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o
GATO
P.RETO

EDGAR ALLAN POE


- - - - 184 3

u pres tes a re-


Para a narr ativ a fant ásti ca , en1bora pros aica , que esto
fato espe rass e
latar, não espe ro ou peç o créd ito. Eu seri a louc o se de
itad as por n1eus
por isso, sen do u1na hist ória cuja s evid ênci as são reje
toda a cert e -
próp rios sent idos . Con tudo , não sou louc o - e, com
hoje prec iso re-
za, não foi un1 son ho. Mas an1 anh ã esta rei mor to, e
diat o é exp or pe-
mover este fard o de min ha alm a. Meu inte nto ime
cula çõe s, uma
rant e o rnun do, de n1a neir a dire ta, suc inta e sem espe
ntec in1e ntos , em
sé rie de mer os aco ntec ime ntos don1ésticos. Tais aco
am, me des truí -
suas con sequ ênc ias, me ater rori zara m, me tort urar
, apre sen tara m-
ram. No enta nto, não tent arei exp laná -los . Para n1im
cer mai s barrocos
-se con10 tota l Hor ror - para mui tos, hão de pare
espí rito mai s sá-
do que terr ívei s. É poss ível que , dora van te. algu m
algu m sábi o d e
bio poss a redu zir min ha ilus ão ao luga r-co n1u m -
do que a n1inh a,
natu reza n1ais calm a, 1nais lógi ca e men os exci táve l
ceb erá , nas cir cun stâ nci as que det alh are i com ass om bro , nada
que per
e efe ito s bas tan te naturais.
alé m de um a suc ess ão ins usp eita de cau sas
per am ent o dócil e hu-
De sde cria nça , sou con hec ido por me u tem
spí cua a pon to de tornar-me
ma no. A ter nur a de me u cor açã o era con
pan hei ros . Era especial-
mo tiv o de esc árn io por par te de me us com
sem pre me agr ada ram com
me nte afe iço ado aos bic hos , e me us pai s
ção . Pas sav a a ma ior parte
un1 a gra nde var ied ade de ani ma is de est ima
is do que alim ent á-l os e aca-
do tem po com eles e nad a me ale gra va ma
u jun to com igo e, na idade
riciá -los. Esse tra ço de per son alid ade cre sce
s fon tes de con ten tam en-
adu lta, con stit uía um a de min has pri nci pai
a aqu ele s que já nut rira m afe içã o por um cão fiel e sagaz, não
to . Par
ure za ou a int ens ida de da
preciso me dar ao tra bal ho de exp lica r a nat
alg o de alt ruí sta e abnega-
gra tifi caç ão que obt em os de tal vín cul o. Há
o daq uel e que pôd e testar
do no am or de um ani ma l que toc a o cor açã
ian a dos Homens.
amiúd e a am izade pre cár ia e a fid elid ade lev
ri em min ha esposa uma
Casei-me cedo e foi com alegria que des cob
o que eu tin ha pelos animais
inclinação semelh ant e. Ob ser van do a afeiçã
os ma is adoráveis . Tivemos
domésticos, ela não hes itou em pro vid enc iar
s, um mic o e um gato.
pássar os, um peixe- dou rad o, um cão, coelho
eza sem par , tod o negro
Este úl ti1no era um ani ma l de por te e bel
com ent ar sob re sua inteli-
e de um a sagacidad e imp res sio nan te. Ao
era um pou co influenciada
gência, m inh a mu lhe r - que , no fun do ,
à ant iga cre ndi ce popular.
pela supe rstição - alud ia rep etid as vezes
m bru xas disfar çad as. Não
segu ndo a qua l to do s os gat os pre t os era
que ela ac reditasse ni sso de verdade - me
ncio no O fa to apenas por ter
me: ocorri do à le1n bra nça.
Plutão , 0 gat o , era 1neu anima l de est ima
ção favorit o, me u mel hor
. Só eu o alim entava e ele me seg uia por
toda parte. Era com
com pan hti ro
p e las r uas q ua nd o saía de casa .
difi cul dad e qu t o imp edia de m e seg ui r

~ pund1,t ao dt:u~ l lad"s .. 1 . grega.


