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SOBRE A PSICOGÊNESE DA LÍNGUA ESCRITA E OS NÍVEIS DE

HIPÓTESES DE ESCRITA
Dolores Schussler
1 Processo psicogenético do objeto escrita
As crianças são leitoras de seu mundo antes mesmo de serem alfabetizadas
oficialmente, sobretudo, porque já vivenciaram marcas da escrita, manifestaram
curiosidades em relação à escrita, já pensaram sobre a escrita e fizeram registros a seus
modos, que é a porta de entrada para o mundo da escrita e da leitura. Entretanto, mesmo
que elas já possuam noções básicas dos traçados iniciais, neste caso a língua escrita, o
objeto, a escrita alfabética em forma de sistematização1 até a apropriação do sistema de
escrita alfabética, inúmeras delas ainda apresentam dificuldades em transpor as técnicas
da escrita na representação das letras e palavras.

A partir dos postulados teóricos da Epistemologia genética de Piaget (1896-1980),


com os estágios de desenvolvimento2, as pesquisadoras Emília Ferreiro e Ana Teberosky,
Psicolinguistas argentinas iniciaram em 1974, uma investigação de como as crianças
percebiam a escrita. Partindo do pressuposto da teoria piagetiana (método clinico), de que
todo conhecimento tem uma origem, entenderam como a criança se apropria da cultura
escrita, descrevendo, demonstrando os estágios linguísticos que as crianças percorrem até
a apropriação da leitura e da escrita, formulando hipóteses sobre o código escrito, e, como
se desenvolviam nas suas escritas inventadas. A primeira obra intitulada “Psicogênese
da Língua Escrita” foi publicada no Brasil em 1986 e reimpressas em anos posteriores.

As pesquisadoras construíram uma teoria significativa à alfabetização, uma


psicogênese da/na alfabetização, ressaltando que os frutos desta pesquisa não se
constituem um método3 de alfabetização e nem uma nova metodologia de ensino, mas

1
É no espaço escolar que, para a maioria das crianças, o processo de desenvolvimento da escrita ocorre de forma sistemática.
2
Que o indivíduo passa por várias etapas de desenvolvimento ao longo da sua vida, de uma evolução natural, cognitiva quando a
criança constrói seu conhecimento na interação com o meio e se desenvolve ao longo de estágios para evoluírem, que são: estágio
sensório motor, (do nascimento até aproximadamente dois anos de idade); estágio pré-operatório (mais ou menos 7 - 8 anos); estágio
operatório concreto (em média, até os 11 - 12 anos) estágio operatório formal (por volta dos 14 – 15 anos de idade).
3
Talvez possam ter influenciado uma desmetodização no processo de alfabetização, passando do como se ensina para o como se
aprende, ou seja: O aprendente “[...] é a criança em desenvolvimento e o objeto a ser aprendido é a escrita alfabética e seus usos;
aquele que ensina a/o professora/or alfabetizadora/or e a interação entre quem aprende e quem ensina. Em outras palavras, inclui a
criança que aprende um objeto de conhecimento – a língua escrita- e aquele que com ela interage para que
ela se aproprie desse objeto”. (SOARES (2020, p. 41).
sim, uma teoria de aprendizagem construtivista4, mostrando como objetivo, o processo
de um caminho pelo qual a criança percorre até alfabetizar-se. Em vista dessa
intencionalidade, Ferreiro e Teberoski (1999, p. 17), esclarecem que o objetivo foi: “[...]
tentar uma explicação dos processos e das formas mediante as quais a criança consegue
aprender a ler e a escrever”, e, “[...] apresentar a interpretação do processo do ponto de
vista do sujeito que aprende [...] ou seja, [...] o caminho que a criança deverá percorrer
para compreender as características, o valor e a função da escrita [...]”. Soares (2020, p.
55) concebe que Ferreiro e Teberosky:

Construíram, assim, uma teoria, a psicogênese da escrita: um modelo


explicativo da gênese (da origem) dos processos cognitivos (psíquicos),
que conduzem a criança, ao longo do seu desenvolvimento, à
progressiva construção do conceito como um sistema de representação
dos sons da língua por letras. [...] A psicogênese da escrita esclarece o
desenvolvimento psíquico em sua progressiva compreensão da
natureza deste produto cultural que é o sistema alfabético. (SOARES,
2020, p. 55)
Cabe ressaltar que as pesquisadoras chegaram à conclusão que antes de a criança
desenvolver e compreender o sistema alfabético, elas formulam, elaboram e constroem
várias hipóteses sobre o objeto do conhecimento, a escrita, o código escrito, e que,
portanto, essa aprendizagem é processo de construção progressiva. Soares (2003, p. 17)
assim define:

