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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO TRIÂNGULO MINEIRO ISSN 2447-4924 (Impressa)

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E INOVAÇÃO ISSN 2447-598X (Digital)


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EDUCAÇÃO

A LÓGICA FORMAL/ARISTOTÉLICA NA PRÁTICA DOS


ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO INTEGRADO
Samuel de Jesus Duarte1, Sterphany Alves Teixeira2

RESUMO: O paradigma tecnológico e científico é predominante, mas ainda permanecem formas de organização da vida
social e pessoal que não estão baseadas nos princípios considerados racionais pela filosofia e pela ciência. Isso se faz
perceptível de forma marcante nos comportamentos dos adolescentes e jovens em suas práticas cotidianas, principal-
mente, na vida escolar. Não raro, eles se deixam levar por falácias e argumentos inválidos, revelando desconhecimento
dos princípios lógicos. Esse artigo apresenta uma pesquisa que teve como objetivo detectar a existência de raciocínios
incorretos/falácias na organização das falas, das pesquisas, das provas dos estudantes do Ensino Médio Integrado. Utiliza
a lógica aristotélica de pesquisar/sugerir instrumentos para praticar os mecanismos de raciocínio correto com a utilização
da lógica formal como instrumento para uma análise crítica da realidade e para a aquisição de habilidades na resolução
de problemas. Foram realizadas pesquisas no intuito de identificar, no estudo da lógica, as principais falácias. A partir do
material coletado, foram selecionadas as principais falácias com o objetivo de identificar nas falas e textos dos estudantes
as impropriedades discursivas no que diz respeito à utilização da lógica aristotélica. Constatou-se grande quantidade
de falácias, raciocínios incorretos e impropriedades no que se refere à utilização da lógica em debates, argumentações,
diálogos formais e informais.

Palavras-chave: Filosofia. Lógica. Raciocínio. Aristóteles.

ARISTOTELIAN LOGIC ON THE PRACTICAL APPLICATION OF


MIDDLE SCHOOL STUDENTS
ABSTRACT: The technological and scientifical paradigm is prevalent, but still remain forms of organization of social and
personal life that are not based on rational principles considered by philosophy and science. This becomes evident through
the behavior of adolescents and young people in their daily practices, especially, in school life. Often they get carried away
by fallacies and invalid arguments revealing ignorance of logical principles. This article presents a research that aimed
to detect the existence of incorrect reasoning / fallacies in the organization of the conversations, from researches made
by them, and from the tests of students of the Integrated Secondary School, from the point of view of the Aristotelian
logic, and, besides researching and suggesting instruments for correct mechanisms of practice for reasoning through
the use of formal logic as a tool for critical analysis of reality and develop better skills in problem solving. The research
was conducted in order to identify, in the study of logic, major fallacies. From the material collected, the main ones were
selected in order to identify the speeches and writings of students, discursive improprieties with regard to the use of
Aristotelian logic. It was possible to detect a lot of fallacies, incorrect reasoning and improprieties in respect of the use of
logic in debates, and in arguments, and in both formal and informal dialogues.

Keywords: Philosophy. Logic. Reasoning. Aristotle.

1
Instituto Federal do Triângulo Mineiro, (IFTM). Paracatu - MG, Brasil. E-mail: samuelduarte@iftm.edu.br.
2
Instituto Federal do Triângulo Mineiro, (IFTM). Paracatu - MG, Brasil. E-mail: sterphanycrosfox1@hotmail.com.

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Samuel de Jesus Duarte, Sterphany Alves Teixeira