ePlutã o .'>t'p.ua o~ rom,rno~. ,-corrélOm -- na muo (Ze
og1a
us)
St'u ~ doh irmã os , Júpi ter
'''.H,1 · qut" nJ dl\ ,~ao k11a
b d .
e 1't· 1uno 1Post'1don )·
\ .
Plu tfo a!>!,U nl
iu O su mun o, rema ndo sobr e os mortos.
dl nomt' cm !.{ít').:O (l lade.,) t'\'OC a sua cara cterística de se fazer invisíve l (Ai dos).
Nossa amizade conservou-se assim por vários anos, durante o~
uais meu temperamento e minha personalidade - por obra do De
:ônio da Intemperança - experimentaram un1a mudança radical (ru -
borizo ao confessar) para pior. A cada dia, tornava-me mais inconsta n -
te , mais irritável, mais insensível aos sentimentos alheios . Dirigia-m e
à minha esposa com uma linguagem intempestiva. Por fim , acabei fa-
zendo uso de violência física contra ela. Os anin1ais , é claro , sentiran1
as alterações em meu humor. Eu não apenas os negligenciava, co1no
passei a maltratá-los. No entanto, conseguia 1nanter estima suficiente
por Plutão para não o atormentar, con10 fazia sem escrúpulos com os
coelhos, o mico ou até mesmo o cão, quando, por acidente ou afeição,
eles se punham em meu can1inho. Porém, a doença tomou conta de
mim - pois o álcool é uma doença! - e, por fim, até mesmo Plutão
(que já estava ficando velho e, portanto , um pouco impertinente), até
mesmo ele passou a sofrer os efeitos do meu mau gênio .
Certa noite, ao chegar e1n casa n1uito embriagado após uma de mi-
nhas incursões noturnas pela cidade, cismei que o gato me evitava.
Eu o segurei à força e, assustado com tanta violência vinda de mim, ele
feriu minha mão com uma leve mordida. Na mesma hora, fui possuí-
do por uma fúria demoníaca. Mal podia me reconhecer. Minha alma
parecia ter escapado e uma maldade mais do que diabólica, alimenta-
da pelo gim, eletrizava cada fibra de meu corpo. Tirei um canivete do
bolso do casaco, abri-o, agarrei o pobre animal pelo pescoço e, delibe -
radamente, removi um de seus olhos! Sinto-me ruborizar, sinto-me
febril e estremeço ao relatar tamanha atrocidade execrável.
Quando recuperei a razão na manhã seguinte - tendo depura-
do em sono o veneno dos excessos noturnos -, experimentei uma
mescla de horror e remorso pelo crime do qual era culpado; mas foi,
na melhor das hipóteses, um sentimento débil e ambíguo, e minha
alma permanecia impermeável. Mais uma vez, mergulhei em excessos
e logo afoguei no vinho a lembrança de meu feito .
Entrementes, o gato foi se recuperando aos poucos. A órbita do
olho re movi·d o, e, b em verdade, exibia uma aparencia
" · tene b rosa, mas
ele "' .
nao mais parecia sofrer dor alguma. Vagava pela casa como de
, e poderia imaginar, fugiadem te rro r abso lu.
costume, porem, como .s ava dele. Preservava a1n .
a uma porção su.
.
to quando eu me aprox1m ão para lam enta r a evidente ojeriza d
. oraç e
ficiente de meu antigo c o. Ent reta nto , tal sent üne nt
. t ra me ama ra tant . o
uma cnatura que ou ro min ha que da derr adei ra e ir
, . •t ção E entã o ' em,. . . ·
logo deu lugar a irn ª · ersi dad e. A filos ofia
, -se de mim O esp1nto da perv
revogave 1, apossou que creio em
. , •t Contudo ' com a mes ma .cert eza com .
ignora ta1esp1n o.
impulsos primi-
minha alma, acredito que a perversidade seJa um dos
primárias indivi-
tivos do coração humano - uma de suas facu ldad es
ter do Homem.
