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UFMS/Campo Grande-MS

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2ª Edição - Campo Grande/MS - Brasil - 2023
Copyright © by Fernanda Malinosky Coelho da Rosa
Luciene Cléa da Silva
Milene Bartolomei Silva
Myrna Wolff Brachmann dos Santos (orgs.)
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Rosa, Fernanda Malinosky Coelho da


Silva, Luciene Cléa da
Silva, Milene Bartolomei
Santos, Myrna Wolff Brachmann dos
Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de
educandos com deficiências / Fernanda Malinosky Coelho da Rosa, Luciene
Cléa da Silva, Milene Bartolomei Silva e Myrna Wolff Brachmann dos Santos
– Campo Grande, MS: Life Editora, 2023.
190p. : il. : 23 cm
DOI: 10.5281/ZENODO.8079988
ISBN 978-65-5887-354-9
1. Atendimento educacional 2. Educação infantil I. Título
CDD - 370

Proibida a reprodução total ou parcial, sejam quais forem os meios


ou sistemas, sem prévia autorização dos autores.
Sumário

Apresentação.....................................................................................07

Capítulo 1
Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação
Infantil de Educandos com Deficiência: possibilitando a formação
continuada........................................................................................20
Fernanda Malinosky Coelho da Rosa, Luciene Cléa da Silva, Milene
Bartolomei Silva, Myrna Wolff Brachmann dos Santos

Capítulo 2
Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil a
Educandos com Deficiência Visual..................................................36
Flora Duarte Stron, Joyce Braga

Capítulo 3
O Atendimento Educacional Especializado para estudantes com de-
ficiência visual na pandemia de Covid-19........................................54
Celi Corrêa Neres, Marcelo Brito dos Santos

Capítulo 4
Surdez: deficiência, sujeitos e educação...........................................71
Karine Albuquerque de Negreiros, Shirley Vilhalva

Capítulo 5
Mitos sobre altas habilidades/superdotação na Educação Infantil:
pontos e contrapontos na perspectiva docente.................................84
Jeanny Monteiro Urquiza, Bárbara Amaral Martins

Capítulo 6
Inclusão de crianças com Transtornos Globais do Desenvolvimento
na Educação Infantil: processos educacionais possíveis.................109
Mirella Villa A. Tucunduva

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 5


Capítulo 7
Crianças com Transtorno do Espectro Autista na Educação Infantil:
considerações sobre a inclusão na escola comum...........................123
Daniela Cristina Barros de Souza Marcato

Capítulo 8
Educação Matemática Inclusiva: considerações acerca do aluno com
deficiência intelectual.....................................................................139
Fernanda Malinosky Coelho da Rosa, Fernanda Oscar Dourado Valentim

Capítulo 9
Publicações sobre pessoa com deficiência e Educação Infantil na Re-
vista de Educação Especial da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM) (2000-2020).......................................................................158
Dulcinéia de Figueiredo Aivi, Carina Elisabeth Maciel

Capítulo 10
Educação inclusiva e redes de apoio: a instituição educativa como
lócus de cuidado em saúde.............................................................180
Camila Bartolomei Silva

6 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


Apresentação

O Curso de Aperfeiçoamento “Serviço de Atendimento Educa-


cional Especializado em Educação Infantil de Educandos com Defi-
ciência”, oferecido pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul,
já em sua segunda edição, deu origem a esse material aqui apresentado.
Buscamos nesta 2ª edição, desenvolver um trabalho coletivo. Ar-
tigos desenvolvidos por professores da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul que atuaram no curso e professores convidados produ-
ziram reflexões provocadas pelo curso, e que aqui se apresentam em
forma de um material rico para a reflexão de estudantes, professores,
profissionais da educação e interessados nas discussões relacionadas à
elementos que permeiam a Educação Especial, a Educação Infantil e o
Serviço de Atendimento Educacional Especializado.
Este projeto resultou de uma parceria entre a UFMS e a Diretoria
de Políticas da Educação Especial do Ministério da Educação em arti-
culação com as Instituições Públicas de Ensino Superior e Secretarias
Municipais de Educação, no âmbito da Política Nacional de Formação
de Professores para a Educação Especial.
Ao longo dos anos, ocorreram avanços nas políticas públicas e
nas pesquisas relacionadas aos processos de inclusão escolar das pessoas
com deficiência. E no que se refere à efetivação da inclusão escolar e
ao sucesso dos processos de ensino e de aprendizagem de alunos com
deficiência, as formações de professores/as têm ocupado espaço central
no delineamento de leis educacionais. Pesquisadores/as e professores/
as, em âmbito mundial e nacional têm buscado caminhos para (trans)
formar as práticas docentes e para a construir a identidade profissional,
como uma das estratégias para a consolidação de práticas educativas
de qualidade, nas quais o/a professor/a seja reconhecido como produ-
tor/a de saberes, sendo capaz de intervir, decidir sobre a construção de
sua formação e a transformação da realidade educacional em que atua.

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 7


No conjunto das atuais políticas públicas brasileiras, atendendo ao que
dispõe a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB1 e os
Planos Nacionais de Educação - PNE2 publicados até a presente data, o
governo federal propôs a criação de programas para a formação inicial e
continuada, articulados entre as instituições públicas de ensino superior
e os sistemas estaduais e municipais de ensino, visando elevar o padrão
mínimo de qualidade educacional.
Nessa perspectiva, coube às universidades, incentivadas pelo Mi-
nistério da Educação (MEC), o desenvolvimento de programas e cur-
sos de formação continuada para profissionais que atuam em diferentes
áreas, devendo apresentar conteúdos diversificados, elaboração de mate-
riais impressos e eletrônicos para a formação permanente e o aprimora-
mento de práticas educativas (livros, softwares, vídeos etc.), viabilizados
por meio da associação com instituições de ensino superior, escolas e
sistemas de ensino (Secretarias de Educação) para oferta de variados
programas.
Este curso de aperfeiçoamento, de onde se origina este conjun-
to de reflexões, ofereceu 500 (quinhentas) vagas nesta 2ª edição para
professores da rede pública, no sentido de fortalecer a atuação na in-
clusão de crianças com deficiência física, auditiva e visual, deficiência
intelectual, surdez, surdo-cegueira, altas habilidades e superdotação,
transtornos do espectro autista (TEA) e outros transtornos globais do de-
senvolvimento. Buscamos assim, desenvolver diferentes ações por meio
desse curso de 180h oferecido pela Faculdade de Educação (FAED) da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).
As ações realizadas pela Instituição são pautadas em estratégias
que visam a oferta de cursos de formação de professores da rede pública,
que atuam nas diversas áreas e etapas da Educação Básica, especialmen-
te para aqueles/as professores/as que debruçam sua formação e discussão
para o processo de uma Educação Inclusiva.
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Edu-
1.  BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretri-
zes e Bases da Educação Nacional. Brasília, DF: MEC/SEF, 1996.
2.  BRASIL. Plano Nacional de Educação 2014-2024: Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, que aprova
o Plano Nacional de Educação (PNE) e dá outras providências. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições
Câmara, 2014.

8 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


cação Inclusiva3 apresenta, dentre as estratégias de apoio aos sistemas
de ensino, a formação continuada de professores que atuam no Atendi-
mento Educacional Especializado – AEE, e de demais profissionais da
educação para a inclusão escolar, buscando o desenvolvimento profis-
sional e atribui ao professor formador, o papel de intervir, intencional e
sistematicamente, no processo de formação de professores.
Considerando que a formação de professores/as para a Educação
Especial pode ser consolidada nas instituições de educação básica, este
projeto pretendeu criar contextos formativos, ressignificar os saberes dos
professores/as que trabalham na área da Educação Especial, conside-
rando as concepções de inclusão e a relação dialógica entre produções
teóricas e as possibilidades pedagógicas em instituições de Educação.
Portanto, o curso foi oferecido com o objetivo de ofertar formação
continuada aos docentes da Educação Infantil, em nível de aperfeiçoa-
mento, que trabalham em salas regulares, técnicos de Secretarias de
Educação, coordenadores e diretores de Instituições de Educação que
trabalham na rede pública, a qual possibilita programas e práticas que
atendam à diversidade dessas salas para o atendimento de alunos públi-
co-alvo da Educação Especial.
Ainda, cabe dizer que a UFMS4 tem como visão ser reconhecida
por sua dinamicidade e qualidade na prestação de serviços educacio-
nais, sociais e tecnológicos e a missão de desenvolver e socializar o co-
nhecimento, promovendo a formação e o aperfeiçoamento do capital
humano por meio da junção indissociável entre ensino, pesquisa e ex-
tensão. Assim, a UFMS, por meio da Diretoria de Escola de Extensão,
desenvolve ações nas temáticas da Educação, inclusive da Educação
Especial, no âmbito da Extensão, da Pesquisa e do Ensino, buscando
a qualificação dos profissionais da educação básica e da formação de
professores. 
Justifica-se, portanto, o oferecimento desse curso aos profissionais
que atuam na Educação pública, com crianças da Educação Especial,
3.  BRASIL. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva. Brasília: MEC, 2008.
4.  Além da cidade universitária na capital, a UFMS mantém Campus em Aquidauana, Chapadão do Sul,
Corumbá, Coxim, Naviraí, Nova Andradina, Paranaíba, Ponta Porã e Três Lagoas, descentralizando o ensi-
no para atender aos principais polos de desenvolvimento do Estado.

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 9


de tal modo que os mesmos, de posse desses conhecimentos, possam
realizar uma prática educativa mais efetiva que respeite as crianças
como cidadãos de direito.
No que segue, apresentaremos brevemente a legislação nacional
referente à Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva.

A legislação brasileira que fundamenta o curso

Neste tópico temos por objetivo apresentar, de forma breve, a le-


gislação brasileira voltada para a Educação Especial na perspectiva da
Educação Inclusiva que fundamentam o curso.
No âmbito nacional, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), publicada
em 19965, que também teve influência da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, de 19486, como é possível observar já em seus pri-
meiros artigos, quando, no artigo 3, propõe que o ensino seja ministrado
com base nos princípios de igualdade de condições para o acesso e per-
manência na escola; de liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e di-
vulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; do respeito à liberdade
e apreço à tolerância e da consideração com a diversidade étnico-racial.
Além disso, esta lei sugere que os sistemas de ensino devem assegurar
professores com formação continuada para o atendimento especializado
e professores capacitados para promover a inclusão na classe comum.
Cabe dizer que os princípios da Educação Inclusiva presentes nas
legislações brasileiras tem influência também da Declaração de Sala-
manca7, assinada em 1994, como um meio de alcançar a meta da Edu-
cação para Todos. Neste tratado, o Brasil estabeleceu o compromisso
de transformar as escolas em instituições que incluam todos, indiscri-
minadamente, onde as diferenças são celebradas e as necessidades in-
dividuais são tratadas adequadamente. Após essa iniciativa, que é um
5.  BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Dire-
trizes e Bases da Educação Nacional. [Online] Brasília, DF: MEC/SEF, 1996.
6.  ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. Dis-
ponível em: https://www.unicef.org Acesso em: 8 abr. 2023.
7.  UNESCO. Declaração de Salamanca e Linha de Ação sobre necessidades Educativas Especiais. Sa-
lamanca, Espanha, 1994.

10 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


dos marcos da Educação Especial em um contexto inclusivo, políticas
públicas foram criadas com diversas recomendações para que houvesse
a inserção de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvol-
vimento e altas habilidades ou superdotação em ambientes escolares.
No ano de 2001, o Plano Nacional de Educação (PNE)8, elabora-
do em 1996 e publicado cinco anos depois, reforça também a ideia de
construção de uma escola inclusiva que garanta o atendimento à diver-
sidade humana. Neste mesmo ano, dentre as políticas públicas criadas,
visando a inclusão, estão a Resolução CNE/CEB nº 2 e seu Parecer nº
179, os quais instituem e definem as Diretrizes Nacionais para a Educa-
ção Especial na educação básica. Esses documentos recomendam “[...]
que a escola se torne inclusiva, um espaço democrático e competente
para trabalhar com todos os educandos, sem distinção de raça, classe,
gênero ou características pessoais [...]” (BRASIL, 2001c)10. Além disso,
o Parecer nº 17/2001 (BRASIL, 2001b) e o artigo 18 da Resolução nº
2/2001 (BRASIL, 2001c) estabelecem que as instituições educacionais
devem oferecer oportunidades de formação continuada aos professores,
inclusive em nível de especialização, pelas instâncias educacionais da
União, dos estados, do Distrito Federal e dos Municípios, reforçando
que o atendimento dos alunos com necessidades educacionais especiais
deve ser realizado em classes comuns do ensino regular.
No ano seguinte, foi publicado um documento intitulado Diretri-
zes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educa-
ção Básica11 com orientações para que as instituições de ensino superior
planejem sua organização curricular de modo que a formação docente
esteja voltada à diversidade, além de considerar conhecimentos sobre as
especificidades dos alunos com necessidades educacionais especiais e as
das comunidades indígenas. 
8.  BRASIL. Lei nº 10.172, de 09 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras
providências. Brasília: Presidente da República, 2001a.
9.  BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer n° 17/2001, de 3 de julho de 2001. Brasília, DF:
CNE/CEB, 2001b.
10.  BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução n° 2/2001, de 11 de setembro de 2001. Brasília,
DF: CNE/CEB, 2001c. p. 3.
11.  BRASIL. Resolução CNE/CP 1, de 18 de fevereiro de 2002. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação
plena. Brasília: CNE, 2002.

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 11


Em 2008, o Ministério da Educação apresentou a Política Na-
cional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
(PNEEPEI)12. As diretrizes propostas por esse documento trouxeram
novas definições para a escolarização dos alunos surdos no contexto da
escola de ensino comum. Podemos observar que o Atendimento Edu-
cacional Especializado (AEE) previsto no texto dessa política deve ser
ofertado tanto na modalidade oral e escrita, quanto na língua de sinais,
realizado mediante a atuação de profissionais com conhecimentos es-
pecíficos no ensino de Libras e de Língua Portuguesa, na modalidade
escrita como segunda língua. 
Cabe lembrar que dez anos depois houve uma tentativa de pu-
blicação de uma nova PNEEPEI elaborada por governo, pesquisadores
e pessoas com deficiência, mas isso não ocorreu. Em 2020, represen-
tantes do governo elaboraram e publicaram o Decreto 10.502/202013,
que instituiu a “Política de educação especial: equitativa, inclusiva e
com aprendizado ao longo da vida”. Esse documento foi considerado a
“nova” PNEEPEI e por sugerir o retorno às propostas segregacionistas
e excludentes superados a algumas décadas, foi suspenso em 2021 e re-
vogado em 01/01/202314. Cabe dizer que este decreto também viola os
princípios trazidos na Convenção de Direitos das Pessoas com Deficiên-
cia15 que, dentre outras diretrizes, prevê a participação das pessoas com
deficiência na elaboração: “Nada Sobre Nós, Sem Nós”16.
Em 2009, foi publicada a Resolução CNE/CBE nº 4/200917 que
institui as Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Es-
pecializado na Educação Básica, a fim de orientar a organização dos
sistemas educacionais inclusivos quanto à matrícula desses discentes
12.  BRASIL, 2008.
13.  BRASIL. Decreto nº 10.502, de 30 de setembro de 2020. Institui a Política Nacional de Educação
Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida. Brasília, 2020.
14.  BRASIL. Decreto nº 11.370, de 1º de janeiro de 2023. Revoga o Decreto nº 10.502, de 30 de setembro
de 2020. Brasília, 2023.
15.  Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência: decreto legis-
lativo nº 186, de 09 de julho de 2008: decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Disponível em: https://
sisapidoso.icict.fiocruz.br/sites/sisapidoso.icict.fiocruz.br/files/convencaopessoascomdeficiencia.pdf. Acesso
em: 02 mai. 2023.
16.  Lema adotado pelas pessoas com deficiência.
17.  BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Resolução nº 4, de 2 de
outubro de 2009, Institui Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Edu-
cação Básica, na modalidade Educação Especial. [online].

12 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


em classes comuns do ensino regular e AEE, ofertado em salas de re-
cursos multifuncionais ou em centros da rede pública ou de institui-
ções comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos. É
importante ressaltar que a oferta deste atendimento deve ser instituída
presumindo-se sala de recursos multifuncionais, a elaboração do pla-
no de AEE, assim como professores especializados para o exercício da
docência neste ambiente, tradutores e intérpretes da Língua Brasileira
de Sinais (Libras), guia-intérprete e/ou demais profissionais necessários
para atividades de apoio (BRASIL, 200918).
O caráter substitutivo e transversal da Educação Especial é rati-
ficado pela Resolução CNE/CEB n° 04/201019, em seu artigo 29, que
institui Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica. Cabe
ressaltar também que a LDB sofreu modificações para se adequar às
demandas da Educação Inclusiva e às nomenclaturas vigentes, além de
dispor sobre a formação dos profissionais da educação. Isso ocorreu por
meio da lei nº 12.796, de 4 de abril de 201320.
Após 2013, duas leis importantes foram aprovadas. Dentre elas es-
tão o Plano Nacional de Educação – PNE (decênio 2014-2024) 21 que
preconiza o fortalecimento dos sistemas educacionais inclusivos em to-
das as etapas, viabilizando acesso pleno à educação básica obrigatória e
gratuita. Ademais, em sua meta 4 é reforçada a inclusão dos alunos de
4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação à Educação Bási-
ca e/ou ao Atendimento Educacional Especializado, público, ou em re-
des conveniadas, preferencialmente na rede regular de ensino. É válido
destacar também que, na meta 8 enfatiza-se a necessidade de se garantir
e universalizar o acesso à educação escolar para todos, valorizando as
diferenças e respeitando necessidades educacionais.
A lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, que institui a Lei Brasi-
18. Idem.
19.  BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução nº 4, de 13 de julho
de 2010. Define Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica. Brasília, 2010.
20.  BRASIL. Lei nº 12.796, de 4 de abril de 2013. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para dispor sobre a formação dos profissionais da edu-
cação e dar outras providências. Brasília: Presidente da República, 2013.
21.  BRASIL, 2014.

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 13


leira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com
Deficiência), em seu artigo 28, delega ao poder público as funções de
assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e
avaliar esse processo:

I – sistema educacional inclusivo em todos os níveis e modalidades,


bem como o aprendizado ao longo de toda a vida; II - aprimora-
mento dos sistemas educacionais, visando a garantir condições de
acesso, permanência, participação e aprendizagem, por meio da
oferta de serviços e de recursos de acessibilidade que eliminem as
barreiras e promovam a inclusão plena; III - projeto pedagógico
que institucionalize o atendimento educacional especializado, as-
sim como os demais serviços e adaptações razoáveis, para atender
às características dos estudantes com deficiência e garantir o seu
pleno acesso ao currículo em condições de igualdade, promovendo
a conquista e o exercício de sua autonomia; (BRASIL, 2015, p.4)22.

Essas leis brasileiras, ainda recentes, sinalizam mais um passo em


termos de legislação em prol do ensino inclusivo. Mas indicam também
que ainda há muito o que fazer para que as mesmas saiam do papel e se-
jam efetivadas no cotidiano das instituições educativas. Uma estratégia
fundamentalmente relevante para que isso aconteça é a formação con-
tinuada dos professores, pois desta maneira, os mesmos podem ampliar
seus saberes sobre tais documentos/legislações e fortalecer suas práticas
e lutas para que o ensino inclusivo aconteça de fato – o Curso de aper-
feiçoamento contribui com essa formação.
Alcançar uma escola efetivamente inclusiva não é tarefa simples,
mas compreende uma série de transformações na dinâmica educacional
e social. É pertinente enfatizar que a Educação Inclusiva condiz com
um ambiente educacional “[...] em que é possível o acesso e a perma-
nência de todos os alunos, e onde os mecanismos de seleção e discri-
minação, até então utilizados, são substituídos por procedimentos de
identificação e remoção das barreiras para a aprendizagem”23. Tal

22.  BRASIL. Casa Civil. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da
Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Brasília, 2015.
23.  GLAT, R.; PLETSCH, M. D.; FONTES, R. de S. Educação inclusiva & educação especial: propostas
que se complementam no contexto da escola aberta à diversidade. Educação, [S. l.], v. 32, n. 1, 2007. p. 344.

14 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


transformação não deriva de único um movimento, e não se restringe
à Educação Especial, mas é extensivo a todas as pessoas, indiscrimina-
damente. Nesta perspectiva, há a necessidade de uma formação mais
ampla dos profissionais, que vá além de desconstruir ambientes, contex-
tos e falas normatizadoras, homogeneizantes, e promova a reflexão e a
discussão constantes acerca do tema. 
Tal proposta de curso mostrou-se necessária portanto, especial-
mente pela urgência de uma formação mais aprofundada, envolvendo
assim professores atuantes em todas as áreas da Educação Básica, em
contato direto com as especificidades do atendimento ao público-alvo
da Educação Especial, com um olhar muito cuidadoso para a educação
inclusiva e a realidade escolar brasileira.

O curso “Serviço de Atendimento Educacional Especiali-


zado em Educação Infantil de Educandos com Deficiên-
cia” – 2ª edição

A Política Nacional de Educação Especial do Ministério de Edu-


cação - MEC24 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional25
reconhecem a Educação Infantil, destinada às crianças de zero a cin-
co anos, como a primeira etapa da Educação Básica, indispensável à
construção da cidadania. Apesar desse nível educacional ter iniciado sua
trajetória no Brasil há mais de cem anos, somente a partir das últimas
décadas é que a sociedade brasileira vem tomando consciência de sua
importância, o que vem gerando, consequentemente, sua expansão.
Os professores que atuam na Educação da Infância (0 a 5 anos)
reafirmam que, frente à realidade educacional, é necessário investir na
formação de profissionais que atuam, tanto na gestão da Educação In-
fantil, quanto na prática pedagógica com crianças na faixa etária de 0 a
5 anos de idade. Nesse contexto, o “Curso de Aperfeiçoamento em Ser-
viço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil
24.  BRASIL, 2008.
25.  BRASIL, 1996.

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 15


de educandos com deficiência”, promovido pela Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul (UFMS) juntamente com a Diretoria de Edu-
cação Especial (DEE/SEMESP/MEC), assume importante papel na
qualificação de professores da Educação Infantil.
O curso foi pensado em uma perspectiva dialógica, emancipatória
e reflexiva, na construção dos saberes necessários para atuação qualifica-
da. Como afirma Silva (2009):

A Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva, pro-


blematiza as práticas educacionais hegemônicas e passa a utilizar
conceitos interligados a diferença como possibilidade de com-
preender a relação e/outro na constituição da identidade e sub-
jetividade do sujeito. Tal concepção defende o conhecimento e a
convivência com as diferenças como promotoras de uma ultrapas-
sagem das práticas rotuladoras, classificatórias da aprendizagem e
dos preconceitos historicamente construídos em relação à pessoa
com deficiência. O que requer uma revisão na definição e na con-
ceituação da função da escola, da concepção de conhecimento,
do ensino e da aprendizagem, uma vez que a nova concepção de-
fine as ações educacionais que interferem diretamente no percur-
so escolar do aluno e na sua constituição como sujeito. A Educa-
ção Especial, quando presente no ensino regular, de acordo com
essa nova concepção, atinge necessariamente a escola comum em
seus fundamentos e práticas (p. 14)26.

O curso em questão foi desenvolvido em módulos, a fim de que


as discussões dos aspectos que envolvem a Educação Especial na pers-
pectiva da Educação Infantil fossem abordadas e debatidas. Os módulos
se deram em consonância com as atividades propostas pelos professores
formadores, entre eles: estudos teóricos, atividades a distância, chats e
bate-papos acerca das temáticas planejadas, fóruns de discussões, fóruns
de dúvidas e trocas de experiências. Entende-se que, assim, o curso não
se resumiu a oferecer subsídios informativos, mas em estabelecer rela-
ções teórico-práticas que evidenciaram devidamente os cotidianos das
escolas, contemplando variados aspectos e discussões:
26.  SILVA, L. M. G. Educação Especial e inclusão escolar sob a perspectiva legal. In: Simpósio de Estado
e Políticas. 2008. Uberlândia. Anais… Uberlândia, MG: UFU, 2008. p. 1-19.

16 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


A formação aconteceu por meio de atividades à distância, via Am-
biente Virtual de Aprendizagem – Moodle – na plataforma de cursos
da UFMS (https://ava2.ufms.br/), envolvendo estudo, discussões do
conteúdo, reflexão, construção e acompanhamento dos processos de-
senvolvidos pelos sistemas e escolas de educação básica na elaboração
e concretização de propostas inclusivas. Na plataforma foram disponi-
bilizados também os links para acesso síncrono e a gravação de todas as
palestras online que ocorriam durante os módulos – permitindo intei-
ro acesso essas atividades. As lives contaram com intérpretes de Libras,
sempre com o cuidado em relação à acessibilidade de todos/as os/as
cursistas. Assim, aulas assíncronas, slides e vídeos informativos, material
instrucional com os aportes teóricos desenvolvidos nos módulos, situa-
ções para reflexão a partir de simulações do real, fóruns de discussão e
um ambiente para socializar materiais didáticos e realizar postagens de
tarefas também fizeram parte da proposta do curso. Houve, também, es-
tudo de textos, realização de atividades de investigação e de ação nas es-
colas de atuação dos cursistas; e tutoria virtual. Todos os materiais foram
disponibilizados em PDF, HTML, além de serem utilizadas imagens
com legendas e com as devidas transcrições.
Tivemos a primeira edição deste curso entre os anos de 2021- 2022
que formou aproximadamente 350 cursistas. Foram oferecidas 500 (qui-
nhentas) vagas para professores da Educação Infantil que atuam em es-
colas públicas, entretanto tivemos 1.614 inscritos em uma semana com
o Edital aberto. Com isso, surgiu a necessidade de abrirmos uma 2ª
edição que iniciou em dezembro de 2022 e foi até maio de 2023. Dentre
os/as cursistas inscritos/as, 96% são do sexo feminino e 2% possuem al-

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 17


guma deficiência declarada no ato da inscrição (deficiência visual, sur-
dez ou deficiência física). Quanto à escolaridade, destacamos que 24%
têm nível superior completo sem nenhuma pós-graduação, a maioria
tem especialização (68%), 4% têm mestrado e menos de 1% têm douto-
rado, como é possível observar no gráfico a seguir.

Gráfico 1. Grau de escolaridade dos inscritos no curso

Fonte: Arquivo Pessoal

Em relação à faixa etária dos/as inscritos/as, observamos que a


maioria está entre os 30 e 40 anos:

Gráfico 2. Faixa etária dos inscritos

Fonte: Arquivo Pessoal

18 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


É relevante ressaltar que quatro regiões brasileiras estavam
representadas nos cursos, mas a maioria dos cursistas são da região
Centro Oeste, com 95% de cursistas do Estado do Mato Grosso do Sul,
onde fica localizada a UFMS. Participaram também 17 cursistas da re-
gião Sudeste, 3 da região Nordeste e 3 do Paraná, que representam a re-
gião Sul. Nesta edição do curso não tivemos nenhum cursista da região
Norte do país.
Cabe ressaltar que todo material de estudo que fomentou as dis-
cussões no curso foi elaborado pelos professores pesquisadores, forma-
dores e organizadores do projeto, fornecendo material instrucional, com
indicações de leituras para aprofundamento e, ao final do curso, foi pro-
duzido registro teórico-prático.
Desta forma, os textos que seguem neste e-book representam a
sistematização dos estudos e discussões realizadas ao longo do curso,
incluindo, textos de professores e pesquisadores convidados para con-
tribuírem com reflexões relacionadas à Educação Especial, à Educação
Infantil e ao Atendimento Educacional Especializado. Esperamos que
este material contribua para fomentar novas aprendizagens, discussões e
inquietações, pesquisas e criações na área. Desejamos uma boa leitura
a todos/as!

Organização
Fernanda Malinosky Coelho da Rosa
Luciene Cléa da Silva
Milene Bartolomei Silva
Myrna Wolff Brachmann dos Santos

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 19


Capítulo 1

Serviço de Atendimento Educacional Especializado


em Educação Infantil de Educandos com
Deficiência: possibilitando a formação continuada

Luciene Cléa da Silva27


Milene Bartolomei Silva28
Myrna Wolff Brachmann dos Santos29
Fernanda Malinosky Coelho da Rosa30

Introdução

Este artigo vem contribuir para a discussão da formação de pro-


fessores no campo da Educação Especial, considerando a política go-
vernamental que compreende a formação de professores para atuar no
Atendimento Educacional Especializado (AEE). Buscamos, enquan-
to Universidade Federal, incentivadas pelo Ministério da Educação
(MEC), desenvolver um projeto de formação continuada para profissio-
nais da rede pública, que atuam em diferentes áreas da Educação Espe-
cial, com um curso de aperfeiçoamento intitulado “Serviço de Atendi-
mento Educacional Especializado em Educação Infantil de Educandos
com Deficiência”.
A formação em questão aconteceu no ano de 2022-2023, por meio
de atividades à distância, com a oferta de 500 (quinhentas) vagas para
professores da Educação Infantil que atuam em escolas públicas. Ela
teve o intuito de encontrar caminhos para (trans)formar as práticas de
formação docente e possibilitar a ampliação de uma identidade profis-
sional, como uma das estratégias para a consolidação de práticas edu-
cativas de qualidade, nas quais o/a professor/a seja reconhecido/a como
27.  Professora do Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação FAED/UFMS. E-mail: luciene.silva@ufms.br.
28.  Professora do Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação FAED/UFMS. E-mail: milene.silva@ufms.br.
29.  Professora do Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação FAED/UFMS. E-mail: myrna.wb.santos@ufms.br.
30. Professora do Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação FAED/UFMS. E-mail: myrna.wb.santos@ufms.br.

20 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


produtor/a de saberes, capaz de intervir, decidir sobre a construção de
sua formação e a transformação da realidade educacional em que atua.
Sabemos que o Brasil assumiu um grande compromisso de trans-
formar o sistema educacional em um sistema inclusivo ao assinar a De-
claração de Salamanca (UNESCO, 1994), na Conferência Mundial em
Educação Especial, a qual recomenda uma “Educação para Todos” e
estabelece que a escola deve se adaptar ao aluno e não o aluno à escola.
Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB), em seu artigo 58, traz a Educação Especial como modalidade
de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de en-
sino, para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvol-
vimento e altas habilidades ou superdotação, que inicia na faixa etária
de zero a seis anos, durante a Educação Infantil e estende-se ao longo da
vida. Esta lei ainda preconiza serviços de apoio especializado na escola
regular para atender às peculiaridades destes discentes (BRASIL, 1996).
A LDB já mencionava o atendimento educacional especializado
(AEE), mas ao longo dos anos esse serviço foi melhor definido, por meio
da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação
Inclusiva (2008), a qual reforça que o AEE tem o papel de “[...] identi-
ficar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que
eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando
suas necessidades específicas” (BRASIL, 2008, p. 10). Cabe enfatizar que
as atividades desenvolvidas no AEE com o educando da Educação Infan-
til, está articulado com a proposta pedagógica da sala de aula comum,
mas não é um ensino substitutivo, pois estão voltadas a eliminar as barrei-
ras que possam obstruir o processo de escolarização, oferecidos em caráter
de complementação ou de suplementação pelo professor especialista.
Para que sejam implementadas práticas educativas inclusivas mais
eficientes, é necessário que os professores possuam formação continu-
ada no atendimento ao público alvo “especial, inclusivo”. De acordo
com a Resolução CNE/CEB nº 2, de 11 de setembro de 2001, que
institui as Diretrizes Nacionais para Educação Especial na Educação
Básica, nesse sentido:

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 21


Cabe aos sistemas de ensino estabelecer normas para o funciona-
mento de suas escolas, […] com professores capacitados e espe-
cializados, conforme previsto no Artigo 59 da LDBEN […] e nas
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores
da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura de
graduação plena. § 1º São considerados professores capacitados
para atuar em classes comuns com alunos que apresentam neces-
sidades educacionais especiais àqueles que comprovem que, em
sua formação, de nível médio ou superior, foram incluídos conte-
údos sobre educação especial adequados ao desenvolvimento de
competências […] (BRASIL/MEC/SEESP, 2001, p.5).

Nos primeiros anos da criança, o AEE se exprime por meio de


atividades de estimulação precoce, que visam potencializar o processo
de desenvolvimento e de aprendizagem em parceria com os serviços de
saúde e assistência social:

“[...] o lúdico, o acesso às formas diferenciadas de comunicação, a


riqueza de estímulos nos aspectos físicos, emocionais, cognitivos,
psicomotores e sociais e a convivência com as diferenças favore-
cem as relações interpessoais, o respeito e a valorização da crian-
ça” (BRASIL, 2008, p. 10).

A relação da Educação Infantil com o serviço de Atendimento


Educacional Especializado está não só na Política Nacional de Edu-
cação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva, de 2008 e ainda
vigente, mas se apresenta no Plano Nacional de Educação (2014-2024),
que recomenda a priorização do:

[...] acesso à educação infantil e fomentar a oferta do atendimen-


to educacional especializado complementar e suplementar aos
(às) alunos (as) com deficiência, transtornos globais do desen-
volvimento e altas habilidades ou superdotação, assegurando a
educação bilíngue para crianças surdas e a transversalidade da
educação especial nessa etapa da educação básica;

Ainda é possível destacar a recomendação de que as instituições


organizem um Programa Nacional de Formação dos Profissionais de

22 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


Educação Infantil, com a colaboração da União, Estados e Municípios,
inclusive das universidades e institutos superiores de educação e organi-
zações não governamentais (BRASIL, 2014).
Nessa direção, a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), também conhe-
cida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, delega ao poder públi-
co a “[...] adoção de práticas pedagógicas inclusivas pelos programas
de formação inicial e continuada de professores e oferta de formação
continuada para o atendimento educacional especializado” (BRASIL,
2015, p. 7).
Sendo assim, cabe a nós, universidade/s, garantir a construção de
Programas de Formação de Professores em serviço, para atuar no AEE,
estimulando uma visão holística e proporcionando momentos para tro-
car experiências e repensar a escola enquanto instituição que reconhece
a diversidade, favorecendo aos estudantes a permanência, participação
e aprendizagem.
Acredita-se que a formação continuada oportuniza ao professor,
que está efetivamente na linha de frente com os alunos em sala de aula,
buscar metodologias diferenciadas e apropriadas para sua atuação, utili-
zando tecnologias assistivas e melhorias de atendimento a essas crianças
da Educação Infantil.
Esse projeto visou contribuir, portanto, com a formação de nossos
professores, atendendo às demandas existentes na sociedade, visto que já
fizemos uma primeira edição também com 500 (quinhentas) vagas em
2021-2022 (ROSA; SILVA; SILVA; SANTOS, 2022).

O contexto do curso

A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Edu-


cação Inclusiva (BRASIL, 2008) juntamente com a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996) têm desencadeado dis-
cussões diversas com relação à inclusão de crianças com deficiências,
transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação
em salas de aula comuns da Educação Infantil, apoiadas pelo Atendi-

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 23


mento Educacional Especializado.
Apesar de a Educação Infantil ter iniciado sua trajetória no Bra-
sil há mais de cem anos, somente a partir das últimas décadas é que a
sociedade brasileira vem tomando consciência de sua importância, o
que vem gerando, consequentemente, sua expansão. Os professores que
atuam na Educação da Infância (0 a 9 anos) reafirmam que, frente à re-
alidade educacional, é necessário investir na formação de profissionais
que atuam, tanto na gestão da Educação Infantil, quanto na prática pe-
dagógica com crianças na faixa etária de 0 a 5 anos de idade (GOMES,
2018).
Nessa perspectiva, o “Curso de Aperfeiçoamento em Serviço de
Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de
educandos com deficiência”, já na sua 2ª edição, promovido pela Uni-
versidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) juntamente com a
Diretoria de Educação Especial (DEE/SEMESP/MEC), assume im-
portante papel na qualificação de professores da Educação Infantil.
O oferecimento das duas edições desse curso inseriu-se no âmbi-
to da Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da
Educação Básica (Decreto nº. 8.752/2016), sob a responsabilidade do
Ministério da Educação (MEC), em parceria com as Instituições de
Educação Superior (IES), com as Secretarias Municipais de Educação
e vem sendo implementada nas esferas Federal, Estadual e Municipal.
A Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) sendo
uma instituição de educação superior, multicampus e descentralizada,
especializada na oferta de educação em diferentes modalidades de ensi-
no, tem como visão “ser reconhecida por sua dinamicidade e qualidade
na prestação de serviços educacionais, sociais e tecnológicos” e a missão
de “desenvolver e socializar o conhecimento, promovendo a formação
e o aperfeiçoamento do capital humano” por meio da junção indissoci-
ável entre ensino, pesquisa e extensão (PDU UFMS30).
Com isso, por meio da Escola de Extensão da UFMS, buscamos
promover e desenvolver o referido curso de aperfeiçoamento, com
30.  O PDU é o Plano de Desenvolvimento da Unidade FAED/UFMS 2020-2024 que estabelece a promo-
ção de melhorias continua dos processos de planejamento idealizando uma gestão voltada para o alcance
da missão, visão e valores da organização.

24 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


180h, almejando a qualificação dos profissionais da educação básica e
a formação continuada de professores. O curso em questão ocorreu de
forma online e foi estruturado em módulos de 15h no Ambiente Virtual
de Aprendizagem (AVA/Moodle31), conforme Figura 1.

Figura 1. Imagem da disposição dos Módulos no AVA/Moodle

Fonte: Arquivo Pessoal

Os módulos foram denominados Caminhos Inclusivos e os temas


discutidos foram: Fundamentos e Princípios da Educação Infantil com
ênfase na inclusão, Deficiência Visual, Deficiência Auditiva, Surdez e
Surdocegueira, Altas Habilidades/Superdotação e Transtornos Globais
do Desenvolvimento; este último foi separado em duas partes. Todos
31.  A Plataforma do AVA/Moodle-UFMS pode ser acessada no endereço: https://ava.ufms.br/ e o curso de
aperfeiçoamento em: https://ava2.ufms.br/.

