a partir da criação de espaços de
atuação e participação;
„„ promover melhor convívio entre escola e comunidade;
„„ mobilizar a comunidade para participar de um movimento pela melhoria da qua-
lidade do ensino e da aprendizagem dos seus alunos, conscientizando-a da im-
portância efetiva de sua participação na escola;
„„ promover a boa relação entre funcionários e comunidade;
„„ promover a integração entre escolas, realizando atividades de intercâmbio, como
campeonatos e atividades diversas;
„„ unir o grupo da terceira idade com as crianças para resgate de artesanato, histórias
locais e experiências de vida, entre outras atividades;
„„ abrir a escola para a comunidade, tornando-a um centro de integração comunitária;
14 A escola como promotora da educação para e na cidadania

„„ criar clubes de mães para que participem de projetos como trabalhos manuais,
pintura, confecção de cestos de jornais, bordados, etc.;
„„ integrar as mães à escola por meio de atividades diversas;
„„ promover atividades em que mães atuem junto com alunos em sala de aula, para
esclarecer questões sobre drogas, sexualidade, saúde, etc.;
„„ ampliar a visão dos pais em geral quanto à importância da sua participação junto
a escola;
„„ mostrar aos pais a importância do órgão colegiado escolar como representante
geral de toda a comunidade;
„„ apresentar o Conselho para todos os outros pais em reuniões específicas;
„„ conscientizar os pais da importância de estarem presentes na vida escolar de
seus filhos;
„„ parabenizar os pais pelas realizações de seus filhos;
„„ analisar com os pais o uso do uniforme, a sua importância e as condições que ele
oferece na educação de seus filhos.

Finalmente, também é muito importante que se construam redes escolares


e se estabeleçam parcerias, diálogos e trocas de saberes e experiências com os
demais. Esse estabelecimento proporciona uma mudança de realidade, pois
permite rever conceitos, a fim de qualificá-los. Para isso, as escolas precisam
buscar uma identidade em comum, unir esforços e socializar ações compar-
tilhadas por todos. Lück (2000) afirma que atuar em rede é admitir que, em
conjunto, é possível construir muito mais e melhor do que isoladamente, e que
é por meio da combinação de talentos e energia que será cultivado o espírito
de colaboração e interação. A troca e a reciprocidade são elementos essenciais
para a necessária formação de sinergia que transforma organizações e lhes dá
vitalidade. Desse modo, é possível afirmar que a relação colaborativa entre
escola, família e comunidade constitui um fator fundamental para o desenvol-
vimento das crianças, visto que favorece a reflexão dos processos pedagógicos
e possibilita um maior envolvimento entre os diferentes segmentos.
A escola como promotora da educação para e na cidadania 15

ALARCÃO, M. I. (Org.). Formação reflexiva de professores: estratégias de supervisão.


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