INTRODUÇÃO tal também pode ser instrumento de alienação, de


mitificação e de obstáculo para uma visão crítica da
realidade.
A sociedade atual é classificada por muitos es-
tudiosos como sendo uma civilização tecnológica. Tal Isso se faz perceptível de forma marcante nos
realidade se apresenta como o resultado de um pro- comportamentos dos adolescentes e jovens em suas
cesso de construção de uma racionalidade fundamen- práticas cotidianas, principalmente, na vida escolar. A
tada em princípios lógicos que remontam à filosofia utilização da internet nas pesquisas escolares e das
grega antiga. A lógica nasce como o coração da filo- redes sociais demonstra grande dificuldade para uma
sofia ao afirmar que os pensamentos, os discursos e análise crítica que seria identificada como análise racio-
as ações humanas devem se fundamentar em pressu- nal da realidade. Não raro, os adolescentes e jovens se
postos racionais. De acordo com essa compreensão, deixam levar por falácias e argumentos inválidos reve-
entende-se que a mente humana opera seguindo de- lando desconhecimento dos princípios lógicos que re-
terminadas regras e que essas regras são necessárias sultaram nessa civilização tecnológica.
e universais. A filosofia e a ciência só foram possíveis A filosofia no Ensino Médio tem como objetivo
a partir da utilização desses princípios. incentivar a aquisição de uma visão crítica da realida-
Tanto o ser humano passou a organizar a sua de. Essa visão só é possível a partir da utilização do
vida a partir desse referencial de racionalidade que principal instrumento da filosofia, a saber, a lógica.
o resultado foi a própria caracterização do homem Utilizar a lógica significa se apropriar dos procedimen-
como animal racional. Em que pese outras formas de tos considerados racionais, das regras que regem nos-
conhecimento como o senso comum, o mito, a reli- sas maneiras de pensar e de agir. Apesar do grande
gião, o conhecimento entendido como racional pas- avanço da ciência e da nossa civilização se caracterizar
sou a ser cada vez mais legitimado e compreendido como sendo tecnológica, percebe-se nas práticas coti-
como o verdadeiro conhecimento. Desse modo, sem- dianas das pessoas, em geral, a não utilização desses
pre que se utilizam argumentos que conectam as rela- princípios e procedimentos.
ções entre as coisas, as ideias e os discursos de forma Observam-se entre os adolescentes pensamen-
a contemplar os princípios e as regras da lógica afir- tos, discursos e ações que não se enquadram nas re-
ma-se é lógico, ou seja, é claro, é evidente. Ao afirmar gras e princípios da lógica. Isso pode ser constatado
é lógico defende-se um conjunto de procedimentos nas falas informais das atividades educacionais, na
considerados legítimos no processo de apreensão da apresentação de trabalhos em debates e seminários,
realidade e de construção do conhecimento. nos textos escritos pelos estudantes e nas dificuldades
Foi seguindo esses pressupostos que a huma- para resolver questões que exigem um nível maior de
nidade chegou a esse contexto de civilização tecnoló- raciocínio. A dificuldade para organizar o discurso e
gica que muitos preferem chamar era da informação, para organizar textos como redações – com introdu-
sociedade em rede (Manuel Castells, 1999), sociedade ção, desenvolvimento e conclusão – demonstra a não
do conhecimento (Adam Schaff, 1995), 3ª onda (Alvin utilização de princípios lógicos e a necessidade de via-
Tofler, Powershift, 1990). Apesar das diferentes ava- bilizar o cultivo dessas habilidades.
liações que se fazem desse contexto, não se pode ne- Assim, essa pesquisa procurou detectar a exis-
gar que ele é o resultado de um tipo de racionalidade tência de raciocínios incorretos/falácias na organiza-
baseado nos pressupostos defendidos na lógica que ção das falas, das pesquisas, das provas dos estudan-
remonta à obra Organon de Aristóteles. tes do Ensino Médio Integrado, tendo como ponto de
Desse modo, observa-se uma sociedade que le- partida um campus do IFTM, a partir da lógica aristoté-
gitima suas ações em critérios considerados racionais. lica, e pesquisar/sugerir instrumentos para praticar os
Se alguém fica doente, procura um médico e não um mecanismos de raciocínio correto (como o silogismo)
líder religioso – o que seria considerado normal em com a utilização da lógica formal como instrumento
tempos atrás; quando se vai fazer uma plantação con- para uma análise crítica da realidade e para desenvol-
sulta-se a meteorologia e não as previsões dos dias de ver habilidades na resolução de problemas.
santos; para se escolher uma profissão, observam-se
as condições de trabalho e do mercado e não a voca-
ção divina ou a tradição familiar. Essa sociedade exige MATERIAL E MÉTODOS
especialistas que conheçam racionalmente cada reali-
dade para legitimar aquilo que as pessoas irão consi- Uma vez que a presente pesquisa teve por
derar como conhecimento verdadeiro. objetivo observar a maneira como os adolescentes
Percebe-se que, apesar do paradigma tecno- utilizam a lógica aristotélica e incidem em falácias, foi
lógico e científico predominante, ainda permanecem necessário utilizar inicialmente a pesquisa descritiva.
formas de organização da vida social e pessoal que Para Andrade (2001), a pesquisa descritiva, restrin-
não estão baseadas nos princípios considerados ra- ge-se a constatar o que já existe. Segundo a autora,
cionais pela filosofia e pela ciência. Além do mais e “os fatos são observados, registrados, analisados,
de forma ainda mais assustadora, a tecnologia nem classificados e interpretados, sem que o pesquisador
sempre auxilia as pessoas a utilizar procedimentos interfira neles” (ANDRADE, 2001, p. 30). Esse procedi-
lógicos. Muitos filósofos já se debruçaram sobre mento foi utilizado objetivando uma caracterização
essa questão e constataram que a razão instrumen- do quadro dos estudantes desse período.