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 25


os módulos foram compostos por duas aulas virtuais que ocorriam de
forma síncrona e fóruns de discussão, intercalados com reflexões sobre
a prática e o estudo de casos. Os estudos sobre cada tema apresentado
ocorreram com uma duração média de 15h/a.
Os grupos de estudos foram compostos por 25 cursistas, oriun-
dos de diversos estados brasileiros e atuantes na rede pública de ensi-
no, em diferentes áreas da Educação Especial. Estes cursistas foram
acompanhados por seus respectivos tutores, sendo 20 no total. Todos
qualificados na área de estudo do curso, realizaram o suporte pedagógi-
co, orientando-os em seus percursos de aprendizagem, motivando-os a
refletir sobre as temáticas propostas e incentivando-os para a conclusão
do curso, destacando a importância do mesmo para a prática de cada
docente. Toda a estrutura pedagógica do curso foi organizada e mantida
por uma equipe gestora.
Permeando os temas abordados nos Caminhos Inclusivos buscou-
-se debater a temática da formação de professores para atuação junto
às crianças com e sem deficiência, com ênfase no professor da Edu-
cação Infantil, pois “[...] são poucos os estudos que tomam por objeto
o profissional que trabalha com a criança pequena, seus saberes e sua
formação” (MICARELLO, 2011, p. 213). Assim, destacamos assuntos
relacionados à formação dos professores que atuam com as
especificidades das crianças com deficiência, refletindo no papel desses
profissionais que trabalham com a criança pequena.
Diante da ficha de inscrição dos cursistas, alguns pontos merecem
atenção, principalmente aqueles concernentes ao perfil dos professo-
res inscritos. Desses profissionais, há uma predominância de 86,6% de
mulheres inscritas no curso. De acordo com o Ministério da Educação
(BRASIL, 2009a), há prevalência do sexo feminino na docência, prin-
cipalmente de profissionais atuantes em Escolas de Educação Infantil,
seja com crianças de até três anos ou com aquelas um pouco maiores
de quatro a cinco anos, o que pode ser reafirmado a partir desse dado
obtido com a análise das fichas de inscrições.
Em relação à formação, 100% dos professores que participaram
do projeto, possuem formação em Pedagogia. Em estudo realizado

26 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


por Tartuci e Flores (2013), o perfil de formação inicial dos professores
atuantes no AEE é predominantemente em Pedagogia e 63% também
possuem especialização.
Conforme a Resolução CNE/CEB nº 4/2009, o professor atuante
no AEE deve ser habilitado para a docência, o que requer formação
específica na Educação Especial (BRASIL, 2009b). A formação conti-
nuada do professor da Educação Infantil na área da educação especial,
é fundamental para o atendimento às necessidades especiais dos alunos.

A formação dos professores e seu desenvolvimento profissional


são condições necessárias para que se produzam práticas integra-
doras positivas nas escolas. É muito difícil avançar no sentido das
escolas inclusivas se os professores em seu conjunto, e não apenas
os professores especialistas em educação especial, não adquiri-
rem uma competência suficiente para ensinar a todos os alunos
(COLL; MARCHESI; PALACIOS, 2004, p. 44).

Assim, por meio da proposição deste curso, buscamos desenvolver


estratégias diferentes de aprendizagem, construir recursos, utilizar tec-
nologias, propor atividades práticas, diálogos, tempos, espaços e formas
que possibilitassem aos cursistas aprendizagens significativas. Reforçan-
do assim o nosso papel – objetivo e busca permanente – com o intuito
de qualificar a formação docente.
Para considerar a abrangência e significado das ações propostas
pelo curso, destacamos algumas reflexões acerca da temática, vislum-
bradas nas narrativas dos professores que participaram desta formação,
cujas identidades foram preservadas. De modo que foram trazidos para
este debate alguns trechos transcritos com considerações de professores
cursistas.
O olhar dos professores acerca da experiência formativa reforça
a necessidade de espaços e formas distintas de se discutir as temáticas
sobre a Educação Especial na Educação Infantil, possibilitando um re-
pensar das práticas pedagógicas, fundamentando-se teoricamente para
isso e melhorando o processo de ensino e aprendizagem das crianças e
dos próprios professores.

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 27


A formação foi de suma importância agregando conhecimen-
to. Agradeço pela contribuição, vocês são equipe de excelência
(PROFESSOR(A) A, 2022).

Os diálogos fundamentados no saber por experiências foram in-


tensos possibilitando uma teia de inquietações, busca e conheci-
mentos. Gratidão (PROFESSOR(A) B, 2022).

Quero agradecer imensamente à UFMS por disponibilizar cursos


maravilhosos que nos capacita, nos faz retomar aquilo que sabe-
mos mas que de alguma forma não usamos em nosso dia a dia, en-
fim nos auxilia e nos incentiva a sermos os melhores profissionais
(PROFESSOR(A) C, 2022).

Destarte, é possível dialogar com estas narrativas no que tange o


reconhecimento da formação continuada, a importância da aprendiza-
gem entre pares, e explicita os fundamentos teóricos que embasam os
procedimentos apresentados para o desenvolvimento deste curso.
Para Poker et al. (2018), a formação do professor deve estar em-
basada em fundamentação teórica, e pautada em pesquisas que possam
auxiliá-lo na prática pedagógica em sala de aula, favorecendo às crian-
ças o ensino e a aprendizagem como um todo, independente da sua
condição.

A formação de professores para a Educação Inclusiva precisa estar


subsidiada em análises do conhecimento científico acumulado a
respeito das competências e habilidades necessárias para atuar
nessa nova perspectiva, ou seja, sua formação deve basear-se na
reflexão e na criatividade. O professor precisa ser capaz de se-
lecionar conteúdos, organizar estratégias e metodologias diferen-
ciadas, de modo a favorecer a aprendizagem de todos os alunos,
independentemente de sua diferente condição social, intelectual,
sensorial, comportamental, física ou qualquer outra (POKER et
al. 2016, p. 8).

Algumas pesquisas como as de Novais (2010), Sônia Kramer


(1994) e outros, mostram que as maiores queixas dos professores, estão
relacionadas à inadequada formação teórica, pois precisam de conhe-

28 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


cimentos para o exercício profissional que não foram constituídos na
formação inicial. Assim, por falta de formação adequada, os profissionais
sentem insegurança para promoverem uma educação inclusiva.
Em relação à formação em serviço Mantoan (2015, p.79), afirma:

Na formação em serviço, os professores reagem inicialmente aos


modos de ensinar inclusivos, a uma pedagogia da diferença, por-
que estão habituados a aprender de maneira fragmentada e ins-
trucional. Eles esperam por uma formação que lhes ensine a dar
aulas para alunos com deficiência, dificuldade de aprendizagem
e/ou problemas de indisciplina. Ou melhor: anseiam por uma for-
mação que lhes permita aplicar esquemas de trabalho pedagógico
predefinidos às suas salas de aula, garantindo-lhes a solução dos
problemas que presumem encontrar nas escolas ditas inclusivas.
Grande parte desses profissionais concebe a formação como mais
um curso de extensão, de especialização, com uma terminalidade
e um certificado que convalida a sua capacidade de ser um pro-
fessor inclusivo. Não se trata de uma visão ingênua, mas de uma
concepção equivocada do que é formação em serviço e do que
significa a inclusão escolar.

Briant e Oliver (2012) ao realizarem uma pesquisa com profes-


sores, identificaram queixas mais recorrentes, relatos de insegurança,
incerteza e falta de conhecimento para atender às demandas dos alu-
nos com Necessidade Educativas Especiais (NEE). Essas foram preo-
cupações consideradas no processo de elaboração do material de estudo
dos Caminhos Inclusivos. As explicitações estavam sempre buscando
fornecer subsídios teórico-práticos que viessem de encontro às queixas,
inseguranças e desconhecimento dos professores a respeito das singula-
ridades, semelhanças e necessidades específicas presentes nas crianças
com necessidades educativas especiais.
Ao analisar as narrativas dos cursistas, constatamos que, de modo
geral, os professores evidenciaram a importância da formação continu-
ada, relatando que as experiências vivenciadas no curso despertaram
“[...] uma necessidade urgente de compreensão para prática pedagógica
atualmente, e as professoras foram excelentes [...]” (PROFESSOR (A)
D, 2022). Revelavam ainda a gratidão em participar desse projeto total-

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 29


mente gratuito, pelo fornecimento de conhecimentos novos e principal-
mente por poder refletir sobre como lidar com determinadas situações,
para realizar o processo de inclusão dos alunos com NEE.

Deixo aqui meu sentimento de gratidão aos colegas da turma e a


tutora (sempre disposta a nos ajudar e a motivar). Pelo que per-
cebi nas colocações dos colegas, esse curso veio somar para todos
(as) e acrescentar no nosso fazer pedagógico (PROFESSOR (A)
E, 2022).

Parabenizar toda a equipe pelo empenho, pela organização e o


comprometimento com o curso. O curso atendeu minhas expec-
tativas, contribuindo muito com meu aprendizado, muito obriga-
da pela oportunidade de adquirir tantos conhecimentos valiosos
e espero poder participar novamente de outros cursos (PROFES-
SOR (A) F, 2022).

Buscamos junto aos professores em formação, seu interesse em


participar de outros processos de formação em serviço a respeito do
processo de inclusão dos alunos com NEE, todos os participantes res-
ponderam positivamente, trazendo temas relevantes e significativos para
outros momentos, como:

O curso foi muito esclarecedor, acredito que pensar no AEE na


educação infantil é um tema de extrema urgência é necessário,
o processo de inclusão inicia-se em todos os tempos e espaço de
escolarização, sendo a educação infantil a primeira etapa do pro-
cesso. Gostaria de deixar como proposta um curso onde possa-
mos discutir o processo de escolarização das crianças TEA, CAA,
construção de rotinas e demais possibilidades (PROFESSOR (A)
G, 2022).

Esse curso irá me ajudar ainda mais em minha prática pedagógi-


ca, conhecimento sempre é maravilhoso e só vem a somar cada
vez mais. Espero ser informada nos outros que venham a acon-
tecer. Sugiro temas: Como avaliar meu aluno com Deficiência?
Dicas de instrumentos avaliativos para alunos com dificuldades
de aprendizagem? PDI (Plano de Desenvolvimento Individual) -
Qual a importância de cada aluno ter o seu? (PROFESSOR (A)
H, 2022).

30 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


Além das narrativas acima, recebemos as seguintes sugestões de
temas para novos cursos: Funções mentais superiores no TEA; A inclu-
são e desenvolvimento de alunos com transtorno opositor e desafiador
e Tourette; O atendimento de alunos com TOD-Transtorno Opositivo
Desafiador em sala regular; Confecção de material concreto; Contação
de histórias na Educação Infantil; Especificidades no trabalho com o
Ensino Fundamental II, do 6º ao 9º ano; Como lidar e conseguir êxito
na inclusão de TEA com grande grau de complexidade; Curso na área
da Tecnologia (TICs); Educação Digital; entre outros.
Dos temas sugeridos, é possível perceber que temos demanda de
cursos voltados para educandos do Ensino Fundamental e de módulos
que ensinem o uso de tecnologias e a contação de histórias para crian-
ças. Destaca-se também a solicitação de ampliação e aprofundamento
dos módulos sobre Transtorno Global do Desenvolvimento e Autismo,
que já foram módulos mais extensos em comparação aos outros temas,
nas duas edições do curso, mas cuja indicação, sinaliza o quanto consti-
tuem-se em desafio para a atuação dos docentes-cursistas.
Também foi possível observar que muitos professores solicitaram
que fosse ensinado o COMO FAZER. Para atender a esses pedidos,
que revelam muito da insegurança dos professores, as pesquisadoras
ministrantes dos módulos trouxeram conceitos, conteúdos, políticas
públicas, responderam dúvidas dos cursistas baseadas em vivências
particulares, apresentaram sugestões de atividades e materiais, sempre
articulando essas inserções às reflexões teóricas e debates de cada um
dos temas abordados no curso. Buscando ao mesmo tempo fornecer
conhecimentos teóricos e possibilidades práticas de organização do
trabalho pedagógico.
Cabe frisar que foram feitas muitas sugestões articuladas à refle-
xões teóricas, pois acreditamos que não há “receitas de bolo”, logo que,
o universo pedagógico é marcado pela heterogeneidade, e a multiplici-
dade das singularidades das crianças, com necessidades educativas es-
peciais, ou não, não se afina com propostas homogêneas ou com uma
visão unívoca dos sujeitos. Por mais que diferentes crianças possam ser
identificadas sob uma mesma condição, necessidade ou limitação, seu

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 31


processo de aprendizagem será diverso, o que faz com que cada recurso
ou estratégia didática possa ser proveitosa para uns e não para outros.
Uma criança não aprende do mesmo modo que outra. É a multipli-
cidade das características, potencialidades e necessidades das próprias
crianças que deve promover a criação de novas estratégias e recursos.
Houve, ainda, solicitação de mais vagas, pois as 500 vagas aber-
tas finalizaram nas primeiras 15h de inscrição. De certa feita, esse fato
sinaliza o quanto é premente o desejo de muitos profissionais, de co-
nhecerem um pouco mais sobre temas que permeiam as relações entre
Educação Especial e Educação Infantil e aponta para o significado e
importância do oferecimento desse Curso.
Para Gatti (2010), as disciplinas referentes à Educação Infantil
e Educação Especial são pouco apresentadas nos currículos das licen-
ciaturas. A autora relata que a abordagem desses cursos de licenciatu-
ra é genérica, sem referenciar ou articular intencional e diretamente
possíveis práticas educativas com base em fundamentos teóricos ca-
pazes de instrumentalizar o trabalho do profissional em formação. A
questão que nos desafia a pensar é a aparente fragilidade curricular
desses cursos para uma atuação pedagógica humanizadora desses pro-
fissionais.
Neste sentido, buscamos outrossim, dar voz e vez aos cursistas
quanto às experiências vividas, aos saberes compartilhados nas salas
de aula, às necessidades, angústias, insegurança e vontade de melhor
conhecer. Tais reflexões reverberaram e impulsionaram a organiza-
ção deste material. Destacamos os temas abordados neste e-book, na
convicção de que irão contribuir para a qualificação da docência, do
ensino e da inclusão nas escolas brasileiras, pois entendemos o papel
do professor e a urgência de formação, de estrutura e organização pe-
dagógica, para que possam dar conta de suas tarefas docentes, forta-
lecendo ambientes escolares inclusivos, acolhedores, emancipatórios,
colaborativos, buscando sempre um aprender reflexivo e predisposto
ao acolhimento.

32 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


Considerações Finais

Ao longo da formação foi oportunizada aos cursistas público alvo


da Educação Especial, a reflexão e o debate sobre conceitos e práticas
do Serviço de Atendimento Educacional Especializado (SAEE) volta-
das para a Educação Infantil.
Sabemos que de fato existem leis que determinam a formação
continuada do professor para o atendimento da criança com deficiên-
cia, porém observa-se maior preocupação com a formação do professor
da sala de recurso. Já para o professor que atua na Educação Infantil
pouco se tem sobre os aspectos legais para formação efetiva da educação
inclusiva.
Buscamos com esse artigo compartilhar alguns conhecimentos
teóricos e práticos construídos ao longo dos meses de formação, com o
intuito de aproximar professores, experiências, buscas e conhecimentos
erigidos ao longo deste período de formação, ampliando alternativas e
debatendo possibilidades, as quais tornaram-se fundamentais para o êxi-
to do curso.
Ainda buscou-se acrescentar diálogos que colocassem professores,
formadores, tutores e demais participantes em permanente interação,
valorizando-se as experiências pedagógicas existentes por meio de um
aprendizado colaborativo e coletivo.
Desta forma, o curso de aperfeiçoamento em Serviço de Atendi-
mento Educacional Especializado em Educação Infantil de Educandos
com Deficiência trouxe grandes contribuições para a formação docente,
abrindo diálogos importantes com o aprimoramento de ferramentas ca-
pazes de minimizar as dificuldades enfrentadas pelos professores dentro
das instituições.
A formação continuada é importante dentro do contexto inclu-
sivo, no qual o professor deve ter um conhecimento amplo, buscando
desenvolver métodos de inclusão social, motivando a criança a apren-
der, apropriando-se dessa formação de uma forma crítica, com base em
uma mediação comprometida com as necessidades de suas crianças, na
conquista de habilidades.

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 33


Referências

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Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 35


Capítulo 2

Atendimento Educacional Especializado em Educação


Infantil a Educandos com Deficiência Visual

Flora Duarte Stron32


Joyce Braga33

O Atendimento Educacional Especializado é um mecanismo


necessário para romper com a desigualdade e promover acesso a uma
educação de qualidade e com equidade, e deve ser ofertado na Educa-
ção Básica, esta por sua vez se divide em três etapas: Educação Infantil,
Ensino Fundamental e Ensino Médio.
Na Educação Infantil, os Educandos com Deficiência Visual, ne-
cessitam de um Atendimento Educacional Especializado que propor-
cione ferramentas que contribuam com o processo de desenvolvimento
humano, no qual eles já se encontram, e os estimule cada vez mais a
alcançar as habilidades sensório-motoras, intelectuais e sociais necessá-
rias para seu crescimento.
Para entender como se dá o desenvolvimento humano de um
Educando com Deficiência Visual faz-se necessário conhecer alguns
conceitos relevantes sobre essa deficiência e que serão fundamentais
para compreensão do assunto a ser abordado adiante.

1. O que é Deficiência Visual?

Trata-se de uma limitação sensorial, em que o indivíduo possui


perda ou comprometimento considerável no órgão da visão, nisso sua
32. Especialista em Educação Especial e Psicopedagogia Institucional, Licenciada em Pedagogia, atua
como professora na Educação Especial há 27 anos, atualmente trabalha no Instituto Sul-Mato-Grossense
para Cegos – ISMAC. E-mail: florastron@gmail.com.
33.  Mestra em Educação Matemática - UFMS, Especialista em Educação Especial em Deficiência Visual,
Psicomotricidade e Neuroeducação, Licenciada em Matemática. Atualmente trabalha no Instituto Sul-
-Mato-Grossense para Cegos – ISMAC e no Centro de Apoio Pedagógico a pessoa com Deficiência Visual
de Mato Grosso do Sul – CAP-DV/MS. E-mail: joycebraga778@gmail.com.

36 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


percepção é afetada, restringindo a apropriação do conhecimento do
mundo que está ao redor por meio dos olhos. De acordo com a Portaria
nº 3.128 de 24 de dezembro de 2008 do Ministério da Saúde, a defici-
ência Visual é conceituada da seguinte maneira:

§ 1º Considera-se pessoa com deficiência visual aquela que


apresenta baixa visão ou cegueira.
§ 2º Considera-se baixa visão ou visão subnormal, quando o valor
da acuidade visual corrigida no melhor olho é menor do que 0,3
e maior ou igual a 0,05 ou seu campo visual é menor do que 20º
no melhor olho com a melhor correção óptica (categorias 1 e 2
de graus de comprometimento visual do CID 10) e considera-se
cegueira quando esses valores encontram-se abaixo de 0,05 ou o
campo visual menor do que 10º (categorias 3, 4 e 5 do CID 10)
(BRASIL, 2008, p. 1).

Para melhor compreensão dessa definição clínica, há um artigo


publicado no site do Instituto Benjamin Constant, escrito por Antônio
João Menescal Conde, e que traz a seguinte explicação:

Uma pessoa é considerada cega se corresponde a um dos critérios


seguintes: a visão corrigida do melhor dos seus olhos é de 20/200
ou menos; ou se o diâmetro mais largo do seu campo visual su-
bentende um arco não maior de 20 graus, ainda que sua acuidade
visual nesse estreito campo possa ser superior a 20/200. Esse cam-
po visual restrito é muitas vezes chamado visão em túnel ou em
ponta de alfinete (CONDE, 2012, p. 1).

Logo, é possível entender que, a representação 20/200 significa


dizer que uma pessoa com deficiência visual vê a 20 metros, o que uma
pessoa sem nenhum comprometimento visual vê a 200 metros. Acui-
dade visual refere-se à distância a que um determinado objeto pode ser
visto. Essa dificuldade visual quando devidamente avaliada por um of-
talmologista, poderá ou não ser diagnosticada como uma deficiência
visual.
A deficiência visual é definida da seguinte maneira: cegueira,
quando há percepção de luminosidade, mas ausência total de visão, po-

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 37


dendo ser congênita ou adquirida; e baixa visão (ou visão subnormal),
nesse caso há grande perda visual, ainda assim, com alguma funcionali-
dade preservada (BRASIL, 1999).

Figura 1. Terminologias de Deficiência Visual

Fonte: Arquivo pessoal das autoras.

Descrição da imagem: Em um retângulo amarelo estão as palavras deficiência visual, e este está as-
sociado a outros dois retângulos. No primeiro retângulo azul está a palavra cegueira, que se associa a
outros dois retângulos, um verde com a palavra congênita, e outro rosa com a palavra adquirida, com
o intuito de simbolizar os dois tipos de cegueira. O segundo retângulo lilás contém as palavras baixa
visão ou visão subnormal.

Na cegueira congênita não existe memória visual, de modo que


o indivíduo possui uma representação conceitual do ambiente (cores,
perspectivas, volumes, relevos) sem possuir um conhecimento visual
(ORMELEZI, 2006). Já na cegueira adquirida, o indivíduo dispõe de
uma memória visual anterior à cegueira e, por isso, consegue fazer a
representação de um objeto ou de um ambiente dedutivamente (AL-
MEIDA; ARAUJO, 2013).
O documento Saberes e práticas da inclusão: dificuldade de
comunicação e sinalização – deficiência visual (BRUNO, 2006), do
MEC, aborda algumas particularidades referentes a baixa visão ou vi-
são subnormal, e nele são destacadas: acuidade visual reduzida; campo
visual restrito; visão cores e sensibilidade aos contrastes e adaptação a

38 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


iluminação.
1. Acuidade reduzida: dificuldade para enxergar elementos a par-
tir de uma certa distância, necessitando aproximar-se bastante
para ver pessoas e objetos, isso independente de ter auxílio de
recursos ópticos.
2. O campo visual restrito: característico de criança sem a ampli-
tude de 180°, que é o considerado adequado, portanto, apre-
sentará problemas de orientação e locomoção no espaço.
3. Visão de cores e sensibilidade aos contrastes: certa inabilida-
de para distinguir determinadas cores como: verde, vermelho,
azul, marrom, porém, outras pessoas poderão ter maior facili-
dade em identificar cores vibrantes.
4. Adaptação a iluminação: também conhecida como fotofobia,
condição que algumas crianças podem revelar certo descon-
forto a luz, relatando sentir dor de cabeça e nos olhos (BRU-
NO, 2006).
É importante entender que nem a cegueira ou a baixa visão
impedem, e muito menos inabilitam, o estudante que tenha tal
deficiência, de se apropriar de conhecimento. Nesse contexto, é
necessário enfatizar que a aprendizagem para o cego se dá por meio dos
sentidos remanescentes34 e para o estudante com baixa visão, o resíduo
visual ou visão remanescente será sua aliada, tanto para desempenhar
atividades cotidianas como para uma boa aprendizagem.

2. Desenvolvimento Humano

A criança desde os primeiros dias de vida se desenvolve e se conec-


ta ao mundo por meio de interações sociais e físicas, isto é, ela cresce
fazendo o reconhecimento de tudo que está a sua volta, primeiramente
pelos sentidos remanescentes, e posteriormente por meio dos olhos. As-
sim, ela tenta reproduzir tudo o que vai observando, como por exemplo:
34.  Os sentidos remanescentes “são os sentidos que envolvem as percepções não visuais, como a audição,
o tato (todo o sistema háptico, não somente as mãos), o olfato, a cinestesia, a memória muscular e o sentido
vestibular” (CARLETTO, 2009, p. 15).

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 39


andar, comer, falar, etc., essas ações são resultado de uma percepção
visual.

A visão é uma percepção relevante para a comunicação dos indiví-


duos com o mundo exterior. É através da visão que identificamos
pessoas, objetos e a pessoa que nunca possuiu esta capacidade não
terá uma memória visual e estabelecerá outras formas/maneiras
de criar uma relação com o mundo à sua volta (SILVA; COSTA,
2012, p. 2).

As crianças que não apresentam qualquer comprometimento


motor, sensorial e/ou intelectual e tem suas habilidades e capacidades
cognitivas preservadas, o desenvolvimento é monitorado e segue um pa-
drão de normalidade estabelecido que indica como e de que forma elas
aprendem. Contudo, é na fase escolar, na Educação Infantil, que as
diferenças entre elas se tornam perceptíveis e são evidenciadas, pois não
se encaixam ao meio ou não correspondem ao esperado.
Dessa maneira, é importante entender como acontece o desenvol-
vimento infantil de uma criança, tenha ela alguma deficiência ou não,
pois, embora cresçam da mesma forma, o indivíduo “com deficiência
visual precisa ser estimulado desde o seu nascimento, porque tem difi-
culdades na interação, no domínio e no desenvolvimento da consciên-
cia corporal” (SILVA; COSTA, 2012, p.15). Essa consciência corporal
é que torna diferente cada crescimento, pois não havendo deficiência
visual, a interação com o mundo é algo natural, mas quando há uma
limitação na visão, esse processo deve ser mediado.
O desenvolvimento do conhecimento está associado a um pro-
cesso de elaboração essencialmente baseada na atividade da criança.
Assim, é atuando sobre o mundo externo que, segundo Turner (1976),
a criança adquire conhecimento cada vez mais adequado da realidade.
São precisamente as sucessivas formas de sua atividade, no decurso de
seu desenvolvimento, que determinam os seus modos de conhecimen-
tos.

40 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


2.1 Os estágios do desenvolvimento sob a ótica Piagetiana

Os elementos que constituem a área cognitiva, de acordo com


nosso referencial teórico, são caracterizados por meio da organização e
evolução dos períodos de desenvolvimento proposto por Turner (1976).
Para a autora, a inteligência é um processo de adaptação de dois mo-
mentos simultâneos e complementares: assimilação e acomodação.
Assimilação é a integração de elementos do mundo exterior na
estrutura cognitiva e a acomodação é uma reorganização da estrutura
cognitiva interna, em vista dos dados novos do mundo exterior. Por meio
desse mecanismo arraigado na própria atividade motriz a criança cons-
trói suas estruturas lógicas do pensamento, atravessando quatro estágios:
Sensório-Motor; Pré-Operacional; Operações Corretas; Operações For-
mais.
Estágio Sensório-Motor (0-2 anos): O estágio denominado sensó-
rio-motor, é caracterizado pelas várias descobertas por meio dos sentidos,
a criança começa gradativamente a “trabalhar”, no sentido de formar
uma noção do “eu” e pode se distinguir dos demais objetos existentes,
no mundo exterior, colocando-se em relação a eles, não mais como blo-
co dissociado. A criança procura coordenar e integrar as informações
que recebe por meio dos seus sentidos, como sugar, pegar, ouvir, ver,
perceber (percepção sinestésica), pois é nessa fase que ela descobre o
mundo através da sensibilidade promovida pelos cinco sentidos.
Estágio Pré-Operacional (2-7 anos): Nessa fase a criança está
desenvolvendo a linguagem, sendo o uso das palavras uma característica
essencial deste estágio, possibilitando a representação simbólica, isto é,
ela necessita refazer, à nível da reprodução, as experiências já adquiridas
na primeira fase, agora processada como ação.
Estágio das Operações Concretas (7-8 anos): Nessa fase a criança
consegue passar efetivamente da ação para a operação, procurando in-
tegrar os esquemas de classificação, de seriação, de correspondência de
integridades e negação. É a fase da escolaridade propriamente dita e é
marcada por grande aquisição intelectual.
Estágio da Operação Formal (12 anos): O estágio das operações

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 41


formais é a última fase do desenvolvimento, se inicia aos doze anos, e
é caracterizado pela possibilidade de raciocinar e estabelecer relações
com hipótese e não mais com objetos concretos. Dispõe-se de operações
lógicas proporcional e especulativa, que começa a avaliar o universo
real, as possibilidades.

2.2 A perspectiva de Vigotskiana da construção do Desen-


volvimento Humano

Quando se menciona as perspectivas de Vygotsky fala-se da di-


mensão social do desenvolvimento humano. Interessado fundamental-
mente em pesquisar as funções psicológicas superiores, e tendo produzi-
do seus trabalhos nas concepções materialistas predominantes na União
Soviética pós-revolução de 1917, apresentou estudos que levaram a uma
compreensão mais didática do processo pelo qual o ser humano evolui
mentalmente.
As concepções do desenvolvimento humano, de acordo com La
Taille et al. (1992), indicam que a base da constituição cerebral huma-
na, está fundamentada na ideia que o homem vai se desenvolvendo e
suas funções psicológicas superiores vão se formando lentamente con-
forme seu convívio social. Dessa forma, entende-se que à medida que se
desenvolve, e por meio das relações que vão acontecendo com o mun-
do, permeado pelos mecanismos e representações desenvolvidas cultu-
ralmente, o ser humano cria as formas de ação que o distinguem de
outros animais. “A linguagem humana, sistema simbólico fundamental
na mediação entre sujeito e objeto de conhecimento, funções básicas:
interação social e de pensamento generalizante” (LA TAILLE et al.,
1992, p.27).
A partir das análises feitas por La Taille et al. (1992), é possível
entender que para Vygotsky o meio social contribui para que o ser seja
constituído, e desse modo, acontece o desenvolvimento humano. Logo,
por ter intelecto, o homem se utiliza de objetos e símbolos e assim con-
segue operar mentalmente sobre o mundo. A habilidade de lidar com o

42 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


real por meio de representações é o que permite o ser humano criar si-
tuações abstratas para suprir a necessidade de uma referência concreta,
imaginar experiências ainda não vivenciadas.

2.2.1 Processo de Formação de Conceitos

A linguagem humana é um mecanismo de interação do homem


com o meio, do ser com o objeto de conhecimento, essa capacidade
permite uma classificação, isto é, quando nomeamos coisas, as separa-
mos em grupos, e essa categorização mostra que, sendo iguais deverão
receber o mesmo nome. As palavras, portanto, como signos mediadores
na relação do homem com o mundo são em si generalizações, cada pa-
lavra refere-se a uma classe de objetos, constituindo num signo, numa
forma de representação dessa categoria de objetos, desse conceito (LA
TAILLE et al., 1992, p. 28).
De acordo com o experimento realizado por La Taille et al. (1992),
cada estágio observado confirmou as análises já realizadas por Vygotsky.
a. No primeiro estágio, por meio de conjuntos globais a criança
fez agrupamentos aleatórios, as características utilizadas para
a classificação foram instáveis e não relacionadas aos detalhes
importantes de cada um dos objetos.
b. No segundo estágio, chamado por La Taille et al. (1992) de
“pensamento por complexos”, as ligações entre seus os blocos
separados foram concretas e reais, não abstratas e lógicas. “A
formação de complexo exige a combinação de objetos com
base em sua similaridade, unificação de impressão dispersas”
(ibidem, p.29).
c. No terceiro estágio se deu a formação dos conceitos, pois, a
criança agrupou os blocos tendo como regra uma única ca-
racterística, sendo capaz de desconsiderar atributos que não
faziam parte da experiência concreta.
O autor analisa que o mais importante na ordem da formação de
conceito são os mecanismos desenvolvidos para que a atividade fosse
executada, já que “todas as funções psíquicas superiores são processos

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 43


mediados e os signos constituem o meio básico para dominá-las e dirigi-
-las. O signo mediador é incorporado à sua estrutura, como uma parte
indispensável, isto é, na verdade a parte central do processo como um
todo” (LA TAILLE et al., 1992, p.30). Ao formar os conceitos o signo
é o elemento, que primeiramente media na formação de um conceito,
posteriormente torna-se sua representação.

3. A Estimulação Educacional para criança com Deficiên-


cia Visual

A Estimulação Educacional é o trabalho realizado por professores


e visa proporcionar uma variedade de estímulos, com o intuito de in-
centivar o desenvolvimento motor, cognitivo, social de crianças desde
o nascimento.
Através de exercícios funcionais e da organização da ação motora,
que estão relacionados às experiências proprioceptivas (esquema corpo-
ral) e à atuação do sistema visual, é que a criança normovisual (visão
normal) apresentará movimentos com a cabeça e do corpo todo, e tam-
bém reações de busca visual, da luz, brilho, voz, ruídos em geral e os
objetos em movimentos.
O primeiro contato com o mundo exterior é bastante desafiador
para o bebê, pois, ao chegar, vivenciar experiências nada agradáveis, de
manipulações bruscas até mesmo de estímulos aterrorizantes, com luzes
fortes, barulhos intensos, frio, calor, sente-se desprotegido e perdido no
espaço.
Os bebês, com deficiência ou não, tem as mesmas necessidades
básicas: movimentos, proteção, toque, afeto, cuidados de alimentação
e higiene (BRUNO, 1993). Há necessidade de todos esses elementos
para o seu desenvolvimento: físico, cognitivo, emocional, para melhor
organizar-se, principalmente, sentir-se aceito e bem-vindo ao mundo.
Todavia, quando um bebê diferente do esperado é recebido, pode
ocorrer uma relação delicada. A fragilidade da família pela dor, medo,
frustração, ansiedade, angústia e choque e sentimento de culpa, poderão

44 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


influenciar na maternagem e na interação mãe-filho, uma vez que, esses
fatores interferirão na construção de vínculos saudáveis pelo sentimento
ainda não elaborado, o que é totalmente compreensível. Nesse momen-
to a família está numa fase chamada “luto”, nessa fase inicial é muito
importante, imprescindível o apoio, orientação, informações, instrução
do profissional multidisciplinar, profissional especializado ou terapeuta
especializado em desenvolvimento infantil, oftalmologista, assistente
social, psicólogo, para que a família aprenda a conviver, interagir, cons-
cientizar-se e aceitar o seu bebê, informá-la que ele pode desenvolver
tanto quanto uma criança normovisual (visão normal), mas para isso a
participação ativa da família será fundamental. “Na fase inicial é essen-
cial a colaboração, apoio às famílias e convivência de outros pais, para
compartilhar frustrações e superações” (BRUNO, 1993, p. 10).
É imprescindível aos Centros de Educação Infantil a criação
de núcleos de convivência ou grupo de apoio aos pais, para que
as famílias convivam e compartilhem experiências, frustrações e
também superações.

3.1 Como a criança com deficiência visual aprende?

Uma criança com deficiência visual não pode ter ausência de es-
tímulos ou “restrição de experiências”, pois, podem ameaçar o desen-
volvimento normal no processo educativo. Principalmente nos aspec-
tos relacionados às habilidades que envolvem a utilização dos canais
visuais, tais como, às áreas de aquisição de conceitos. Pois é em contato
com o mundo, que a criança estabelece relações de: representações,
linguagem, compreensão, de símbolos, formação de operação simbó-
lica dando início ao período de alfabetização e controle do ambiente
(BRUNO, 1993).
É impossível tratar de Estimulação Educacional da criança,
e principalmente, com deficiência visual, sem nos reportarmos ao
desenvolvimento humano, pois a inteligência consiste na capacidade
de adaptação às novas situações, isto é, se dá por dois processos

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 45


complementares: assimilação e acomodação, responsáveis pela
adaptação ao meio. O processo de acomodação é a modificação de um
esquema pela ação do sujeito.
Portanto, a aprendizagem depende da capacidade do sujeito se
acomodar ao objeto do conhecimento e assimilá-lo, isto é, internalizá-lo
partindo de dois processos complementares: assimilação e acomodação,
responsáveis pela adaptação ao meio.

A intervenção sensorial é importante porque é por meio dos senti-


dos que a criança conhece o mundo tal qual como é, adquire fer-
ramentas que posteriormente ajudarão nas competências como
percepção para a aprendizagem da escrita, da matemática, o de-
senvolvimento da coordenação motora, atenção, do equilíbrio, da
criatividade e na interação social (BRUNO, 1993, p. 11).

Logo, observa-se, que a construção de conhecimento não é algo


adquirido de fora para dentro, algo que podemos ensinar, apenas me-
diar. Tem origem no orgânico e na troca bioquímica entre o organismo
e o meio.
Os sentidos para a criança com deficiência visual funcionam
como canais e receptáculos de informações, logo, ela adquire seus co-
nhecimentos por meio das experiências que não incluem o uso da visão,
mas os outros sentidos: tato, olfato, paladar, audição, por isso é de suma
importância que lhe sejam oferecidas oportunidades de experimentação
e mediação TATO-A-TATO, CORPO-A-CORPO, para desenvolver
os sentidos remanescentes, que proporcionarão o desenvolvimento de
suas potencialidades. “A mobilidade tátil é de ampla confiabilidade. Vai
além do mero sentido do tato, inclui também a percepção e a interpre-
tação por meio da exploração sensorial. Essa mobilidade fornece infor-
mações a respeito do ambiente, menos refinados que as fornecidas pela
visão” (BRUNO, 2006, p. 75).
Portanto, o desenvolvimento sistemático da percepção proprio-
ceptiva é essencial para a criança com deficiência visual, pois, dessa
forma conseguirá desenvolver a capacidade de organizar, transferir e
abstrair conceitos, e isso se dará com maior disponibilidade de materiais

46 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


com diferentes texturas, formas, sabores e aromas.

3.2 A importância da interação com pessoas e brinquedos

Quando uma criança brinca, ela interage com meio, sente-se pro-
dutora da ação, e isso lhe dá prazer. Ocorre bem cedo, quando ela ad-
quire os primeiros esquemas de incentivo para agir, surgindo assim o
sistema lúdico ou imitativo. A reprodução nasce com a repetição ativa,
quando a criança imita e repete aquilo que lhe satisfaz.
A criança com deficiência visual poderá imitar, brincar se tiver
pessoas disponíveis para mediar, interagir com os movimentos coativos,
para que compreenda tátil-sinestesicamente a ação, por meio do con-
tato físico. Essas crianças necessitam incentivo a fim de utilizarem os
movimentos corporais, as expressões fisionômicas e gestuais como for-
ma de comunicação pré-verbal de imitação e representação. A imitação
e o gesto são funcionais pré-simbólicas (BRUNO, 1993, p. 47). Por isso
a intervenção precoce é importante desde o primeiro ano de vida, para
que não haja nenhuma perda no desenvolvimento.
Nos primeiros dias, meses e anos de vida, a criança com deficiência
precisa aprender a ouvir “não”, condição para construção das estruturas
mentais e de sobrevivência. Da mesma forma, necessita de obstáculos
físicos para remover. Precisa ter oportunidade de experimentar, errar,
viver frustrações, acertar, reformular, prever e antecipar seus desejos e
necessidades. E claro, respeitando as possibilidades de cada um, bem
como com a mediação tato-a-tato, corpo-a-corpo.
Cabe ressaltar, que algumas crianças podem apresentar forma ri-
tualística de brincar. Sentem prazer ao ouvir os sons dos objetos contra o
solo, com o barulho e vibrações dos objetos nos dentes, cabeça, queixo.
Isso não necessariamente significa atraso em desenvolvimento, e sim,
que a criança está muito só, está se encapsulando, buscando autossatis-
fação, uma vez que o mundo não a preenche.

O lúdico na vida da criança com deficiência visual apresenta inú-


meras vantagens, como a manipulação de objetos que a direcio-

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 47


nem para o desenvolvimento e a aquisição específicos da leitura em
Braille, o que requer a realização de um trabalho de melhoramento
da coordenação motora fina para que possa, posteriormente, iden-
tificar os pontinhos na folha e perceber que a combinação deles
formaliza letras, numerais, frases e textos (SOUSA, 2019, p.7).

A formação do símbolo alicerça-se na construção do real. Brincan-


do a criança representa suas vivências, evoca as experiências significati-
vas, organiza e estrutura sua realidade interna e externa, toma consciên-
cia de si como ser atuante. Este é o caminho para conhecer o mundo.

4. Alfabetização e Letramento

A alfabetização e letramento parte do princípio, de que todo ser


humano tem necessidade de um mecanismo para fazer suas represen-
tações a fim de comunicar-se, assim, desde a antiguidade as sociedades
se preocuparam em desenvolver seus símbolos e métodos para registro.
O processo de alfabetização para crianças sem deficiência aconte-
ce gradativamente, visto que elas por si só já apresentam muita curiosi-
dade, sempre buscando conhecer, entender tudo que lhes é mostrado.
De acordo com Ferreiro (1988),

O desenvolvimento da alfabetização ocorre, sem dúvida, em


um ambiente social. Mas as práticas sociais, assim como as in-
formações sociais, não são recebidas passivamente pelas crianças.
Quando tentam compreender, elas necessariamente transfor-
mam o conteúdo recebido. Além do mais, a fim de registrarem a
informação, elas a transformam. Este é o significado profundo da
noção de assimilação que Piaget colocou no âmago de sua teoria
(p. 24).