síveis, ou sentimentos, que fornecem dire ção ao cará
ato vil ou estú-
Quem, centenas de vezes, não se viu com eten do um
pido pelo simples motivo de saber que lhe é proibido
? Não temos uma
violar a Lei ape-
inclinação perpétua, a despeito de nosso juízo, para
ersidade, eu di-
nas por compreendê-la como tal? O espí rito da perv
ndá vel da alma
zia, trouxe-me a derrocada final. Foi esse anseio inso
natu reza , de mal-
em se conspurcar - de oferecer violência à pró pria
e, por fim, con-
tratar por maltratar - que me impeliu a ·con tinu ar
me causara mal
sumar o dano que já infligira a um anim al que jam ais
a ao redor de
algum. Em uma manhã, a sangue-frio, passei uma cord
enforquei-o com
seu pescoço e o pendurei no galho de uma árvo re;
tada do remor-
as lágrimas correndo por meu rost o e sen tind o a pon
s~ mais pungente em meu coração; enfo rque i-o porq
ue sabia que ha-
algum para lhe
via me amado e porque sent ia que não me dera mot ivo
estava comete ndo
causar mal; enforquei-o por saber que, ao fazê-lo,
· o
um. pecado - um pe cad O mor ta1 que, se possível, colocaria em nsc
mmha alma ete rna, ª1IJan ·· d °-a para além da mis eric órdi a infinita d0
Deus Mais Piedoso e Mais Terrível.
. d er-
Durante a noite ' n 0 d·1ª em que com eti tal ato cruel, fui esp
. • de
ta dO de meu sono incê ndio . As cort inas
por um gnt o acu san do hamas-
meu quarto estavam egan d ° fogo. A casa inte ira ardi a em e
F · P conse·
o1 com grande dificuldad .
e que min ha espo sa ' meu cria do e eu
guimos e . ~ . ·queza
scapar do fogar, aª n .0 _
mundana eu. A des tnnç ao foi abso luta . Tod . d a resio
que eu possuía fo.1 d 0
nar-me diante d evo rada pelo fogo e fui obn ga
o desespero.

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Não vou ceder à fraqueza de buscar estabelecer uma relação de
causa e efeito entre o desastre e a atrocidade . No entanto , estou de-
talhando uma cadeia de fatos - e não quero deixar solto nenhun1 elo
possível. No dia posterior ao incêndio, visitei as ruínas . As paredes,
com uma única exceção, haviam desmoronado . Restou apenas uma
parede interna, não muito espessa, que se erguia no meio da casa, con-
tra a qual repousava a cabeceira de minha ca1na. Seu reboco resistira,
em grande medida, à ação do incêndio - fato que atribuí à sua aplica-
ção recente . Em torno dessa parede, reunira-se uma expressiva mul-
tidão e várias pessoas pareciam examinar uma região específica com
muita atenção e interesse . Exclamações como "Estranho!", "Singular!"
e outras semelhantes despertaram minha curiosidade . Aproximei-1ne
e vi, como se entalhado em baixo relevo na superfície branca, a figu -
ra de um enorme gato . A ünagem era de uma precisão extraordinária .
Havia uma corda em volta do pescoço do animal.
Quando fitei aquela aparição - decerto fantasmagóric a -, expe -
rimentei grande surpresa e horror. No entanto, por fim , fui acudido
pela razão . O gato, relembrei , havia sido enforcado em um jardim con-
tiguo à casa. Ao alarme de incêndio, o jardim fora de pronto invadido
pela multidão e alguém deveria ter removido o animal da árvore, ati-
rando-o em meu quarto pela janela aberta. Isso deve ter sido feito no
intuito de me despertar do sono. A queda das demais paredes compri-
mira a vítima de minha crueldade na massa do emboço recém-feito ;
a cal, com as chamas do incêndio e a amônia da carcaça do animal, fora
responsável pelo relevo que eu agora contemplava.