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A lógica formal/aristotélica na prática dos estudantes do ensino médio integrado

Esta pesquisa, no entanto, quis ir além da pes- textualizar conhecimentos filosóficos, tanto no plano
quisa descritiva, pois almejou constatar os fatores de sua origem específica quanto em outros planos: o
determinantes, as causas e os porquês do fenômeno pessoal-biográfico; o entorno sociopolítico, histórico
estudado. Para se proceder à pesquisa explicativa, e cultural; o horizonte da sociedade científico-tecno-
foi utilizada a pesquisa bibliográfica das obras intro- lógica; debater, tomando uma posição, defendendo-
dutórias à lógica. -a argumentativamente e mudando de posição dian-
A pesquisa sobre a existência de falácias e so- te de argumentos mais consistentes; elaborar, por
fismas nos discursos dos estudantes foi realizada, escrito, o que foi apropriado de modo reflexivo. Cada
utilizando-se a pesquisa de campo pelo método da uma dessas seis competências só pode ser alcançada
observação participante. O fato de os pesquisadores a partir do exercício da lógica.
estarem inseridos no objeto pesquisado viabilizou a Para se alcançar o objetivo proposto na pes-
observação de situações em que a lógica foi ou não quisa, utilizou-se algumas obras de introdução à
utilizada. A coleta dos dados foi realizada com a obser- lógica. São muitos os materiais relativos à lógica
vação das falas em sala de aula e de materiais escritos matemática e à lógica de programação, sendo mais
como trabalhos, provas, relatórios, redações das aulas escassos os textos ligados à lógica aristotélica, for-
de filosofia. Essa pesquisa se caracterizou pela inte- mal, clássica. No entanto, utilizou-se um referencial
ração entre pesquisadores e membros das situações teórico suficiente para um aprofundamento do tema
investigadas. Os pesquisadores estão engajados nas e para a posterior análise dos discursos e textos a
atividades rotineiras do grupo pesquisado. partir dos pressupostos da lógica.
O estudo ficou restrito às obras de caráter in-
trodutório. No entanto, não é possível trabalhar a
DESENVOLVIMENTO lógica sem fazer referência ao autor que vem sendo
reconhecido como pai da lógica por mais de dois mil
A lógica procura as normas do pensamento ra- anos – Aristóteles. Os princípios estabelecidos por ele
cional. De acordo com a filosofia aristotélica, a lógica na obra Organum são considerados válidos até o pre-
trata das regras e leis que controlam o pensamen- sente momento. Para Aristóteles, o objetivo da lógica
to para que este seja correto. Os princípios por ela era levantar os argumentos, ou seja, encadeamentos
utilizados ajudam a separar o raciocínio correto do de conceitos e juízos que levariam a novas verdades.
incorreto. Pensamento e raciocínio são entendidos Essa lógica aristotélica trabalha a partir de elementos
não pelos aspectos complexos da psique humana linguísticos e a aplicação em outras línguas é, por ve-
estudada pela psicologia, mas a partir da relação en- zes, problemática. Diante disso, a partir do trabalho
tre as premissas e pressupostos e a conclusão apre- de George Boole (1854), no século XIX, a lógica ma-
sentada. O lógico se preocupa, dessa maneira, com a temática vem ganhando cada vez mais espaço, pois
correção dos argumentos e não com o seu conteúdo. evita os dilemas linguísticos pela utilização da lingua-
“Os lógicos não se ocupam da veracidade ou falsida- gem universal da matemática. Apesar da facilidade
de da proposição. Interessam-se apenas pela valida- da lógica simbólica relacionada aos materiais e à lin-
de ou invalidade do argumento. Estudam, em outros guagem universal da matemática, aliada à exigência
termos, as condições segundo as quais se podem em concursos públicos, a lógica formal/aristotélica se
considerar lógica uma inferência” (COELHO, 1996, p. faz muito útil no contexto da organização das ideias,
21). No fim, o objetivo da lógica são os conhecimen- dos discursos e da ação.
tos verdadeiros sustentados por evidências. Aristóteles divide a lógica em formal e mate-
Ainda, de acordo com Aristóteles, os principais rial. A lógica formal observa o aspecto estrutural do
elementos da lógica são o conceito, o juízo e o ra- pensamento, ou seja, se o raciocínio é válido ou invá-
ciocínio. O conceito é a representação da realidade, lido a partir da verificação das regras adequadas. A
a identificação de cada elemento na mente e na lin- lógica material verifica o conteúdo das proposições.
guagem humana. O juízo é o conjunto de conexões A lógica formal não se preocupa com o conteúdo das
ou separações que se realiza entre os conceitos. A afirmações e segue três princípios, a saber: da identi-
relação entre os conceitos na fabricação dos juízos dade, do terceiro excluído e da não-contradição.
leva à concretização de inferências. Do ponto de vista A obra Aprendendo Lógica de Vicente Keller e
lógico, a preocupação é com a relação entre as pro- Cleverson L. Bastos (2002) faz uma rápida apresen-
posições e não com o seu conteúdo. tação da lógica formal apresentando as regras rela-
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, tivas ao silogismo e uma grande lista de sofismas.
2006), relativos ao Ensino Médio, afirmam como ob- Nesse mesmo viés, Irving Copi (1978), com o texto
jetivo da filosofia a preparação dos estudantes para Introdução à lógica, continua sendo um grande clássi-
o mercado de trabalho num contexto de flexibilidade co. Esta obra faz uma introdução à lógica na perspec-
desenvolvendo as seguintes habilidades: ler textos fi- tiva da linguagem com a vantagem de elencar vários
losóficos de modo significativo; ler, de modo filosófi- exercícios para aprofundamento do conteúdo. Ele
co, textos de diferentes estruturas e registros; articu- divide o livro em três partes: linguagem, dedução e
lar conhecimentos filosóficos e diferentes conteúdos indução. O livro Introdução à Lógica, de César Mortari
e modos discursivos nas ciências naturais e huma- (2001), também faz apresentação bem organizada da
nas, nas artes e em outras produções culturais; con- lógica formal.