Uma criança sem comprometimento cognitivo, motor ou senso-


rial, observa atentamente, cada ação do mundo a sua volta, ela vê os
pais se alimentando, andando, conversando, escrevendo, lendo, todos
movimentos e ações são armazenados em sua memória visual, e conse-
quentemente, consegue imitá-los. Entretanto, uma criança sem visão

48 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


não tem acesso as mesmas informações, tudo terá que ser ensinado. Nes-
se processo é importante entender que sem o pleno funcionamento dos
olhos, cabe aos pais/responsáveis e posteriormente ao professor, a função
de mostrar-lhe o mundo.

A visão é uma habilidade essencial para estabelecer contato com


o mundo exterior, é através dela que se constrói a memória visual,
as lembranças visuais, as nossas visões de mundo. Quem nasce
sem a capacidade de ver, jamais poderá desenvolver uma memó-
ria visual, pois nunca teve essa percepção de “ver” o mundo exte-
rior, não conhece as cores, as formas etc. (SILVA; COSTA, 2012,
p. 14 grifo do autor).

A criança com deficiência visual precisará previamente, ter algu-


mas competências desenvolvidas para chegar ao momento da alfabeti-
zação – Intervenção Precoce –, pois ela fará uso de braile, quando cega
e/ou material ampliado, se for baixa visão. É quando costuma ser recor-
rente uma indagação: porque uma criança com baixa visão aprenderia
o braile também? Há casos em que o resíduo visual, não é o suficiente
para a aquisição de conceitos, que podem ser muito visuais, assim, é
recomendado que se inicie o conhecimento do sistema braile.

4.1 Como alfabetizar uma criança cega?

A alfabetização para uma criança cega se inicia muito antes dessa


fase propriamente dita, uma vez que, todas as atividades propostas desde
os primeiros meses de vida devem visar seu o desenvolvimento como
um todo. Cada estímulo será importante na constituição e formação das
competências e habilidades para aprendizagem.

Para iniciar o braile, é necessário que o aluno esteja apto a movi-


mentar os dedos com uma certa precisão e coordenação. Além do
sistema tátil, que encontra consonância com o que está sentindo,
há também outro sistema em ação: o sistema hepático, uma inter-
pretação que fazemos com os nossos músculos e outros sistemas
para reconhecer o que estamos tocando. É uma sensibilidade mais

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 49


profunda. Por esse motivo, a criança cega deve ser estimulada a
exercitar a coordenação motora fina (MOSQUERA, 2010, p. 72).

O pré-braile35 propiciará mecanismos para a criança entender


como se constitui uma cela braile, a ordem em que os pontos aparecem,
isto é, durante esse processo as primeiras informações necessárias para a
aprendizagem da leitura e escrita estarão sendo armazenadas.
A criança cega será alfabetizada em braile, pois utilizar outro siste-
ma de escrita que não este, não fará sentido algum para ela. Logo, todas
as atividades desenvolvidas no período preliminar ao de leitura e escrita
deverão remeter a ideia ao Sistema Braille36. Nesse contexto, chama-
mos a atenção para o trabalho com o pré-braile que contribuirá para
formação e construção dos requisitos necessários, tais como: esquemas
sensórios-motores-perceptivos e da cognição. Assim, a aprendizagem da
leitura e escrita pelo Sistema Braille depende de como a criança foi pre-
parada até esse momento, visto que, a motricidade fina é essencial, bem
como o perceptivo-tátil. Logo, sem essas competências, a criança cega
levará muito mais tempo para ler e escrever (MARUCH; STEINLE,
2009).
É importante respeitar cada etapa de apropriação do conhecimento,
durante o processo de alfabetização, e esse acontecerá de forma
tradicional, letra a letra, e posteriormente por palavras, conforme vão
sendo possíveis as combinações silábicas, e assim por diante. À medida
que a criança for mostrando domínio no sistema, mecanismos de escrita
lhe serão apresentados: reglete e punção, máquina de escrever braile,
linha braile, entre outros.
As primeiras noções matemáticas também serão inseridas no pro-
cesso de alfabetização para isso é importante se introduzir o pré-Soro-
ban, que consiste em apresentar o sistema decimal por meio da ludici-
35.  O pré-braile corresponde a um conjunto de atividades que precedem o ensino do sistema braile, essas
ações consistem em propiciar o desenvolvimento da coordenação motora fina e os primeiros conceitos de
como é uma cela braile. Poderá ser trabalhado: o alinhavo em papel, furar isopor, etc.
36.  O Sistema Braille é composto pela combinação de 6 pontos, resultando em 63 símbolos, que represen-
tam o alfabeto, os números e sinais de pontuação. Esse método foi desenvolvido por Louis Braille na França,
por volta do ano de 1825, mas só chegou ao Brasil em 1850, trazido pelo jovem José Álvares de Azevedo,
que voltava de Paris, após ter ido estudar por 6 anos no Instituto Real dos Jovens Cegos (CERQUEIRA et
al., 2014).

50 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


dade. Mas, o que é Soroban?

O soroban foi um instrumento que a humanidade inventou no


momento em que precisou efetuar cálculos mais complexos
quando ainda não dispunha do cálculo escrito por meio dos al-
garismos indo-arábicos. Esboçado inicialmente a partir de sulcos
na areia preenchidos por pedras furadas e dispostas em hastes de
metal ou madeira, nas quais podiam correr livremente ao longo
dessas hastes conforme a realização do cálculo (FERNANDES et
al., 2006, p.17).

O Soroban é utilizado para cálculo de todas as operações funda-


mentais, tais como: adição, subtração, multiplicação e divisão. Outras
formas de cálculos são possíveis, mas a criança na fase inicial de conhe-
cimento entenderá o sistema decimal, as ordens, as classes, e isso lhe
facilitará a compreensão dos registros em braile.

Considerações Finais

Os primeiros anos de uma criança na escola são fundamentais para


sua permanência durante toda a Educação Básica, pois, os primeiros es-
tímulos para seu desenvolvimento começam a ser trabalhados ainda na
Educação Infantil. Para uma criança com deficiência visual, é impor-
tante que durante esse processo, ela receba o Atendimento Educacional
Especializado, de forma que, as atividades que forem desenvolvidas se-
jam pedagogicamente pensadas a fim de atenderem suas necessidades
educacionais especiais.
Cabe ressaltar, que esse atendimento deve levar em conta, não ape-
nas a deficiência visual presente, mas a importância do desenvolvimento
dessa criança como um todo. Focar na deficiência é em muitos momentos
limitar as ações, as brincadeiras, sendo que ela precisa vivenciar muitas ex-
periências para que construa os conceitos visuais de forma intelectualizada.
A alfabetização em braile deve ser iniciada de forma lúdica, utili-
zando elementos concretos, para que por meio de associações a criança
obtenha o conhecimento do Sistema Braille e, posteriormente do So-

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 51


roban. Todas as ações desenvolvidas em sala de aula devem buscar ter
como objetivo final a Estimulação Educacional para vida, de maneira
que, as habilidades sociais sejam aperfeiçoadas, permitindo que esse in-
divíduo cresça e vá se apropriando de todo conhecimento ofertado.

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Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 53


Capítulo 3

O Atendimento Educacional Especializado para


estudantes com deficiência visual na
pandemia de Covid-19

Celi Corrêa Neres37


Marcelo Brito dos Santos38

A pandemia e o estudante com deficiência

Na passagem de 2019 para o ano de 2020, inicialmente a China,


e em seguida o mundo, foram surpreendidos com a chegada da já re-
conhecida “maior pandemia do último século”, provocada pela “CO-
VID-19”, causada pelo vírus Sars-CoV-2.
No Brasil foram tomadas diversas medidas identificadas nas publi-
cações de algumas portarias, deliberações e pareceres dos vários órgãos
governamentais ligados aos entes da federação e que tiveram como prin-
cipal medida de contenção e prevenção contra a Covid-19 o isolamento
social. No campo da educação não foi diferente.
No Mato Grosso do Sul, as medidas adotas seguiram na mesma
linha, pois a partir do dia 16 de março foram publicadas as seguintes
normativas: Decreto n. 15.391 (MATO GROSSO DO SUL, 2020a)
que trata das medidas de prevenção a serem adotadas no âmbito da ad-
ministração pública do Estado, que estabeleceu o teletrabalho; Decreto
n. 15.393 (MATO GROSSO DO SUL, 2020b) que suspendeu as aulas
presenciais na rede estadual de ensino. Ressalta-se aqui que a maioria
dos municípios do estado seguiram as orientações advindas do governo
estadual e Conselho Estadual de Educação com exceção daqueles que
37.  Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo e Pós-doutorado pela Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul – UFMS. Professora do Mestrado Profissional em Educação da Universidade Estadual
de Mato Grosso do Sul – UEMS. Contato: celi@uems.br.
38.  Mestrando do Mestrado Profissional em Educação da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul –
UEMS. Professor de Geografia da Rede Municipal de Campo Grande e Estadual do Mato Grosso do Sul.
Contato: m.brito1974@gmail.com.

54 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


têm conselho municipal de educação.
As medidas de distanciamento social em razão da Covid-19 no âm-
bito da educação do estado de Mato Grosso do Sul seguem resoluções
e pareceres emanados do Conselho Estadual de Educação e Secretaria
de Estado de Educação, os quais publicaram normas e orientações em
razão da suspensão das aulas presenciais. No dia 18 de março de 2020,
o Conselho Nacional de Educação publicou nota de esclarecimento
sobre a reorganização das atividades acadêmicas ou de aprendizagem
presencial, decorrente da Covid-19. Na mesma data, o Conselho Esta-
dual de Educação em nota esclarece e orienta as instituições de ensino
do Sistema Estadual quanto às medidas de enfrentamento da Covid-19.
As medidas adotadas pela Secretaria de Estado de Educação
(SED/MS) como forma de enfrentamento ao distanciamento social em
razão da Covid-19 foram normatizadas na Resolução n. 3.745 (MATO
GROSSO DO SUL, 2020c), que estabeleceu a oferta de Atividades
Pedagógicas Complementares nas suas Unidades Escolares e Centros
especializados de atendimento.
Em todo o mundo, milhões de estudantes ficaram impedidos de fre-
quentar as escolas. Os gráficos 1 e 2, UNESCO (2021), nos mostram, respecti-
vamente, os países e estabelecimentos escolares fechados, bem como o Brasil.

GRÁFICO 01: Mapa mundial de monitoramento de fechamento das escolas

Fonte: UNESCO, 2021

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 55


GRÁFICO 2: Mapa mundial de monitoramento de fechamento das escolas no Brasil.

Fonte: UNESCO, 2021

Os dados do Censo Escolar 2019, anterior a pandemia, nos dão


a dimensão do impacto gerado pelo distanciamento social, pois foram
afastados do ensino presencial na Educação Básica 47.874.246 estudan-
tes matriculados. Chama a atenção neste cenário os estudantes com
algum tipo de deficiências atendidos pela educação especial, pois ao
fazermos um recorte para modalidade educação especial, encontramos
1.250,967 deles com alguma deficiência em situação de ensino remoto
(BRASIL, 2020).
No Mato Grosso do Sul os dados apontam para 680.108 estudan-
tes matriculados no sistema estadual de ensino, sendo que destes 20.977
são estudantes atendidos na modalidade educação especial (BRASIL,
2020). E, de acordo com dados do Centro de Apoio Pedagógico ao de-
ficiente Visual, em 2020, havia 215 estudantes com deficiência visual,
cegos ou baixa visão, matriculados na rede estadual de ensino. E destes
cerca de 40% estavam matriculados no Atendimento Educacional Es-
pecializado (AEE) na Sala de Recurso Multifuncional na rede estadual
de ensino do MS (CAPDV, 2020).
Em razão da pandemia de Covid-19 todos os alunos, em 2020,
passaram a ser atendidos no ensino remoto, ou seja, recebiam ativida-
des adaptadas seja por professor da Sala de Recurso Multifuncional ou

56 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


pelo Centro de Apoio Pedagógico ao Deficiente Visual. Os professores
por meio de ambiente virtual, tecnologias digitais da comunicação e
informação, realizaram o ensino remoto de todos os alunos, inclusive
dos alunos com deficiência visual. Mas como de fato o trabalho didático
oferecido neste contexto se organizou? Como AEE pensou a relação
educativa, professor-estudante, as estratégias, os recursos a partir do es-
paço virtual, ensino remoto, para atender às necessidades educacionais
dos estudantes com deficiência visual? Ressaltamos aqui que, conforme
as Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especiali-
zado na Educação Básica, o AEE tem como função identificar, elaborar
e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as
barreiras para a plena participação dos estudantes, considerando suas
necessidades específicas.
Desta forma, esse texto tem como objetivo apresentar algumas dis-
cussões sobre a organização do AEE para estudantes com deficiência
visual no contexto pandêmico.

O AEE do estudante com deficiência visual e a Organiza-


ção do Trabalho Didático (OTD)

A organização do trabalho didático tem suas raízes no Capital,


em especial quando trata do artesanato, da manufatura e da fábrica mo-
derna (ALVES, 2005a e 2005b). A forma histórica referente ao trabalho
didático diz respeito à relação educativa que coloca em interação cons-
tante, uma forma histórica de educador com uma forma histórica de
educando, a qual se dá por meio da mediação de recursos didáticos, ins-
trumentos e tecnologias em um espaço determinado (ALVES, 2005b).
De forma mais precisa Alves (2005b, p. 10-11) detalha:

No plano mais genérico e abstrato, qualquer forma histórica de


organização do trabalho didático envolve, sistematicamente, três
aspectos:
a. Ela, é sempre, uma relação educativa que coloca, frente a
frente, uma forma histórica de educado, de um lado, e uma

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 57


forma histórica de educando(s), de outro;
b. Realiza-se com a mediação de recursos didáticos, envolvendo
os procedimentos técnicos-pedagógicos do educador, as tec-
nologias educacionais pertinentes e os conteúdos programa-
dos para servir ao processo de transmissão do conhecimento;
c. E implica um espaço físico com características peculiares,
onde ocorre.

A Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Edu-


cação Inclusiva, orienta que o AEE é uma tentativa de fornecer condi-
ções para a elaboração de estratégias pedagógicas inclusivas. De acordo
com o texto contido nos Marcos Político-Legais da Educação Especial
(BRASIL, 2010, p.69) que traz a Resolução nº 4/2009, do Conselho Na-
cional de Educação, da Câmara de Educação Básica, nos diz:

Art. 2º O AEE tem como função complementar ou suplementar


a formação do aluno por meio da disponibilização de serviços,
recursos de acessibilidade e estratégias que eliminem as barreiras
para sua plena participação na sociedade e desenvolvimento de
sua aprendizagem.

Define na mesma Resolução que considera acessibilidade na edu-


cação,

Parágrafo único. Para fins destas Diretrizes, consideram-se recur-


sos de acessibilidade na educação aqueles que asseguram condi-
ções de acesso ao currículo dos alunos com deficiência ou mobi-
lidade reduzida, promovendo a utilização dos materiais didáticos
e pedagógicos, dos espaços, dos mobiliários e equipamentos, dos
sistemas de comunicação e informação, dos transportes e dos de-
mais (BRASIL, 2010, p.69).

Estas duas citações são importantes. A partir delas compreende-


mos do ponto de vista da norma o papel do AEE na organização do
trabalho didático, pois tem como objetivo a disponibilização de serviços,
recursos de acessibilidade e estratégias que eliminem barreiras, assegu-
rando acesso ao currículo promovendo a utilização de materiais didáti-
cos e pedagógicos e dos espaços.

58 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


E mais adiante, na mesma norma, verificamos o que segue:

Art. 9º A elaboração e a execução do plano de AEE são de compe-


tência dos professores que atuam na sala de recursos multifuncio-
nais ou centros de AEE, em articulação com os demais professores
do ensino regular, com a participação das famílias e em interface
com os demais serviços setoriais da saúde, da assistência social, en-
tre outros necessários ao atendimento. (BRASIL, 2010, p.71).

Ao analisarmos tal assertiva verifica-se a necessidade do diálogo


sobre a organização do trabalho didático de modo que a relação educa-
tiva, os meios e o espaço educativo se desenvolvam colaborativamente
(GLAT; PLETSCH, 2013) para que se alcance os resultados no proces-
so de escolarização.
Questão relevante que se apresenta nestas afirmações é a que par-
te de uma compreensão em que a deficiência não reside exclusivamente
no sujeito, ou seja, o meio social interfere na ampliação ou diminuição
desta. Logo, se faz necessário conhecer, no trabalho educativo, as con-
dições em que cada sujeito se encontra.
Esta forma de organização leva em consideração o sujeito singu-
lar, de modo que cada um possui um tipo de recurso a ser utilizado,
uma duração de atendimento e um plano de ação específico, podendo
ser realizado também em pequenos grupos, ou seja, diferentes das clas-
ses homogêneas.
Importante percebermos a relevância do papel do educador neste
processo, pois os instrumentos de trabalho necessitam de adequação,
tendo em vista as necessidades educacionais dos estudantes. O material
didático é importante, mas não absorve o papel do educador, tal condi-
ção ainda é mais central no tocante à educação especial e ao AEE.
Porém, cabe destacar, que o AEE não se constitui num processo
de escolarização, pois a natureza das atividades que configuram o AEE é
distinta da natureza das atividades realizadas em sala de aula, na escola.
Contudo, seu papel reside em contribuir de forma complementar ou
suplementar neste processo por meio do assessoramento e/ou atendi-
mento dos estudantes com deficiência visual (BRASIL, 2010, p.70).

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 59


Neste contexto nos cabe discutir as implicações da organização
do trabalho didático no ensino remoto e as medidas adotadas no âmbito
do Atendimento Educacional Especializado voltados ao estudante com
deficiência visual. O termo ensino remoto tornou-se alternativa ao ensi-
no presencial, posto como substituto, excepcionalmente, adotado neste
período de pandemia de Covid-19 (SAVIANI; GALVÃO, 2021).
No entanto, uma consideração fundamental que deve servir de
questionamento, está relacionada à disponibilidade e ao acesso às tec-
nologias tanto por professores quanto por estudantes, nesse período.
Importante trazer aqui a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
Contínua - Tecnologia da Informação e Comunicação de 2018, divul-
gada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística que nos mostra
a grande desigualdade que existe, por exemplo, na disponibilidade do
sinal de internet por região de 2016 a 2018 (IBGE, 2019), conforme
tabela abaixo:

Tabela 1: Percentual de domicílios em que havia utilização de internet, segundo as


Grandes Regiões – 4º trimestre – 2016-2018

Fonte: IBGE, 2019

Outro dado que nos chamou muito atenção foi quanto aos domicí-
lios que tinham microcomputador, pois segundo a pesquisa, no

país, em 2018, o microcomputador era usado para acessar a Inter-


net em 48,1% dos domicílios em que havia utilização desta rede.
Em 2017, este percentual estava em 52,4%. Também, o percen-
tual dos domicílios em que o microcomputador era o único meio

60 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


utilizado para acessar a Internet, que já era muito reduzido de
2017 (0,9%), caiu para 0,5%, em 2018 (IBGE, 2019, p. 45).

Na área urbana, esse percentual caiu d e 54,5% para 50,5% e,


em rural, de 26,1% para 22,5%. A mesma queda foi percebida em todas as
Grandes Regiões em área urbana e em área rural.

Tabela 2: Percentual de domicílios em que o microcomputador era usado para acessar a internet

Fonte: IBGE, 2019

Esta realidade não se alterou nos anos subsequentes e na pande-


mia, só se agravou em razão da crise econômica gerada, principalmente
às camadas menos favorecidas da população. Esse é um empecilho que
desfavorece uma aprendizagem interativa e colaborativa, essencial em
um momento em que a discussão sobre a carga horária das aulas per-
meia todo o ambiente educacional. (SOUZA; DAINEZ, 2020).
Dentre os equipamentos mais usados para acessar a Internet te-
mos o celular que é encontrado em 99,2% dos domicílios. O segundo
foi o microcomputador, que, no entanto, só é usado em 48,1% desses
lares (IBGE, 2019).
Nesse contexto, como a escola e os serviços da educação especial,
especificamente o AEE oferecido na Sala de Recurso Multifuncional se
organizaram para dirimir estas barreiras? Como se pensou a organização
do trabalho didático, tendo em vista as estratégias, tecnologias e instru-
mentos? Como as estratégias escolhidas pelo AEE garantiram educação
complementar e suplementar com a qualidade desejada, ou seja, tendo

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 61


em vista as necessidades educacionais dos estudantes com deficiência
visual? Como o AEE assessorou professores e estudantes com deficiên-
cia visual tendo em vista a organização do trabalho didático?
Compreender em Marx (2010) que o ser humano é movido por
desejos e carências que se estabelecem por meio da aquisição do patri-
mônio cultural construído historicamente pelo gênero humano. Enten-
demos que essa riqueza não será fornecida exclusivamente pelo saber
escolar, tendo em vista que educação não é somente ensino, mas isso
não elimina sua importância, pois tem a finalidade de socializar o saber
sistematizado que se constitui elemento fundamental daquele (SAVIA-
NI, 2011).
A escola tem a função socializadora dos conhecimentos historica-
mente acumulados, Saviani (2011, p.17), afirma que:

[…] para existir a escola, não basta a existência do saber sistema-


tizado. É necessário viabilizar as condições de sua transmissão e
assimilação. Isso implica dosá-lo e sequenciá-lo de modo que a
criança passe gradativamente do seu não domínio ao seu domí-
nio. Ora, o saber dosado e sequenciado para efeitos de sua trans-
missão e assimilação no espaço escolar, ao longo de um tempo
determinado, é o que nós convencionamos chamar saber escolar.

Nesta perspectiva, a escola cumpre um papel fundamental no de-


senvolvimento do sujeito, pois por meio do trabalho educativo promove
a transmissão e assimilação do saber escolar. Com a pandemia de Co-
vid-19, deslocou-se o espaço escolar para o espaço virtual, quando os
estudantes tinham acesso, e em grande parte, com o envio de atividades
que os estudantes deveriam realizar na maioria das vezes com o auxílio
de algum familiar. Verifica-se, portanto, o distanciamento na relação
educativa professor e estudante.
Para se desenvolver o indivíduo precisa da interação, primeira-
mente, com o outro. E, ressaltamos aqui que esse outro na escola é o
professor. Ele tem as condições para identificar as necessidades que pre-
cisam ser superadas e promover o desenvolvimento dos estudantes, ba-
seado nos pressupostos educacionais omnilaterais, ou seja, tendo como
pressuposto o desenvolvimento de toda totalidade humana. Mas para

62 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


que isso aconteça se faz necessário que as condições sejam construídas
e isso só ocorre por meio da organização do trabalho didático que se
dá, segundo Alves (2005a, 2005b), na relação educativa que coloca em
interação constante uma forma histórica de educador com uma forma
histórica de educando, a qual se dá por meio da mediação de recursos
didáticos, instrumentos e tecnologias em um espaço determinado.
Mas esta relação será mediada pelas condições concretas ofereci-
das ao professor e ao estudante com deficiência visual. E estas condições
permeiam o meio educacional, social, econômico e político. Por isso,
políticas de formação de professores devem pensar a totalidade da rea-
lidade educacional, pensando no professor e nos demais elementos que
compõem o trabalho educativo, ou seja, a relação educativa com o estu-
dante, as tecnologias educacionais, estratégias e o espaço físico escolar.

Estratégias e tecnologias no AEE de estudantes com defici-


ência visual na pandemia

Já mencionamos anteriormente que a rede estadual de ensino do


Mato Grosso do Sul seguiu em 2020 e em boa parte de 2021 os proto-
colos estabelecidos pelo Conselho Nacional de Educação, por meio do
Parecer n. 5/2020 (CNE, 2020), que tratou da reorganização do calen-
dário escolar e da possibilidade de cômputo de atividades não presen-
cias para fins de cumprimento da carga horária mínima anual.
No Mato Grosso do Sul foi o Decreto n. 15.391 que tratou das me-
didas de prevenção adotadas no âmbito administração pública do Esta-
do estabelecendo o teletrabalho. E o Decreto 15.393, o que suspendeu
as aulas presenciais na rede estadual de ensino, implantando no sistema
estadual de ensino o chamado “ensino remoto”.
Em razão dos referidos Decretos, a Secretaria de Estado de Edu-
cação (SED/MS) publicou a Resolução SED n. 3.745 de 19 de março
de 2020 que regulamentou a oferta de Atividades Pedagógicas Comple-
mentares (APC’s) nas Unidades Escolares e Centros, cujo objetivo era o
cumprimento da carga horária anual e dos dias letivos exigidos por lei,

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 63


ficando a cargo da Direção Escolar, em conjunto com a equipe técnico-
-pedagógica, estabelecer o modo de comunicação com as diversas fa-
mílias dos estudantes para o envio e recebimento das APC’s, podendo
serem físicos ou virtuais (MATO GROSSO DO SUL, 2020c).
E conforme Art. 4º competia ao docente:

I – Planejar e elaborar a APC em consonância com os documen-


tos curriculares emanados da Secretaria de Estado de Educação,
que deverá ser apreciado pela coordenação pedagógica;
II – Criar canal de comunicação a fim de sanar possíveis dúvidas
dos estudantes, famílias ou responsáveis escolar, no que diz res-
peito à APC, de forma a orientar e garantir a qualidade do serviço
prestado;
III – Arquivar a APC para fins de comprovação do cumprimento
do currículo, da avaliação do rendimento escolar, da carga horá-
ria anual e dos dias letivos aos quais o estudante tem direito, e pos-
terior repasse ao Coordenador pedagógico. (MATO GROSSO
DO SUL, 2020C).

O artigo citado nos revela o delineamento da organização do tra-


balho didático que se construiu para o atendimento dos estudantes de
um modo geral, no contexto da pandemia na sua fase mais aguda, o
distanciamento social. Percebe-se com grande ênfase a centralidade
na atividade didática e tecnologia, aqui compreendido como atividade
pedagógica complementar (APC). O caput do artigo 2º faz menção à
forma que o estudante poderá receber as atividades escolares, sendo fí-
sico ou virtual. Assim, o professor embora tenha a função de planejar o
processo de ensino, também cabe a ele criar as condições estruturais do
trabalho educativo, ou seja, as ferramentas tecnológicas que mediarão o
processo de ensino.
Mais adiante a mesma resolução no capítulo V trata dos estudan-
tes públicos da educação especial. E no Art. 17 nos diz:

Os professores especializados em educação especial, quais sejam:


professores de apoio em ambiente escolar, professores do AEE
em Sala de Recurso Multifuncional, tradutor intérprete de Li-
bras, instrutor mediador da modalidade sinalizada ou oral e guia
intérprete, em articulação com o professor regente e a equipe

64 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


pedagógica da escola, ficarão responsáveis pelas adequações das
atividades, dos materiais dos estudantes públicos da educação es-
pecial (Mato Grosso do Sul, 2020c).

O §3º do Art. 17 estabeleceu como critério para as adequações


realizadas pelos profissionais da educação especial o seguinte:

I – O Plano Educacional Individualizado – PEI;


II – O grau de autonomia para execução da atividade, com me-
diação dos familiares;
III – O recurso educacional especializado necessário para execu-
ção da tarefa em casa (MATO GROSSO DO SUL, 2020c).

E no caso de estudantes com deficiência visual, o documento es-


tabelece no Art. 19, que “cabe ao professor especializado em educação
especial orientar quanto a disponibilização dos recursos de acessibilida-
de” detalhando nos parágrafos seguintes que:

§1º Para os estudantes cegos, quando houver disponibilidade


e necessidade, a máquina Perkins poderá ser disponibilizada
durante o período de execução das atividades pedagógicas
complementares no ambiente domiciliar, por meio de termo de
comodato elaborado pela escola.
§2º O professor de sala de recurso e/ou professor de apoio serão
responsáveis pela transcrição braille para tinta, tinta para braille.
§3º O professor da Sala de Recurso Multifuncional e/ou professor
de apoio deverão ampliar as atividades para os estudantes com
baixa visão de acordo com a fonte especificada na avaliação
funcional da visão (MATO GROSSO DO SUL, 2020c).

Ao desenvolver esta análise do Atendimento Educacional Espe-


cializado de estudantes com deficiência visual no contexto da pandemia
de Covid-19 partimos do pressuposto, segundo KASSAR (2003), que as
políticas públicas são criadas em razão da contradição do movimento da
sociedade que têm como tensão capital e trabalho.
Neste sentido, é importante, além de identificar o conjunto nor-
mativo estabelecido para atender no contexto da pandemia, a motivação
desta forma de trabalho adotada. As medidas adotadas, principalmente

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 65


na educação alteraram as circunstâncias vividas anteriormente, sejam
por professores ou estudantes. A pandemia forjou determinadas circuns-
tâncias as quais impulsionaram políticas públicas e aqui analisamos as
que estão voltadas à educação, em especial, as que estão voltadas para o
atendimento do estudante com deficiência visual. De acordo com Kas-
sar (2003), precisamos compreender em sua totalidade, as suas relações
dinâmicas, nas quais captamos as suas contradições inerentes ao proces-
so histórico, determinações constitutivas do desenvolvimento social por
meio de um esforço de observação, registro, análise e questionamentos.
Para analisar o AEE, foram utilizados os relatórios de acompa-
nhamentos do CAP-DV e dados lançados das APC no “Drive Covid”,
elaborados pelos professores das Salas de Recursos Multifuncionais e
outros profissionais da educação especial acompanhados pelo Centro
de Apoio Pedagógico ao Deficiente Visual.
O Drive Covid é banco de dados em nuvem virtual, criado pela
coordenadoria de Políticas para Educação Especial da Secretaria de Es-
tado de Educação (COPESP/SED), para que as Atividades Pedagógicas
Complementares – APC’s, fossem salvas e acompanhadas pelos centros
de educação especial. Serviu também para o assessoramento aos diver-
sos profissionais da educação especial nas adequações curriculares, a
partir das necessidades de cada estudante, durante o período de ensino
remoto.
A análise das atividades permite compreender como se deu o pro-
cesso de envio das APC’s e suas adequações aos diversos estudantes, pú-
blico da educação especial no período. Baseado na categoria de análise
(ALVES, 2005a e 2005b), pode-se identificar como elemento nuclear
da organização do trabalho didático a Atividade Pedagógica Comple-
mentar (APC), baseada na Resolução SED n. 3.745 (MATO GROSSO
DO SUL, 2020C).
Estabeleceu-se a família como elemento mediador para reali-
zação das APC’s, ou seja, todas as atividades produzidas nos diversos
componentes curriculares e que são elaborados pelo professor passam
a ser resolvidos com o apoio de um familiar no domicílio, dessa for-
ma, a relação educativa presente na organização do trabalho didático

66 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


se desloca do professor para a família. Cabe ressaltar os efeitos advindos
desse processo, pois grande parte das famílias, dadas as condições sociais
e econômicas, não puderam se organizar para atender de forma ade-
quada, pois muitos prescindiam de espaço próprio em casa e adequado
para os estudantes. No caso da deficiência visual, muitos não tinham o
domínio do Braille ou dos recursos de tecnologias assistivas necessários
a aprendizagem.
A pandemia ao levar os sistemas de ensino a adotarem o “ensino
remoto”, como estratégia para o atendimento escolar, gerou o desloca-
mento do espaço físico da escola para o espaço físico da casa. E as estra-
tégias e tecnologias educacionais que mediaram esse deslocamento no
processo de ensino, conforme Resolução 3.745 de 2020, foram as APC’s
e algumas tecnologias digitais da informação e comunicação, como por
exemplo, o Google Sala de Aula, o Youtube e o Meet.
Contudo, ao analisarmos o uso destas tecnologias, percebemos
limitações de uso e de acesso relacionadas ao aos estudantes e professo-
res. A acessibilidade em especial para pessoa com deficiência visual, foi
realizada por meio do acesso a dados móveis, seja por celular ou compu-
tador, mas nem todos tinham a mesma disponibilidade de acesso, o que
anteriormente acontecia somente dentro do espaço escolar.
Mas além das questões relacionadas às estratégias e tecnologias
educacionais adotadas temos que destacar o processo de adaptação e
acessibilidade das APC’s e uso de tecnologias assistivas digitais da infor-
mação e comunicação no que tange o estudante com deficiência visual.
Pois, conforme análise inicial das atividades do Drive Covid, grande par-
te dos estudantes com deficiência visual não receberam, incialmente,
APC’s adequadas às suas necessidades.
Conforme a Resolução SED n. 3.745 (MATO GROSSO DO
SUL, 2020c), em seu Art. 18, aqueles estudantes que não tinham pro-
fessor de apoio deveriam ser atendidos pelo professor da Sala de Re-
cursos Multifuncionais na adequação das atividades pedagógicas com-
plementares. Embora o Centro de Apoio Pedagógico ao Deficiente
Visual tenha produzido juntamente com a Coordenadoria de Políticas
para Educação Especial da Secretaria de estado de Educação, material

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 67


orientativo para estratégias e produção de materiais adequados à pessoa
com deficiência visual, o que se percebeu foi a grande dificuldade dos
profissionais no domínio dos mesmos e do próprio Braille para atendi-
mentos destes estudantes.
Em razão da não obrigatoriedade do atendimento por professor de
apoio e muitos não estarem acompanhados pela Sala de Recursos Multi-
funcionais, antes de 2020, o Centro de Apoio Pedagógico ao Deficiente
Visual teve que realizar levantamento em toda a rede estadual de ensino
dos estudantes com deficiência visual matriculados, uma vez que os da-
dos existentes no CAP-DV eram somente para estudantes de escolas que
solicitavam ampliação de fonte ou transcrição para o Braille dos materiais
didáticos. Após finalizado o levantamento, verificou-se um número de
215 estudantes com deficiência visual matriculados na rede estadual de
ensino, sendo 50 cegos e 165 com baixa visão CAPDV (CAPDV, 2020).
A identificação da demanda por sua vez gerou ações importantes
no âmbito do atendimento, pois com a pandemia, para o CAP-DV hou-
ve a necessidade de reorganizar o assessoramento/formação de professo-
res e estudantes de modo que atendêssemos, principalmente, o processo
de adequação dos materiais, estratégias e tecnologias educacionais vol-
tadas ao estudante com deficiência visual.
No âmbito do AEE é significativo destacar o desafio de desenvol-
verem o trabalho numa perspectiva colaborativa com os professores re-
gentes, pois muitos compreendem a educação especial como um lugar
dentro da escola que o estudante deve se dirigir para serem atendidos.
Desresponsabilizando-se do compromisso com a inclusão do estudante
nos processos educativos dentro da sala de aula. O que por sua vez gera
sobrecarrega os profissionais do AEE.
A pandemia de Covid-19 trouxe para superfície muitas contradi-
ções que estavam latentes no chão da escola. A relação educativa, as
tecnologias, recursos e conteúdos e o próprio espaço físico da escola
precisam ser repensados numa perspectiva inclusiva. E para que isso
aconteça se faz necessário ampliar a formação do professor, investir em
adequações na estrutura de trabalho das salas de aula e Salas de Re-
cursos Multifuncionais. Repensar a relação professor-regente/professor-

68 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


-especializado de forma colaborativa, tendo como centro o desenvolvi-
mento omnilateral do estudante.
Percebe-se, neste cenário, o pouco domínio das tecnologias e re-
cursos de acessibilidade para atender as demandas que foram geradas
pelo ensino remoto. Pois o estudo mostrou a necessidade de se pensar
na construção de estratégias de inclusão associadas ao uso de tecnolo-
gias de modo que favoreçam a relação educativa entre professores e es-
tudantes com deficiência, cuja intenção é eliminar as barreiras postas ao
processo de ensino-aprendizagem de forma colaborativa entre professo-
res regentes e os serviços da educação especial.

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70 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


Capítulo 4

Surdez: deficiência, sujeitos e educação

Karine Albuquerque de Negreiros39


Shirley Vilhalva40

Palavras iniciais

A surdez é um termo guarda-chuva que implica uma deficiência


plural entre sujeitos, perdas auditivas e identidades. Segundo a legisla-
ção em vigor no nosso país o referido termo abriga a pessoa surda, o de-
ficiente auditivo e o surdocego e suas múltiplas formas de comunicação
e línguas. A educação, por sua vez, requer um olhar atento à diversidade
presente na deficiência. Dessa forma, cabe esclarecer que não temos
a intenção de repousar o olhar de forma clínica. A escolha do termo
surdez se dá pelo fato de optarmos por considerarmos de forma ampla
nesta discussão os sujeitos e perspectivas que envolvem o termo sob uma
perspectiva legal.
Assim, o objetivo deste texto é apresentar os termos, conceitos e
perspectivas que estão embutidas na deficiência e como elas impactam
a educação dos sujeitos. Trata-se de um ensaio bibliográfico que faz um
diálogo com a legislação específica, autores que dedicaram suas pesqui-
sas sobre o tema, além de documentos oficiais. Para tanto o texto está
organizado em três seções que apresentam uma discussão inicial sobre
a deficiência, os sujeitos e a educação respectivamente, com ênfase à
formação social e cultural do sujeito que perpassa a apropriação e utili-
zação de sua língua para promoção da autonomia e identidade do ser.
Reforça-se que este texto, sob o prisma aqui debatido, tece con-
tribuições às questões educacionais das pessoas surdos e surdocegas no
país. Entender e adotar uma postura de simpatia aos problemas e neces-
39.  Atua como professora da Faculdade de Educação – FAED na Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul- UFMS. Doutora em Educação. E-mail: karine.albuquerque@ufms.br.
40.  Atua como professor/a da Faculdade de Educação – FAED na Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul- UFMS. Mestre em Linguística. E-mail: shirley.vilhalva@ufms.br.

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 71


sidades de todos os sujeitos que abrigam a surdez auxiliam a elaboração
de medidas educativas e sociais que promovam a inserção, consonância
e entendimento entre as várias riquezas sociais e culturais contidas no
multiambiente que é o Brasil.

1. A deficiência: O porquê da questão

A surdez é um universo vasto e complexo como as demais defi-


ciências, ela não pode ser reduzida apenas às pessoas que têm perda
auditiva e/ou pelo uso da Libras. Existe uma complexidade de sujeitos,
formas de comunicação e línguas contidas nesse termo: surdez. Isto é,
ser surdo passa pelo menos por duas perspectivas, a primeira de perda
auditiva. Segundo o Decreto 5.626/05 (BRASIL, 2005) é necessário ter
perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais.
A segunda sob uma ótica social de identificação com as línguas seja a
Língua Brasileira de sinais ou a Língua Portuguesa.
Pensando na questão da pluralidade a surdez abrange um grupo
de pessoas com perdas auditivas significativas, ou seja, com comprome-
timento auditivo que implique em alterações na forma que o sujeito
interage socialmente. Nesse grupo heterogêneo temos uma parcela con-
siderável de surdos que utilizam a língua portuguesa para se comuni-
car, que tem a língua majoritária como sua primeira língua. Presentes
também nesse grupo estão os surdos sinalizados, que pertencem a uma
comunidade surda que tem a Libras como sua língua de origem e iden-
tificação. Sobre essa separação, exclusivamente, linguística entre os sur-
dos, independente de sua perda auditiva, temos a considerar:

Considerar a existência de uma “comunidade surda”, que abran-


ge somente aqueles surdos que admitem e assumem a “cultura
surda” decorrente de uma “apropriação viso-manual” do mundo
é desconsiderar, de um lado a existência de um enorme número
de surdos que, em razão de condições e trajetórias sociais diferen-
ciadas, utilizam a língua oral como forma básica de comunicação
e que pouco ou nada convivem com outros surdos. Considerá-los
como não assumindo a sua “identidade surda” é impor uma úni-

72 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


ca possibilidade de socialização, qual seja, a de convívio preferen-
cial com seus pares (BUENO; FERRARI, 2013, p. 8).