Embora tenha sem demora apelado para a razão , bem como -para
a consciência, a fim de justificar o fato surpreendente que acabo de
detalhar, não pude evitar que causasse profunda impressão em minha
mente. Por meses a fio, não consegui me livrar do fantasma do gato ; e,
durante esse ínterim, tornei a experimentar um sentimento impreciso
que parecia, mas não era, remorso. Cheguei de fato a lamentar a per-
da do animal e a buscar ao meu redor, nos redutos torpes que passara
ª frequentar com assiduidade , outro bicho de estimação da mesma es-
pécie, com aparência semelhante, que pudesse substituí-lo.
tá ve l infârn·ia,
·d um an tr o de in co nt es
. t rpecI o em po us ad a so br e a ta m pa de urn dos
C er ta noite,aen ° t re
e a, nent
. . si lh ue ta pr
de ru m qu e co m pu nh am praticar e
atme1 pa ra um . ' d
b 11. ··s de gi m ou tr ad o, a su pe rf íc ie
so s ª ~ C on te m pl ei , co nc en o
im en
bíha do lo ca 1 • ns ta ta r qu e nã o p
m o . su rp re en di -m e ao co. ,. er-
to da a os e ao . Er a urn
barril por alguns m in ut A pr ox im ei -m e e a to qu ei co m a m
ce be ra a so m br a an te s.
en so - tã o gr an de qu an to Pl ut,. ão e pare-
e . im , .
et o - um 1e 1in o 1c a ex. ce ça o. Ao con-
gato pr as pe ct os , co m um , a un ,
. to do s os
anco
Cido co m e 1e em
im al qu e nã o po ss ui a um 1c o pelo br
un
, . d nti·go an ' e
tr an o e meu a a ex te ns a m an ch a br an ca , in de fi ni da ' qu
exibia um
no corpo, o gat o
.
lhe cobria to do o pe ito ou , ro nr on an do al to , e pô
s-se a se
do , el e se le va nt
Tão logo foi toca Pare-
ão , m os tr an do -s e sa tis fe ito co m a at en çã o.
esfregar em m in ha m pr oc ur an do . Ofereci-m
e
o an im al qu e es ta va
ceu-me se r ex at am en te não
ri et ár io do lo ca l; el e, no en ta nt o, alegou
para comprá-lo do pr op nu nc a o vi ra antes.
a ao se u re sp ei to ne m
ser o do no - na da sabi te s a ir em bo ra , o animal
qu an do es ta va pr es
Co nt in ue i a afagá-lo e, i qu e m e seguisse; cur-
om pa nh ar -m e. A ce ite
manifestou desejo de ac A o ch eg ar m os em casa,
vez, pa ra ac ar ic iá -l o.
vava- me, de qu an do em de imedia-
à vo nt ad e no no vo es pa ço , to rn an do -s e
ele lo go se m os tr ou
m ul he r.
to o fa vorito de m in ha im o
ta rd ou pa ra qu e eu pe rc eb es se em meu ínt
Q ua nt o a mim, nã o ; mas
ao an im al . Er a o op os to do qu e eu previa
u~ a cresce nt e aversão • e en oJ
.ava e irr · t·ra ·
af ei çã o m
nao sabia co m o ou po r qu e su a ev id en te dO O'di a·
· · · -- ga r à am ar gu ra
va. Aos poucos ' o n 0 1° e a un ta ça o de ra m lu cru t'

ça de m eu at o de
Eu o evita. va · Um a ce rt a ve rg on ha e a le m br an an ,1~-
dade me im pedia m d h , en te . Po r al gu m as se m
• 11 . e m ac uc a-lo fi si ca m orJ ·
. ei ra be nt :.
nao ie bati ou m alt ra te i ; m as, po uc o a po uc o - de m.an , od1 0~ ,1
dual - . . , . 5 tl "
á- lo . fu gi r de
' pa sse i a fit co m 1nd1z 1v el OJe ri za
e a
pre 'ie nç- . ar ·1 ber·
. a como qu em evita um pe st 1 en to . . de sco
O que ag ra vo u, se m dúv• 1
u ód io pe lo an im al 10, havia pe
e
1ª . r·
a, m e
ta , na manh a~ se .
, JC
gum te d , J1li ·
. ' e qu e, co m o Pl u tã o, ele ta m bem ca ro ª
<lido um do s olh . Ta l circ •
ais 53 i
c 1a to rn ou -o ai nd a m
t- •
os un st an nt o as
n ha mulhe r , 9 ue , co m o 1·á . te m pe ra rn e
m en ci o nei, po ss uí a um

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)
humano, o qual, outro ra, repre senta ra um traço de meu caráte r, bem
corno a fonte de muito s de meus mais simpl es e puros deleit es .