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As obras citadas acima foram utilizadas com o errônea”. (KELLER; BASTOS, 2002, p. 31). Quando se
intuito de relacionar as principais falácias que ocor- acentua o estado emocional de quem fala chega-se
rem entre os estudantes do Ensino Médio Integrado e à ênfase. “Nas falácias de ambiguidade, os conceitos
propor atividades que possam auxiliar na elaboração ou enunciados não são suficientemente esclarecidos
de argumentos a partir da lógica formal. ou os termos são empregados com sentidos diferen-
Falácias “são raciocínios logicamente inválidos tes nas diversas etapas da argumentação” (ARANHA;
e que são utilizados ardilosamente” (MATTAR, 2010, p. MARTINS, 2013, p. 103).
77). De acordo com Vicente Keller e Cleverson L. Bastos A principal forma para vencer as falácias é
(2002, p. 24), as falácias podem ser divididas em dois aprofundar o processo de criação de inferências. “A
grupos: linguístico e psicológico. No grupo psicológico inferência é um processo pelo qual se chega a uma
se destacam os sofismas a seguir. A conclusão irrele- proposição, afirmada na base de uma ou outras mais
vante (ignoratio elenchi) ocorre quando a argumenta- proposições aceitas como ponto de partida do proces-
ção é conduzida intencionalmente a uma conclusão so” (COPI, 1978, p. 21). De acordo com a lógica aristo-
que não “tem nada a ver” com o contexto da questão. télica, os raciocínios devem ser elaborados levando-
Quando um advogado enfatiza o horror de um crime -se em consideração três princípios fundamentais: “o
e não as provas que ligam tal delito a um réu, incorre princípio da identidade (A:A), da não-contradição (A ≠
nesse tipo de falácia. Quando se pressupõe como certo não – A; se A é verdadeiro, não – A é falso, e vice-versa)
o que deve ser demonstrado tem-se a petição de prin- e do terceiro excluído (é preciso ser A ou não-A, não
cípio (petitio principii). O círculo vicioso acontece quan- existe uma terceira possibilidade)” (MATTAR, 2010).
do as premissas e a conclusão necessitam de demons- As inferências acontecem a partir da conexão en-
tração. “falsa causa ocorre quando se toma como causa tre as proposições, ou seja, das sentenças declarativas
de determinado efeito algo que, na realidade, não é a a respeito de algo. Assim, os argumentos são sempre o
sua causa, ou quando, pela sequência temporal de dois resultado da associação entre premissas e conclusões.
acontecimentos, assume-se que o primeiro é causa do As premissas são os fundamentos ou pressupostos
segundo” (MATTAR, 2010, p. 81). de um determinado raciocínio. A conclusão é o que se
Ainda, no grupo psicológico encontra-se causa quer afirmar. O trabalho do lógico ao raciocinar consis-
comum quando se acredita que dois elementos têm te em identificar os elementos do argumento, ou seja,
uma mesma causa quando na verdade existe uma ter- suas premissas e conclusão para, a partir daí, observar
ceira. A generalização apressada acontece “quando se sua correção ou incorreção. “Para que um argumento
atribui ao todo o que é próprio de uma parte” (KELLER; esteja presente, uma dessas proposições afirmativas