Considerando os surdos sinalizados, existem inúmeras condições


a serem observadas, uma delas importante para compreensão de sua
aprendizagem, é o desenvolvimento da linguagem, se são oriundos fa-
mílias de surdos ou filhos de pais e famílias ouvintes. Segundo Karnopp
(2005) as pesquisas em relação à aquisição da linguagem de crianças
surdas procura colocar os informantes em categorias separadas, conside-
rando o ambiente linguístico da criança, isso porque a exposição à lín-
gua de sinais é algo significativo para o desenvolvimento da linguagem,
e consequentemente, para a aprendizagem.
No grupo de surdos oralizados, ou deficientes auditivos, o desen-
volvimento da linguagem também é de suma importância, o fato aqui
não vai mais estar ligado ao ambiente e famílias de origem se surda ou
ouvinte. A relevância está centrada na exposição da criança a terapias
de fala e sua resposta a esse atendimento, já que a família optou pela
linguagem oral. Fato é que, em ambos sujeitos o atraso no desenvol-
vimento da linguagem é um fator a ser considerado quando se fala da
deficiência surdez, especialmente, para aprendizagem.
No universo da surdez temos ainda a sudocegueira, uma defici-
ência singular, isto é, não se trata de uma pessoa surda e cega, trata-se
de uma condição neurosensorial de percepção social única, com múlti-
plas combinações de condições e formas de comunicação possíveis. Isso
porque, conforme nossa discussão, as combinações de perdas auditivas
e perdas visuais são inúmeras. Uma pessoa pode nascer cega e perder
audição e vice-versa, dentre outras tantas possibilidades que fazem a
surdocegueira uma deficiência única. Vale ressaltar que essa condição
neurossenssorial ganhou espaço no Decreto 5.626/05 (BRASIL, 2005)
que define, entre outras coisas, as pessoas com surdez.
Portanto, a etiologia da surdez é, também, um fator importante
que tem relação não somente com a idade da perda auditiva, mas com
um fator cultural e de identidade, uma vez que, a escolha da língua
vai direcionar para lugares e posicionamentos sociais divergentes. Dois
grandes modelos podem ser facilmente reconhecidos, pois a literatura

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 73


da área se dedicou amplamente, nos últimos anos, a demarcar as dife-
renças entre a perspectiva clínico-terapêutica (para a qual a noção de
deficiência é central) e a concepção socioantropológica de surdez (ba-
seada na noção de diferença). O que podemos considerar uma impli-
cação didática visto perspectivas diferentes dentro do próprio grupo. A
seguir serão discutidas diferentes abordagens teóricas que têm orientado
o estudo da surdez.

2. Os sujeitos e suas perspectivas

Apresentada a deficiência, seguimos nossa discussão por conhe-


cermos aqueles que a tornam tão complexa: os sujeitos. A Lei do nosso
país e a medicina definem quem é surdo, em uma visão de norma por
perdas auditivas ou línguas que usam. Contudo há uma complexidade
muito maior quando nos deparamos com as perspectivas desses sujeitos.
Operando na lógica da surdez como deficiência está o que se conven-
cionou chamar de modelo clínico-terapêutico (SKLIAR, 1998). Neste,
o direcionamento dado por profissionais da saúde e da educação se cen-
tra na reabilitação. Na década de 1970, ganhou força o modelo cultu-
ral de surdez, também conhecido em nosso meio como modelo socio-
antropológico que propõe que a surdez seja vista como uma diferença
cultural que seria basicamente análoga a de outras minorias étnicas e
linguísticas.
Embora as perspectivas sejam importantes, devemos esclarecer
neste momento quem são os surdos e os deficientes auditivos, uma vez
que outras complexidades se originam intensificam a partir desses dois
grupos recentemente, e por consequência implicam em suas formas de
aprender. O Decreto Federal 5.626 de 22 de dezembro de 2005 (BRA-
SIL, 2005), traz a definição e a diferença legal entre pessoa surda e de-
ficiência auditiva. Uma das especificidades importantes da legislação,
pois define, independente da perda auditiva, pessoa surda como sendo,
aquela que usa a comunicação visual. Veja: 

74 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


Art. 2º Para fins deste Decreto, considera-se pessoa surda aquela
que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo
por meio der experiências visuais, manifestando sua cultura prin-
cipalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais-Libras. Pará-
grafo único. Considera-se deficiência auditiva a perda bilateral,
parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida
por audiograma nas frequências de 500Hz, 2.000Hz e 3.000Hz
(BRASIL, 2005 -, grifo nosso).

Dessa forma, o grupo que antes era o da surdez, teve uma divisão
social muito clara em dois grupos: pessoa surda e deficientes auditivos,
que apesar de muitas vezes terem a mesma perda auditiva, ou seja, a
mesma deficiência, socialmente estão posicionados e se relacionam
com o mundo de formas diferentes. É preciso mencionar que tensões
surgiram a partir de então. De um lado temos os surdos sinalizados que
afirmam que usar “pessoa com surdez” é estar se referindo a eles em
uma visão clínico-terapêutico, sendo correto o uso do termo pessoa sur-
da; do outro temos os deficientes auditivos reivindicando o direito de ser
surdo e não mais um deficiente da audição que lhes foi tirado desde o
referido decreto.
A visão reducionista da norma, qualquer que seja ela, contribui
para construção de um padrão, e imediatamente de um desvio que é
seu antagônico. Na concepção de um surdo padrão seja por perda ou
língua criou-se um desvio onde foram lançados todos os outros que não
pertencem ao “normal” da surdez. A divisão de concepções na busca
de classificar teorias, discursos, modelos educacionais, por vezes reforça
o binarismo de oposição. A esse respeito Nogueira (2021, p. 261), nos
respalda:

Cabe considerarmos, contudo, que o discurso da surdez na visão


socioantropológica assim como também acontece na visão médi-
co-patológica, acaba cristalizando os surdos e sua comunicação
em binarismos. No passado, quando os surdos eram localizados
no rol dos deficientes, o que significava que o ser surdo nem se
colocava como uma questão – senão como um vir a ser como um
ouvinte – e sua comunicação era estreitamente traduzida como
oralização. No presente, uma outra normalização do surdo é cria-

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 75


da pela eleição da visualidade como aspecto constituidor do povo
do olho (como definiu o surdo George Veditz, em 1912).

Nesse sentindo, Cavalcanti (2011), corrobora ao afirmar que, es-


pecialmente para os surdos, o contexto social e linguístico é complexo.
A opção de qual língua a pessoa vai identificar como sua primeira vai
classificá-lo como um deficiente auditivo, caso opte pela língua oral,
ou um surdo, caso a opção seja a Libras. Em ambos os casos vão surgir
diversidades, perdas auditivas, subjetividades, contextos sociais e fami-
liares, entre outros fatores, que realmente vão aprofundar as perspectivas
de ser surdo. Entretanto, apenas os surdos sinalizados são uma das mino-
rias linguísticas em nosso país.
O último sujeito da surdez se desponta no paralelo a essas perspec-
tivas distintas aqui apresentadas, mas encontra espaço nos documentos e
na legislação para adensar o grupo de sujeitos e complexidades. Assim,
conforme anteriormente afirmamos a surdocegueira é uma condição
neurosenssorial única que pode apresentar perfis distintos, em função
de vários aspectos: características da interação que mantém com o meio,
decorrentes do comprometimento dos sentidos de distância (audição
e visão); grau de perda auditiva; grau de perda visual; outros compro-
metimentos associados, entre eles o motor e o neurológico; período de
aquisição da surdocegueira, entre outros.
A surdocegueira afeta sentidos determinados de distância (visão e
audição) que trazem consequências diretas na obtenção de informações
reais do mundo. Dessa maneira, a criança surdocega pode apresentar
alguns problemas de saúde decorrentes, aspecto que pode vir a inter-
ferir no processo de ensino e aprendizagem. O desafio é complexo, as
crianças precisam desenvolver formas de comunicação inteligíveis com
os seus interlocutores.
Portanto, a pluralidade de sujeitos e perspectivas presentes na sur-
dez desafia os paradigmas estabelecidos ao longo dos anos, exigindo que
os estudiosos se tornem mais sensíveis ao diverso, como possibilidade
mais ampla para explicar a vida comunicativa e social dos surdos. A
educação, por sua vez, é o local no qual essa diversidade vai existir, e de
forma prática e imediata, buscar repostas para atender as necessidades

76 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


reais e plurais dos alunos. Na próxima seção aprofundaremos o tema da
educação no universo da surdez.

3. A educação: aproximações e distanciamentos

A discussão da educação de pessoas com surdez e nesse momen-


to usamos o termo para nos referirmos aos três sujeitos que possuem
a deficiência e não assumindo uma posição teórica começa a ganhar
espaço no Brasil em meados dos anos de 1990, seguindo as produções
internacionais que apontavam os resultados de políticas e práticas bilín-
gues41 em um período análogo à luta pelo reconhecimento da Libras
como meio legal de comunicação e da discussão mundial pela inclusão.
Decorridos dessas produções, somadas com o documento “A educação
que nós surdos queremos” (FENEIS, 1999), resultaram na formulação
das políticas educacionais para surdos dos dias atuais.
A pauta da educação bilíngue para alunos surdos tem sido cres-
cente na construção de políticas educacionais em nosso país. A exemplo
disso, destacamos o que asseguram os textos legais, como o Plano Nacio-
nal de Educação (2014-2024) (BRASIL, 2014a) e a Lei no 13.146/2015
(BRASIL, 2015). O primeiro documento é fruto de uma discussão e pro-
dução em âmbito nacional e da mobilização dos surdos na tentativa de
assegurar, nas metas, o que entendem como educação bilíngue e como
esta deve ser prevista nos processos escolares. Das garantias legais, que
são abordadas no PNE 2014-2024, destacamos a referência à educação
bilíngue para os surdos nas metas:

1.11, que dispõe sobre o acesso à educação infantil, “assegurando


a educação bilíngue para crianças surdas”; 7.8, que trata dos indi-
cadores de avaliação para a “qualidade da educação bilíngue para
surdos”; e 4.7, que garante textualmente a oferta desta modalida-
de de educação para os surdos (BRASIL, 2014a).

41.  Ensino bilíngue segundo o Decreto nº 5.626/05 é:§ 1º São denominadas escolas ou classes de educação
bilíngue aquelas em que a Libras e a modalidade escrita da Língua Portuguesa sejam línguas de instrução
utilizadas no desenvolvimento de todo o processo educativo (BRASIL, 2005).

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 77


O Decreto 5.626/05 passou a garantir aos surdos sinalizados o di-
reito da educação bilíngue e da presença do tradutor intérprete de Li-
bras/Português e guia-intérprete para surdocegos. Contudo, no capítulo
destinado ao acesso a Educação de pessoas surdas e com deficiência
auditiva não encontramos garantias ou suportes para o segundo público,
uma vez que sua opção é pela língua oral, logo, não compartilham do
ensino bilíngue. O Art. 23, do referido decreto trata de forma muito tí-
mida sobre equipamentos e tecnologias que viabilizem o acesso à comu-
nicação, à informação e à educação, o que podemos considerar como
sendo destinado aos deficientes auditivos. Entretanto, todas garantias
de acessibilidades destinadas a esse público encontram-se no capítulo
de acesso a saúde, muito embora devamos considerar que o dispositivo
mencione que todas as medidas contidas no seu texto devem ser imple-
mentadas como meio de assegurar aos alunos surdos ou com deficiência
auditiva o acesso à comunicação, à informação e à educação.
A Lei Brasileira de Inclusão passou a vigorar em janeiro de 2016
e em seu art. 1º, expressa os objetivos da sua promulgação, ou seja, “as-
segurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos
e das liberdades fundamentais da pessoa com deficiência, visando à sua
inclusão social e cidadania” (BRASIL, 2015, p. 2). No que tange aos as-
pectos relacionados à educação de surdos, destacamos a redação do art.
28, que versa sobre o direito à educação, tratando da oferta de educação
bilíngue, em Libras como primeira língua e na modalidade escrita da
língua portuguesa como segunda língua, em escolas e classes bilíngues
e em escolas inclusivas” (BRASIL, 2015, p. 4).
Para garantir espaços educacionais bilíngues, considerando que a
Libras é a primeira língua dos surdos, a Política Nacional de Educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) apre-
senta os dispositivos legais, que são a Lei nº 10.436/02 (BRASIL, 2002) o
Decreto nº 5.626/05 (BRASIL, 2005), para reafirmar que se reconhece a
Libras como meio legal de comunicação e expressão dos surdos. A Polí-
tica também destaca a necessidade de que “[...] sejam garantidas formas
institucionalizadas de apoiar seu uso e difusão, bem como a inclusão
da disciplina de Libras como parte integrante do currículo nos cursos

78 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


de formação de professores e de fonoaudiologia” (BRASIL, 2008, p. 4).
Assim, os movimentos da luta pelos direitos do surdo que ocorre-
ram logo após a publicação da Política Nacional de Educação Especial
na Perspectiva da Educação Inclusiva, levaram o desenvolvimento do
Grupo de Trabalho do MEC/Secretaria de Educação Continuada, Al-
fabetização, Diversidade e Inclusão. Em 2014, as discussões feitas pelo
grupo culminaram na elaboração e publicação do Relatório sobre a Po-
lítica Linguística de Educação Bilíngue – Língua Brasileira de Sinais e
Língua Portuguesa.
O relatório evidencia o entendimento da educação bilíngue na
garantia de que as pessoas surdas possam ter acesso à língua de sinais o
quanto antes possível, para que o desenvolvimento linguístico, cognitivo
e cultural delas possa ser preservado. Acredita-se também que em for-
ma de lei, é uma maneira de impedir que a língua seja deixada à mar-
gem. No relatório é ratificado a necessidade de se ter a consciência de
que a Língua Portuguesa precisa ser ensinada formalmente aos surdos
e que ela é de fato, segunda língua. Sendo assim, é imprescindível um
planejamento didático mais específico, considerando a condição visual-
-espacial dos alunos surdos.
Outra questão discutida no documento são os instrumentos de
avaliação dos estudantes surdos que devem manter o foco na verificação
da apropriação conceitual e do conteúdo abordado pelo estudante surdo
e não na forma escrita. Assim é sugerido provas gravadas em vídeo. É
sugerido também que se faça uso da Norma Surda: formas dos surdos
organizarem seus discursos marcados por aspectos visuais. Enfatiza-se
também a questão de a prova ser elaborada por um professor de portu-
guês. A partir do que foi apresentado até aqui, consideramos o Relatório
como um documento que tem uma abordagem voltada para um pla-
nejamento que parte de uma concepção diferenciada, que tira a surdez
desse lugar de anomalia.
Em 2021, um novo capítulo sobre o bilinguismo foi escrito, uma
vez que seu conceito foi ampliado pela Lei nº 14.191, de 3 de agosto
de 2021 (BRASIL, 2021), que, a partir da data de promulgação, altera a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9.394, de 20

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 79


de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996), para dispor sobre a modalidade
de educação bilíngue de surdos, passando o seu art. 60 a ter a seguinte
redação:

Entende-se por educação bilíngue de surdos, para os efeitos desta


Lei, a modalidade de educação escolar oferecida em Língua Bra-
sileira de Sinais (Libras), como primeira língua, e em Português
escrito, como segunda língua, em escolas bilíngues de surdos,
classes bilíngues de surdos, escolas comuns ou em polos de edu-
cação bilíngue de surdos, para educandos surdos, surdo-cegos,
com deficiência auditiva e sinalizantes, surdos com altas habi-
lidades ou superdotação ou com outras deficiências associadas,
optantes pela modalidade de educação bilíngue de surdos (BRA-
SIL, 2021 -, grifos nossos).

O Decreto garante, há 16 anos, a educação bilíngue para surdos,


porém faltam garantias de execução plena desses direitos. No sentido
complementar, o texto da Lei nº 14.191/2021 (BRASIL, 2021) converte
a oferta do bilinguismo em modalidade, uma conquista que garante
alguma segurança a despeito da governabilidade a gerir o Estado. Lem-
bramos, tempestivamente, que o sistema de ensino, regido pela LDB/96,
define que as modalidades de ensino são complementares ao ensino co-
mum na etapa do ensino básico, mas não o substituem.
Um ponto relevante para nossa discussão é que entre o público
alvo aparecem os surdocegos, mais uma vez incluindo aqueles que
usam a Libras tátil nas prerrogativas do ensino bilíngue. No que diz
respeito a surdocegueira em consequência da diversidade de fatores que
os caracterizam, existem múltiplas formas de comunicação, bem como,
uma gama de estratégias comunicativas que servem de suporte na in-
teração e acesso a Educação. Importa mencionar que na maioria dos
casos os alunos têm seu início da vida escolar em instituições ou salas
especializadas, uma vez que sua condição vai além do currículo escolar.
Dessa forma, procuramos fazer uma reflexão teórica sobre a atual
configuração da educação das pessoas com surdez, analisando o bilin-
guismo em uma dimensão social no movimento histórico em seu as-
pecto geral de implementação. Entretanto, percebemos um hiato em

80 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


relação a educação de surdos oralizados ou deficientes auditivos e sur-
docegos ecoando. Isso se dá pelo fato da nossa discussão ser feita pelo
prisma da legislação e dos documentos, uma opção que revela que algu-
mas questões precisam ganhar mais visibilidade. O que não quer dizer
que não exista uma vasta literatura e outros dispositivos que aprofundem
as questões educacionais dos surdos oralizados ou deficientes auditivos
e surdocegos.

Palavras finais

O presente texto foi elaborado com de objetivo de apresentar os


termos, conceitos e perspectivas sobre a deficiência, especificamente a
surdez, evidenciando que as pessoas que a partilham possuem visões e
posicionamentos diferentes. Ressaltamos que a pessoa surda sinalizada
deve ser entendida como um ser social que tem sua língua natural, a
língua de sinais, e sua cultura surda, e que para eles o termo surdez,
mesmo que se referindo a uma deficiência que possuem, tem uma co-
notação de falta e, portanto, refutam o emprego da nomenclatura.
Este ensaio bibliográfico traz contribuições para que o estudo
sobre a temática abordada possa gerar novos olhares novas possibilida-
des, bem como os novos diálogos referentes às legislações específicas
apresentadas e analisadas. Assim, buscamos possibilitar uma discussão
a respeito de uma diversidade linguística, social e cultural com ênfase
nos sujeitos e em suas perspectivas que refletem em sua educação e
formação social que passa pela apropriação e formas de comunicações
escolhidas por cada um.

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Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 83


Capítulo 5

Mitos sobre altas habilidades/superdotação na


Educação Infantil: pontos e contrapontos na
perspectiva docente

Jeanny Monteiro Urquiza42


Bárbara Amaral Martins43

As altas habilidades/superdotação (AH/SD) figuram uma con-


dição na qual o seu público apresenta um desempenho superior que
pode se expressar, isolada ou combinadamente, em quaisquer áreas do
conhecimento ou da produção humana: intelectual, liderança, acadê-
mica, psicomotricidade e artes (BRASIL, 2008). À vista da diversidade
de campos contemplados, assevera-se que esse fenômeno é multidimen-
sional quanto a sua manifestação (MARTINS, 2020; URQUIZA, 2020),
uma vez que as habilidades superiores estão fundamentalmente rela-
cionadas aos diferentes potenciais criativos e expressivos que existem na
sociedade.
Segundo a Teoria dos Três Anéis da Superdotação formulada por
Joseph Renzulli44, o potencial elevado das pessoas que pertencem a esse
público é resultante da interação entre três elementos: (i) a capacidade
acima da média, (ii) o comprometimento com a tarefa e a (iii) criativida-
de (RENZULLI, 2002), que se inter-relacionam em algum momento na
transcursão do desenvolvimento para indicarem um elevado nível de pro-
dutividade na(s) área(s) em que se concentra(m) o interesse do indivíduo.
42.  Mestra em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul, Campus do Pantanal (UFMS/CPAN). Professora de Educação Infantil nas redes de ensino
dos municípios de Corumbá-MS e Ladário-MS. E-mail: urquiza.jeanny@gmail.com.
43.  Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Ma-
rília, com período sanduíche na Universidade do Minho, Portugal. Professora da Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul credenciada junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Campus do Pantanal
(UFMS/CPAN). E-mail: barbara.martins@ufms.br.
44.  A Teoria dos Três Anéis da Superdotação proposta por Joseph Renzulli (2002) é uma das mais propa-
gadas academicamente. As pesquisas desse autor se concentram nas temáticas de identificação, desenvol-
vimento de criatividade e talento, o que o leva a propor o modelo de enriquecimento curricular para toda
a escola.

84 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


Nessa direção, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
Lei nº 9.394/1996 – LDBEN (BRASIL, 1996) dispõe que a parcela estu-
dantil com AH/SD integra o público da Educação Especial, asseguran-
do-lhe, efetivamente, o direito de ter acesso ao Atendimento Educacio-
nal Especializado (AEE). Já o Decreto nº 7.611, de 17 de novembro de
2011 (BRASIL, 2011) – o qual se refere à Educação Especial e ao AEE
–, determina que os recursos de acessibilidade, as propostas pedagógicas
e toda a conjunção de atividades relacionadas ao AEE devem suplemen-
tar a formação educacional do alunado com capacidades elevadas, de
modo que as suas necessidades sejam pedagogicamente atendidas.
Ainda que o âmbito político-educacional assegure importantes
definições para que a educação desse público, nos contextos escolares,
seja mais exitosa, muito há o que se fazer para que essa população seja
devidamente reconhecida e tenha os seus direitos consolidados. Isso
porque existem muitas barreiras ideológicas e atitudinais que se inter-
põem como obstáculos ao processo de escolarização de pessoas com ha-
bilidades elevadas, dificultando-lhes os meios para serem identificadas e
educacionalmente atendidas.
Entre as dificuldades, Pérez (2003) ressalta a escassez de políti-
cas públicas que se direcionem à identificação e ao atendimento desse
alunado em todos os níveis de ensino (da Educação Infantil à Educa-
ção Superior). Outro problema diz respeito à organização do sistema
educacional brasileiro, cuja finalidade premente é a de recuperar os
índices escolares dos(as) que se encontram abaixo dos padrões de de-
senvolvimento e, à vista disso, tende a não atribuir relevância aos(às)
estudantes que se colocam acima dos parâmetros educacionais previa-
mente definidos (MARQUES; COSTA, 2018; MARTINS, 2020). Deste
modo, o grupo estudantil com comportamentos superdotados sofre, de
forma muito frequente, com a invisibilidade às suas diferenças, o que gera
diversos ônus à sua educação.
No bojo desses dilemas, encontram-se, também, os mitos, que reper-
cutem negativamente na escolarização desse público e são a causa primá-
ria que inibe o conhecimento sobre a temática. A despeito dos conceitos
míticos, Pedro, Ogeda e Chacon (2017) esclarecem que essas narrativas

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 85


surgem no imaginário popular para explicar um determinado fenômeno
quando o mesmo ainda não é discutido à luz do conhecimento. Com efei-
to, essas acepções se enraízam no campo representacional das ideias que
marcam uma sociedade (MOSCOVICCI, 1994), e as suas implicações
provocam pré-conceitos e muita desinformação. No campo específico das
AH/SD, Pérez (2003) elucida que os mitos desfavorecem a construção da
identidade do grupo que apresenta esse fenômeno. À vista dessas discus-
sões, elaboramos o Quadro 1 para ilustrarmos alguns mitos existentes na
referida área:

Quadro 1 – Mitos relacionados à superdotação

86 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


Fonte: Extraído e adaptado de Winner (1998) e Antipoff e Campos (2010).

Percebe-se que muitos dos mitos evidenciados se encontram crista-


lizados no campo das representações escolares e nas práticas discursivas
de profissionais como: gestores(as), coordenadores(as) pedagógicos(as),
técnicos(as) educacionais, corpo administrativo e na própria classe do-
cente. É por isso que as concepções mitológicas demandam por des-
construção, para que o alunado com potenciais elevados tenha a sua
especificidade atendida desde os prelúdios da vida escolar, como é o
caso da Educação Infantil – nível de ensino que inaugura o ingresso das
crianças nos espaços formais de educação. Logo, essa etapa educacional
é indispensável para o público que apresenta indicadores de AH/SD.

Potenciais elevados na primeira infância: qual o papel so-


cial a ser ocupado pela Educação Infantil?

A Educação Infantil se delineia como a primeira etapa que com-


põem a Educação Básica de nosso país, sendo ainda constituída pelos
seguintes espaços institucionais: creches e pré-escolas. Segundo as Dire-
trizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2010), a
função sociopolítica dessas instituições está comprometida com a educa-
ção e o cuidado de crianças que se inserem na faixa etária de zero a cinco
anos, com vistas a lhes proporcionar uma formação integral. Em outras
palavras, isso significa que os processos educativos específicos da primeira

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 87


infância45 se fundamentam em princípios éticos, filosóficos e estéticos que
objetivam o desenvolvimento das crianças em múltiplos aspectos de seu
desenvolvimento (socioemocial, psicomotor, cognitivo, etc.).
Por isso, a Educação Infantil se consolida a partir de uma perspec-
tiva de trabalho multirreferencial, à vista das diversas dimensões que per-
tencem à natureza humana: por meio de suas práticas educativas, os cam-
pos relacionados à linguagem corporal-cinestésica, à logico-matemática,
à musicalidade, à cultura verbal-escrita, às artes e à produção pictográfica
são intencional e ludicamente trabalhados, para que as crianças tenham
desenvolvidas muitas áreas de sua formação.
Essa multidimensionalidade inerente às propostas pedagógicas da
Educação Infantil constitui-se como contexto fecundo para a manifesta-
ção de muitos comportamentos e habilidades, os quais não podem passar
despercebidos às observações docentes, uma vez que podem sinalizar a
presença de um desempenho superior inesperado nas expressões infantis.
O potencial elevado, ao manifestar-se na infância, pode estar relacionado
à precocidade – fenômeno que é marcado pelo desenvolvimento prema-
turo de uma ou mais habilidade(s); uma das gradações que dizem respeito
às AH/SD (MARTINS, 2020).
Por ser a primeira etapa da Educação Básica, a Educação Infantil é
propícia à identificação de crianças com potenciais prematuramente de-
senvolvidos, pois trabalha com o desenvolvimento integral, no qual várias
dimensões constitutivas das crianças estão sendo conjuntamente estimu-
ladas – o que favorece a observação de muitas habilidades elevadas que
se apresentam de forma precoce. Além de ocupar papel social destacável
no processo de identificação do público com indicadores de AH/SD, a
Educação Infantil também pode se delinear como o primeiro lócus de
atendimento às tenras potencialidades manifestadas, o que diminuiria, em
longo prazo, as frustrações, desencantos e sofrimentos dessa população,
principalmente por meio de propostas que considerem, como pontos de
partida, as suas características e anseios – discussões que colocam à luz a
importância da Educação Infantil para o desenvolvimento de potenciais
45.  Segundo a Lei nº 13.257, de 8 de março de 2016 – a qual dispõe sobre as políticas públicas para a
primeira infância –, considera-se que esse período compreende os primeiros seis anos de vida da criança
(BRASIL, 2016).

88 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


elevados na primeira infância.
Defendemos, portanto, que os processos de identificação e de aten-
dimento ao grupo estudantil com indicadores de AH/SD devem se ini-
ciar nos ambientes de aprendizagem da Educação Infantil, a fim de que
esses(as) estudantes tenham acesso a diferentes oportunidades e recursos
educacionais no decorrer de sua escolarização. Mas, há que se deixar claro
que essas discussões ainda são escassas na literatura científica, pois esse
nível de ensino ainda é pouco investigado como ambiente em que podem
se despontar muitos potenciais elevados (MARQUES; COSTA, 2018;
URQUIZA, 2020). A pouca informação sobre essa temática ocasiona, ine-
gavelmente, concepções inexatas referentes às crianças que demonstram
desempenho elevado desde a Educação Infantil, o que torna a área ainda
mais mitificada.
Os mitos, por seu turno, marcam desfavoravelmente as AH/SD no
contexto da primeira infância, e são os responsáveis por disseminar vulto-
sas desinformações sobre a identificação e o atendimento às habilidades
elevadas desde os prelúdios da vida escolar. Os conceitos míticos podem
estar presentes, de forma muito substancial, no campo das representações
conceituais de professores(as) (MANSO, 2012) e a sua incidência pode
influenciar a maneira como essa classe concebe a manifestação de po-
tenciais elevados desde tenra idade, dificultando ainda, a elaboração de
propostas educativas que possam aprimorá-los e desenvolvê-los.
Contrariamente à realidade apresentada, vale destacar que os(as)
educadores(as), uma vez providos(as) de conhecimento sobre a temática,
como também, conscientizados(as) sobre as estratégias de atendimento
que favoreçam o desenvolvimento de potenciais, podem se tornar mais
sensíveis às habilidades que se expressam nas escolas, corroborando com
a diminuição da histórica negligência que é amplamente vivenciada pelo
grupo estudantil com indicadores de AH/SD. Com base nessas discussões
e na premissa de que a Educação Infantil deve ser o contexto educacional
em que, por excelência, os processos de identificação e atendimento se
iniciam, o presente estudo adotou o objetivo de verificar a presença de
mitos sobre AH/SD nos discursos de professores(as) da Educação Infantil
que atuavam em Mato Grosso do Sul.

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 89


Método

Esse estudo desenvolveu-se no ano de 2020 e contou com a parti-


cipação de onze educadores(as) que atuavam pedagogicamente nas eta-
pas pré-escolares de Educação Infantil nas redes públicas de Corumbá e
Ladário, no interior de Mato Grosso do Sul. Selecionou-se, como méto-
do, o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), de Fernando Lefèvre (2017).
A finalidade dessa proposta é a de extrair as representações sociais da
discursividade dos(as) participantes, agrupando-as para a constituição de
um pensamento coletivo.
Utilizamos o DSC para analisarmos as seguintes categorias: “ra-
ridade do fenômeno AH/SD”, “mito de autossuficiência”, “mito da su-
perdotação global”, “mito do QI excepcional”, “mito da visão biológica
preponderante”, “mito da visão social preponderante”, “mito da super-
dotação em todas as crianças”, “mito da família condutora”, “mito da
criança superdotada socialmente bem ajustada”, “mito de origem das
AHSD” e “mito das crianças superdotadas como adultos eminentes”.
O DSC ainda é composto por cinco procedimentos para a análise das
informações, que serão apresentados no quadro 2 a seguir:

Quadro 2 - Etapas do Método do Discurso do Sujeito Coletivo

Fonte: Extraído e adaptado de Lefèvre (2017).

90 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


Resultados e Discussão

A categoria “raridade do fenômeno AH/SD” buscou verificar se


os(as) professores concebem essa condição como incomum ou rara
quanto à sua existência. Nesse cenário, elaboramos dois DSCs para ilus-
trar as diferentes concepções existentes sobre a raridade:

“Sim, eu acho que é um fenômeno raro porque é muito difícil


ouvir sobre as pessoas que realmente tenham esse grau de inteli-
gência para serem consideradas superdotadas. Eu não conheço,
não tive contato ainda e não tenho a noção do que eu vou fazer
quando encontrá-las, mas sei que eu vou ter que procurar ajuda.
Então, eu acho raro, principalmente na Rede, e é aí que se pre-
cisa ter uma atenção especial até para sabermos como lidar com
uma criança assim. Eu penso que a partir do momento que eu
conhecer, será possível identificar mais rápido. Eu fico até meio
assim... porque não tem muita informação sobre o assunto”.
“É um fenômeno que ainda é desconhecido porque não se ouve
falar dele nas escolas, né. Elas estão muito distantes do acesso
a esse conhecimento sobre as altas habilidades. Então, acredito
que seja difícil, mas não raro, pois vejo como algo possível de se
encontrar. Quando penso em raridade, já acho que é uma coisa
muito escassa e, na minha visão, isso não é raro porque já vem
acontecendo há algum tempo. Só agora que estamos dando atenção
para isso e estamos falando de Brasil né, país subdesenvolvido.
Mas nos países desenvolvidos, isso já é visto há muito tempo e
vem sendo tratado como algo que precisa de maior atenção. Eu
acho também que a educação não está totalmente preparada para
identificar as altas habilidades/superdotação, o que faz com que
esse fenômeno seja considerado raro por causa disso. Eu acredito
que há muitas pessoas assim no Brasil e no mundo, porém, não
identificadas porque não há, geralmente, um trabalho específico
para essas pessoas. Então tudo me leva a crer que esse fenômeno
não é raro; a gente que não sabe mesmo identificar”.

As duas discursividades apresentadas demonstram pontos de con-


fluência que possibilitam a análise conjunta. Quando a primeira ativi-
dade discursiva relata que AH/SD se tratam de um fenômeno “raro”
porque “é muito difícil ouvir falar de pessoas que tenham esse grau de

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 91


inteligência”, nos deparamos com o desconhecimento sobre os aspectos
conceituais pertencentes a esta área.
As representações que afirmam “raridade” se fundamentam na
visão mítica de que este fenômeno é escasso de se encontrar por estar
associado aos atributos da genialidade. Vale ressaltar que essa última
condição se trata de uma gradação que pertence às AH/SD, mas não
é uma característica que assinala amplamente sua população; já que
os indivíduos considerados como “gênios”, pela literatura científica,
“são os grandes realizadores, com conhecimentos e capacidades únicas
e excepcionais, cujas contribuições atingiram patamares excepcionais”
(VIRGOLIM, 2019, p.104).
Por outro lado, quando o segundo discurso desse coletivo sina-
liza que o fenômeno AH/SD é apenas desconhecido, observa-se certo
avanço no campo representacional; uma vez que se parte do pressupos-
to de que há desconhecimento quanto às especificidades dessa área e
não mais uma condição de infrequência ou de impossibilidade. Logo,
o mito de raridade não se faz evidente nessas colocações, o que deno-
ta uma compreensão diferenciada da classe docente investigada que se
aproxima das disposições científicas que focalizam AH/SD como objeto
de estudo.
A segunda categoria refere-se ao “mito de autossuficiência”. Com
base nela, apresentamos o DSC a seguir:

“Eu acredito que a criança assim precisa de um acompanhamen-


to mais específico porque ela é diferente de uma pessoa autodi-
data e precisa aprender como qualquer criança que frequenta a
escola, pois ela só está além da turma. Eu vejo essa criança como
qualquer criança, mas ela precisa ser incentivada e precisa de es-
tímulos. Então eu penso que ela não é uma criança pronta, pois
só tem uma forma diferente de aprender. Por mais facilidade que
ela tenha no aprendizado, mesmo com altas habilidades, ela pre-
cisa de um incentivo para ir além do que ela já tem. Ainda que
muitas vezes a sua capacidade de aprender com mais facilidade
seja maior do que a de muitos (as) que estão ali, é preciso que ela
seja estimulada porque faz parte de uma comunidade escolar e
vai fazer parte de uma sociedade. Eu acho também que qualquer
criança que já conheça o assunto vai se sentir entediada. Então

92 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


a forma como é trabalhada tem que ser diferente. Para isso, eu
penso, como estímulos, a verificação de uma didática e de uma
metodologia mais específicas. Primeiramente, ela precisa ser vista
e reconhecida dentro das suas habilidades, eu preciso ensiná-la à
medida que eu conhecer como ela aprende. Depois, ela precisa
aprender os conteúdos que as outras crianças aprenderam, ter o
contato com as outras atividades, mas com a diferença no nível de
conteúdo aprendido. Ela também precisa do meu apoio e da mi-
nha ajuda para a mediação do conhecimento, assim como ocorre
para os demais. Mas eu também acho necessário um profissional,
com qualificações, para atender essa criança, pois existem outras
áreas que precisam ser desenvolvidas e ela só vai conseguir isso
através dos diferentes estímulos”.

As representações docentes não se fundamentam na ideia de não


estimulação ao público com AH/SD, o que sinaliza importantes avan-
ços para a área. Quando se reflete que esse público precisa ser “incenti-
vado”, e que ainda necessita de diferentes “estímulos”, temos um enten-
dimento de que essas pessoas precisam de condições adequadas para se
desenvolverem e que as suas capacidades elevadas não significam que
elas terão desempenho excelente em todos os campos do saber ou da
produtividade humana.
Marques e Costa (2018) afirmam que as crenças relacionadas à
autossuficiência do público com AH/SD ainda são as causadoras da
escassez de políticas voltadas ao processo de identificação, pois parte-
-se do entendimento de que esse grupo não é requerente de atenção
por se sobreporem à média de seus pares. Isto justifica a invisibilidade
que ainda sofre no ensino regular, pois se considera, incorretamente,
que ele tem acesso aos recursos necessários para se desenvolver sem
auxílio, o que configura um grande mito (MARTINS, 2020).
A terceira categoria analisou o “mito da superdotação global”. Neste
contexto, apresentamos o seguinte DSC:

“Eu penso que a pessoa desse público pode apresentar uma maior
facilidade para determinadas áreas e, para outras, ela pode não
ter o interesse ou não apresentar essa destreza no aprendizado.
Então eu acredito que ela possa ter as altas habilidades ou a su-
perdotação para algumas coisas sim, mas isso não significa que ela

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 93


seja boa em tudo. Ou seja, não é em todos os campos que ela vai
ter essa facilidade, porque sempre tem uma área mais específica
que a gente gosta e se dedica mais. Então, com essa pessoa não é
diferente e ela vai para o campo que mais a agrade. Por exemplo,
acredito que ela seja excelente em, digamos, uma, duas ou três
áreas do conhecimento, mas em todas... é muito difícil. É por
isso que as habilidades podem variar e essa pessoa pode ser mui-
to avançada, por exemplo, no aprendizado da Matemática, mas
no Português, pode ter muita dificuldade. Pode ter interesse em
determinado esporte, mas na área da Música, ela pode não se in-
teressar ou ter dificuldade na aprendizagem. Pode ainda ter uma
facilidade no raciocínio, porque parece que essas pessoas gostam
mais mesmo da área de ‘Exatas’: Matemática, Física, Química...
também há interesses em Ciências, desenhos, Biologia e Lingua-
gens, com crianças que começam a ler com três anos de idade
palavras que até assustam. Por isso eu acho que as habilidades
variam e são muito relativas. Ou, então, ela pode ter uma destre-
za para aprender muitas disciplinas, mas se sobressairá apenas em
uma. Agora, quando a pessoa tem facilidade em todas as áreas, aí ela
pode ser gênio, porém isso é muito difícil”.