Minha aversã o ao gato, no entan to, parec ia cresc er em escala pro-
porcional à sua predi leção por mim. Ele segui a meus passo s com uma
tenacidade que o leitor difici lment e poder á comp reend er. Quan do me
sentava, aninh ava-s e sob minh a cadei ra ou pulav a em meu colo, co-
brindo -me com suas repuls ivas caríci as. Se me levan tava para andar ,
metia-se entre meus pés quase me fazen do trope çar ou, crava ndo as
garras longa s e afiada s em minh a roupa , subia por meu corpo até al-
cançar o peito . Nessa s ocasiõ es, embo ra deseja sse destru í-lo com um
golpe, ainda conse guia me conte r, em parte pela memó ria do crime
que come ti anter iorme nte, mas, sobre tudo - deixe -me confe ssar de
uma vez -, pelo pavor absol uto que o anima l me inspir ava.
Não temia exata mente um dano físico; contu do, não saber ia defi-
nir esse medo de outra mane ira. É com muita vergo nha que admi to -
sim, mesm o agora , conde nado nesta cela, é com muita vergo nha que
admito - que o terror e o horro r que o anima l me inspir ava havia m
sido exace rbado s por um dos devan eios mais trivia is que se possa con-
ceber. Minh a espos a cham ara-m e a atenç ão, mais de uma vez, para
o aspecto da manc ha branc a do anima l, à qual já me referi e que cons-
tituía a única difere nça visível entre a miste riosa criatu ra e o gato que
eu destru íra. O leitor há de recor dar que tal manc ha, embo ra exten -
sa, era origin almen te indef inida; mas, aos pouco s - de modo quase
imperceptível, com o qual minh a mente lutou por muito tempo para
rejeita r como fantas ioso -, ela foi ganha ndo um conto rno cada vez
mais nítido . Era então a repre senta ção de um objeto que tremo ao no -
mear - e, por esse motivo, acima de todos os den1ais , eu abom inava ,
temia e teria me livrad o do mons tro se tivesse tido corag em ; era agora ,
como ia dize ndo, a im agem de algo horre ndo , 111acab ro : a image m de
uma fo rca! Ah , lúgub re e tenebroso in str un1en to do Horro r e do Cri-
me , da Agon ia e da Morte !
Eu agora estava desgr açado para além de qualq uer tragéd ia huma -
na. E que um an imal estúpi do, cujo semel hante eu destru íra com tama-
nho desprezo, que um anima l estúpi do fosse capaz de impin gir a mim
f.
e . , sem elh anç a do .De us Alt íss im o - um so r1-
- a mim, hom em , iei to a de mim! Pas sei a des con hec er, fosse ct·
, 1, Ai . . ~ ia ou
me nta tão ins upo rta ve . ra nao me dei
~ dO ou so' Du ran te o dia , a cn atu Xava
noite, a bençao rep · de son h
ho ra
. . ho· à no ite ' des per tav a de ho ra em os
um ins tan te sozin , ele demônio bafora n-
. . , 1 pavor par a me dep ara r com aqu
de ine xpn mi ve
hál ito que nte em me u ros to, o cor po vo lum oso - um pesadelo
do seu
ven cil har - pai ran do como um
enc arn ado do qual não pod ia me des
~ 1
peso ete rno sobre me u coraçao.
nto s, o res quí cio de bonda-
Soterrado pela pre ssã o de tai s tor me
me nto s ma lig no s tornaram-se
de que havia em mi m suc um biu . Pe nsa
us úni cos com pan hei ros ínt im os - as ide ias ma is tenebrosas e so-
me
al tem pe ram en to acentuou-se
turnas. A ins tab ilid ade de me u hab itu
r tod os; en qu an to isso, minha
em um ódio gen era liza do de tud o e po
ign ada esp osa era a pri nci pal e ma is pac ien te vít im a dos ataques
res
um a fúr ia à qua l eu então me
súbitos, fre que nte s e inc ont rol áve is de
abandonava cegamente.