BASTOS, 2002, p. 26). Um argumento falacioso mui- deve decorrer de outras proposições declaradas como
to comum é o sofisma contra o homem (ad hominem) verdadeiras, as quais se apresentam como base para a
que pode ser ofensivo quando se ataca a pessoa e não conclusão” (COPI, 1978, p. 31).
o seu raciocínio, ou, circunstancial quando quem fala O silogismo, uma forma de raciocínio a partir
tem o seu raciocínio ignorado pela ênfase dada às cir- da ligação entre três termos, se tornou, segundo a
cunstâncias. Também é muito encontrado o recurso à filosofia aristotélica, o exemplo clássico de utilização
força (ad baculum), que é a utilização de ameaça para das regras lógicas para a elaboração dos argumen-
alcançar o convencimento. O apelo à ignorância (ad tos. “Em grego, silogismo significa ligação: a ligação
ignoratiam) “consiste em justificar que se aceite de- de dois termos por meio de um terceiro” (ARANHA;
terminada proposição sem nunca ter sido provada a MARTINS, 2013, p. 106). Para Aristóteles, o silogismo
sua falsidade, ou fundamentá-la porquanto a verdade deve ser averiguado a partir da qualidade, quantidade
nunca tenha sido provada” (MATTAR, 2010, p. 79). O e extensão dos termos. No que se refere à qualidade
apelo à piedade consiste na chantagem emocional. e à quantidade das proposições, elas podem ser afir-
Quando o argumento é fundamentado pela ligação mativas ou negativas em relação à qualidade, e, uni-
entre o que está sendo defendido e a pessoa que fala, versais, particulares e singulares em relação à quanti-
tem-se o apelo à autoridade (ad verecundiam). “A falá- dade. “A extensão é a amplitude de um termo, isto é,
cia de acidente aplica uma regra geral em circunstân- a coleção de todos os seres que o termo designa no
cias particulares e acidentais em que seria inaplicável, contexto da proposição” (ARANHA; MARTINS, 2013, p.
como pessoas excessivamente legalistas que julgam 106). Da análise dos termos e proposições do silogis-
a partir da letra fria das normas e leis, independen- mo são realizadas as diversas combinações que se vi-
temente da análise dos acontecimentos” (ARANHA; sualizam no quadrado das oposições. As proposições
MARTINS, 2013, p. 103). podem ser contrárias, subcontrárias, contraditórias e
As falácias do grupo linguístico consistem na subalternas. Desse quadrado resultam as regras do
passagem do plano lógico para o plano das funções da silogismo. Quatro são relativas às premissas: “de duas
linguagem. São exemplos desse tipo as falácias: equí- premissas particulares nada se conclui, a conclusão
voco, anfibologia e ênfase. O equívoco é a utilização segue sempre a premissa mais fraca, de duas premis-
da mesma palavra quando na verdade ela tem senti- sas afirmativas não pode haver conclusão negativa, de
dos diferentes. Em relação à anfibologia, “trata-se não duas premissas negativas nada se conclui” (KELLER;
mais de termos aplicáveis a contextos diferentes, mas BASTOS, 2002, p. 55-62). Além disso, quatro regras são
de frases ou proposições, que, por terem construção relativas aos termos: “todo silogismo contém apenas
gramatical ambígua, induzem a uma interpretação três termos (maior, menor e médio), nunca, na conclu-