Quando essa argumentação coletiva afirma que a pessoa com AH/


SD apresenta habilidades para “algumas coisas”, sem significar que ela
seja “boa em tudo”, temos concepções que se contrapõem às crenças
específicas do mito de superdotação global. Os discursos também par-
tem da premissa de que a dedicação a alguma atividade está associada
às áreas que um determinado indivíduo tem como afinidade, o que é
realmente indicado pela literatura especializada.
Por outro lado, o “mito da superdotação global” é mais associado
às habilidades evidentes em domínios acadêmicos, como a linguagem
verbal-escrita e a matemática. Esse entendimento coloca à margem ha-
bilidades relativas às áreas não acadêmicas – como as artes, a expressão
corporal-sinestésica, a liderança e a psicomotricidade; campos que pre-
cisam de mais atenção enquanto domínios nos quais podem se despon-
tar muitos potenciais elevados (URQUIZA, 2020).
Desta maneira, quando o coletivo sinaliza que as pessoas com AH/
SD parecem “gostar” de áreas mais “exatas”, como a “Matemática”, a
“Física” e a “Química”, verificamos, nesse discurso, o pensamento de

94 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


que as habilidades ainda são mais observadas quando se encontram pre-
sentes em domínios acadêmicos. É preciso que saibamos desconstruir
essas concepções míticas para valorizarmos os outros potenciais que
existem, de modo a estimulá-los para que não desapareçam e se desen-
volvam.
Na categoria “Mito do QI excepcional”, verificamos se os(as)
professores(as) relacionam o fenômeno AH/SD aos testes de QI. Para
isso, questionamos se as crianças que apresentam comportamentos de
AH/SD apresentam, também, QI elevado. É com base nessa premissa
que apresentamos o DSC subsequente:

“Quando eu falo de superdotação, logo penso em QI. Essa criança


ela tem algo, ou seja, tem um ‘Q’ a mais e eu vejo isso também por
meio das reportagens, que falam que essa criança tem um alto ín-
dice de QI. Agora, não sei afirmar se ela nasce assim, com QI alto,
mas ela o apresenta. Se eu analisar pela questão da inteligência,
vou dizer mesmo que ela tem o QI muito elevado. Outro fato é o
conhecimento dessa criança ser bem mais aplicado e mais alto do
que os dos(as) outros(as) colegas. Eu analiso isso principalmente no
desenvolver das atividades que essa criança desempenha. Embora
eu ache que todos nós somos inteligentes, penso que o grau de QI
vai depender muito dos estímulos... É por isso que considero que
falta mais formação sobre isso na minha vida”.

Nessa atividade discursiva observamos muitos pontos de conver-


gência com o “mito do QI excepcional”, pois a classe docente investiga-
da atribui importância a essas testagens para a identificação das AH/SD.
Muitos desses instrumentos foram utilizados em larga escala para aferir
o nível de inteligência das pessoas, impregnando-se, no imaginário so-
cial como os “únicos” ou os mais “seguros” padrões para “medir” a inte-
ligência. Por isso, a coletividade afirma, nesse discurso, que quando se
pensa em “superdotação”, logo se pensa também em “QI”. Mas, há que
se deixar claro que o aspecto cognitivo não é o único fator que assinala
o comportamento de AH/SD, pois existem habilidades elevadas em ou-
tras áreas, como já afirmamos anteriormente. Ademais, a interpretação
unidimensional desconsidera a criatividade e o comprometimento com
a tarefa enquanto componentes da superdotação (RENZULLI, 2002).

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 95


Finalmente, as contribuições discursivas do grupo investigado
evidenciam o pensamento de que é preciso mais informações sobre os
estudos relacionados ao QI e às AH/SD. Esta ação é imprescindível para
extirpar concepções mitológicas e preconceituosas sobre esse tema; de
modo a resultar em maiores esclarecimentos quanto à educação da pes-
soa pertencente a esse público.
O próximo mito se enquadra na categoria concernente à “visão
biológica preponderante”, e considera que o fenômeno AH/SD é jus-
tificável, unicamente, pelo componente biológico, desvalorizando as
influências do ambiente social para a sua manifestação. Segue o DSC
relativo a essa categoria:

“Não, eu acho que isso não basta. É apenas uma questão que di-
ferencia essa criança das outras, pois ela vai se desenvolver como
as demais, só que apenas mais rápido; uma inteligência mais agu-
çada. O fato de ela nascer superdotada não basta para que ela
desenvolva as suas capacidades. Acredito que ela tenha que ser
encaminhada para isso, tem que ser orientada e precisa de incen-
tivo, mesmo tendo nascido assim. Além do mais, eu penso que
ela não sabe tudo, pois pode ter a sua superdotação focada para
uma coisa sim, mas, mesmo diante disso, ela precisa de estímulos.
Aliás, todo ser humano precisa de estímulos porque ninguém nas-
ce sabendo tudo assim. Então para que haja o desenvolvimento
dessa ou daquela habilidade, é preciso que ela tenha mediação,
estímulos e orientação. Volto a repetir: só o fato de ela nascer
superdotada não é motivo suficiente para ela se desenvolver. E
a parte social, emocional, de interação com o(a) outro(a) e de
afetividade? Tudo isso aí é desenvolvido a partir dos estímulos,
para essa criança se relacionar e para ela aprender também. É
preciso trabalhar as ferramentas que ela tem, estimulá-la para que
ela mesma aprenda a usá-las da melhor maneira possível e assim
se tornar um(a) cidadão(ã) de bem, podendo dar a sua contribui-
ção para a sociedade onde vive. Então eu penso que essa crian-
ça tem sim essa diferença genética, uma predisposição, mas ela
precisa ser desenvolvida para não se tornar como uma criança
selvagem, pois, se não convive com o(a) outro(a), não aprende a
ser humano. Mas, por outro lado, eu penso também que, às vezes,
o entorno pode não contribuir com estímulos ricos, dependo da
origem social dessa criança. Por isso eu acho tão importante a
identificação dela ainda na Educação Infantil porque eu posso

96 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


ir a estimulando ao ponto de ela atingir mais facilmente as suas
potencialidades”.

Esse discurso revela avanços quanto às representações sociais sobre


a área de AH/SD. Quando esta coletividade compreende o nascimento
da criança com potenciais elevados como uma condição que “não basta
para ela desenvolver as suas capacidades”, há um entendimento de que
as predisposições genéticas não são suficientes para a manifestação das
AH/SD. Winner (1998) afirma que a superdotação não é inata e depen-
de de outros fatores para subsistir. É por isso que, ao refletir sobre esse
fenômeno, Martins (2020) adverte que as AH/SD surgem da interação
entre uma potencialidade derivada de um componente genético e um
ambiente social favorável.
Ao refletir sobre este último, o discurso desse coletivo ainda con-
sidera que o ambiente social pode (ou não) contribuir com estímulos
diversificados, a depender da “origem social” da criança. Sobre essa
questão, é fato que as influências advindas do meio circundante podem
potencializar as capacidades desses indivíduos, desde que eles realmen-
te apresentem a predisposição genética para as AH/SD. Do contrário,
ainda que o meio social seja o mais enriquecedor, não resultará em tal
condição, que é fruto da interação entre diversos fatores.
A próxima categorização se denomina “Mito do ambiente social
preponderante” e contrapõe-se à crença da categoria anterior por depre-
ender que o fenômeno AH/SD se desenvolve apenas por meio da esti-
mulação e de fatores externos relativos ao contexto social. À vista disso,
apresentamos o seguinte DSC:

“Eu acho que os estímulos podem contribuir, mas eles não são os
responsáveis. Eu não considero essa questão: ‘Ah, a criança ficou
superdotada porque os(as) professores(as) e os pais estimularam’.
Não, isso não existe porque a criança já tem essa habilidade, só
que ela não era reconhecida. E outra: se fosse só o estímulo de
pais e professores (as), acho que todas as crianças seriam superdo-
tadas. Então eu não diria que isso seria fruto apenas da estimula-
ção porque algumas crianças já têm essas características. Agora,
o que eu posso fazer é estimular essa criança para que ela possa

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 97


desenvolver as suas capacidades de forma satisfatória. Por outro
lado, eu penso também que se ela não tiver essa alta habilidade,
ela vai se desenvolver apenas dentro daquele limite dela. Têm
pais que podem investir, mas a criança não se desenvolverá assim.
Isso quer dizer que podemos ter uma criança criativa, que tenha
prazer em estudar, que goste de aprender, que seja muitíssima
inteligente, mas mesmo assim, ela não seria superdotada. Então
se fosse só pela questão do estímulo, tudo isso a gente procurar
oferecer. Escolas públicas e particulares, quantos estímulos po-
dem dar? Não sei se são os genes, mas é algo dela nascer. Ela já
tem essa predisposição genética e eu acho importante incentivar
essa criança para ela ir além”.

A afirmação de que: “se fosse só o estímulo de pais e professores(as),


[...] todas as crianças seriam superdotadas” coloca, em evidência, que a
estimulação não se constitui como fator exclusivo para o surgimento
de capacidades elevadas, pois é igualmente indispensável, nesse proces-
so, a presença do componente genético. É por isso que Winner (1998)
considera que a função primordial do ambiente social é a de oferecer às
pessoas com AH/SD estímulos qualitativamente diversificados, para que
sejam potencializadas as predisposições biológicas que elas apresentam
e para que essas condições tenham as possibilidades de se desenvolver.
O próximo mito buscou averiguar se a classe docente participante
desta investigação considera que “todas as crianças têm AH/SD”. As res-
postas estão documentadas no DSC abaixo:

“Não acredito nisso, até porque se fosse assim todo mundo seria
igual. Vejo como algo mais específico, uma característica indi-
vidual que nem todas as crianças têm, isto é, nem todas nascem
com essa diferença genética e, ainda, nem todas vão se desenvol-
ver dessa mesma forma. Todas as crianças são espontâneas, esper-
tas, têm a capacidade de aprender, de imaginar além do natural e
gostam de brincar, mas nem todas são superdotadas, porque essas
últimas apresentam uma aptidão; uma habilidade maior para de-
terminada área. Se fosse assim, nós estaríamos colocando todo
mundo na igualdade, né. Então eu acho que todas as crianças são
inteligentes, aliás, todo mundo é inteligente, mas o superdotado
é um nível bem mais alto. Eu falo isso porque a cada faixa etária
temos certo desenvolvimento que é esperado, mas a criança su-

98 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos


perdotada vai além disso para a idade dela. Numa sala de aula,
algumas crianças desempenham as suas atividades mais rápido e
assimilam melhor, enquanto que outras demoram mais um pou-
co. Eu acho que eu posso pegar essas crianças que já compreen-
dem mais rápido para ajudar o(a) coleguinha ao lado e também
para ela não ficar ociosa em sala. Acredito que com a criança
superdotada eu possa fazer a mesma coisa”.

O discurso deixa claro que a superdotação se trata de uma “ca-


racterística individual” e que não são todas as crianças que a possui. A
coletividade ainda afirma que, se as AH/SD não fossem uma condição
específica, “todo mundo seria igual”. Reflexões como essas partem do
princípio de respeito às diferenças e são necessárias para a desconstrução
de mitos.
De acordo com Winner (1998), o mito de que “todas as crianças
são superdotadas” ainda se faz presente no imaginário escolar, sobre-
tudo, no pensamento de alguns gestores(as) e professores(as), que ali-
mentam a crença de que todas as crianças são “inteligentes” ou, ainda,
todas têm as mesmas “capacidades” de aprendizagem. O enraizamento
social deste conceito mitológico é o responsável pela negação de oferta
da Educação Especial (e qualquer um de seus serviços) para as pessoas
com AH/SD; pois se parte da premissa de que elas não necessitam de
atendimento por conta de suas altas potencialidades.
A categoria “Mito da família condutora” se respalda na acepção
de que as famílias, especialmente os pais, tendem a estimular excessiva-
mente os(as) seus(as) filhos(as), ao ponto de “produzirem” crianças com
AH/SD. Dessa afirmação mítica, extraímos o DSC a seguir:

“Eu acredito que esse não é o ponto ‘X’ da criança superdotada,


afinal, que pai que não é zeloso? Se fosse assim, todas as crianças
seriam superdotadas e elas não o são. Acho que pais zelosos todos
procuram ser, mas essa criança nasce com essas características,
porém, são os estímulos que ela vai recebendo que vão mostrando
isso. É algo que tem a ver com o nosso DNA, com a nossa parte
interna, pois não é só o externo o necessário; é importante a parte
interna para se desenvolver o que há internamente. Se fosse o
contrário seria fácil, porque teríamos muitos superdotados, né?

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 99


Vou usar a expressão vulgar: ‘nossa, os filhos dos ricos seriam su-
perdotados!’. Tem pais que podem investir, gastar horrores, mas
essa criança não chegará ao lugar que eles queriam. Então eu
acredito que não tenha a ver a forma como a família ou os pais
tenham o cuidado com a educação de seus filhos porque a crian-
ça superdotada nasce em diferentes lugares, camadas sociais, pa-
íses... pode ser uma criança que tenha nascido em um ambiente
pobre e, mesmo assim, ela poderá ser superdotada. Então é uma
questão dela mesma, né. Mas eu entendo também que os pais
dessa criança devem estimulá-las e acompanhá-las no seu proces-
so de ensino-aprendizagem para que essa superdotação não lhe
traga transtornos futuros”.

Os discursos coletivos expostos acima não reproduzem o “mito da


família condutora”, pois entendem que, se os pais fossem os responsáveis
por desenvolver o comportamento de AH/SD em seus filhos(as), “todas as
crianças seriam superdotadas e elas não o são”. Segundo Winner (1998),
esse tipo de mito é pautado na crença de que as crianças com indicadores
de superdotação são “fabricadas” por famílias muito zelosas, que as im-
pediram de vivenciar uma infância normal. O investimento das famílias
não é a causa responsável pela emergência das AH/SD (WINNER, 1998).
Quando a discursividade coletiva revela que os pais dessas crianças
devem “estimulá-las e acompanhá-las”, salientamos que tais funções são
de responsabilidade tanto do meio familiar como das instituições esco-
lares, pois ambos os polos devem zelar pelo desenvolvimento saudável
desse público; ajudando-o a obter êxito durante a sua trajetória escolar.
A oitava categoria “Mito da criança superdotada socialmente bem
ajustada” apresenta, por sua vez, o seguinte DSC:

“Eu acho que elas podem ter sim dificuldades para se socializar
e se comunicar, mas não que isso seja a regra. Eu ainda acredito
que essas dificuldades ocorrem porque essas crianças são muito
focadas no que querem e isso também pode fazer com que elas
percam o interesse no contato com o outro, pois é sabido que nós
interagimos por algo similar. Já que não encontram pares com o
mesmo interesse, elas acabam preferindo estar um pouco mais
sozinhas, brincando de uma forma diferente, do jeito delas. Mas
eu também penso que tudo isso possa ser trabalhado em sala de

100 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
aula. Digo mais: acho que depende de como essas crianças são
inseridas no meio social. Não que elas não queiram se relacionar,
pois têm dificuldades com isso. Mas, na realidade, somos nós que
não sabemos lidar com essa alta habilidade que elas possuem. Aí
elas tendem a ser vistas mesmo como crianças estranhas. Porém,
eu falo que essa questão dependerá muito de mim, professor(a),
em saber lidar com isso”.

Diferentemente das reflexões evidenciadas acima, faz-se necessá-


rio apresentarmos o DSC que reúne concepções depreciativas sobre a
criança com comportamento superdotado e a forma como ela interage
e se socializa. Neste contexto, revelamos o seguinte DSC:

“Se eu pudesse colocar numa escala, 90% dessas crianças demons-


trariam essa dificuldade de socialização e outras 10%, não. Embo-
ra eu nunca tenha tido o contato com uma criança superdotada
para ver o seu comportamento, há grande probabilidade de essas
crianças terem problemas de socialização justamente pela sua
agitação. Eu acho que elas são muito focadas no que querem e
isso as fazem ter dificuldades porque elas têm objetivos diferentes
daquelas crianças mais normais. Se elas estiverem envolvidas com
crianças da sua mesma faixa etária que não acompanham o seu
raciocínio, às vezes, até algumas brincadeiras se tornam bobas.
Vou usar a expressão assim: se tornam brincadeiras ‘bestas’ e isso
explica sim essa dificuldade na socialização. Além disso, eu não
sei se todas, mas, geralmente, algumas apresentam impaciência,
inquietude e rapidez e talvez isso também dificulte o seu processo
de socialização com outras crianças”.

Temos a presença de duas representações sociais antagônicas, mas


que podem ser analisadas concomitantemente: a concepção de que as
crianças com AH/SD apresentam bom ajustamento social e o outro en-
tendimento de que elas têm dificuldades de se ajustar na sociedade.
Winner (1998) estabelece que a primeira visão é decorrente de um qua-
dro idealizado por psicólogos, e se distancia da realidade. Esta concep-
ção não corresponde à diversidade de comportamentos que esse público
infantil pode apresentar, deixando de lado os extremos. As crianças que
indicam um grau de AH/SD mais elevado tendem a se isolar nos con-

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 101
textos sociais, especialmente nas escolas; a não ser que tenham a sorte
de encontrar outras crianças como elas (WINNER, 1998).
Por outro ângulo, Pérez (2003) reflete sobre o processo de estig-
matização a que essas crianças estão sujeitas. A autora adverte que os
estereótipos de “desajustamento social” e de “instabilidade emocional”
são frequentemente associados à existência de doenças mentais, o que é
errôneo, pois essas últimas não são constatadas, cientificamente, como
um resultado direto das AH/SD (PÉREZ, 2003). No segundo discurso
coletivo estão presentes muitos argumentos com sentido depreciativo: a)
a representação de que as crianças com indicadores de AHSD são “di-
ferentes daquelas crianças mais normais”; b) a qualificação delas como
“impacientes” e “inquietas”, e c) a reflexão de que essas crianças fazem
brincadeiras esdrúxulas com as outras (não as respeitando). Essas acep-
ções ainda são impregnadas de mitos, preconceitos e estereótipos sobre
o público infantil e precisam ser desfeitas mediante o contato com o
conhecimento científico.
A penúltima categoria se refere aos mitos de origem das AH/SD.
O DSC decorrente dessa categorização será evidenciado abaixo:

“Olha, eu vou dizer que essa questão representa um mito para


mim, porque a superdotação ocorre tanto em crianças da classe
abastada como em crianças da classe pobre, independendo real-
mente da origem social. Então eu acho que essas crianças podem
vir de diferentes classes sociais e podem ser filhas de pais com
diploma universitário ou de pais analfabetos, pois não há um pa-
drão. Por isso, não tem nada a ver com a classe econômica, com
o meio que ela vive; porque é uma coisa inata dela. Ela pode ser
pobre, rica, de classe média... É uma questão que não escolhe
meio econômico não. As crianças nascidas também em ambien-
tes de classes menos favorecidas podem ter altas habilidades. Mas,
se elas nascerem em ambientes assim muito humildes, esses con-
textos não entenderão que elas precisarão de ajuda. Enquanto são
muito pequenas, elas sofrerão um pouco até chegar a uma idade
que realmente as consigam identificá-las, pois as suas habilidades
vão ficando visíveis à medida que elas crescem. É que as vezes
eu acho que os pais estão ali tão ocupados com outras coisas que
acabam não percebendo que essas crianças desempenham uma
habilidade maior em determinada área”.

102 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
As discussões apontam para o fato de que as AH/SD ocorrem “tan-
to em crianças da classe abastada como em crianças da classe pobre”,
entendimento que possui fundamentação científica. Quando se afirma
que as crianças com comportamentos elevados “podem vir de diferentes
classes sociais”, o coletivo reflete que este fenômeno não se relaciona
aos segmentos sociais, o que demonstra grande avanço para a área con-
ceitual. Esses discursos alinham-se às considerações de Martins (2020),
quando esta autora esclarece que a presença de AH/SD independe de
qualquer estrato social, embora eles influenciem na qualidade dos estí-
mulos ofertados.
Finalmente, a última categoria analisada por essa investigação
se refere ao mito de que “as crianças superdotadas se tornarão adultos
eminentes”. Diante da diversidade de respostas, organizamos os depoi-
mentos em três discursos: os que consideram as crianças como adultos
eminentes em potencial; os que concebem as crianças como adultos
que se igualarão à média de seus pares e, por fim, os que consideram os
estímulos recebidos pelas crianças como os responsáveis pelo êxito na
vida adulta. À vista dessa ordem evidenciaremos, seguidamente, cada
DSC:

“Com toda certeza eu acho que sim, pois elas irão desenvolver
até melhor as suas funções, contribuindo no geral. Se alguém ti-
ver um olhar diferente para elas e nelas investirem, essas crianças
futuramente vão se destacar sim. Vão ser reconhecidas, às vezes,
até no mundo todo. Então eu acredito no êxito da sua vida pro-
fissional sim, mas não que os(as) outros(as) não terão o destaque.
É porque as pessoas superdotadas acabam se destacando pelo seu
grau de raciocínio e de inteligência... Porém, para que isso ocorra,
é importante que o atendimento perdure até a vida adulta”.

“Ah, eu acho complicado jogar esse fardo nas crianças, coitadas.


Eu não acredito que elas se destacarão na vida adulta porque uma
coisa não está vinculada a outra. Elas não vão se destacar só por-
que têm a superdotação. Às vezes, elas só serão vistas apenas como
‘CDF’s’ da turma. Então eu acho que se não houver a identifica-
ção, ninguém vai saber lidar com essas pessoas. Elas passarão por
mim, por outros(as) professores(as) e só serão observadas como as

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 103
melhores da turma. Eu também penso que, se essas pessoas não
tiverem motivações e estímulos, elas não se destacarão e a sua
superdotação ainda pode se transformar em um transtorno”.

“Eu acho que vai depender muito de como essas pessoas serão
instruídas, ensinadas e tratadas ao longo de sua infância, ado-
lescência e juventude. Para que essas crianças possam se tornar
adultos de destaque, isso vai depender de muitas condições: da
maneira como a escola, a família e o meio social em que essas
pessoas estavam inseridas tenham trabalhado isso. Não é porque
nasceram superdotadas que já serão adultos de destaque, pois isso
não é automático, não é padrão. Elas precisam ser acompanhadas
e necessitam de vários estímulos para desenvolverem essas capa-
cidades que elas já predispõem”.

Diante dos três DSCs, Winner (1998) elucida que, para que haja
eminência adulta, há uma série de fatores que interferem nessa condi-
ção, que ainda são múltiplos e interagentes. Nessa perspectiva, Pérez
(2003) e Martins (2020) complementam o conceito anterior quando
explanam que a presença de AH/SD, ainda na fase infantil, não garan-
te destaque na vida adulta. Isso porque as crianças podem permanecer
no mesmo campo de interesse; outras seguem por áreas diferentes e há
aquelas que criam aversão pelo campo no qual se destacaram devido às
cobranças exacerbadas de suas famílias. Fato é que somente parte dessas
pessoas conseguirá contribuir inovadoramente para a sua área de domí-
nio (MARTINS, 2020).
Os resultados decorrentes deste estudo permitem a tessitura de
múltiplas análises quanto às categorias mitológicas investigadas: há mitos
que já foram (ou estão) em processo de esclarecimento; há aqueles mar-
cados por ambiguidades; temos, também, uma categoria de mito ainda
não superada e, por fim, existem discursos que demonstram representa-
ções conceituais negativas a respeito do público infantil com indicadores
de AH/SD. Os mitos relacionados à autossuficiência, origem, superdo-
tação global, visão biológica preponderante, visão social preponderante,
família condutora e à concepção de criança superdotada socialmente
bem ajustada registraram respostas que indicam a sua superação, o que
é muito positivo para as AH/SD e o seu público. Por outro lado, eviden-

104 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
ciaram-se discussões ambíguas a respeito da raridade/desconhecimento
do fenômeno e da percepção das crianças superdotadas como adultos
de destaque, o que revela que a desinformação ainda está presente no
imaginário docente. Por fim, há que se ilustrar que o mito referente ao
QI elevado ainda não foi totalmente esclarecido.
É imperante a necessidade de dialogar com o segmento docente
para que eventuais mitos possam ser desenraizados de seu campo repre-
sentacional; o que propiciará muitos benefícios à educação de pessoas
cujas habilidades são superiores, principalmente quando o seu reconhe-
cimento se fizer presente desde a Educação Infantil.

Considerações Finais

A legislação brasileira preconiza, ao público estudantil com indi-


cadores de AH/SD, o direito ao AEE e demais serviços especializados,
proposições que não são devidamente efetivadas em razão das variadas
concepções mitológicas presentes no imaginário social. Assim, os(as)
professores(as) demandam atenção especial, já que a sua prática peda-
gógica pode (ou não) favorecer os processos de identificação e de aten-
dimento. Esses, por sua vez, devem ser iniciados na primeira etapa da
Educação Básica: a Educação Infantil.
Por isso, elegemos o objetivo de verificar a presença de mitos so-
bre AH/SD nos discursos de professores(as) da Educação Infantil, pois
partimos do pressuposto de que as categorias míticas devem ser desfeitas
junto à classe docente que trabalha, pedagogicamente, com a primeira
infância. Ressaltamos, também, que esse nível de ensino pode ser pro-
ficiente para identificar os potenciais prematuros no comportamento
das crianças e, como resultado, ainda pode atendê-los de forma mais
eficaz em razão de seu trabalho pedagógico multirreferencial, dinâmico
e lúdico.
Advogamos, neste estudo, que a Educação Infantil, enquanto eta-
pa que inaugura o ingresso na vida escolar, deve se configurar como
um importante contexto para a desconstrução de mitos e pré-conceitos

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 105
erroneamente estabelecidos, a fim de que as crianças vivenciem pro-
postas condizentes às suas diferenças, como é o caso das AH/SD ou de
quaisquer outras condições pertencentes à Educação Especial.
Precisamos, portanto, desmaranhar os mitos que entrelaçam e re-
forçam a desinformação. É desta maneira que propiciaremos a devida
atenção educacional às necessidades do grupo com indicadores de AH/
SD desde tenra idade. Romper com a negligência que ainda o assola é
um de nossos maiores imperativos...

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108 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
Capítulo 6

Inclusão de crianças com Transtornos Globais do


Desenvolvimento na Educação Infantil: processos
educacionais possíveis

Mirella Villa A. Tucunduva46

Partindo das relações entre educação infantil e educação espe-


cial, o presente artigo objetiva contribuir para compreensão do processo
de inclusão de crianças com Transtornos Globais do Desenvolvimento
(TGD). Neste sentido, a partir da concepção de criança neste período
escolar, bem como, da concepção de deficiência, pretende-se aqui, bre-
vemente, abordar processos educacionais possíveis na inserção da crian-
ça TGD no contexto da educação básica.
No atual cenário brasileiro, acentua-se ainda mais a complexida-
de – e também a relevância – da discussão de temáticas referentes à
educação especial e educação Inclusiva, pois estão relacionadas a uma
política de justiça social que visa alcançar e incluir todos os alunos em
todos os níveis da educação nacional.
Quando levamos em consideração a totalidade da história da edu-
cação brasileira, compreendemos que a inclusão desses alunos é uma
prática nova a ser experimentada, que exige, por um lado, que a escola
busque meios de se adaptar e modernizar e, por outro, que o professor
procure constantemente o aperfeiçoamento quanto às suas práticas pe-
dagógicas. Repensar o papel da escola e do professor frente a uma ne-
cessidade específica tornou-se, portanto, um novo desafio para o campo
educacional, pois requer que esse profissional quebre os paradigmas que
foram se consolidando durante décadas.
É visível a preocupação acadêmica sobre educação especial,
principalmente no direito a inclusão, mas na prática o que o que se vê é
46.  Professora Adjunta FAED/UFMS. Chefe da Secretaria de Acessibilidade e Ações Afirmativas/ DIIEST/
PROAES/UFMS E-mail: mirella.fonseca@ufms.br.

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 109
uma educação especial sim, mas pouco ou quase nada inclusiva. A edu-
cação inclusiva deveria ter como objetivo inserir alunos com deficiência
em escola regular com o intuito de desenvolvimento social, intelectual,
afetivo e físico. No entanto, diversas são as dificuldades ainda enfrenta-
das por quem luta por esse direito.
Para incluir uma criança com deficiência em contexto escolar, é
necessário que a escola seja de qualidade e que a cada dia busque su-
perar os desafios, para que este aluno descubra que ele pode aprender
muito mais do que ele imagina.
Paralelo a esse processo, entende-se por inclusiva uma escola que
esteja ciente de sua função pedagógica, disponibilizando à criança pro-
cedimentos, recursos e pessoal para desenvolver seu papel com compe-
tência e compromisso.
A educação inclusiva é, portanto, um processo de transformação
da escola que passa pela formação de professores, pelo envolvimento de
toda a comunidade escolar (crianças, professores e funcionários, com
participação plena da família), visando auxiliar no entendimento das
diferenças entre integração e inclusão e suavizar a angústia das pessoas
com deficiência que vivenciam esse processo.
Muitos autores apontam que a forma como o professor recebe os
alunos com deficiência depende das relações estabelecidas ao longo de
sua vida pessoal, de sua formação profissional e de sua prática pedagó-
gica, retratando o seu modo de ser e de agir e suas concepções sobre a
vida. Por muito tempo, acreditou-se que havia um processo de ensino-
-aprendizagem “normal” e “linear” para todos os sujeitos. Aqueles que
apresentavam algum tipo de dificuldade, distúrbio ou deficiência, con-
siderados anormais (isto é, fora da norma) e eufemisticamente denomi-
nados “alunos especiais”, eram alijados do sistema regular de ensino.
(GLAT; PLETSCH, 2007).
Essa visão dicotômica reforça o mito, ainda muito impregnado na
prática pedagógica, de que existem dois grupos qualitativamente distin-
tos de alunos: os “normais” e os “especiais” e, consequentemente, duas
categorias distintas de professores: os professores “regulares” e os profes-
sores “especializados”. No entanto, uma escola inclusiva, que atende

110 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
com qualidade crianças com necessidades educacionais especiais, de-
manda não dois tipos de professores, mas simplesmente professores do
ensino regular com um mínimo de conhecimento e prática sobre aluna-
do diversificado; e professores “especialistas” nas diferentes necessidades
educacionais especiais. Estes últimos estariam voltados para apoiar o
trabalho realizado pelos professores de classes “regulares”, bem como,
se for o caso, prestar atendimento complementar a essa criança.
Ao refletir sobre a inclusão de crianças com TGD não se pode ga-
rantir que a turma “comum” seja o ambiente de aprendizagem melhor
para todos e em todas as circunstâncias, sobretudo para os que apresen-
tam comprometimentos de atenção, memória, poder decisório, entre
outros. O que estamos querendo enfatizar é que, dada a diversidade do
comportamento do estudante e das realidades escolares, não temos ain-
da conhecimentos e experiências de escolas que sejam completamente
inclusivas e que permitam afirmar que as classes comuns da maioria
das escolas brasileiras – com número grande de alunos, professores sem
formação adequada, gestores mais preocupados com a administração do
que com o pedagógico – ainda são a melhor opção para aprendizagem
e desenvolvimento de todos.
Portanto, a inclusão das pessoas com deficiência no meio escolar
é necessária, é um caminho sem volta, sendo imperativo reconhecer o
outro como ele é e acreditar que, um dia, a escola será só escola, nem
especial, nem integradora ou inclusiva. “Não serão necessários adjetivos
na inclusão. Será preciso, sim, reconhecer que o mundo está repleto de
elementos parciais que precisam ser ampliados, dando visibilidade às di-
ferenças e afirmando a nova tendência deste século XXI” (JANNUZZI,
2004).
O grande desafio é compreender essa prerrogativa tendo um siste-
ma regular de ensino que historicamente tem buscado uma pseudonor-
malização que, de certa forma, engessa a escola para o trabalho com a
diversidade, procurando no imaginário o aluno ideal, tornando, assim,
tudo o que se diferencia dos padrões estabelecidos algo de difícil en-
tendimento. Na maioria das vezes, essa postura resulta em um cruzar
de braços por parte de alguns professores, calcados na afirmativa: “não

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 111
fomos preparados para lidar com eles”.
Observamos que essa afirmativa faz parte do discurso da maioria
dos professores quando são impelidos pela deficiência. Certamente, não
são poucas as resistências. Os pais (ou familiares) são os primeiros a se
impactarem ao receber a notícia de que o seu filho é “deficiente”, ou
seja, o luto pelo filho ideal acaba por acontecer. Em sequência à família,
o segundo momento de luto é por parte dos professores, que, ao se de-
pararem com crianças com deficiência, também rejeitam e partem na
busca daquela criança “normal” imaginária.
O modelo de uma criança ideal perpassa o nosso imaginário e é
perseguido por todos nós, professores. Estamos acostumados aos precon-
ceitos, às crenças prévias de como as pessoas devem pensar e sentir, de
como as mães devem ser, de como os professores devem se relacionar
com seus alunos. Diante desses estereótipos, cresce a crença de que o
saber universal é um produto acabado e que deve ser seguido por todos.
A educação infantil na vida de uma criança com TGD visa de-
senvolver e potencializar a comunicação, as habilidades funcionais, o
convívio social, as funções cognitivas, por meio de jogos, exercícios, téc-
nicas, atividades, e de outros recursos, beneficiando seu lado intelectual,
seu físico e sua afetividade, existindo maiores possibilidades para pro-
mover tanto o acesso quanto a sua permanência no espaço da Educação
“regular”.
Historicamente a educação das crianças, durante séculos eram de
responsabilidade das famílias, em que a convivência com os adultos as
ensinavam as tradições, boa conduta, normas e regras dentro de sua cul-
tura. A partir da Revolução Industrial, começaram a ser criados espaços
para que as mães deixassem seus filhos, pois precisavam trabalhar. No
Brasil, o objetivo da criação das creches teve caráter assistencialista, pas-
sando a se expandir nessa época. Inicialmente as crianças ficavam em
casas de cuidadoras, após criaram-se as primeiras creches. (DIDONET,
2001).
As creches buscavam dar a assistência necessária às crianças en-
quanto suas mães trabalhavam, fornecendo uma alimentação adequada
e cuidados, pois, a partir de fatores como desnutrição, mortalidade in-

112 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
fantil e um aumento considerável de acidentes domésticos envolvendo
crianças em casa de cuidadoras, os setores ligados à religião, às empresas
e à educação, começaram a pensar em um espaço destinado a cuidar
dessas crianças fora do ambiente familiar.
Dessa maneira, “a criança começou a ser vista pela sociedade com
um sentimento filantrópico, caritativo, assistencial, sendo atendida fora
da família” (DIDONET, 2001). Percebeu-se que, as crianças necessita-
vam de cuidados especiais, pois, muitas viam sendo tratadas de forma
inadequada, o que acarretava problemas de saúde graves e um grande
índice de mortalidade.
Foi nesse contexto, que a implantação de creches e jardins de in-
fância, entre os séculos XIX e XX no Brasil, teve ajuda da justiça, defen-
dendo a criança abandonada em sua infância, por parte da saúde, pela
qualidade de cuidados com a intenção de combater a mortalidade, que
na época estava muito acima do normal e pela religião que buscava am-
parar espiritualmente os desamparados. Na realidade, cada instituição
“[...] apresentava as suas justificativas para a implantação de creches,
asilos e jardins de infância onde seus agentes promoveram a constitui-
ção de associações assistenciais privadas” (KUHLMANN, 1998). Es-
ses agentes buscavam nessas instituições uma maneira de proporcionar
uma melhor qualidade de vida às crianças por meio de um cuidado e
uma alimentação mais adequada.
As lutas pelos direitos das trabalhadoras sempre se fizeram pre-
sente ao longo do século XX, que com o avanço na industrialização e o
aumento das mulheres que resolveram deixar suas casas para trabalhar,
apontando a necessidade de um local que atendesse a infância.
Segundo Arce (2004) há uma preocupação em definir a função e
a necessidade de um atendimento de qualidade no âmbito da educação
Infantil. Neste contexto, a busca por direitos assegurava uma constitui-
ção em que obrigava o Estado a cumprir suas obrigações com as crian-
ças. Esta pressão surtiu efeito, quando a Assembleia Constituinte inseriu
na Constituição Federal de 1988, a criação de creches e pré-escolas, o
que pode ser verificado no artigo 208, inciso IV: “[...] O dever do Estado
para com a educação será efetivado mediante a garantia de oferta de

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 113
creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade” (BRASIL,
1988).
A partir daí as creches deixaram de dar apenas assistência às crian-
ças, passando a ter responsabilidade educacional, na qual, além de cui-
dar, deveriam desenvolver um trabalho pautado em propostas pedagó-
gicas. Essas propostas visam o desenvolvimento pleno da criança nos
aspectos sociais, físicos, cognitivos e emocionais.
Em 1996 foi criada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na-
cional (BRASIL, 1996), que organiza a composição dos níveis escolares,
inserindo a Educação Infantil como primeira etapa da educação básica.
Para Kuhlmann (1998), essa lei “define que a finalidade da educação
infantil é promover o desenvolvimento integral da criança até seis anos
de idade, complementando a ação da família e da comunidade”. Assim
como a família é importante no desenvolvimento da criança, entendeu-
-se que a escola é um complemento à sua educação, mas, não somente
como assistência da forma que ocorria no passado, pois, tais crianças são
dotadas de saberes e conhecimentos que precisam ser explorados para
que entrem no ensino fundamental bem preparadas.
O atendimento educacional aos alunos com deficiência tem sido
realizado, no decorrer da história, dentro das instituições especializadas,
que se caracterizam por serem muito assistencialistas, vinculadas princi-
palmente à promoção da saúde e aos cuidados, com propostas pedagó-
gicas voltadas à reeducação e compensação de carências ou déficits dos
alunos com deficiências.
Hoje em dia, o diagnóstico dos TGD é realizado de acordo com
uma avaliação comportamental da pessoa, pois sabemos que não existe
um marcador biológico único que possa caracterizá-lo. A última edi-
ção do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DS-
MIV) (2013) apresenta o Transtorno Autístico inserido nos Transtornos
Globais do Desenvolvimento (TGD) e define o Transtorno Autístico, o
Transtorno de Rett, os Transtornos Desintegrativos da Infância, o Trans-
torno de Asperger e o Transtorno Global do Desenvolvimento sem Ou-
tra Especificação (incluindo o Autismo Atípico). Nessa classificação, o
autismo é definido por atrasos ou funcionamento anormal: dois itens em

114 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
interação social, um item na linguagem para fins de comunicação social
e um item em jogos imaginativos ou simbólicos, com aparecimento de
pelo menos um desses itens, antes dos três anos de idade.
A categoria TGD Sem Outras Especificações (TGD SOE) define-
-se pela existência de um comprometimento grave e global do desenvol-
vimento da interação social recíproca ou de habilidades de comunicação
verbal ou não verbal, ou na presença de estereotipias de comportamen-
to, interesses e atividades, sem que sejam satisfeitos os critérios para um
Transtorno Global do Desenvolvimento específico.
Em se tratando de processos educacionais possíveis para crianças
TGD, a família é o espaço inicial de estímulo para criança e torna-se um
espaço de afeição, dividindo com a escola a responsabilidade de socia-
lização, bem como de transmissão de valores e conhecimento. A escola
assumiu, progressivamente, o seu papel de lócus da educação, por meio
da ampliação do ensino institucionalizado.
De acordo com o material Saberes e Práticas da Inclusão (BRA-
SIL, 2006), métodos especiais de ensino só são necessários para as crian-
ças cujas deficiências sejam mais complexas por dificuldades de apren-
dizagem resultantes de lesões neurológicas ou similares.
Como com qualquer outro aluno, o professor deverá estar atento
ao processo de ensino e aprendizagem para identificar as necessidades
peculiares do aluno TGD. Crianças que apresentem dificuldades de
apreensão de conceitos podem ser auxiliadas nesse processo se o profes-
sor planejar o ensino organizando objetos em categorias, enfatizando os
aspectos e/ou itens relevantes em um contexto, privilegiando experiên-
cias concretas antes de proceder ao estágio abstrato do trato dos símbo-
los numéricos, por exemplo.
Auxílios sinestésicos, tais como números para recortar, ou de lixa,
que podem ser percebidos pelo tato, podem também ser bons auxiliares
do ensino. Podem-se usar cores para fazer sobressair as configurações e
auxiliar, assim, a percepção dos objetos e dos textos.
Ainda outras recomendações são feitas, no sentido de analisar a
pertinência dos objetivos educacionais e, por consequência, os conteú-
dos a serem trabalhados com o aluno, visando sempre o favorecimento

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 115
do exercício de participação no debate de ideias e no processo decisório
quanto à sua própria vida e à vida da comunidade.
Assim, pode ser útil favorecer ao máximo o enriquecimento de sua
experiência de vida, mediante:
• integração com a vida da escola;
• motivação de interesses e orientação à criatividade nas ativida-
des de recreação;
• estimulação da iniciativa e da capacidade de liderança do alu-
no;
• fortalecimento da experiência da vida na comunidade;
• ampla utilização das bibliotecas públicas e da escola.