siã o de um afazer domés-
Ce rto dia, ela me aco mp anh ou, po r oca
os ob rig ado s a mo rar em vir-
tico, até o por ão da velha casa on de fom
uiu , des cen do pelos íngremes
tud e de nossa pobreza. O gat o me seg
rau s e, qua se me faz end o cai r de cab eça , exa spe rou -m e às raias da
deg
uec end o, em mi nh a ira, o pavor
loucura. Erguendo um ma cha do e esq
ei um gol pe que, é claro, teria
pueril que até ent ão me cer cea ra, pre par
fata l cas o eu tiv ess e ace rta do o alv o. Po rém , a mã o de minha mu-
sido
nci a a um a ira ainda mais de-
lher O impediu. Instigado, pel a int erf erê '
,
des ven cilh ei- me do toq ue del a e en ter rei o machado em seu
m~ n~a ca, 'd
cran10. Ela caiu mo r t a na h ora , sem em itir um ún ico gemi o.
d · ediat 0,
ete r h d· e de un
Após com O
e ion o ass ass ina to ' eng aje i-m . ue se·
com total delibera çao ~
, na tar efa de ocu lta r o cad áve r. Sab ia q
• . . JTl cor·
na impossível rem o ,. I0 d ou de noi te, se _
• ve- a cas a, fos se de dia e oco r
rer . . . .
o nsco de ser obs ad O pel os viz inh os. Div ers as ide ias m J11
reram E d erv • O cor po e
· m ete rm ina do , pen sei em esq uar teJ ar derei
diminutos f mo me nto .s por i
rag me nto s e de poi.s d est ruí -lo s no fogo. Depoi ' gitei
se deveria c d' te co
avar um a cova no ass oal ho do po rão . Mais a ian ', eJ11
arremessá-! . . bala~1o
o no poço do Jar dim. Oc orr eu- me tam bém em
uma caixa, como se fosse uma mercadoria, com todos os arranjos ha-
bituais, e arrumar um carregador para retirá-lo da casa. Por fim, optei
pela solução que me pareceu melhor do que qualquer uma das ante -
riores. Decidi_emparedá-lo no porão - como, segundo relatos, faziam
os monges com as suas vítimas na Idade Média.
O local era bem adaptado para tal propósito. As paredes não eram
muito sólidas e haviam sido recentemente emboçadas com um gros -
so reboco que não estava ainda de todo firme em virtude da umidade
do local. Ademais, em uma das paredes, havia uma reentrância, pro -
jetada como uma falsa chaminé ou lareira, que fora preenchida para
se igualar ao restante do porão. Logo constatei que podia desalojar os
tijolos naquele lugar, acomodar o cadáver e vedar a parede novamen-
te, de modo que observador algun1 jamais poderia desconfiar de que
havia algo suspeito ali.
Meus cálculos não me enganaram. Com a ajuda de um pé de ca-
bra, removi com facilidade os tijolos e, após ter depositado com muito
cuidado o cadáver contra a parede interna, imobilizei-o nessa posição
enquanto reerguia, sem grande dificuldade, a estrutura tal como es-
tivera antes. Após localizar argamassa, areia e fibras com extremada
precaução, preparei um reboco semelhante ao antigo e apliquei-o com
muito cuidado sobre a nova estrutura. Ao concluir o trabalho, fiquei
satisfeito com o bom resultado. A parede não traía qualquer indício
suspeito. Recolhi a sujeira do chão com atenção minuciosa. Olhei ao
redor, triunfante, e disse a mim mesmo : "Aqui, pelo menos, meu tra-
balho não terá sido em vão".
O próximo passo foi procurar a criatura que havia causado tama-
nha desgraça; estava firmemente decidido a matá-lo de uma vez_por
t 0 das . se o tivesse
• encontrado naque 1e mom ento , o destino do animal
nao"' teria sido outro; mas, ao que parecia,· 0 enget1hoso bicho alarma-
ra-se com a violência de minha raiva.
e evt· t ava se expor em minha pre-
' ·to É in1possível descrever
sença, estando eu naquele estado d e esptn · ,. .
o · ·· te que a auseneta da detes-
u imaginar o alívio profundo e regoziJan .
t' 1 1 ~ pareceu durante a noite -
ave criatura provocou em mim. E e nao ª
d d gato fora morar conosco,
e essa forma, pela primeira vez des e que 0
.
tive um sono tranqu ilo; sim, dormi bem, mesm o com o fardo do crinie
pesand o em minha alma!
am sem que meu alg
0 segund o e O terceir o dias se passar . . . oz re.
gressas se a casa. Pude, mais uma vez, respira r ahv1ad o a liberdad
. b 'N e.