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A lógica formal/aristotélica na prática dos estudantes do ensino médio integrado

são, os termos podem ter extensão maior que as pre- boa aqui! Eu não quero estudar! Tem muita gente com
missas, o termo médio não pode entrar na conclusão, faculdade por aí que está desempregada e passando
o termo médio deve ser universal ao menos uma vez” por dificuldade! Eu não vou perder meu tempo com
(KELLER; BASTOS, 2002, p. 74-78). isso não!” Constatam-se, nessa fala, as falácias ênfase
Essa pesquisa se concentrou nas contribuições e apelo à piedade. Numa situação em que o professor
da lógica formal aristotélica; no entanto, são muitos os falava da importância de se esforçar para obter bons
procedimentos que podem ser utilizados para desen- resultados, um estudante reagiu da seguinte maneira:
volver nos estudantes as técnicas de utilização da lógi- “minha mãe me falou que a gente tem que estudar
ca para despertar-lhes o espírito crítico. Exemplo disso sim, mas sem ‘endoidar’, o importante é ser feliz e vi-
são os jogos, os desafios lógico-matemáticos, as situ- ver a vida!” Percebem-se as falácias conclusão irrele-
ações-problema, os enigmas e as questões de prova. vante e petição de princípio.
Esses argumentos são fáceis de identificar e
sem ter estudado alguma noção de lógica percebe-se
RESULTADOS E DISCUSSÃO que são problemáticos. No entanto, são comuns ar-
gumentos inválidos no contexto da aprendizagem. O
Os resultados obtidos estão relacionados à mais comum é apelo à autoridade. Quando se segue
classificação das falácias e das regras da lógica. Foi uma teoria por causa do professor, colega ou fonte da
feito um levantamento das principais falácias e de informação e não pela coerência da mesma. Na ado-
exemplos para a sua visualização nos discursos e nos lescência, é comum o apego às tradições, argumento
textos. São comuns entre os estudantes falácias como ad populum, não aprendendo o que é ensinado por-
raciocínio circular, simplificação, falsa causa, apelo à que no conflito tradição X ciência (religião X ciência), a
emoção, ad hominem, ambiguidade, ad populum, tradição fala mais alto.
apelo à autoridade, conclusão irrelevante. Os argumentos inválidos utilizados demons-
A falácia ad hominem é comum nas relações dos tram a não preocupação com a “racionalidade” dos
alunos com os professores. A valorização do professor argumentos apresentados. A não preocupação com
não se dá, inicialmente, pelo conteúdo por ele trans- a lógica dos argumentos traz como consequência a
mitido, mas pelo grau de empatia com os estudantes. recorrência em preconceitos, atitudes racistas e et-
O gosto pelas disciplinas é, na verdade, o gosto pelo nocêntricas. Esse resultado traz como sugestão a pre-
professor. Nos relacionamentos entre os próprios es- ocupação com o despertar de uma atitude filosófica
tudantes, percebe-se a utilização desse tipo de falácia nos estudantes.
nas categorizações feitas com base em estereótipos Essas constatações levaram a uma parceria en-
dos cursos (Eletrônica, Informática e Administração), tre as disciplinas filosofia e matemática na realização
de preferência sexual, do lugar onde moram, entre de um projeto de extensão denominado “Clube da
outros. É comum também o apelo à emoção em es- Lógica”. Os estudantes envolvidos nesse projeto vi-