A criança que tem grandes dificuldades de desenvolver uma co-


municação oral funcional pode ser bastante beneficiada por formas al-
ternativas de comunicação social, tais como: por escrito, pelo uso de
quadros de conversação (cadernos de signos e livros de comunicação,
ou seja, cadernos ou livros que contêm figuras correspondentes a subs-
tantivos, adjetivos, verbos, advérbios mais comumente utilizados na lin-
guagem coloquial do cotidiano), de caixas de palavras com figuras, de
máquinas de escrever, de computador, entre outros.
Para realizar o trabalho pedagógico, é essencial conhecer o perfil
dos alunos. Esse é o ponto de partida para um planejamento pedagó-
gico eficaz e para uma educação de qualidade. Todo e qualquer aluno
precisa ser considerado como um sujeito ativo e capaz de construir o
seu conhecimento, por isso cabe ao professor ajudá-lo nessa descoberta.
Desse modo, o professor precisa:
• valorizar os conhecimentos do aluno, ouvir suas experiências
e suposições e relacionar essa sabedoria aos conceitos teóricos;
• dialogar sempre, com linguagem e tratamento adequado ao
público específico;
• perguntar o que sabem sobre o conteúdo e a opinião deles a
respeito dos temas antes de abordá-los cientificamente. Dessa
forma, o educador mostra que eles sabem mesmo sem se da-
rem conta disso;

116 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
• compreender que educar é um ato político e, para isso, o edu-
cador deve saber estimular o exercício da cidadania.

Compreende-se então que as anomalias e os atrasos observados no


aluno TGD são consequências de déficits que alteram as possíveis expe-
riências tanto em relação ao mundo físico como em relação ao social,
havendo necessidade de o professor estar atento e propor ações nessa
frente de trabalho. Os alunos com TGD devem compartilhar das ativi-
dades pedagógicas juntamente com as demais, entretanto, pode haver
necessidade de apoio pedagógico específico, considerando a dimensão
do seu comprometimento motor.
É preciso oferecer estratégias que atendam a especificidades
de adaptação dos instrumentos, como, por exemplo, o tamanho do
papel, o posicionamento adequado, etc. Expressão livre sem modelos a
seguir pode levar o aluno a sentir-se capaz para construir seu campo de
significantes, desenvolvendo seu pensamento e linguagem, facilitando
seu processo de aprendizagem.
Há necessidade de compor um trabalho multidisciplinar fomen-
tando a formação continuada nos contextos educacionais, terapêutico,
familiar e social. Tal trabalho deve envolver todas as pessoas que intera-
gem com os alunos com TGD.
É preciso diminuir a tendência de superproteção, exigindo níveis
de habilidades reais do aluno, dentro de suas possibilidades e condições
de aprendizagem.
Considerando ainda o trabalho pedagógico, alguns questiona-
mentos prévios deverão sempre nortear o planejamento para que possa
ser desenvolvido de maneira plena desde a infância:
Como a criança aprende?
• Por que essa criança não está aprendendo?
• Quais as reais necessidades dessa criança?
• Como a interação sistemática pode ajudá-la a aprender?
• Como fazer a mediação junto a essa criança?
• Como ajudá-la a ser autônoma dentro de suas limitações?

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 117
Por fim, é preciso desenvolver no aluno a percepção de seus pró-
prios êxitos como resultados de suas habilidades e de sua competência,
e não da benevolência dos demais. É, pois, preciso trabalhar atitudes e
habilidades ligadas a questões da autonomia do pensar, do fazer e do
caminhar, tudo sempre relacionando à criatividade e ao interesse da
pessoa com deficiência, como, aliás, deve ser com qualquer educando.
É no início da vida escolar, pelas portas da educação infantil,
que o cotidiano da criança com TGD pode se transformar. Inicia-se a
construção dos conceitos sociais e culturais, por exemplo, os de gostar,
desgostar, do belo, do feio etc. Esta construção e elaboração acontece
de maneira ativa, a criança interagindo vivamente com as pessoas e
sua ambiência. A criança participa de muitas maneiras das variadas
manifestações socioculturais, como sucede com as artísticas, estéticas
e comunicacionais, e, participando, ela é capaz de reelaborá-las, de
reconstruí-las em seu imaginário, formando ideias e sentimentos sobre
as mesmas, e sendo capaz, ainda, de expressá-las em ações.
Que imagens e sons tão estimulantes são esses pelos quais as crian-
ças veem, ouvem e sentem o mundo?
E que mundo é esse que os adultos estão lhes mostrando através
de suas produções artísticas e comunicacionais?
Pare e pense! Querendo ou não, a criança já vivencia a arte pro-
duzida pelos adultos, presente em seu cotidiano. É lógico que essa arte
exerce influências estéticas e artísticas na criança, e com ela interage de
diferentes maneiras.
As imagens, cenas e sons do cotidiano são extremamente ativas,
pois são presença marcante desses elementos culturais em suas conver-
sas, brincadeiras, desenhos, músicas, faz-de-conta, seu modo de vestir,
de usar objetos, de falar, enfim, de se relacionar com as pessoas.
É preciso criar possibilidades para o desenvolvimento e construção
de conhecimento das crianças com deficiência. Para Tédde (2012, p.23)
se faz necessário “a aplicação de estratégias que possibilitem intensificar
o ensino-aprendizagem, podendo ser trabalhadas de forma lúdica por
meio de jogos, pois os jogos despertam o interesse dos alunos”, além
de ser uma importante ferramenta para fixação de conhecimentos mais

118 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
complexos ou complementação de conteúdo.
No entanto, o professor precisa entender e compreender qual o
seu papel perante o aprendizado, pois não basta apenas inseri-lo sem
objetivos previamente definidos. Precisa existir uma conscientização de
que o lúdico não é apenas brincadeira ou recreação para a criança gastar
energia.
O lúdico é uma ferramenta poderosa com excelentes resultados,
que deve ser inserido no processo de ensino e aprendizagem das crian-
ças com deficiência, pois se resume em uma forma simples de traba-
lhar para o professor e prazerosa para as crianças que já trazem consigo,
durante toda a sua infância o prazer de brincar, através do cantar, das
histórias, das brincadeiras de rua, dos desenhos, etc.
É inegável que o professor é peça fundamental, pois ele terá a
importante missão de preparar um planejamento adequado de acordo
com as características dessa criança, levando em consideração as
especificidades de sua turma. É preciso considerá-la como uma criança,
que conforme as demais estão em processo de descobertas, compreender
suas características, no que interferem em seu desenvolvimento, e assim,
propor atividades que sejam atrativas e mais adequadas ao conhecimento
já adquirido por elas. (SANTOS; ALMEIDA, 2017).
Assim, na interação com a criança, o professor precisa respeitar
seus limites, e buscar meios para que se interesse pelas atividades. Para
isso acontecer é fundamental prestar atenção a suas características, ges-
tos, expressões, possibilitando a criação de estratégias pedagógicas ade-
quadas a seu pleno desenvolvimento.
É preciso compreender que cada estratégia deve ser flexibilizada
mediante o conhecimento sobre cada aluno individualmente, além
de compreender e valorizar quem ele é para além do transtorno que
apresenta.
Observamos, portanto, que as mudanças ocorridas ao longo dos
anos na educação infantil e na educação inclusiva foram significativas
para que as crianças com deficiência tivessem não somente o acesso e
permanência, mas seu pleno desenvolvimento por meio de propostas
pedagógicas adequadas a suas especificidades.

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 119
Na educação infantil, o processo de aprendizagem e inclusão do
aluno com deficiência deve ser realizado de forma cautelosa, no qual
o professor precisa conhecer a criança e suas características, pois, dife-
rente dos demais, nem sempre demonstram seus sentimentos e revelam
seus pensamentos.
É indispensável uma qualificação adequada e condizente com a
realidade dos profissionais da educação, preparando-os para receber e
alcançar aprendizagens significativas com estas crianças, bem como, a
disponibilização de recursos e serviços, união entre a escola e família,
alterações no ambiente físico e pedagógico, políticas públicas e
profissionais empenhados em fazer parte dessa transformação. Portanto,
conclui-se que, o adequado atendimento nessa etapa de ensino fará
a diferença no desenvolvimento da criança com deficiência sendo
que, todos que trabalham na sua educação devem ter conhecimentos
aprofundados sobre sua deficiência, conhecer suas características e
necessidades, de forma a proporcionar uma inclusão realmente efetiva
em termos de desenvolvimento e convívio social em todo o ambiente
escolar.
A inclusão escolar de crianças TGD é dotada de uma estrutura
muito particular que diz respeito precisamente às práticas sociais que ao
longo do tempo foram se delineando, ora de uma forma excludente, ora
num processo contraditório.
Explica-se, assim, as percepções que norteiam a deficiência como
uma característica negativa. A negação do potencial e o olhar tão so-
mente para a incapacidade reside, muitas vezes, na incompreensão das
características individuais e sua relação com o processo de escolarização
e de formação e desenvolvimento para a vida.
Entendida como uma luta constante, representada por diferentes
roupagens históricas e políticas, a inclusão por meio da educação se
estende com sinalizações e buscas em diferentes ordens legais que en-
contram suas resistências nos preconceitos culturais e pedagógicos sobre
a deficiência.
Não devemos esquecer que a escolarização no âmbito da educa-

120 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
ção infantil serve para instrumentalizar a criança para a inserção na cul-
tura letrada, criando possibilidades de operação mental capaz de apre-
ensão dos conceitos mais elaborados e complexos. A escolarização visa
também instrumentalizar o educando, através da essência do currículo
escolar, para uma prática social concreta por meio da qual ele perceberá
as contradições básicas da sociedade, poderá posicionar-se frente a elas
e atuar para sua transformação, em favor das necessidades da maioria da
população.
Nesses anos de observação da prática pedagógica voltada a pessoas
com TGD podemos afirmar que fica evidente que, nos casos em que
houve um percurso de desenvolvimento humano segregado, anterior ao
ingresso na escola, as dificuldades de competências escolarizáveis são
muito maiores.
Os desafios da inclusão das crianças com TGD podem orientar a
experiência da escola comum no caminho de se propor práticas novas,
pautadas na conciliação da organização do trabalho e dos tempos esco-
lares ao tempo e necessidade dos alunos TGD.
Concluímos afirmando que a cada passo, novas possibilidades e
novas estratégias nos desafiam a buscar novas questões que possam mo-
ver alternativas e práticas de sucesso.

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Educação: re-construindo a história do atendimento às crianças pequenas do
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122 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
Capítulo 7

Crianças com Transtorno do Espectro Autista na


Educação Infantil: considerações sobre a inclusão
na escola comum

Daniela Cristina Barros de Souza Marcato47

Introdução de alguns conceitos fundamentais

A presença de crianças que se enquadram no grupo do Transtorno


do Espectro Autista (TEA) é bastante expressiva nos primeiros anos de
escolarização. Autores como Almeida e Neves (2020), Grinker (2010),
Canut et al. (2014) apontam que em relação às últimas décadas, há um
crescente número de crianças com até seis anos (idade correspondente
à etapa da Educação Infantil) no espectro. Não há consenso sobre as
razões desse aumento, mas sabe-se que a maior visibilidade do autismo
e a mudança nos padrões de diagnóstico contribuíram para que mais
casos fossem evidenciados.
Os sujeitos com autismo estão amparados por legislação específi-
ca, por meio da Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, que instituiu
a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno
do Espectro Autista (BRASIL, 2012). Todavia, em conformidade com
a normativa citada, para finalidades legais, também ficam submetidas
aos efeitos de todas as outras leis vigentes para o público de pessoas com
deficiência.
A recente categorização do TEA permite detectar mesmo graus
leves de autismo, possibilitando que sujeitos não identificados anterior-
mente sejam agora reconhecidos e diagnosticados dentro do espectro.
Tais parâmetros categorizam o autismo em vários níveis e seguem os
parâmetros do DSM-5 e da atual Classificação Internacional de Doen-
ças (CID-11), optando pela nomenclatura de Transtorno do Espectro
47.  Atua como docente da Faculdade de Educação (FAED)/UFMS. E-mail: daniela.marcato@ufms.br.

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 123
Autista (TEA), cujas principais características manifestam-se precoce-
mente, já nos primeiros anos de vida e englobam padrões restritos e
repetitivos de comportamento, comprometimento persistente na comu-
nicação social, presença de estereotipias e inflexibilidade a mudanças
(SCHWARTZMAN, 1995).
O Transtorno do Espectro Autista é classificado em três níveis, in-
dicando a gravidade e o suporte requerido. O Nível 1, leve, requer pouco
apoio e o comprometimento está nas interações sociais e comunicação.
Manifesta certa dependência em relação ao autocuidado, organização
e planejamento. Apresenta dificuldade em mudanças de atividade. No
Nível 2, moderado, apresenta prejuízos nos mesmos aspectos do nível
anterior, mas o suporte precisa ser mais substancial. Há pouca abertura
para as interações sociais e estas precisam ser mediadas em decorrência
de déficits na conversação, respostas curtas ou apenas sobre tópicos es-
pecíficos. Em vários momentos precisa de ajuda para mudança de am-
bientes, de atenção e de foco. A última classificação, do Nível 3, indica
maior severidade. Nele, o apoio precisa ser expressivo porque há uma
grande dificuldade em lidar com mudanças e geralmente há hiperfoco.
Os prejuízos são mais severos, com interações sociais muito limitadas.
Evidentemente, o diagnóstico diz respeito a sujeitos diferentes
com contextos socioculturais e familiares diversos, bem como com pos-
sibilidade de vinculação a outras deficiências. Nesse sentido, as peculia-
ridades de cada caso podem não estar relacionadas apenas aos diferentes
graus de comprometimento. Evidencia-se a pertinência de considerar as
experiências individuais para além de uma padronização diagnóstica.
É oportuno ressaltar que as alterações na forma de diagnóstico
do TEA possibilitam que sujeitos identificados no espectro desde cedo
tenham acesso a procedimentos, vivências e intervenções precoces
que possibilitem ganhos em termos de desenvolvimento ainda nos
primeiros anos de vida, devido à plasticidade cerebral. Estas iniciativas
são pertinentes por unirem propostas terapêuticas e educacionais que
consideram as limitações do momento, mas também as potencialidades
do sujeito. Estudos de psiquiatria e psicologia (CANUT et al., 2014;
ALMEIDA; NEVES, 2020) apontam que quanto mais tardiamente o

124 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
transtorno for descoberto, mais consolidados estarão as manifestações
e comportamentos. Canut et al. (2014) apontam que o diagnóstico nos
primeiros anos de vida é de suma importância. Estima-se que o trata-
mento iniciado até os três anos de idade é mais efetivo e permite que a
criança se relacione melhor consigo mesma e com os outros, restabele-
cendo “[...] as funções motoras, cognitivas e comportamentais, adequa-
das para sua idade” (CANUT et al. 2014, p. 35) antes da cristalização de
certos comportamentos e manifestações típicas do espectro.
A idade da criança bem como o comprometimento das áreas de
comunicação e linguagem, interação social, o grau de déficit cognitivo,
a gravidade dos sintomas gerais e sua manifestação devem ser consi-
derados nos processos educacionais. Há casos em que a observação do
comportamento pelos profissionais da Educação Infantil pode contri-
buir com o diagnóstico. Nesse sentido, é pertinente apontar quais possi-
bilidades a Educação Infantil pode oferecer para uma criança com TEA
que frequente a escola comum.

É possível falar em uma Educação Infantil inclusiva?

Entre todas as etapas da Educação Básica, a Educação Infantil,


por ser a primeira etapa da educação formal, tem a possibilidade de
contribuir com as primeiras experiências da criança, de modo a oferecer
diferentes possibilidades e o convívio com as diferenças.

O acesso à educação tem início na educação infantil, na qual se


desenvolvem as bases necessárias para a construção do conheci-
mento e desenvolvimento global do aluno. Nessa etapa, o lúdico,
o acesso às formas diferenciadas de comunicação, a riqueza de
estímulos nos aspectos físicos, emocionais, cognitivos, psicomoto-
res e sociais e a convivência com as diferenças favorecem as rela-
ções interpessoais, o respeito e a valorização da criança (BRASIL,
2008, p. 12).

Mendes (2006), uma das pesquisadoras precursoras acerca da in-


clusão escolar desde a Educação Infantil, defende que apesar de ainda

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 125
haver pouca divulgação nas pesquisas científicas na área, o impacto de
programas de inclusão na Educação Infantil parece ter resultados favo-
ráveis. Entre as justificativas está a abertura das crianças diante do novo,
o que favorece uma perspectiva inclusiva.

As reações de crianças pequenas à presença de pessoas com difi-


culdades são diferentes das respostas dos adultos, e esse é um dos
motivos pelos quais a primeira infância parece ser a mais oportu-
na para começar a quebrar as barreiras sociais e a discriminação
(MENDES, 2006, p. 3).

Em tese, em ambientes inclusivos as crianças com deficiências


estariam sujeitas a práticas mais apropriadas para suas idades, sem tanto
enfoque nos déficits como seria em ambientes segregados; teriam par-
ceiros mais habilidosos, o que possibilitaria ver nos colegas modelos
mais positivos de interação, além de estarem sujeitas a um nível maior
de interação social com várias crianças (MENDES, 2006).
Em outras palavras, esses ambientes seriam mais estimuladores
cognitiva, social e linguisticamente, com a possibilidade de minimi-
zar casos de isolamento social através de intervenções específicas ou
de práticas que preveem a construção de interações sociais como parte
do currículo. Desde que haja suporte apropriado, as crianças podem
adquirir habilidades complexas e participar com sucesso de ambientes
inclusivos. Em espaços previamente pensados com esse fim, professores
podem mediar/dirigir atividades que sejam pertinentes aos sujeitos in-
cluídos, contribuindo com a participação (MENDES, 2006).
É importante que os adultos sejam um modelo positivo de interação
com as crianças com deficiência uma vez que, em geral, as crianças
sem deficiências seguem o modelo do adulto para essa comunicação. O
papel dos adultos torna-se, portanto, essencial. Mendes ressalta que “[...]
a preparação da classe para a chegada de um colega com deficiência
mais expressiva, no caso das crianças pequenas, não precisa ser extensa
e as informações devem surgir naturalmente” (MENDES, 2006, p. 3).
A necessidade de adaptação aos processos e espaços escolares é
comum para qualquer criança, especialmente no período da Educação

126 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
Infantil, porém pode ser potencializada pela inflexibilidade mais expres-
siva da pessoa com TEA. Esses são ambientes que ainda não fazem parte
do cotidiano da criança e neles há muitos estímulos, pessoas e situa-
ções não familiares que podem contribuir para reações mais intensas,
já esperadas por configurarem como alterações de rotina. Ocorre uma
dificuldade de apropriação de sentido pela criança nessa experiência e
ela tende a se fixar apenas no incômodo da nova situação, exigindo da
equipe pedagógica um trabalho intenso e contínuo para a apropriação
da rotina. Não é válido, contudo, uma intervenção pedagógica a todo
custo, por meio de estratégias inadequadas como recompensas ou horá-
rios e atividades muito diferenciados que posteriormente causarão difi-
culdades para os envolvidos, incluindo a própria criança, no momento
em que precisarem ser reformuladas.
No caso de uma criança já diagnosticada com TEA, a Educação
Infantil pode contribuir tanto para a expansão da realidade e experi-
ências desse sujeito como ser um meio de garantir a atenção precoce
necessária nesse momento. Junto às terapias e cuidados específicos da
saúde, a intervenção educativa pode somar em relação ao desenvolvi-
mento, uma vez que todas as crianças, em idade da Educação Infantil,
estão se desenvolvendo nas áreas motora, cognitiva, emocional, apren-
dendo as relações sociais com os pares. Não é diferente para as crianças
com autismo. O ambiente de interação com outras crianças e adultos
pode ser um meio potencial para desenvolverem-se no convívio social,
aprendendo a superar as possíveis estereotipias.
Evidentemente, algumas características precisam ser observadas
para uma Educação Infantil que se pretende inclusiva.
A Educação Infantil prevê como objetivo o desenvolvimento in-
tegral da criança de zero a cinco anos de idade em seus aspectos físi-
co, afetivo, intelectual, linguístico e social, complementando a ação da
família e da comunidade (Lei nº 9.394/96, art. 29 – BRASIL, 1996).
Deve assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício
da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estu-
dos posteriores. A Constituição Federal (artigo 208, inciso IV) expõe o
direito desse público à matrícula em escola pública (art. 205), gratuita e

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 127
de qualidade (art. 206, incisos IV e VI), com igualdade de condições em
relação às demais crianças para acesso, permanência e pleno aproveita-
mento das oportunidades de aprendizagem propiciadas (art. 206, inciso
I) (BRASIL, 1988).
Nesse sentido, a Educação Infantil pode ser um ambiente promis-
sor à inclusão escolar de pessoas com TEA porque essa modalidade visa
contribuir para as primeiras experiências sociais e coletivas das crianças.
Essa modalidade entende que o desenvolvimento motor, emocional,
cognitivo fazem parte dos objetivos educativos para as crianças de 0 a 5
anos, independentemente de suas características. Além disso, é preciso
considerar a peculiaridade desse momento de vida e as múltiplas formas
como as crianças “[...] vivenciam o mundo, constroem conhecimentos,
expressam-se, interagem e manifestam desejos e curiosidades de modo
bastante peculiares” (BRASIL, 2009, p. 5).
A organização pedagógica desta etapa deve privilegiar as intera-
ções, brincadeiras e variadas experiências em “[...] espaços privilegiados
de convivência, de construção de identidades coletivas e de ampliação
de saberes e conhecimentos de diferentes naturezas” (BRASIL, 2009, p.
5) que permitam às crianças o “[...] acesso a bens culturais e às possibi-
lidades de vivência da infância” independentemente das características
que cada uma delas apresente.
Aprender o convívio com outras pessoas além da família, o de-
senvolvimento das linguagens, o estabelecimento de hábitos e rotina
é objetivo da proposta com todas as crianças da Educação Infantil. É
nessa direção que, apesar de o trabalho com as crianças com TEA ser
específico, não difere substancialmente dos objetivos já esperados na
primeira etapa da Educação Básica, o que pode contribuir para um am-
biente inclusivo e sem grandes diferenciações para atender as crianças
que tenham deficiências. É evidente que certas realidades exigirão pro-
cedimentos específicos, mas não diferem de muitas competências do
trabalho pedagógico da Educação Infantil.
Mendes (2010, p. 77) alerta, contudo, sobre a necessidade de defi-
nir os sujeitos público alvo da Educação Especial que estão em processo
de inclusão escolar. A autora defende que

128 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
[...] a não identificação neutraliza a diferença e, além disso, im-
pede que serviços de suportes possam ser oferecidos, ficando essas
crianças sujeitas a condições iguais, porém não equiparáveis, o
que em longo prazo irá prejudicar seu processo de desenvolvi-
mento em ambientes regulares.

Postula-se que, mesmo sendo uma etapa educacional favorável


à inclusão, um trabalho pedagógico com intuito realmente inclusivo
na Educação Infantil requer planejamento e intencionalidade para ser
bem conduzido.
Os serviços de apoio às crianças público alvo da Educação Espe-
cial na Educação Infantil, como o Atendimento Educacional Especiali-
zado (AEE), deve ocorrer por meio da atenção/estimulação precoce. De
acordo com a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva
da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), o AEE tem oferta obrigatória
pelos sistemas de ensino e seu intuito é apoiar os estudantes a quem ele
se destina em todas as etapas e modalidades da educação básica em que
estiverem. Comumente, ele é realizado no turno oposto ao da classe co-
mum, seja na mesma escola ou algum centro especializado que realize
esse serviço educacional. Salienta-se que

Do nascimento aos três anos, o atendimento educacional especia-


lizado se expressa por meio de serviços de estimulação precoce,
que objetivam otimizar o processo de desenvolvimento e aprendi-
zagem em interface com os serviços de saúde e assistência social
(BRASIL, 2008, p. 12).

Em uma vertente preventiva, o objetivo da Atenção Precoce é que


as crianças que apresentam transtornos em seu desenvolvimento ou te-
nham o risco de apresentá-los possam obter as mediações necessárias
para promover ou potencializar o seu desenvolvimento permitindo sua
autonomia pessoal e integração nos ambientes familiar, escolar e social
(SOEJIMA; BOLSANELLO, 2012).
No caso do TEA, o trabalho deve basear-se na estimulação do de-
senvolvimento de capacidades e na compensação de limitações funcio-
nais, prevenindo uma maior deterioração de comportamentos e mani-

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 129
festações, de modo a permitir avanços no âmbito emocional, cognitivo
e de linguagem. Somam-se vários aspectos que enfatizam a importância
da atenção precoce para o desenvolvimento integral da criança. Contu-
do, apesar de a Educação Infantil ser uma etapa favorável a uma inclu-
são das crianças com TEA na escola comum, ressalta-se que o ambiente
educativo deve ser pensado com intencionalidade para que as práticas
ali exercidas atendam a todas as crianças conforme suas necessidades
individuais e coletivas. Todos as intervenções devem ser pensadas, con-
textualizadas e terem propósito.
O planejamento e as práticas da Educação Infantil devem con-
siderar as peculiaridades deste momento de vida, cujas manifestações
expressam com maior ênfase a integralidade e indivisibilidade das di-
mensões expressivo-motora, afetiva, cognitiva, linguística, ética, estética
e sociocultural das crianças. Planejar requer apontar no projeto peda-
gógico as experiências de aprendizagem que se espera que as crianças
desenvolvam e os meios para buscar efetivá-las.
Para as crianças com TEA, a previsão e a rotina na Educação In-
fantil não apenas estruturam o cotidiano, mas se tornam imprescindí-
veis, exigindo intencionalidade na condução, tanto para ajudar a in-
corporar elementos que se repetem cotidianamente como para inserir
elementos novos.
Barbosa (2006) observou que em muitas creches e pré-escolas são
encontradas a presença das rotinas como modelos ou sugestões para o
trabalho pedagógico do educador, mas que em geral elas não são te-
orizadas. Por vezes a rotina se torna uma prescrição, sem explicitação
da justificativa sobre as atividades a serem realizadas bem como de sua
sequência. “A presença significativa das rotinas nas práticas da educação
infantil acabou por constituí-la como categoria pedagógica central, mas
muito pouco estudada e explicitada” (BARBOSA, 2006, p. 36). Em se
tratando de uma Educação Infantil inclusiva, com a presença de su-
jeitos com TEA, a rotina deve ter um caráter central, constantemente
refletida e observada. Se a palavra rotina está muito relacionada à tra-
dição, algo normatizador ou rígido, a autora sugere que se considere a
vertente da imprevisibilidade do cotidiano como algo benéfico, o que

130 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
não impede que as práticas da Educação Infantil tenham uma estrutura
e um fio condutor.
Em crianças com TEA, a capacidade de antecipação está com-
prometida. Isso requer que a criança seja informada previamente, de
forma simples e objetiva, sobre o que ocorrerá no momento seguinte,
independentemente de sua idade. Vale dizer que essa é uma prática res-
peitosa e muito recomendada para ser realizada com qualquer criança
da Educação Infantil, seja um bebê ou criança bem pequena.
A rotina precisa ser compreendida e deixar a criança familiarizada,
portanto, quanto mais a criança com TEA puder compreender as ações
e práticas da escola com antecedência, melhor se contextualizará com a
vivência escolar. A adesão à uma nova incorporação de rotina pode não
ser imediata ou mesmo causar resistência, mas a consistência das práti-
cas de antecipação é importante, bem como a constância da rotina. Isso
para que progressivamente a criança seja capaz de internalizar eventos
cotidianos, dispensando aos poucos a antecipação e sem grande sofri-
mento a cada mudança de atividade. Em suma, é necessário explicitar a
organização do que se pretende no cotidiano educativo, como Barbosa
(2006, p. 36) aponta:

A palavra rotina surgiu no momento em que parecia ter-se tor-


nado útil para nomear práticas que já estavam constituídas so-
cialmente. Explicitar a existência de uma categoria pedagógica e
seu modo de operar é uma atitude importante, pois, tendo certa
visibilidade, ela se torna mais consistente e passível de análise,
crítica e transformação (BARBOSA, 2006, p. 36).

Quando há no ambiente escolar rotinas e horários diariamente


repetidos favorece-se a apropriação da experiência, permitindo que a
vivência do cotidiano escolar se torne mais previsível, modificando gra-
dativamente o comportamento de resistência. Tais vivências são funda-
mentais para a criança com TEA, mas também para qualquer criança
típica ou não que participe da Educação Infantil.
Definir parâmetros para o planejamento pedagógico para as crian-
ças com TEA na Educação Infantil é desafiador porque algumas ne-

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 131
cessidades das crianças entre zero a seis anos são próprias de qualquer
criança nessa faixa etária. Todas precisam ser conduzidas a uma progres-
siva autonomia, mas há de se considerar as necessidades peculiares de
cada caso para assegurar sua participação.
Mendes (2006) aponta a pertinência de considerar as expectativas
que se têm para o restante do grupo de crianças de modo que as crian-
ças com qualquer deficiência tenham, na medida do possível, as expe-
riências mais similares aos pares. É interessante que sejam práticas não-
-estigmatizantes, que os colegas sejam envolvidos sempre que possível
e o mais importante: que a fonte de avaliação do trabalho tenha como
referência a própria criança, que manifesta seus interesses, preferências,
aversões.
Sobre a avaliação, é fundamental a identificação de todo o proces-
so, sendo importante o registro, as descrições dos professores e constru-
ção de portfólios. Devem ser consideradas nos parâmetros avaliativos a
situação inicial, os avanços, desafios e estratégias usadas nas intervenções
pedagógicas feitas nas diferentes áreas do desenvolvimento humano, em
especial daquelas mais comprometidas nas crianças com TEA. Todos
esses elementos devem nortear os planejamentos, sejam eles bimestrais,
semanais ou diários, para que tenham eficácia e coerência. Os registros
e o histórico do trabalho pedagógico com a criança com TEA precisam
ser visualizados.
A avaliação deve ser considerada em um plano educacional indivi-
dualizado (PEI), que aponte parâmetros relativos a avanços individuais.
Não se deve perder a perspectiva do currículo da turma e os conteúdos
e objetivos do ano escolar devem ser almejados e buscados por meio de
múltiplas estratégias, mas é válido – para a turma toda e não apenas para
as crianças com TEA – considerar critérios relativos ao avanço de cada
aluno no período letivo, considerando o ponto de partida e as conquistas
individuais obtidas.
É objetivo da Educação Infantil ajudar as crianças no
desenvolvimento da linguagem. Alguns parâmetros de linguagem podem
ser estabelecidos sobre o que se espera em determinado momento/
idade, porém, considerando que as crianças podem estar em diferentes

132 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
etapas do desenvolvimento e são provenientes de diversos contextos, são
necessárias avalições diagnósticas que identifiquem como se desenrola
a competência da comunicação. Para as crianças com TEA o parecer
sobre a linguagem, em especial a oral, deve ser considerado com auxílio
de equipe multidisciplinar que identifique as potencialidades e limita-
ções que cada sujeito apresenta. Para tanto, o aspecto da linguagem no
espectro do autismo será melhor discutido a seguir.

A linguagem para a criança com TEA e as expectativas de


letramento e alfabetização na Educação Infantil

Uma das áreas geralmente comprometidas no Transtorno do Es-


pectro Autista é a linguagem. Para o processo de alfabetização, a comu-
nicação das pessoas com TEA precisa ser conhecida e intencionalmente
trabalhada. Algumas das características geralmente presentes:

Os prejuízos na comunicação e na linguagem podem ser mani-


festados como mutismo, atraso na aquisição, ecolalia, inversão
pronominal, simplificação sintática, rigidez semântica, peculia-
ridades prosódicas, preferência por funções imperativas, literali-
dade na interpretação, entre outras. Assim sendo, entre os alunos
com TGD [TEA] que recebemos em nossas escolas, podemos en-
contrar crianças com nenhuma comunicação verbal e não verbal,
com verbalização de palavras isoladas, com linguagem estereoti-
pada, fazendo uso da repetição de frases e da entonação ouvida
de outras pessoas ou de personagens, com linguagem correta do
ponto de vista sintático, mas com pautas estereotipadas e pouco
contextualizadas, dificuldades de interpretação semântica, entre
outras (BELISÁRIO FILHO; CUNHA, 2010, p. 32).

O campo da comunicação também engloba algumas compe-


tências difíceis para pessoas com TEA, especialmente no período da
infância, como a atenção compartilhada e a apreensão de sentidos e
intenções inferidos a partir de atitudes e expressões faciais e corporais
nos outros indivíduos. Apesar dessa condição, não é algo imutável. Há
casos em que a experiência no ambiente social da escola e a mediação

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 133
dos professores e pares, permitem que as crianças passem a utilizar ver-
balizações nas atividades de pedir, mesmo aquelas que demoram para
adquirir a linguagem verbal ou apresentam ausência de linguagem e
uso instrumental das pessoas para solicitar coisas.
Outras características marcantes na linguagem receptiva de sujei-
tos com TEA envolvem:

• Ignora a linguagem, não responde a ordens, chamadas ou in-


dicações linguísticas dirigidas a ela. Em algum momento do
desenvolvimento, provoca a falsa suspeita de surdez;
• Associa os enunciados verbais às condutas próprias, compre-
ende ordens simples, associando sons a contingências am-
bientais ou comportamentais. Não implica a assimilação dos
enunciados a um código ou a interpretação deles a um siste-
ma semântico-conceitual;
• Compreende os enunciados, analisando-os ao menos parcial-
mente. A compreensão é literal e pouco flexível. Os processos
de inferência, coerência e coesão da compreensão do discur-
so são muito limitados. Tendência a atender às interações ver-
bais, quando dirigidas a ela própria, de forma muito específica
e diretiva (BELISÁRIO FILHO; CUNHA, 2010, p. 32-33).

Tais características demandam estratégias para comunicação


como materiais que permitam trabalhar com as emoções, sejam jogos,
imagens (relacionados à cognição social, com intuito de compreender
expressões faciais e corporais); estímulo à leitura; recursos de apoio visu-
al (de fácil manipulação) que expressem o cotidiano, mostrem a sequ-
ência da rotina e o que se espera do aluno. Orientações à família sobre
como se comunicar, brincar e estabelecer comandos com a pessoa com
TEA também são importantes.
Os materiais de apoio visual devem ser criados junto à criança
para que ela os associe a si mesma: informações sobre sua rotina, o que
é esperado que faça, comunicação de suas necessidades e escolhas.
Evidentemente, o recurso visual pode ser um suporte, mas não deve
impedir a verbalização, apenas permitir que a criança se expresse com
eficiência quando ainda não tem domínio completo da linguagem. In-
dependentemente do uso do material de apoio visual, sempre deve ha-

134 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
ver o propósito de alcançar uma verbalização objetiva, ou seja, que
indique que o profissional acredita no potencial do aluno em entender
o que está sendo dito e pode agir a partir daí, mesmo que ele não pareça
reagir às intervenções. Outro ponto importante é que o uso desses recur-
sos de apoio visual não deve artificializar as relações com a criança, mas
sim desenvolver novas competências e ampliar sua flexibilidade mental.
As estratégias precisam ser constantemente revistas e atualizadas
para proporcionar desafios cognitivos adequados, que não retenham a
criança em seu desenvolvimento. Isso será fundamental para que haja
abertura ao processo de alfabetização.

Alfabetização e Educação Infantil: Possíveis estratégias in-


clusivas para todas as crianças e aquelas com TEA

Para a alfabetização se efetivar na vida criança ela precisa ser ex-


posta a estratégias que contribuam para o desenvolvimento de habilida-
des requeridas, como a leitura, a música, a contação de histórias, dentre
muitas outras que pode vivenciar na Educação Infantil. Nesse período,
o foco está no brincar e nas possibilidades de experiências por meio de
interações das crianças entre si, com o meio, objetos e os adultos com
quem convive. A ludicidade, portanto, deve conduzir o planejamento e
escolha das vivências.
É pertinente compreender a alfabetização e letramento como in-
dissociadas.

Por outro lado, também é necessário reconhecer que, embora


distintos, alfabetização e letramento são interdependentes e indis-
sociáveis: a alfabetização só tem sentido quando desenvolvida no
contexto de práticas sociais de leitura e de escrita e por meio des-
sas práticas, ou seja, em um contexto de letramento e por meio de
atividades de letramento; este, por sua vez, só pode desenvolver-se
na dependência da e por meio da aprendizagem do sistema de
escrita (SOARES, 2004, p. 97).

A Educação Infantil como ambiente propício para interações e

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 135
vivências, deve trabalhar para aproximar as crianças das práticas de letra-
mento e prepará-las para a alfabetização. O objetivo último da etapa não
é a sistematização da aquisição formal da leitura e escrita pelas crianças,
mas que durante a Educação Infantil vivam significativas experiências
em linguagem, literatura, canções, rimas que deem repertório que pos-
sibilite o desenvolvimento de habilidades fundamentais para a alfabeti-
zação. O fundamental é despertar em todas as crianças, independente-
mente de suas características, o interesse pela leitura e pelo mundo das
palavras.
A linguagem oral e expressiva também é outro aspecto a ser desta-
cado. Estimular as crianças a falar, seja por meio de rodas de conversas
que as convidem a expressar seus gostos e interesses, como a responder
perguntas simples, pertinentes para o seu desenvolvimento. As crianças
com TEA podem ser encorajadas a participar por meio de Comunica-
ção Alternativa, desde que haja constante intencionalidade de desenvol-
ver a verbalização e que gradualmente tenha intuito de que use palavras
para se expressar.
Abordar a percepção de que algumas palavras representam um
objeto, o nomeiam e fazem recordar dele mesmo na sua ausência, é
outra habilidade imprescindível. A utilização de fichas com nomes de
materiais em sala, aprender os nomes dos colegas da turma, permitem
essa aproximação com a linguagem. As crianças apreendem o objetivo
da escrita ao fazer atividades de uso social dela, como escrever bilhetes,
receitas, cartazes.
A leitura e contação de histórias deve fazer parte do cotidiano na
Educação Infantil. Ler em voz alta para as crianças tende a ajudá-las a
expandir vocabulário e compreender o enredo, especialmente porque
os livros podem ser lidos várias vezes, oportunizando a aprendizagem e
a percepção de rimas, aliteração, frases que se repetem, aumentando a
manipulação sonora das palavras, promovendo consciência fonológica.
A leitura contribui no desenvolvimento da memória, atenção e imagi-
nação. É válido que as crianças criem ou recontem histórias, mas que
possam se dedicar a esses enredos. A repetição e familiaridade com as
histórias pode ser muito positiva para os sujeitos com TEA, pois lidam

136 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
melhor com os materiais já conhecidos.
A questão da autoestima na aprendizagem da leitura e da escrita
precisa sempre ser considerada na Educação Infantil. Alfabetizar requer
que a frustração e ansiedade sejam dosadas, tanto das crianças, como
dos adultos – pais e professores. Sem a autoconfiança a criança não se
sentirá segura para tentar, errar e progredir quantas vezes forem neces-
sárias, como parte de toda essa aprendizagem.
É fundamental a documentação de todo o histórico do estudante,
seu percurso, avanços e desafios para que a noção de continuidade
esteja presente e permita que os professores da Educação Infantil façam
um trabalho integrado em toda a trajetória educacional da criança,
observando os desafios e peculiaridades de cada sujeito.