O n1onst ro, aterror izado, fora em ora para sempr e. unca mais o ve-
ria novam ente! Minha felicid ade era absolu ta! A culpa por meu ato
sombr io sequer me perturb ava. Foram feitas algum as investigações,
mas respon di de pronto a todas as pergun tas. Condu ziram até mesrno
uma busca - mas, é claro, nada foi descob erto. A alegria futura pare-
cia-me garant ida.
No quarto dia após o assassi nato, um grupo de policia is apareceu
de surpre sa em minha casa a fim de execut ar uma rigoros a investiga-
ção no local. No entant o, estava tão seguro acerca da inescrutabili-
dade do escond erijo que não me senti nem um pouco acuado . Os po-
liciais solicit aram que eu os acomp anhass e em sua busca. Canto ou
nicho algum escapo u de seu escrutí nio. Por fim, pela terceir a ou quar-
ta vez , descer am ao porão. Mantiv e-me estoico . Meu coração batia
com a tranqu ilidade dos que repous am inocen tes. Atrave ssei o porão,
de um lado para o outro. Cruzan do os braços , peram bulei por toda
sua extens ão. Os policia is , mais do que satisfe itos, já estavam prontos
para part ir. Contu do , a euforia em meu peito era muito forte para ser
contida . Ansiav a por d izer apenas uma palavr a, à guisa de triunfo , para
ce rtificar -me de qu e estava m conven cidos de minha inocên cia.
- e ava Ih eiros . d' . as e.sc,H!:t.'
- 1sse-lh es por fim enqua nto subiam
- esto u ~e 112 · por ter ap 1acado suas ' ' ' de e un l
suspei tas. Desejo -lhes sau
..d . - .t bern
pouco ma is e cortesi a. A pro pósito, es ta ... esta é un1a casa mui o de
co nstruíd a _ N , â nsia .· d rnenida '
· ª esarraz oada de comen tar uma ª í-
eu mal sabia o . que es. t ava" d 1zcnc ' 1 b rn constrU
Jhei-
d o . - Extrem amente e
a, ,se me permit em dizer. Estas parede s ... Já estão de saída, cav:esse
ro s . ... Estas parede s for am assent adas com muit a so 1·d 1 ez.
- E, tle
mo mento tomad 0 1 f . bengala q
pe O renes1 da bravat a golpee i com ª d 'ver
. '
tra zia na mão O lo 1 ' . . 0 ca ª
. ca exato onde, oculto sob os t ij olos, Jazia
de minha estima da mulh er.
Que Deus 1ne livre e guarde das presas do Demônio! Mal silenciara
o ec O dos meus golpes, reverbe rou uma voz vinda do túmulo'. um gn- .
to, pr imeiro abafado, entreco rtado como o choro de uma criança , que,
logo depois, cresceu em um som ensurde cedor e contínu o, anormal
e inumano - um urro - um lamento pungen te, que mesclava horror
e triunfo, do tipo que só poderia ter vindo do inferno, escapan do da
garganta dos amaldiç oados em sua agonia e dos demôni os que exul-
tavam na danação .
É tolice relatar os pensam entos que me tomaram naquele momen-
to. Desfalecendo, cambale ei até a parede oposta. Por um moment o, os
policiais parados na escada mantive ram-se imóveis, tomado s por ter-
ror e espanto. Logo em seguida , doze braços fortes arrancav am os tijo-
los. A parede veio abaixo. O corpo, já em avançado estado de decom-
posição e coberto de sangue coagula do, pairava ereto diante de seus
espectadores. Sobre a cabeça do cadáver, com a boca aberta em um ric-
to escarlate e um único olho flameja nte, sentava -se a criatura hedion-
da cuja artiman ha me compel ira ao crime e cuja voz delatora haveria
de me conden ar à forca. Eu empare dara o demôni o dentro do túmulo!

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