tudantes que se referem às dificuldades familiares e venciam diversas experiências que envolvem desafios
afetivas ou a situações como doença, morte de paren- lógico-matemáticos, situações-problema, enigmas,
tes para justificar a não realização de atividades ava- jogos, questões de prova para desenvolver as seguin-
liativas ou resultados negativos. Em tempos de fim de tes habilidades: concentração, paciência, memória,
trimestre e, principalmente, fim de ano esse argumen- raciocínio lógico-matemático, criticidade, criatividade,
to aparece em vários momentos: “professor, o senhor capacidade de planejamento, trabalho em equipe,
precisa me ajudar”; “minha mãe vai me matar se eu for convivência e tomada de decisão. No que se refere
reprovado”; “puxa professor, são só dois pontos”; “eu à lógica formal aristotélica, são resolvidos testes de
nem estou dormindo direito com medo de reprovar”. identificação das premissas e dos argumentos, iden-
O raciocínio circular também é muito comum como no tificação de falácias e argumentos incorretos e averi-
exemplo a seguir. Em uma disputa, em sala de aula, a guação dos silogismos a partir das oito regras quanto
respeito de um determinado tema, aparece a seguinte à validade ou invalidade.
fala: “nossa equipe tem os melhores alunos. É óbvio
que vamos ganhar o debate. E ganharemos o debate
porque nós merecemos.” No exemplo dado, conside- CONSIDERAÇÕES FINAIS
ra-se como argumento o que precisa ser demonstra-
do. Em outro momento, foi apresentado o seguinte ar-
gumento: “professor, por favor não coloque falta para A racionalidade é construída com a utilização da
mim na aula de ontem. Com essa falta vai completar lógica. Isso pode ser percebido em todo desenvolvimen-
o número máximo de faltas que vou ter e vou perder to científico já alcançado pela humanidade. As descober-
a assistência estudantil. Se eu perder a assistência tas tecnológicas e o crescimento humano no que se re-
estudantil, minha família vai ficar em dificuldades. fere ao convívio social embasados na moral e no direito
Tenho até um irmão que está doente!” Isso é falácia são a comprovação da utilização dos princípios lógicos.
de conclusão irrelevante ou ignorância da questão, a Dessa maneira, o crescimento da humanidade
situação da família em questão é exterior ao pedido depende desses procedimentos considerados racionais.
em questão não expressando a relação causa e efeito. O que já foi alcançado em termos de raciocínio e tec-
Em outra ocasião, foi ouvido: “Ah professor! Estou de nologia pelas gerações passadas não garante às novas

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gerações o privilégio de não realizar esse trabalho. Ao


contrário, o aproveitamento do que já foi alcançado
pressupõe a utilização da lógica.
Diante disso, faz-se necessário descobrir novos
recursos pedagógicos que viabilizem às crianças, aos
adolescentes e aos jovens os processos necessários
para a construção de uma capacidade de raciocínio
que leve à capacidade de argumentação e a conheci-
mentos seguros fundamentados em evidências resul-
tantes de procedimentos confiáveis. Um caminho já
utilizado e testado por muitas pessoas foi e continua
sendo a lógica aristotélica. Apesar da distância cro-
nológica, esse grande filósofo continua contribuindo
com o ensino ao oferecer um instrumento de organi-
zação do pensamento.

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