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138 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
Capítulo 8

Educação Matemática Inclusiva: considerações


acerca do aluno com deficiência intelectual

Fernanda Malinosky Coelho da Rosa48


Fernanda Oscar Dourado Valentim49

Introdução

A inclusão é um tema sempre recorrente nos discursos da socie-


dade e no âmbito escolar ganha destaque. Entretanto, sair do discurso
e pôr em prática tais princípios tem sido uma tarefa bastante complexa,
ainda nos dias de hoje.
Desde os anos de 1990, a partir da Declaração Mundial sobre Edu-
cação para Todos e a Declaração de Salamanca, em 1994, prega-se, mais
fortemente, o ideal de escola inclusiva, espaço na escola comum, onde
todos os alunos deveriam aprender juntos (UNESCO, 1994). Tal escola
deve estar aberta à diversidade e, da mesma forma adequar-se às possibili-
dades de aprendizagem de todos os alunos, com ou sem deficiência.
Após 2008, com a implantação da Política Nacional de Educação
Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI), o Brasil
vem buscando alternativas para cumprir a proposta de uma educação
inclusiva, conforme as recomendações internacionais, tais como forma-
ção de professores, investimentos em salas de recursos multifuncionais,
materiais específicos e adaptados, entre outros (BRASIL, 2008). Con-
tudo, tais investimentos em recursos humanos e financeiros não foram
suficientes ainda, para que a escola atual se torne efetivamente aberta a
atender à diferença e diversidade que é tão subjacente a ela.
Em 2020, representantes do governo elaboraram e publicaram o
48.  Doutora em Educação Matemática com especialização em Educação Especial. Professora na Universi-
dade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). E-mail: fernanda.malinosky@ufms.br.
49.  Doutora em Educação, linha de pesquisa Educação Especial. Professora da Secretaria Municipal de
Educação de Marília/SP. E-mail: fernanda.valentim@unesp.br.

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 139
Decreto nº 10.502/2020, que instituiu a “Política de Educação Especial:
equitativa, inclusiva e com aprendizado ao longo da vida” (BRASIL,
2020). Esse documento foi considerado a “nova” PNEEPEI, porém, por
sugerir o retorno às propostas segregacionistas e excludentes, superadas
há algumas décadas, foi suspenso em 2021 e revogado em 01/01/2023.
Cabe dizer que este decreto além de ir na contramão de todo arcabou-
ço inclusivo, construído até o momento, também violava os princípios
trazidos na Convenção de Direitos das Pessoas com Deficiência que,
dentre outras diretrizes, prevê o protagonismo das pessoas com deficiên-
cia na elaboração de políticas acerca deles mesmos: “Nada Sobre Nós,
Sem Nós”50.
Infelizmente, temos vivenciado lacunas significativas na efetiva-
ção da proposta de inclusão escolar e vários autores (PLETSCH, 2009,
2010; VALENTIM, 2011; OLIVEIRA, 2012, 2018, 2019; entre outros)
têm apontado tal situação em suas pesquisas. Ou seja, mesmo após mais
de 10 anos da implantação de tal política no Brasil, ainda temos muito
que caminhar.
Neste texto traremos algumas considerações sobre uma parcela de
indivíduos que faz parte do público-alvo da Educação Especial51, os in-
divíduos com deficiência intelectual. Discutiremos possíveis processos
favorecedores à inclusão destes sujeitos com foco e um dos componen-
tes curriculares da educação básica, a Matemática.
Importante esclarecer que este trabalho não se propõe a trazer
“receitas”, porque não há, mas, reflexões e indicativos acerca de pos-
sibilidades de atuação pedagógica em Matemática frente ao aluno
com deficiência intelectual, inserido na classe comum, já que tal
componente curricular, historicamente, se apresenta como um fil-
tro social, privilegiando as pessoas consideradas com alta capacidade
intelectual, o que nos coloca frente a um paradoxo: intelectualidade
versus deficiência.

50.  Lema adotado pelas pessoas com deficiência.


51.  Conforme a Resolução nº 04/2009 o público-alvo da Educação Especial se refere à: 1) alunos com
deficiência; 2) com transtornos globais do desenvolvimento (atualmente TEA) e; 3) Altas habilidades/super-
dotação (BRASIL, 2009).

140 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
1. Deficiência intelectual e escolarização

A deficiência intelectual nem sempre foi definida como atualmen-


te. No passado estes indivíduos foram denominados com nomenclaturas
e definições restritivas tais como, o retardo mental, pessoa excepcional,
deficiência mental, entre outros termos em número, nível, tipo e dura-
ção da deficiência (ALMEIDA, 2012). A mudança na definição e no-
menclatura se deu na tentativa de classificar/definir de forma menos
pejorativa possível este público-alvo que, historicamente, teve e ainda
tem em sua trajetória, marcas da exclusão e discriminação.
A definição mais atual utilizada tem respaldo numa classificação
que não se baseia apenas na desvantagem ou no comprometimento,
mas também nos sistemas de apoio que serão oferecidos a este indiví-
duo. Ou seja, tira-se o foco da deficiência em si, como característica
apenas individual e biológica.
Tal classificação é dada pela American Association on Intellectual
and Developmental Disabilities (AAIDD), que define a deficiência in-
telectual por limitações significativas no funcionamento intelectual e
comportamento adaptativo, que abrange habilidades sociais e práticas
cotidianas, devendo se originar antes dos 22 anos de idade. O avanço
da atual definição se dá por considerar para além dos testes de QI e, em
maior medida, a relação deste indivíduo com seu ambiente e as oportu-
nidades que lhes são/foram oferecidas, no ambiente comunitário típico
dos pares e da cultura do indivíduo (AAIDD, 2022).
Está mais do que claro na literatura e legislação da área de que
o local de aprendizagem para a pessoa com deficiência intelectual e
outras deficiências é a escola comum, porém, conforme Oliveira (2018)
aponta quando nos referimos, especificamente à deficiência intelectual,
as expectativas escolares são diminuídas, por se tratar de um compro-
metimento localizado na área que a escola mais preza, que é a intelec-
tualidade, e mais fortemente diminuídas ainda, se as relacionarmos às
questões da Matemática, o que discutiremos mais adiante.
O que devemos considerar é que quando deslocamos o foco do
comprometimento da deficiência intelectual da pessoa para o ambiente

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 141
e as relações estabelecidas, sem desconsiderar o aspecto biológico que
está presente, abrimos possibilidades de intervenção para com este su-
jeito, ou seja, a escola passa a ter função primordial no desenvolvimento
deste sujeito, não só por oferecer interações e socializações, mas por
produzir meios para que a pessoa com deficiência intelectual saia de
uma condição, por vezes limitada e, avance nas questões relacionadas à
aprendizagem e, por consequência, em seu desenvolvimento.
Tal posicionamento vai ao encontro do que Vigotskii (2006) pre-
coniza quando menciona que, somente o aprendizado adequadamente
organizado estimula os processos internos de desenvolvimento. E, por-
tanto, tal ideia faz-nos valorizar o potencial que a escola tem nos proces-
sos de desenvolvimento destes alunos, assim como, questionar práticas
educativas que se baseiam apenas em conhecimentos que o aluno já
sabe e domina, ou que se caracterizem como simplificados e reduzidos.
Desse modo faz-se necessário refletir sobre os modos e formatos
de ensinar que a escola tem proposto, para que o aluno com deficiência
intelectual tenha suas especificidades atendidas, há “[...] necessidade de
transformações das metodologias educacionais, em uma nova forma de
compreender os processos de aquisição do conhecimento e no plane-
jamento de estratégias diferenciadas de ensino-aprendizagem” (SILVA,
MENDONÇA, MIETO, 2015, p. 214).
Basear o ensino dos alunos com deficiência intelectual, em pro-
postas simplistas e/ou reduzidas em sua complexidade, por acreditar
que ele não é capaz de compreender conceitos complexos, não colabo-
ra para que o mesmo saia de uma condição, muitas vezes limitante da
deficiência.
E será a partir da Educação Infantil que as propostas de aprendiza-
gem devem ser pensadas para todos os alunos. Para Mello (2007, p. 85)
“A creche e a escola da infância podem e devem ser o melhor lugar para
a educação das crianças pequenas [...] pois aí se pode intencionalmente
organizar as condições adequadas de vida e educação para garantir a
máxima apropriação das qualidades humanas”, e dentre todas aquelas
com deficiência intelectual.
Mello (2007) ainda indica que não é apressando e antecipando

142 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
conteúdos do Ensino Fundamental, adiantando-os para a fase da Edu-
cação Infantil que teremos um desenvolvimento e aprendizagem am-
pliados. A autora ainda complementa que:

O conjunto dos estudos desenvolvidos sob a ótica histórico-cultu-


ral aponta como condição essencial para essa máxima apropria-
ção das qualidades humanas pelas crianças pequenas o respeito às
suas formas típicas de atividade: o tateio, a atividade com objetos,
a comunicação entre as crianças, e entre elas e os adultos, o brin-
car (MELLO, 2007, p. 85).

A escola, seja de Educação Infantil ou outros níveis, precisa propor


novas formas de ensinar e aprender que extrapolem a visão homogênea
de turmas/séries. É preciso mais do que nunca retomar a concepção de
que alunos não aprendem da mesma forma, não estão todos no mesmo
nível, apesar da tradição escolar brasileira em separá-los por ano/série e
que, indivíduos apresentam características diferenciadas de desenvolvi-
mento, mesmo aqueles sem deficiência, apesar de estarem na mesma
turma.
Práticas educativas que se propõem a serem unilaterais, rígidas
apenas reforçarão os processos de exclusão e o fracasso escolar e, não
atingirão os objetivos de aprendizagem para com todos os alunos, pro-
posta da educação inclusiva. Se a pessoa com deficiência intelectual
não se apropriar dos conhecimentos historicamente acumulados, que
a escola tem função de ensinar, ficará apartada das possibilidades de
emancipação humana sendo, portanto, vítima de preconceitos e violên-
cia (PADILHA, 2018).
O professor e sua mediação têm papel fundamental no proces-
so pedagógico. Considerando que o aluno com deficiência intelectual
pode necessitar de apoio para realização de algumas atividades propos-
tas, a mediação se faz determinante para o processo de aquisição de
conceitos e transformações cognitivas, desde que este processo seja pla-
nejado.
Paixão (2018) aponta que “[...] é urgente que a escola compre-
enda que o desenvolvimento humano não está dado e de que a ação

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 143
intencional do professor é condição para a aprendizagem [...]” (p. 150).
Considerar a importância do papel da intervenção do professor nos pro-
cessos de aprendizagem do aluno com deficiência intelectual faz com
que caia por terra a ideia de que somente ele, o indivíduo, é responsável
por tais processos. Isso abre um campo de possibilidades de atuação em
relação a este aluno, ou seja, o grande papel que o ensino tem, já que
não podemos considerar que a deficiência é, por si só, condição para
não-aprendizagem.
Vigotskii (2006) indica que a aprendizagem devidamente organi-
zada ativa todo um grupo de processos de desenvolvimento e conduz
a criança ao desenvolvimento mental. E, portanto, a aprendizagem é
um momento intrinsecamente necessário e universal que não podemos
furtar o indivíduo com deficiência intelectual de se beneficiar.
Contudo, práticas pedagógicas tradicionais têm sido frequentes na
escola e, desta forma, pouco exploram a totalidade de possibilidades de
aprendizagem dos alunos. Atividades estas que acabam por exigir pouca
reflexão dos alunos, podem inibir a aprendizagem de novos conheci-
mentos. (VALENTIM, 2011).
Ampliar as possibilidades de aprendizagem de alunos com defici-
ência intelectual têm sido um caminho pelo qual a escola deve seguir.
Faz-se necessário oferecer estratégias e mediações pedagógicas sistema-
tizadas e planejadas para que estes não só participem, mas interajam
com os colegas e construam conceitos científicos necessários para o seu
desenvolvimento social. (LIMA; PLETSCH, 2018). E, desta forma, a
escola terá cumprido seu papel de ser/tornar-se inclusiva.

2. Reflexões sobre o ensino de alunos com ou sem deficiên-


cia no âmbito da (Educação) Matemática

Refletir sobre a Matemática da forma em que ela aparece no con-


texto escolar ou de como ela é ensinada para todos os alunos foi o que
nos motivou a inserir este item no texto.
A Matemática quando apresentada de modo formal e tradicional,

144 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
por meio de fórmulas a serem decoradas, com situações-problemas des-
contextualizados e com foco apenas em algoritmos a serem exercitados
sem que se tenha uma explicação sobre suas aplicações no cotidiano
e/ou sobre as circunstâncias de sua descoberta, impõe aos estudantes,
verdades absolutas e inquestionáveis.
Nesse sentido, as dificuldades dos alunos em aprender os conte-
údos relacionados à Matemática são naturalizadas, além dos alunos se-
rem rotulados como “sem talento ou aptidão” para tais temas, o que, às
vezes, é tão marcante na vida escolar de alguns que tal ideia é verba-
lizada anos mais tarde. Isso ecoa, marca e exclui pessoas com ou sem
deficiência.
Outro aspecto posto e que demonstra a superioridade da Matemá-
tica e de quem a domina é destacar que:

[...] para atuar como cidadãos em uma sociedade moderna, as


competências matemáticas são cruciais. Para gerenciar qualquer
tipo de atividade econômica – comprar, vender, investir – a ma-
temática é necessária. Para muitas funções do mundo do trabalho
é necessário dominar algum tipo de matemática. Para entender
propagandas e notícias em que gráficos, tabelas e números apare-
cem, a matemática é útil (SKOVSMOSE, 2019, p. 20-21).

Com status de ciência inquestionável, o problema estará sempre


no aluno, na pessoa que não aprende/domina essa disciplina ou tem
dificuldades inerentes às características da natureza epistemológica do
conhecimento matemático. Isso pode levar à crença de que é necessária
grande capacidade cognitiva para aprender Matemática, que a Matemá-
tica só é para os “gênios”, pessoas agraciadas com um “dom” ou “que é
para poucos” (RODRIGUES, 2017).
No entanto, esses são mitos criados com o intuito de justificar os
motivos do fracasso escolar e para desviar o olhar em relação aos modos
de ensino da Matemática, das questões sociais, culturais e econômicas
em que os indivíduos estão inseridos, entre outros fatores que influen-
ciam no processo ensino, aprendizagem e desenvolvimento.
Apesar dos avanços desta área, infelizmente, muitas dessas carac-
terísticas que envolvem o ensino e a aprendizagem da Matemática ainda

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 145
persistem no contexto escolar. Ademais, os conteúdos presentes no cur-
rículo escolar, geralmente, são escolhidos por quem pouco frequenta
as salas de aula e com pouca (ou nenhuma) experiência educacional
efetiva (isso não é uma particularidade desta disciplina). As escolhas são
baseadas quase sempre por convicções do campo da Matemática Aca-
dêmica, pela tradição que alguns conteúdos têm no currículo escolar
ou, ainda, por influência de avaliações externas, o que contribui para
aumentar a dificuldade frente a este componente curricular.
Sob este ponto de vista, a Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) possuem um
aspecto de padronização do conteúdo, o que não privilegia a contextu-
alização da Matemática, evidenciando-a como filtro social ou, que ela
seja para as pessoas mais talentosas ou para grupos sociais privilegiados
(BRASIL, 1998; 2018).
Na BNCC, há um silenciamento acerca da Educação Especial,
como uma modalidade de ensino, e/ou da educação inclusiva. Na área
que diz respeito à Matemática menciona apenas: “Desenvolver e/ou
discutir projetos que abordem, sobretudo, questões de urgência social,
com base em princípios éticos, democráticos, sustentáveis e solidários,
valorizando a diversidade de opiniões de indivíduos e de grupos sociais,
sem preconceitos [...]” (BRASIL, 2018, p. 267), não explicitando a quais
indivíduos ou grupos se referem e qual a especificidade da diversidade
mencionada.
De acordo com Froehlich e Meurer (2021, p.3), na BNCC “[...]
não há enfoque voltado à Educação Especial nem ao seu público-alvo,
trazendo ofuscada essa modalidade. As pequenas colocações, vagas, tra-
zem a Educação Especial de forma frágil, sem a atenção necessária”.
No caso de alunos com deficiência intelectual, há vertentes que
defendem o retorno do ensino destes exclusivamente em escolas espe-
cializadas pautadas em argumentos de que os mesmos comprometem o
desenvolvimento dos demais alunos na escola comum ou ainda, que a
escola/professor da classe comum não sabe lidar com esse aluno por não
possuir formação específica para tal atuação.
Quando a deficiência é naturalizada, considerada apenas locali-

146 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
zada no indivíduo e de que, nada no seu entorno precisa se adequar
para atender tais particularidades, associamos a ela uma concepção de
ineficiência do indivíduo, de que ele não é capaz de aprender algo por-
que não possui condições inerentes ao seu próprio desenvolvimento que
permita que o mesmo aprenda.
Tal concepção impõe riscos de minimizar ações na escola, ou de
que elas deixem de ser feitas, tais como a realização de um planejamen-
to de ensino que atenda às necessidades educativas deste alunado, do es-
tabelecimento de um ensino colaborativo com o professor especializado
no Atendimento Educacional Especializado (AEE) e de atividades que
sejam promotoras de aprendizagem, independente da disciplina.
No que segue, focaremos algumas possibilidades no trabalho pe-
dagógico, no contexto da Matemática, e que podem contribuir para
aprendizagem e desenvolvimento de alunos com deficiência intelectual
e, consequentemente, para efetivar os processos de inclusão escolar.

3. Práticas pedagógicas no ensino de Matemática para alu-


nos com deficiência intelectual: possibilidades52

Neste tópico traremos reflexões acerca de possibilidades de atua-


ção pedagógica no ensino de Matemática para alunos com deficiência
intelectual.
Umas das primeiras reflexões a se fazer é considerar o aluno com
deficiência intelectual como um ser singular, que não pode ser definido
por um laudo ou diagnóstico clínico apenas. Cabe ressaltar que não é
uma crítica aos laudos e sim às consequências negativas que eles podem
produzir, se considerados exclusivamente como fonte de informação so-
bre o aluno.
Os laudos, ao mesmo tempo que podem proporcionar acesso à
atendimentos especializados e auxiliar, em alguns casos, na compre-
ensão das características do indivíduo, também podem ser usados para
52.  A proposta do artigo é ter o foco no aluno com deficiência intelectual, mas entendemos que muito do
que será exposto e discutido neste tópico são propostas que vão ao encontro das necessidades de todos os
alunos, indiscriminadamente.

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 147
rotular, limitando a ação do sistema educacional em relação ao aluno
com deficiência. O aluno está matriculado, “incluído” na classe co-
mum, mas, na verdade, o que se tem, muitas vezes, é uma segregação
ou exclusão mascarada (TABORDA; RODRIGUES; ROSA, 2019).
Em relação à Matemática, Moraes (2017, p. 178) aponta que:

A identificação da deficiência já finaliza e justifica toda ação de


ocultamento das possíveis mudanças ou revela que a matemática
não é para eles. Consequentemente, muitos professores negam a
possibilidade de desenvolvimento e aprendizagem, simplesmente
o ignora ou atribui a ele tarefas repetitivas consideradas simples e
que pode ocupar-lhe o tempo, enquanto os que podem aprender,
os que a matemática tem utilidade vão ser alunos de verdade [...]

Essas atitudes só reforçam o papel da Matemática para “poucos”,


como um filtro social, excludente, como já discutido anteriormente.
Ensinar conteúdos de Matemática não é transmitir o conheci-
mento apenas, e, sim, orientar, mediar, experimentar com os alunos
situações significativas de aprendizagem, despertar os sentidos da inves-
tigação e, desta forma o professor contribuirá na educação de todos os
alunos, inclusive do aluno com deficiência intelectual.
Na prática, a Matemática seria mais prazerosa e acessível se situa-
ções do cotidiano do aluno fossem utilizadas como material do compo-
nente curricular, se houvesse maior contextualização da mesma em sala
de aula, isso a deixaria mais humanizada.
De acordo com Smole (2019), a aprendizagem matemática se dá
a partir da curiosidade e do entusiasmo das crianças e vai crescendo
a partir das experiências vivenciadas nas aulas, isso principalmente na
Educação Infantil.
Ainda, para a autora, as experiências desafiadoras incentivam a
explorar ideias, levantar e testar hipóteses, construir argumentos de
maneira cada vez mais elaboradas. Mas é importante mencionar que
nenhuma aprendizagem ocorre apenas de forma espontânea, é preciso
que o professor planeje as propostas para que a criança elabore, estru-
ture e organize toda a rede de relações que envolve o conhecimento
matemático (SMOLE, 2019).

148 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
Os materiais manipulativos ou concretos são uma boa opção de
trabalho na Matemática, eles podem proporcionar a exploração e junto
à mediação do professor, com objetivos claros e definidos do que se quer
ensinar, levar o aluno a aprendizagem de conceitos científicos inerentes
à Matemática.
É importante ressaltar que a ideia de concreto, muitas vezes,
atrela-se diretamente a noção de manipulativo. A dimensão material
existe, porém, não é única, é necessário pensar que há também outra
dimensão, trata-se de seu conteúdo de significações, ou seja, nem sempre
o concreto é manipulável, mas concretiza-se por ter um significado
expresso para o que se deseja propor (ARAGÃO; VIDIGAL, 2012).
Esta ideia é muito importante quando nos remetemos à defici-
ência intelectual, já que muito se apregoa que a aprendizagem de tais
alunos deve sempre ser baseada no concreto/manipulativo, esta é uma
possibilidade, porém, não deve ser a única, já que é importante que o
aluno avance na aprendizagem de conteúdos e que possa também, se
apropriar sobremaneira dos conceitos abstratos, tão subjacentes ao co-
nhecimento matemático.
Na Educação Infantil é muito importante que, desde cedo, os alu-
nos possam manipular objetos de quantidades, cores, texturas e tama-
nhos diferentes para que percebam atributos e características inerentes
a tais materiais que podem ser explorados e aprofundados futuramente
em conceitos como de geometria, por exemplo. Contudo, tal explora-
ção não pode ser realizada de forma isolada do contexto real.
O brincar, condição essencial para o desenvolvimento das crianças
com ou sem deficiência, também envolve desde muito cedo questões
matemáticas. As músicas infantis, utilizadas nas brincadeiras, contêm
contagens, ordenação, classificação, por exemplo, que serão exploradas
futuramente de forma mais sistematizada pela Matemática do Ensino
Fundamental em diante. É importante mencionar que os espaços, ati-
vidades e ações devem ser organizadas intencionalmente, com objetivos
claros que se desejam atingir.
Marcolino e Mello (2015, p. 151) indicam que “[...] para que a
criança brinque e para que esse brincar possa afetar processos psíqui-

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 149
cos – fazendo com que um desenvolvimento potencial torne-se real
– é preciso criar determinadas condições e circunstâncias de modo que
a brincadeira possa acontecer e se desenvolver”.
Mello (2007, p. 89) aponta ainda que:

Na perspectiva histórico-cultural, a aprendizagem deixa de ser


produto do desenvolvimento e passa a ser motor deste: a aprendi-
zagem deflagra e conduz o desenvolvimento. Nessa perspectiva,
conhecer as condições adequadas para a aprendizagem é condi-
ção necessária – ainda que não suficiente – para a organização
intencional das condições materiais de vida e educação que per-
mitam a apropriação das máximas qualidades humanas por cada
criança na Educação Infantil [...].

Infelizmente, os conceitos matemáticos são apresentados em sua


maioria de forma linear, sem que se façam as devidas conexões entre os
mesmos o que leva a uma prática educativa fechada com poucas possi-
bilidades de uso da criatividade e de uma exploração interdisciplinar dos
temas (ROSSIT; GOYOS, 2009), de tal forma, os alunos com deficiên-
cia intelectual terão suas dificuldades aumentadas.
Apresentamos como sugestão para superar esta visão mecanicista
da Matemática a utilização de materiais manipulativos de fácil acesso,
que podem ser utilizados na Educação Infantil e Ensino Fundamental,
como por exemplo Blocos lógicos, o Ábaco, Material Dourado.
Tais materiais auxiliam na construção de conceitos relacionados
ao sistema de numeração decimal, operações matemáticas, geometria,
entre outros processos mentais importantes na área. Estes, não são de
uso específico para os alunos com deficiência intelectual, são possibili-
dades para o trabalho pedagógico na turma como um todo, mas o seu
uso pode ampliar as possibilidades de reflexões destes alunos, nestes
conceitos. Brinquedos construídos com sucatas ou materiais recicláveis,
por exemplo, também são opções que podem auxiliar na exploração de
conceitos matemáticos tais como maior, menor, espessura, forma, cor e
tantos outros.
Nessa perspectiva, Kishimoto (1994, p. 14) ressalta que:

150 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
Se brinquedos são sempre suportes de brincadeiras, sua utilização
deveria criar momentos lúdicos de livre exploração, nos quais pre-
valece a incerteza do ato e não se buscam resultados. Porém, se os
mesmos objetos servem como auxiliar da ação docente, buscam-
-se resultados em relação a aprendizagem de conceitos e noções,
ou mesmo, ao desenvolvimento de algumas habilidades. Nesse
caso, o objeto conhecido como brinquedo não realiza sua função
lúdica, deixa de ser brinquedo para tornar-se material pedagógico.

Toda exploração de materiais no ensino da Matemática deve tra-


zer em sua proposta situações-problema que possam ser discutidas, além
do cenário de investigação que proporciona aos alunos possibilidades de
questionamentos, dúvidas e reflexões. O trabalho em grupo auxilia neste
processo e para o aluno com deficiência intelectual contribui na medi-
da que este pode contar com parceiros mais experientes que o apoiarão
na descoberta de novos conceitos e aprendizagens.
Os jogos, como outra sugestão, são uma oportunidade de desmis-
tificar a Matemática como um “bicho de sete cabeças”53, além de de-
senvolver aulas mais interessantes, descontraídas e dinâmicas para todos
os alunos, pois é uma oportunidade de o aluno ser agente no processo
de ensino e aprendizagem e o docente, o mediador. “Por ser desafiador,
o jogo faz com que o aluno se envolva nas atividades, tornando-se um
sujeito ativo na construção de seu próprio conhecimento” (TÔTOLO;
BATISTA, 2016, p. 6).
O trabalho com jogos oportuniza ao docente observar as destre-
zas, possíveis dificuldades dos alunos, além de observar como os alunos
lidam com suas emoções frente aos desafios postos, favorecendo a refle-
xão e a possibilidade de pensar em outras atividades que possam explo-
rar as principais dificuldades.
Já o trabalho em grupo com jogos, auxilia os alunos a desenvol-
verem o respeito para com os outros, estimula o saber expor e o saber
ouvir opiniões contrárias à sua, incentiva o trabalho colaborativo e co-
operativo, entre outros, conforme já mencionado anteriormente, o que
contribui sobremaneira ao desenvolvimento potencial do aluno com
53.  Analogia a Hidra de Lerna, lenda da mitologia grega, que era um monstro de sete cabeças quase inven-
cível, pois ao cortar suas cabeças, elas renasciam.

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 151
deficiência intelectual.
Tais sugestões são importantes, pois é comum vermos o trabalho
com alunos com deficiência intelectual com propostas pouco instigan-
tes, mecanizadas e repetitivas que não favorecem em certa medida a
aprendizagem. Um ensino da Matemática de maneira metódica e pou-
co motivadora pode ser uma dentre as causas das frequentes dificulda-
des encontradas pelos estudantes na aprendizagem, e isso pode ocorrer
com alunos com ou sem deficiência.
É importante enfatizar que cabe ao docente preparar, planejar e
desenvolver o jogo, ou qualquer outra atividade matemática com um
objetivo didático, de aprendizagem, para que se alcance os objetivos
traçados para com aquele aluno ou turma.
Outra importante consideração, que não podemos deixar de men-
cionar é a necessidade do trabalho diversificado nas aulas de Matemáti-
ca. Se compreendermos que há uma heterogeneidade presente na sala
de aula e que dentre estas está a deficiência intelectual, as proposições
nunca serão iguais para turma toda e, desta forma, todas as necessidades
de aprendizagem poderão ser atendidas.

Considerações Finais

Mantoan (2017) coloca que “para entender o que é e como incluir


temos que nos desfazer do que nos fez excluir, sem ou com a intenção
de fazê-lo” (p. 9, grifos da autora). A lógica parece simples: “se há a
necessidade de incluir é porque existem mecanismos de exclusão atuan-
do no contexto educacional” (Ibidem), a solução também parece fácil:
“basta acabar com estes mecanismos que excluem que teremos uma
Educação Inclusiva” (Ibidem).
No entanto, não é tão trivial quanto pode parecer, pois a escola é
constituída por diversos mecanismos que promovem a exclusão, e nos
desfazer deles, implica em pensar uma escola muito diferente desta que
temos atualmente.
Como educadores que ensinam Matemática devemos refletir so-

152 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
bre os processos de ensino, aprendizagem e desenvolvimento, os filtros
sociais assim como as exclusões promovidas por esse componente cur-
ricular.
Nesta direção, “[...] os esforços devem ser empreendidos para que
o conhecimento matemático seja acessível a todos os alunos. Conside-
rando então apenas o pressuposto essencial e os objetivos da Educação
Matemática e da Educação Inclusiva os entrelaçamentos entre elas já
estão estabelecidos [...]” (NOGUEIRA, 2020, p. 126, grifos da autora).
A crença de que o aluno com deficiência intelectual não tem con-
dições de aprender conhecimentos mais elaborados e abstratos em Ma-
temática deve ser derrubada, já que pensar desta forma pode influenciar
no trabalho pedagógico do professor, que acaba por oferecer propostas
pouco desafiadoras, repetitivas, com pouco potencial de desenvolvi-
mento e aprendizagem.
Smole (2019, p. 1) assevera que:

Precisamos desfazer o mal-entendido de que na educação infan-


til praticamos uma matemática simplista, muito elementar, sem
propor situações mais desafiadoras, e também nos desfazer da
ideia de que primeiro os alunos aprendem a ler e escrever para
depois explorar situações mais complexas de matemática.

Isso pode acontecer desde a Educação Infantil, passando pelos di-


versos níveis e etapas da educação.
É preciso superar tal concepção. É função da escola oferecer
a TODOS os alunos os conhecimentos científicos historicamente
acumulados pela humanidade e que tais conhecimentos sejam
promotores de desenvolvimento aos mesmos.
Os materiais manipulativos, jogos, a proposição de atividades diver-
sificadas, trabalhos em grupo são opções de trabalho pedagógico que con-
tribuem para a aquisição de conceitos relacionados à Matemática, tanto
na Educação Infantil, quanto no Ensino Fundamental, entretanto, não
podemos nos esquecer de que tais propostas devem sempre proporcionar
reflexão, investigação, resolução de problemas e que devem levar o aluno
à elaboração de conhecimentos e conceitos científicos sempre.

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 153
As possibilidades aqui apresentadas não são propostas específicas
de trabalho para alunos com deficiência intelectual, são sugestões de
trabalho que podem e devem ser desenvolvidas na classe comum para
todos os alunos.
A ideia em reuni-las neste texto é também a de desmistificar que
a educação de alunos público-alvo da Educação Especial deve ser sem-
pre diferente, apartada do currículo comum. Haverá sim momentos que
necessitarão de adequações, entretanto, muitas propostas pedagógicas
que já projetamos na sala de aula comum, se desenvolvidas com plane-
jamento adequado, atendem as necessidades e particularidades desses
alunos. E caberá ao AEE, num trabalho colaborativo com o professor da
sala comum e outros profissionais envolvidos, o papel de complementa-
ção da educação destes.
Construir uma escola inclusiva requer mudanças urgentes em toda
sociedade, mas podemos começar a partir do nosso local/espaço. Enquan-
to professores, nosso primeiro passo deve ser dado na sala de aula e, ao
mesmo tempo, almejar e lutar por mudanças em contextos mais amplos.

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volvimento e aprendizagem. 10. ed. Tradução Maria da Penha Villalobos. São
Paulo: Ícone, 2006. p. 103-117.

UNESCO. Declaração de Salamanca e Linha de Ação sobre necessidades


Educativas Especiais. Salamanca, Espanha, 1994.

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 157
Capítulo 9

Publicações sobre pessoa com deficiência e


Educação Infantil na Revista de Educação
Especial da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM) (2000-2020)54

Dulcinéia de Figueiredo Aivi55


Carina Elisabeth Maciel56

Introdução

O presente artigo é um estudo sobre as produções com a temática


“deficiência e educação infantil”, publicadas pela Revista de Educação
Especial da UFSM. O recorte temporal para obter tais informações foi
de vinte anos, de 2000 a 2020. Para tanto, foram analisadas todas as
publicações que continham a temática inclusão, Educação Infantil e
crianças com deficiência, totalizando dez artigos identificados durante
esses vinte anos de publicações.
O objetivo geral do estudo foi investigar as publicações sobre pes-
soa com deficiência e Educação Infantil na Revista de Educação Espe-
cial da UFSM (2000-2020), e para atingir o mesmo, foi desenvolvido
o seguinte percurso: a) verificar o número de publicações; b) analisar
quais os tipos de deficiência que aparecem com mais frequência nas
publicações; c) identificar os principais resultados publicados sobre o
tema em questão.
A pesquisa quanti/qualitativa analisa as principais publicações com
o tema deficiência e educação infantil, com um levantamento biblio-
54.  Trabalho de Conclusão de Curso de Pedagogia (EAD), realizado sob orientação da Prof.ª Dr.ª Carina
Elisabeth Maciel.
55.  Graduanda em Pedagogia pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS). E-mail- dufig@
outlook.com.
56.  Doutora em Educação. Professora da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em
Educação/FAED/UFMS. Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas de Educação Supe-
rior/Mariluce Bittar (GEPPES/MB). E-mail: carina.maciel@ufms.br.

158 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
gráfico, a partir de busca na Revista de Educação Especial da UFSM. A
pesquisa consiste em investigação bibliográfica e documental, tendo em
vista a contextualização do tema por meio de documentos nacionais e a
busca pelos dados empíricos no periódico destacado.
Um marco importante na história da Educação Especial no Brasil
foi a Resolução n.º 2 do Conselho Nacional de Educação (2001) ao
declarar que os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos,
sendo responsáveis por se organizarem, no sentido de atender aos edu-
candos com necessidades educacionais especiais (BRASIL, 2001b).
De acordo com o disposto na Lei de Diretrizes e Bases da Educa-
ção Nacional de 1996 – LDB/1996:

Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta


Lei, a modalidade de educação escolar oferecida preferencial-
mente na rede regular de ensino, para educandos com deficiên-
cia, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou
superdotação (BRASIL, 1996).

Segundo a LDB em seu Art. 1° “A educação abrange os processos


formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana,
no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais
e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais” (BRASIL,
1996). Sendo a educação um processo de formação e um direito preconi-
zado pelas leis nacionais, pessoas que constituem o público-alvo da Edu-
cação Especial também têm a possibilidade de acesso à educação. Para a
Educação Especial o Atendimento Educacional Especializado (AEE) é
uma das possibilidades de atendimento a esse grupo. Sendo transversal a
todos os níveis de educação, o AEE materializa os atendimentos da Edu-
cação Especial, conforme disposto na LDB 1996, Art. 4º:

III - atendimento educacional especializado gratuito aos educan-


dos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e
altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis,
etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensi-
no (BRASIL, 1996).

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 159
A Educação Infantil faz parte do sistema educacional brasileiro
e é responsável pelo início da escolarização das crianças, inclusive das
crianças público-alvo da Educação Especial.
O artigo está estruturado em quatro partes: a Educação Especial
e Educação Inclusiva, a criança com deficiência e a Educação Infantil;
publicações sobre deficiência e Educação Infantil da Revista Educação
Especial da UFSM e conclusão.

2. A Educação Especial e Educação Inclusiva

A Educação Especial tem uma história de atendimento educacio-


nal via instituições especializadas, nas quais a seleção era realizada por
tipos de deficiência. As escolas especiais consistiam na possiblidade de
educação desses grupos e a escolarização por meio de escolas comuns
não era indicada como possiblidade educativa para pessoas com defici-
ência.
A Educação Especial tem um percurso interessante e as Declara-
ções Mundiais, resultantes de reuniões internacionais, são parte impor-
tante desse caminho, uma vez que determinam a inserção de direitos
para pessoas com deficiência nas políticas nacionais. Os principais mar-
cos dessa trajetória são destacados no Quadro 1:

Quadro 1 – Marcos Político-legais da Educação Especial no Brasil

160 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
Fonte: SAVIANI, R. R et al. (2019, p. 545).

O Atendimento Educacional Especializado (AEE) deve ser dis-


ponibilizado no contraturno da escola para a criança que necessita des-
sa modalidade de ensino, podendo ser na própria escola ou em outro
lugar, segundo a Resolução CNE/CEB n.º 4/2009, em salas de recur-

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 161
sos multifuncionais (SRM); pode ser ofertado também em Centros de
Atendimento Educacional Especializado (CAEE), com atividades que
complementem o apresentado nas salas regulares:

As atividades visam ao desenvolvimento de habilidades cogniti-


vas, socioafetivas, (sic) psicomotoras, comunicacionais, linguís-
ticas, identitárias e culturais dos estudantes, considerando suas
singularidades. As ações pedagógicas realizadas pelo professor es-
pecializado visam apoiar as atividades realizadas pelo professor na
classe comum (BRASIL, 2020b, p. 10).

Diante do exposto, pode-se considerar a Educação Especial e a


Educação Inclusiva como distintas: a Educação Especial é uma moda-
lidade educacional voltada para alunos com necessidades educacionais
especiais; a Educação Inclusiva busca a equidade, dando as mesmas
chances para todos os alunos, com ou sem deficiências. De acordo com
Ropoli et al. (2010),

A educação inclusiva concebe a escola como um espaço de to-


dos, no qual os alunos constroem o conhecimento segundo suas
capacidades, expressam suas ideias livremente, participam ativa-
mente das tarefas de ensino e se desenvolvem como cidadãos,
nas suas diferenças. Nas escolas inclusivas, ninguém se conforma
a padrões que identificam os alunos como especiais e normais,
comuns. Todos se igualam pelas suas diferenças! (ROPOLI, et al.,
2010, p. 8).

Sendo assim, fica evidente a importância de uma escola inclusiva,


onde todos possam estudar em escolas regulares e, também, da Educa-
ção Especial, para atender às necessidades individuais de aprendizagem
de cada criança. As avaliações diagnósticas devem levar em considera-
ção as especificidades de cada aluno.

3. A criança com deficiência e a educação infantil

A Educação Infantil é a primeira etapa da educação básica, onde

162 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
o cuidar e educar são indissociáveis, de acordo o Currículo Referência
do Mato Grosso do Sul:

A Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, é um


direito humano e social de todas as crianças, sem distinção de-
corrente de origem geográfica, etnia, nacionalidade, sexo, defici-
ência, nível socioeconômico ou classe social (MATO GROSSO
DO SUL, 2019, p. 65, grifo nosso).

A Educação Especial e Inclusiva é um direito garantido em todas


as etapas escolares, inclusive na Educação Infantil, onde os alunos com
deficiências têm direito ao AEE, acessibilidade, flexibilização e adapta-
ção curricular. A Educação Especial é reconhecida como uma moda-
lidade escolar e está em crescimento constante. Ocorreu um aumento
do número de matrículas de crianças com deficiências, de acordo com
Censo 2020:

O número de matrículas da educação especial chegou a 1,3 mi-


lhão em 2020, um aumento de 34,7% em relação a 2016, segundo
o censo escolar. O censo escolar revela que o percentual de ma-
trículas de alunos de 4 a 17 anos da educação especial incluídos
em classe comum também aumentou gradativamente, passando
de 89,5%, em 2016, para 93,3%, em 2020, porém foi na educação
infantil onde ocorreu o maior aumento na proporção de alunos
incluídos, entre 2016 e 2020, foi observado na educação infan-
til, um acréscimo de 8,8 p.p. (BRASIL, 2020a, s/p., grifo nosso).

Gráfico 1 – Percentual de alunos matriculados com deficiência, transtornos globais do desenvolvi-


mento ou altas habilidades que estão incluídos em classes comuns, segunda etapa de ensino – Brasil
– 2016 a 2020

Fonte: BRASIL (2020a, p. 35).

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 163
Nas escolas regulares, a atuação de profissionais do Atendimento
Educacional Especializado (AEE) é necessário para um processo mais
eficaz de aprendizagem à aqueles que necessitem de Educação Espe-
cial. Cabe salientar que o AEE é garantido na Constituição Federativa
do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988).

O atendimento educacional especializado (AEE) é um serviço


da educação especial que identifica, elabora, e organiza recursos
pedagógicos e de acessibilidade, que eliminem as barreiras para
a plena participação dos alunos, considerando suas necessidades
específicas (BRASIL, 2008, p. 1).

No ano de 1994, com a Declaração de Salamanca57, que trata dos


princípios, políticas e práticas na área das necessidades educativas espe-
ciais, o direito à educação e à inclusão escolar foram preconizados para
todos, inclusive a todas as pessoas com deficiência.
A Constituição Federal brasileira, de 1988 (BRASIL, 1988), garan-
te que a educação é direito de todos e dever do estado e da família. Esse
preceito será efetivado por meio de “atendimento educacional especia-
lizado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular
de ensino” (Art. 208 parágrafo III). Além disso, a Lei de Diretrizes e
Bases (LDB) de 1996 preconiza no capítulo V a atenção à Educação
Especial e no §3.º informa que a oferta da Educação Especial, dever
constitucional do Estado, tem início na faixa etária de zero a seis anos,
durante a Educação Infantil.
A Declaração de Salamanca (BRASIL, 1994, p. 12) afirma que:

O sucesso de escolas inclusivas depende em muito da identificação


precoce, avaliação e estimulação de crianças pré-escolares com ne-
cessidades educacionais especiais. Assistência infantil e programas
educacionais para crianças até a idade de 6 anos deveriam ser de-
senvolvidos e/ou reorientados no sentido de promover o desenvolvi-
mento físico, intelectual e social e a prontidão para a escolarização.

57.  Como resultado da Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais, realizada entre
7 e 10 de junho de 1994, criou-se a Declaração de Salamanca (BRASIL, 1994).

164 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
Na educação infantil, o contato entre o professor e o aluno é de
proximidade, é o profissional, na maioria das vezes, quem percebe algu-
ma necessidade especial na criança. Familiares que não aceitam a defi-
ciência da criança, a falta de acessibilidade e de formação profissional
dificultam o processo inclusivo do aluno, e com as alterações da LDB
(Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), por meio da Lei nº
12.796, de 4 de abril de 2013 (BRASIL, 2013), todas as crianças com ou
sem deficiências deveriam estar matriculadas e incluídas no processo de
ensino (ALMEIDA; SANTOS, 2017).
A inclusão escolar é importante para a criança, pois a aceitação do
grupo social em que vive é salutar para seu desenvolvimento sociocultu-
ral. A luta contra a discriminação na escola é recente, somente em 1960,
com a Declaração da UNESCO58 foi que se iniciou essa preocupação
de erradicar a discriminação do ensino: “A discriminação no campo do
ensino constitui violação dos direitos enunciados nesta Declaração”
(BRASIL, 1968, p. 2), para assegurar a todos o respeito universal dos
direitos do homem e oportunidades iguais de educação.
O direito à educação é um direito fundamental, “o direito à in-
clusão [escolar] não pode ser negado a nenhum grupo social nem a
nenhuma faixa etária” (BAPTISTA 1999; BÉNARD DA COSTA, 1999;
CÉSAR, 2003 apud BRANDÃO; FERREIRA, 2013). A inclusão é im-
portante, mas ainda temos muito que conquistar, pois o processo de
inclusão escolar é complexo. Para Cross et al. (2004, p. 488), pode-se
falar em sucesso no processo de inclusão quando:

As crianças progridem nos objetivos que foram previamente defi-


nidos; As crianças evoluíram no seu desenvolvimento pessoal bem
como na aquisição de conhecimentos e habilidades preconizadas
para todas as crianças; As crianças foram bem-vindas pelos profissio-
nais e pares dos programas que frequentam e foram aceitas como
membros do grupo, de pleno direito; Os pais estão satisfeitos com
as evoluções dos seus filhos e com o fato de os seus filhos parecerem
estar bem enquadrados e felizes nos grupos em que estão inseridos.

58.  Adotada em 14 de dezembro de 1960 pela Conferência Geral da organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura, entrou em vigor em 22 de maio de 1962, em conformidade com o Art. 14.
A Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, em sua
décima primeira reunião, celebrada em Paris, de 14 de novembro a 15 de dezembro de 1960.

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 165
Apesar da obrigatoriedade da inclusão de crianças com defi-
ciências em salas regulares, não há uma inclusão efetiva. Alguns
elementos dificultam, como a falta de estrutura física nas escolas e,
também, a falta de professores com formação especializada na Edu-
cação Inclusiva.

Nesta perspectiva, a obrigatoriedade de matrícula das crianças de


4 a 5 anos na educação infantil com a alteração feita na LDB (Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) por meio da Lei nº
12.796, de 4 de abril de 2013, as escolas públicas de Educação
Infantil têm recebido grande demanda de alunos, entre eles os
que apresentam alguma necessidade especial, e que muitas vezes
não encontram na escola um local inclusivo que garanta uma
educação de qualidade respeitando as diferenças (ALMEIDA;
SANTOS, 2017, p. 1428).

A Educação Infantil é uma etapa fundamental para o desen-


volvimento cognitivo da criança, e o Estado deve garantir a matrí-
cula de toda criança, gratuitamente. A inclusão é outra obrigato-
riedade, porém as escolas ainda não estão totalmente preparadas
para receber as crianças com deficiências, por não terem estrutura
física acessível, tampouco professores aptos para um atendimento
pedagógico inclusivo, pois eles também desconhecem esse públi-
co, que outrora frequentava escolas ou salas separadas das crianças
sem deficiências.

4. Publicações sobre pessoa com deficiência e Educação In-


fantil na Revista de Educação Especial da UFSM (2000-2020)

Este estudo foi baseado em pesquisa bibliográfica na Revista em


Educação da Universidade Federal de Santa Maria, sendo encontrados
dez artigos com a temática deficiência e Educação Especial, cujos ob-
jetivos e resultados, relativos aos anos 2000/2020, seguem no quadro
abaixo:

166 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
Quadro 2 – Publicações sobre pessoa com deficiência e Educação Infantil na Revista de Educação
Especial da UFSM (2000-2020)

Fonte: Elaborado pelas autoras a partir de dados levantados na pesquisa.

No ano 2000 houve um artigo, da instituição UFSM, com o tema


“O brinquedo na estimulação essencial como suporte para o desenvol-
vimento da linguagem de crianças com necessidades especiais”, de Mo-
rejón, Freitas e Munhó (2000). Esse estudo tinha por objetivo saber de
que forma o brincar influenciaria no desenvolvimento da fala em crian-
ças de zero a três anos e onze meses de idade. A estimulação essencial
tem se mostrado eficaz na integração de crianças com deficiências, pois
é importante para seu desenvolvimento e deve ser acompanhado pela

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 167
família. Segundo Morejón, Freitas e Munhó (2000), “Estímulos acom-
panhados de amor, afeto, carinho, compreensão e apoio certamente
contribuirão para o desenvolvimento do potencial da criança [...]”.
Em 2002, foram publicados dois artigos tratando desse tema, am-
bos da Universidade Federal de Santa Maria. Um deles foi o artigo in-
titulado “A importância do brincar para a construção do conhecimento
na educação infantil” (ALMEIDA E CASARIN, 2002), e tinha como
objetivo verificar o quão importante é o brincar nessa fase escolar. O
resultado, segundo os autores, foi que as brincadeiras são essenciais para
formação de um adulto crítico e consciente.
O outro artigo publicado no mesmo ano foi de Gil et al. (2002),
“O significado do jogo e do brinquedo no processo inclusivo: conhecen-
do novas metodologias no cotidiano escolar”, tendo por objetivo discu-
tir o significado de jogos e brincadeiras na Educação Infantil e Ensino
Fundamental com crianças com necessidades especiais. Como resul-
tado dessa pesquisa, os autores dizem que os jogos e brincadeiras são
meios de incluir alunos com “necessidades especiais” e que devem ser
usados como recursos pedagógicos nas aulas, e não serem vistos como
um recurso de “final de aula” (GIL et al., 2002).
Entre os anos 2003 a 2010, não houve publicações com as duas
temáticas propostas para o estudo, somente em 2011 com a publicação
do “Reflexões sobre a inclusão escolar de uma criança com diagnósticos
de autismo na Educação Infantil”, de Mattos e Nuremberg (2011). O
foco principal desse estudo foi de auxiliar no desenvolvimento de inte-
ração social de uma criança com o Transtorno Espectro Autismo (TEA),
em uma turma de Educação Infantil. Os principais resultados foram
de aceitação pela turma, flexibilização nas aulas e, de modo geral, a
criança, objeto da pesquisa, mostrou melhora significativa no desenvol-
vimento da linguagem e interações sociais (MATTOS; NUREMBERG,
2011).
No ano 2012, O Centro Universitário UNIVATES publicou um
artigo intitulado “Encaminhamento de crianças com necessidades edu-
cacionais especiais em idade de estimulação precoce a escolas de Edu-
cação Infantil de um município de médio porte do Vale dos Sinos”, de

168 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
Pereira e Grave. O objetivo do estudo foi a verificação de como crianças
com necessidades educacionais especiais (NEE), entre zero e três anos
e onze meses, são estimuladas em escolas de Educação Infantil no mu-
nicípio de Vale dos Sinos, totalizando treze escolas como universo da
pesquisa, porém uma escola de Educação Infantil não participou da
pesquisa, por não ter criança com NEE matriculada. Segundo Pereira e
Grave (2012, p.1):

Totalizando uma amostra de 46 crianças em processos de inclu-


são educacional. Dessas, 12 crianças (26,8%) foram encaminha-
das pelo serviço de Estimulação Precoce mantido pela Associa-
ção de Pais e Amigos dos Excepcionais do referido município, 30
crianças (65,2%) ingressaram na escola por iniciativa da própria
família e 4 crianças (8%), por intervenção do Conselho Tutelar.

Com o resultado da pesquisa se confirmou a importância do es-


tímulo precoce no desenvolvimento da criança com NEE. O estímulo
precoce não deve, necessariamente, ser para crianças com deficiências,
mas a todas as crianças. A pesquisa também identificou que a maioria
dos educadores não se sente “preparada” para trabalhar com alunos com
necessidades educacionais especiais.
Em 2013, Massaro e Deliberato (pela Universidade Estadual de
Júlio de Mesquita (UNESP)) escreveram o artigo “Uso de sistema de co-
municação suplementar e alternativa na educação infantil: Percepção
do professor” (MASSARO; DELIBERATO, 2013, p. 1), cujo objetivo
foi “identificar a percepção do professor a respeito do uso da comuni-
cação suplementar e alternativa durante um programa de intervenção
na Educação Infantil”. O estudo foi realizado em uma classe comum,
com várias crianças com deficiências e dificuldades em comunicação e
a professora. Para realizar o estudo foram escolhidas três músicas infan-
tis, compatíveis com o planejamento da professora e ajustadas de acordo
com as necessidades apresentadas pelos alunos. O resultado da pesquisa
foi que a docente conseguiu identificar a comunicação suplementar e
alternativa, como aliada no processo da aprendizagem de crianças com
deficiências, desde que os recursos sejam ajustados para as necessidades

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 169
especificas de cada aluno, como cartões com imagens, miniaturas, pran-
chas temáticas.
No ano de 2015, Rocha e Garrutti-Lourenço publicaram na Re-
vista Educação Especial da UFSM, o artigo com o título “A criança com
deficiência visual em situação de brincadeiras na educação infantil”.
Essa pesquisa foi um estudo de caso em uma sala de Educação Infantil
no maternal, com um aluno com deficiência visual, em um município
na região metropolitana de São Paulo. O objetivo principal foi obser-
var o contexto da brincadeira do aluno com a deficiência visual. Esse
estudo se realizou em dois momentos, em março e em junho de 2012.
Como resultado da pesquisa, ficou demonstrado que a criança com a
deficiência usa nas brincadeiras seus outros sentidos e, também, utiliza
formas não convencionais com os brinquedos e, ainda, que a professora
necessita mediar as brincadeiras para evitar eventuais atritos com os ou-
tros alunos, auxiliar na integração da criança e desenvolvimento da sua
comunicação. As autoras salientam que:

Os resultados revelaram que a brincadeira da criança com defici-


ência visual depende do modo como compreende o ambiente e
o explora, utilizando seus sentidos remanescentes, principalmen-
te do tato e da audição e, em alguns momentos, do paladar, ao
colocar objetos na boca (ROCHA; GARRUTTI- LOURENÇO,
2015, p. 348).

As professoras entrevistadas frisam a importância de trabalhar com


brincadeiras com crianças com deficiência visual desde a Educação In-
fantil, para auxiliar na locomoção e mobilidade e inclusão da criança
em todos os aspectos dentro da sala de aula.
No ano de 2017, pela UFSM, foi publicado o artigo “O bebê com
Síndrome de Down na educação infantil: um estudo de caso”, por Dra-
go e Dias. O principal objetivo foi de observar como ocorre a inclusão
de uma criança com Síndrome de Down em uma sala de Educação
Infantil regular, em uma escola federal. Como resultado obteve-se que
o desenvolvimento do bebê, segundo os autores:

A partir dos dados produzidos destacamos que o bebê com síndro-

170 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
me de Down está em processo ininterrupto, dialético e profundo
de aprendizado e desenvolvimento, na medida em que tem se
apropriado das características tipicamente humanas pelo contato
com o outro e com o conhecimento sistematicamente organizado
(DRAGO; DIAS, 2017, p. 522).

A criança participava efetivamente das atividades coletivas, com


criatividade, em espaços internos e externos da escola, mesmo que não
tenha sofrido qualquer adaptação para receber esse aluno. O aluno
participava ativamente das atividades, brincadeiras, “Instigado a vencer
seus limites, andar, correr, vasculhar e buscar” (DRAGO; DIAS, 2017
p. 526).
No ano de 2018, não houve nenhuma publicação. Em 2019, San-
tos e Queiroz publicaram o artigo “A normatização do AEE na edu-
cação infantil de Niterói”, pela Universidade Federal Fluminense. O
estudo teve como objetivo identificar o ciclo de políticas públicas do
Atendimento Educacional Especializado – AEE no munícipio de Nite-
rói (SANTOS; QUEIROZ, 2019).
As políticas educacionais no município de Niterói são inovadoras,
pois professores especializados atuam articuladamente com os profes-
sores comuns, trazendo uma inclusão mais efetiva. As salas de recursos
foram efetivadas em Niterói em 2003, e foi em 2007 que chegaram à
versão final do documento com a primeira versão da proposta pedagógi-
ca da secretaria e da fundação municipal de educação de Niterói, onde
o ensino deixou de ser seriado e passou a ser em ciclos. No ano de 2013,
foi lançado o programa Mais Infância, que trazia recurso para a Educa-
ção Infantil em Niterói, juntamente com o programa municipal Brasil
Carinhoso que foi lançado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação (FDNE/MEC em 2012). Em Niterói, houve um cresci-
mento de crianças matriculadas na Educação Infantil, com ou sem defi-
ciência que permaneceram na escola, como aponta o quadro que consta
no material, reproduzido abaixo:

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 171
Quadro 3 – Evolução da Educação Infantil na Rede Municipal de Niterói

Fonte: Santos; Queiroz (2019).

Os resultados dessa pesquisa demonstraram que Niterói foi orga-


nizando suas políticas educacionais de acordo com o surgimento das
novas leis e diretrizes. De acordo com Santos e Queiroz (2019), são
necessárias políticas públicas diferenciadas, de acordo com as especi-
ficidades de cada criança, levando em consideração suas necessidades
educacionais especiais e suas deficiências, na primeira etapa escolar.
A outra publicação de 2019 é da Universidade federal de Santa
Maria, com o tema “Uso da audiodescrição no brincar de uma crian-
ça com Síndrome de Down na educação infantil”, de Azevedo et al.
(2019), com o objetivo de analisar o uso desse recurso com uma criança
com síndrome de Down da educação infantil. Esse estudo traz a impor-
tância da brincadeira para o desenvolvimento da criança, em todos os
campos das atividades humanas, inclusive educacional. A criança com
deficiência necessita de adaptações para sua inclusão em atividades e
brincadeiras, e a audiodescrição foi um recurso válido que, segundo
Azevedo et al. (2019, p.1),

Os resultados demonstraram que no caso de uma criança com de-


ficiência intelectual, o recurso de audiodescrição pôde auxiliar de
forma positiva na superação de barreiras e inclusão no âmbito es-
colar, pois se mostrou eficaz na estimulação da atenção e compre-
ensão das brincadeiras. Conclui-se que é importante que algumas
brincadeiras sejam adaptadas, utilizando recursos diferenciados,
condizendo com a necessidade do aluno, de forma que este seja
realmente incluído em todas as atividades lúdicas propostas pela
professora.

A audiodescrição é uma modificação linguística, onde o visual é

172 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
traduzido para o verbal, estimulando o desenvolvimento e participação
pessoas com diferentes deficiências, como os deficientes visuais, idosos,
disléxicos e, também, pessoas com deficiência intelectual (MOTTA;
ROMEU FILHO, 2010).

Conclusão

Este artigo demonstra que dez artigos sobre Educação Infantil e


Educação Especial foram publicados na revista de Educação Especial
da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, entre os anos 2000
e 2020.
Com este trabalho foi possível observar que no início do ano 2000
até 2002 houve apenas três publicações, as mesmas sempre com a te-
mática de brincadeiras na Educação Infantil como forma de inclusão
das crianças com deficiências. Depois de 2002, houve um intervalo de
oito anos para a próxima publicação, somente em 2011, já com outro
enfoque foi publicado um artigo que tratava da inclusão de uma criança
com autismo na Educação Infantil.
A partir de 2011, começaram a ser mais frequentes publicações
sobre Educação Infantil e inclusão. Uma das razões de maior interesse
sobre inclusão e Educação Infantil foi o surgimento de normativas que
obrigam o ingresso de todas as crianças na escola, inclusive na Educa-
ção Infantil de acordo com a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educa-
ção Nacional) por meio da Lei n.º 12.796, de 4 de abril de 2013.
Em 2011, um artigo sobre autismo e Educação Infantil foi publi-
cado; em 2012 um artigo sobre estimulação precoce de crianças com
deficiências de 0 a 3 anos e onze meses; em 2013, um artigo sobre co-
municação alternativa; em 2015, um artigo sobre criança com defici-
ência visual na Educação Infantil; em 2017, um artigo sobre um bebê
com Síndrome de Down e brincadeiras na Educação Infantil; em 2019,
foram publicados dois artigos, um sobre a normatização do AEE na
Educação Infantil e um sobre a audiodescrição na Educação Infantil.
Os principais temas desenvolvidos nas publicações encontradas

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 173
foram sobre a brincadeira na Educação Infantil, totalizando quatro
artigos publicados: No ano 2000 “O brinquedo na estimulação essen-
cial como suporte para o desenvolvimento da linguagem de crianças
com necessidades especiais”; em 2002 “A importância do brincar para
a construção do conhecimento na educação infantil”; o outro artigo
de 2002 “o significado do jogo e do brinquedo no processo inclusivo:
conhecendo novas metodologias no cotidiano escolar” e, em 2015, o
artigo “A criança com deficiência visual em situação de brincadeiras
na educação infantil”.
Diante do exposto, pode-se observar que, no início dos anos 2000,
o tema principal era brincadeiras e nos anos mais recentes são diversas
as temáticas abordadas nas publicações, sendo a Síndrome de Down a
que mais apareceu nas publicações analisadas, com dois artigos sobre
esse tipo de deficiência.
Conclui-se, dessa forma, que, nos últimos anos, o tema Educação
Infantil e Educação Especial tiveram maior destaque, possivelmente
pelo movimento de inclusão presente nos documentos que normatizam
a educação nacional.

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Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 179
Capítulo 10

Educação inclusiva e redes de apoio: a instituição


educativa como lócus de cuidado em saúde

Camila Bartolomei Silva59

A escola é um local de importância para o desenvolvimento de


um programa de educação para a saúde entre crianças e adolescentes,
diferenciando-se das demais instituições por ser aquela que oferece a
possibilidade de educar por meio da construção de conhecimentos re-
sultantes do confronto dos diferentes saberes (BRASIL, 2009b).
Os saberes que se encontram no espaço escolar são aqueles con-
tidos nos conhecimentos científicos veiculados pelas diferentes disci-
plinas; aqueles trazidos pelas crianças e seus familiares e que expres-
sam crenças e valores culturais próprios; os divulgados pelos meios
de comunicação, muitas vezes fragmentados e desconexos, mas que
devem ser levados em conta por exercerem forte influência sociocul-
tural; e aqueles trazidos pelos professores, constituídos ao longo de sua
experiência resultante de vivências pessoais e profissionais, envolven-
do crenças e se expressando em atitudes e comportamentos (BRASIL,
2009b).
De acordo com Matar e Damiance (2020) a educação infantil
no Brasil atende crianças até cinco anos de idade, em creches e pré-
-escolas, devendo oferecer um atendimento educacional que contemple
as necessidades de desenvolvimento cognitivo e de acesso ao saber, à so-
cialização, as vivências infantis e aos cuidados de manutenção da saúde
e bem-estar, já que as crianças pequenas não podem se proteger e auto
cuidar.
Para fazer a inclusão e garantir a aprendizagem de todas as crian-
59.  Atua como professor/a do curso de Aperfeiçoamento Educacional Especializado na Educação Infantil
de educandos com deficiência oferecido pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – UFMS. Mes-
tre em enfermagem pela UFMS. Enfermeira da Secretaria Municipal de saúde de Campo Grande/MS.
E-mail: camilabartsilva@gmail.com.

180 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
ças da Educação Infantil, é necessário fortalecer a formação dos pro-
fessores e criar uma rede de apoio entre crianças, docentes, gestores es-
colares, família e profissionais de saúde que atendem as crianças com
necessidades educacionais especiais.
De acordo com Silva, Zalamena e Balk (2019) partimos do pres-
suposto de que a efetividade da inclusão educacional requer contínua
articulação em rede, com destaque para a intersetorialidade entre as po-
líticas sociais de educação, saúde e assistência social, fazendo-se neces-
sário, assim, a articulação com outras instituições, órgãos e associações,
favorecendo o acompanhamento e atendimento integral das crianças.
Assim, as redes de apoio são exemplos de ações articuladas com
profissionais dentro ou fora da escola, num espaço de debate comparti-
lhando ideias, conhecimentos e alternativas construídas no grupo (SIL-
VA; ZALAMENA; BALK, 2019).
Os profissionais da área de saúde que trabalham com a criança,
também compõem a rede. Uma das estratégias utilizadas, quando se
fala em aproximação do serviço de saúde com a escola é o Programa
Saúde na Escola (PSE), que foi instituído em 2007, tornando-se a
escola um lócus para ações de promoção da saúde para crianças e
adolescentes, sendo o principal objetivo do programa em discussão é
contribuir para a formação integral dos estudantes por meio de ações
de promoção, prevenção e atenção à saúde, com vistas ao enfrenta-
mento das vulnerabilidades que comprometem o pleno desenvolvi-
mento de crianças e jovens da rede pública de ensino (FERREIRA,
et al., 2019).
Esse artigo trata-se de uma pesquisa de natureza descritiva e ex-
ploratória, alicerçada na revisão narrativa ou crítica da literatura. O uni-
verso explorado consistiu em leis, políticas públicas, obras e publicações
que versavam sobre a educação inclusiva e saúde, com foco no desen-
volvimento integral da criança. As publicações foram selecionadas por
conveniência e as análises empreendidas buscaram compreender o de-
senvolvimento infantil e o impacto no processo de ensinar e de cuidar,
na educação infantil.

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 181
A Pediatria e a Educação inclusiva

De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) o termo


foi criado em 1880 e tem origem na junção de duas palavras gregas: pai-
dos (criança) e iatreia (processo de cura). Os primeiros centros médicos
de atendimento especializados nessa população foram criados no século
19, na Europa.
A meta do pediatra é fazer com que a criança atinja o crescimento
e desenvolvimento mediante o uso de todo seu potencial. Contudo, é
amplo o seu papel, que vai desde a prevenção, diagnóstico e o trata-
mento de intercorrências clinicas ou não, que acometem as crianças e
interferem no seu desenvolvimento até as intervenções iniciais e reabili-
tação, quando necessárias (AZEVEDO, 2013).
Azevedo (2013) ressalta que tanto as aquisições quanto as etapas
do desenvolvimento são dinâmicas buscando que cada etapa é uma fase
para outras etapas do desenvolvimento alcançado pela criança, utilizan-
do-se de dados estatísticos para orientar para o reconhecimento dos des-
vios da normalidade, mas não como valores absolutos.
As individualidades dos sujeitos são identificadas por meio da edu-
cação inclusiva permitindo assim, fazer um planejamento para que cada
criança aproveite ao máximo suas oportunidades de aprendizagem. Bus-
camos por meio da educação inclusiva construirmos um mundo mais
coletivo e igualitário, e aplicar esses benefícios logo na infância gerando
resultados expressivos para a vida toda.
A Política Nacional de Educação Infantil expressa o direito cons-
titucional de acesso das crianças de zero a seis anos à educação e ao
cuidado, trazendo a concepção de desenvolvimento integral da criança.
Em suas diretrizes, enfatiza que as crianças devem ser consideradas em
sua totalidade no processo pedagógico, de acordo com suas especifi-
cidades, com as diferenças individuais entre elas e de sua maneira de
conhecer o mundo por meio do brincar (BRASIL, 2009a).
Contundo nos esquecemos que, o acompanhamento do cresci-
mento e desenvolvimento da criança se faz necessário mesmo na au-
sência de doenças. Dessa maneira, o ambiente escolar e o professor, se

182 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
tornam peças fundamentais na observação desses parâmetros
Dessa maneira, as características, interesses, habilidades e necessi-
dades de aprendizagem são únicas, portanto, a educação inclusiva deve
ser defendida pela pediatria, pois reconhecer a individualidade em meio
ao coletivo é de suma importância, afinal, todos são diferentes entre si.

Refletindo sobre a importância do cuidado na educação infantil

A linha de cuidado em saúde expressa os fluxos assistenciais garan-


tidos ao usuário, no sentido de atender às suas necessidades de saúde,
isto é, o caminho que o usuário percorre dentro da rede, incluindo seg-
mentos que não estarão necessariamente inseridos no sistema de saúde,
mas que participam de alguma forma da rede e são fundamentais para
o cuidado integral, tal como entidades comunitárias e de assistência so-
cial, sendo necessária a visão integral da rede de assistência, potencia-
lizando os recursos disponíveis para oferecer a resposta mais adequada,
completa e resolutiva à necessidade do usuário (BRASIL, 2004).
Algumas interpretações podem reduzir, de forma equivocada, a
linha de cuidado em sistemas de referência e contra referência. A atua-
ção em linha de cuidado induz à integração de várias ações desenvolvi-
das na rede de serviços, visando à promoção, à proteção e à defesa dos
diretos de crianças e adolescentes, corresponsabilizando os gestores e
os profissionais envolvidos desde a atenção básica até o mais complexo
nível de atenção, exigindo ainda a articulação com os demais sistemas
públicos. É necessário pactuação de fluxos, organização dos processos
de trabalho, com o objetivo de facilitar o acesso dos usuários a todos os
serviços necessários.
Para garantir uma educação efetivamente inclusiva, em um am-
biente escolar é necessário o envolvimento de todos os membros da
equipe escolar, assim como a participação da comunidade no planeja-
mento de ações e programas (SILVA; MOLERO; ROMAN, 2016). 

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 183
A instituição educativa como lócus de cuidado em saúde

A escola tem configurado um importante local para o encontro


entre saúde e educação trazendo amplas possibilidades de iniciativas
como ações de diagnóstico clínico e social, estratégias de triagem, enca-
minhamento aos serviços de saúde especializados ou de atenção básica;
atividades de educação em saúde e promoção da saúde (CASEMIRO;
FONSECA; SECCO, 2014)
Em 1954, a Comissão de Especialistas em Educação em Saúde
da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontou a necessidade de
serem realizadas, dentro do espaço escolar, atividades que favorecessem
a promoção da saúde, e não somente uma intervenção isolada de trans-
missão de conhecimentos acerca da mesma.
De acordo com a Organização Pan-americana de Saúde (OPAS),
a promoção da saúde estrutura-se em uma visão integral e multidiscipli-
nar do ser humano, com consideração ao contexto familiar, comunitá-
rio, social e ambiental no qual ele se insere (BRASIL, 2009b).
Os Parâmetros Curriculares Nacionais trazem que toda escola
deve incorporar os princípios de promoção da saúde indicados pela
OMS. Tal ação tem como princípio o aprendizado de saúde em todos
os momentos de formação e a necessidade das parcerias entre profis-
sionais de saúde, de educação, bem como crianças, pais, familiares e
demais membros da comunidade, na busca de transformar a escola em
um ambiente saudável e de formação crítica para a assunção de hábitos
saudáveis.
Neste sentido, o espaço escolar constitui-se em uma oportunidade
e deve ser intencionalmente explorado. No entanto, identifica-se um
investimento incipiente em relação a esta questão, especialmente na
educação infantil. Assim, todas as pessoas com as quais ela se relacio-
na, nas diferentes instituições/espaços sociais que frequenta, tornam-se
copartícipes e corresponsáveis pelo seu processo de aprendizagem, so-
cialização e constituição. Estes espaços interacionais são locus para seu
desenvolvimento e constituem-se em oportunidades.
O tema da promoção da saúde na escola passou a ser um eixo das

184 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
políticas de saúde no âmbito nacional, reconhecendo ser a escola um
espaço de ensino-aprendizagem, convivência e crescimento importante
para a pessoa, no qual se adquirem valores fundamentais para a vida,
dentre estes os vinculados à saúde. A escola é concebida como ambiente
propício para o desenvolvimento de programas da Promoção e Educa-
ção em Saúde, com amplo alcance e repercussão na medida em que
tem a potencialidade de influenciar as pessoas que lá estão com desdo-
bramentos para suas vidas (GONÇALVES, et al., 2008).
Dessa maneira, os docentes devem saber se há utilização de al-
guma medicação por parte da criança, o tempo de duração desse me-
dicamento e os efeitos colaterais, visto que isso pode interferir na par-
ticipação da criança nas atividades escolares. Diagnósticos exatos são
de extrema importância e precisam ser respeitados, ainda mais se estes
orientarem sobre a melhor maneira de atender a criança, pois é funda-
mental conhecer o seu histórico e a sua condição. Deve-se, contudo, se
atentar para não ser confundidos com rótulos reduzindo o educando a
determinada condição.
Considerando o quanto as crianças são suscetíveis a doenças, a
agressões ambientais e psíquicas decorrentes das especificidades orgâ-
nicas e fisiológicas do corpo infantil, um aspecto importante e bastante
considerável, diz respeito ao sistema imunológico das crianças que não
está totalmente desenvolvido, até os cinco anos de idade. Ele se iguala
ao adulto somente aos 12 anos de idade. Dessa forma, a convivência em
espaços coletivos aumenta o risco de transmissão de doenças (YAMA-
MOTO; CAMPOS JÚNIOR, 2011).
Estabelecimentos que dão assistência à criança em idade pré-esco-
lar e escolar são reconhecidos como ambientes com características epi-
demiológicas especiais, por abrigar população com perfil característico
e sob risco específico para a transmissão de doenças infecciosas: crianças
aglomeradas recebendo assistência de forma coletiva. O risco relaciona-
-se a qualquer instituição ou estabelecimento que dê assistência diurna
a crianças em grupo, independentemente de ser chamada de creche
ou escola, ou de ser pública ou privada (NESTI; GOLDBAUM, 2007).
A imaturidade neurológica também merece destaque. As crianças

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 185
possuem maior sensibilidade a eventos estressantes – separações; perdas;
conflitos domésticos e na escola; doenças; mudanças de moradia, de
local e de cidade. Apresentam muitos sintomas físicos e psíquicos – ce-
faleias, taquicardia, insônia, tonturas, irritabilidade, apatia, baixo rendi-
mento escolar, entre outros. Necessitam de relacionamentos protetores
e contínuos, que ofereçam segurança emocional, afeto e atenção para
um desenvolvimento cognitivo e socioafetivo adequado. Vínculos segu-
ros favorecem a formação da autoestima e da visão positiva do mundo
(BRASIL, 2009b).
Em relação ao desenvolvimento neuropsicológico, o fortaleci-
mento da resiliência por meio da escuta ampliada e qualificada; am-
biente acolhedor e permissivo à expressão de sentimento de tristeza,
raiva e medo, assim como apoio a iniciativas de busca de soluções para
os problemas e estabelecimento de vínculos seguros, principalmente,
com a família, impactam no processo de cuidar, de educar e aprender
(BRASIL, 2009b).
Toda a comunidade escolar pode se envolver com planejamento e
organização de formas seguras de exploração do ambiente interno e exter-
no; estimular medidas de prevenção de acidentes, tanto na própria escola,
como também no ambiente familiar e comunitário, e prezar por um espa-
ço com boa iluminação, estruturalmente adequado a crianças pequenas.
A higiene íntima também oportuniza a observação de comporta-
mentos de descaso com a higiene da criança ou de desconhecimento
ou até de dificuldades motoras ou emocionais dos pais em prestar cui-
dados esses cuidados, assim como sinais e sintomas de violência sexual
e a operacionalização de ações de proteção à criança (YAMAMOTO;
CAMPOS JÚNIOR, 2011).
Um dos registros essenciais a serem controlados pela equipe de
saúde é o calendário vacinal, que está contida na Caderneta da Crian-
ça, visto que a vacinação é essencial para a garantia da saúde de todas as
crianças. Essa caderneta deve sempre estar atualizada e ser acompanha-
do pela creche ou escola, pois a identificação de atrasos e aprazamento
das mesmas é uma ação de promoção em saúde indispensável no con-
texto da educação infantil.

186 Fernanda M. C. da Rosa, Luciene C. da Silva e Milene B. Silva, Myrna W. B. dos Santos
A avaliação do desenvolvimento infantil é outra atribuição doa equi-
pe de saúde que pode e deve ser explorada no ambiente da educação infan-
til. Os marcos do desenvolvimento infantil são referências para avaliação da
aquisição de habilidades da criança e são divididos por idade, sendo impor-
tante para identificar padrões que levem a suspeitas de atrasos no desenvol-
vimento. Porém a observação constante através do cotidiano da educação
infantil permite entender a criança de maneira individual, tendo em vista
que cada criança possui seu próprio tempo para desenvolver-se, podendo
variar de acordo com fatores biológicos, ambientais e sociais.
A parceria entre o setor da Educação e Saúde, pode se ampliar
para envolver outros parceiros na construção de um território mais sau-
dável. Os princípios estabelecidos pela Política Nacional de Atenção Bá-
sica, na qual as equipes de Saúde da Família assumem o protagonismo
e a responsabilidade pela coordenação dos cuidados dos escolares, além
do desafio de um processo de trabalho que considere a integralidade das
ações, o cuidado longitudinal e o acesso dos escolares às ações específi-
cas do Programa Saúde na Escola, considerando suas diretrizes e priori-
dades em cooperação com os profissionais da educação (SILVA, 2018).

Considerações finais

Devemos considerar que a faixa etária de zero a cinco anos é um


momento crucial e importante do desenvolvimento humano é que a
educação infantil por isso deveria receber uma maior atenção do poder
público no que diz respeito à valorização, a formação e a qualidade dos
professores, garantindo desta forma o cuidado e a educação necessária
a estas crianças, incluindo as que possuem algum tipo de deficiência.
Existe a necessidade de discutir o intercruzamento dos saberes da
saúde e da educação no planejamento do ensino e do cuidado, na edu-
cação infantil (MATAR; DOMINICANO, 2020).
Diversas áreas do conhecimento se envolvem no atendimento a
crianças, contudo estas áreas pouco ou nada se conversam, ocorrendo
apenas o encaminhamento da educação para a saúde, onde são diagnos-

Serviço de Atendimento Educacional Especializado em Educação Infantil de educandos com deficiência 187
ticadas, iniciado o tratamento e devolvidas para a escola, sem a elabora-
ção e efetivação de planos conjuntos de atendimento que levem a uma
direção da educação inclusiva, garantindo assim ações intersetoriais.
Buscar por integração entre saúde e educação para promoção de
um sistema educacional efetivamente inclusivo exige uma série de es-
tratégias coordenadas, o qual os sujeitos terão condições de desenvolver
um trabalho coletivo em prol da educação inclusiva.
Entre essas estratégias, certamente estão a necessidade de refor-
mulação da formação de profissionais de saúde, a articulação entre ins-
tituições de ensino superior e redes de serviços para o desenvolvimento
de pesquisas, métodos e formação continuada, além da reestruturação
do funcionamento escolar, a fim de que valorize professores e alunos e
assim ofereça melhores condições de um fazer educativo que promova
o desenvolvimento de todos.

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