[...] o processo de construção da escrita pela criança passa a ser feito


pela sua interação com o objeto de conhecimento. Interagindo com a
escrita, a criança vai construindo o seu conhecimento, vai construindo
hipóteses a respeito da escrita e, com isso, vai aprendendo a ler e a
escrever numa descoberta progressiva.
Evidencia-se, assim, a importância que a influência da psicogênese da escrita tem
nas implicações pedagógicas e, ao professor (a) alfabetizador (a) cabe a tarefa de
mediador (a) da aprendizagem, ao identificar nas escritas das crianças suas marcas
iniciais, para avançarem no processo, na aprendizagem da escrita. Então, os níveis de
hipóteses de escrita, pressupostos da teoria psicogenética da aprendizagem da escrita,
servem para orientar as ações pedagógicas, conduzir as intervenções pedagógicas

4
Sobre o termo construtivismo, para Soares, (2020, p. 56), [...] designa uma teoria de desenvolvimento do conhecimento que se aplica
à diversas áreas, não apenas à alfabetização; sobretudo, não é um “método” de alfabetização como tem sido erroneamente
considerado”. (SOARES, 2020, p. 56). Construtivismo é uma abordagem metodológica..
necessárias para que os alunos possam ter avanços evolutivos e progressivos na
construção da escrita.

Cabe ressaltar, que para tais intencionalidades, requer-se que se realizem períodos
de sondagem5, que se constituem referência das várias formas de construção do sistema
de escrita em que as crianças se encontram. Segundo Soares (2020, p. 57), “diagnosticar
os níveis de compreensão da escrita6 em que se encontram as crianças, tem para a ação
educativa de alfabetizar em situação escolar, objetivos pedagógicos [...]”. A autora
conclui: “A partir desse diagnóstico, podem ser definidos procedimentos de mediação
pedagógica que estimulem e orientem as crianças a progredir, a avançar de um nível
seguinte, atuando, nas palavras de Vygotsky, sobre sua zona de desenvolvimento
potencial [...]” (SOARES, 2020, p. 57). Sobre as primeiras escritas da criança, Soares,
(2020, p. 61), assim refere:

As crianças desde muito pequenas desenham supondo que estão


“escrevendo”. entendem que escrever é representar àquilo de que se
fala, os significados [...]. À medida, porém, que vão vivenciando, que
vivenciam o uso da escrita, em seu contexto familiar, cultural e escolar,
vão percebendo que a escrita não é desenho, são traços, riscos, linhas
sinuosas, e, então, passam a “escrever” imitando essas formas
arbitrárias. É o início de uma evolução que levará as crianças [...] à
progressiva compreensão da escrita como representação da fala [...].
Essa progressiva compreensão é revelada por escritas espontâneas
inventadas pelas crianças.
Portanto, a psicogênese descreve a origem da escrita pela criança, como a criança
se apropria dos conceitos das habilidades de escrever e ler ao longo do seu
desenvolvimento, concebendo-a como protagonistas desse processo7.

Para compreender os diferentes níveis de hipóteses da escrita em que as crianças na


etapa da alfabetização possam se encontrar, as pesquisadoras Ferreiro e Teberosky (1984,
p. 93-94) definem como:

[...] uma fase inicial na qual desenho e escrita estão indiferenciados e o


texto é inteiramente previsível a partir da imagem, ambos constituindo
uma unidade indissociável. [...] A segunda fase é de diferenciação entre
escrita e desenho, na qual o texto é tratado globalmente, como uma

5
Sugere-se as sondagens: iniciais e posteriormente seus avanços em sondagem mensal ou bimestral, durante toda a etapa do ciclo
da alfabetização.
6
Necessário pedagogicamente diagnosticar periodicamente.
7
Concebe-la como protagonista no processo, que ela escreve do jeito dela, o que ela já sabe, omite letras, palavras, mas não significa
que a criança aprende sozinha, corrigir sim, mas deixá-la fazer suas próprias descobertas, por exemplo, descobrir os erros cometidos,
mediando, apontando, como dizer à ela- (Você não acha que está faltando uma letra nesta palavra, etc.). Isso protagoniza suas próprias
aprendizagens, pois ela está em processo construtivo.
unidade, representando ou o nome do objeto desenhado ou uma oração
associada à imagem. Na terceira fase, a criança começa a considerar
algumas das propriedades físicas ou gráficas do texto. Finalmente, na
quarta fase, ela começa a busca por uma correspondência termo a termo
entre fragmentos gráficos e segmentações sonoras. As autoras ressaltam
que “em todos os níveis o significado do texto é prognosticado a partir
da imagem.
Ferreiro e Teberosky (1986, p.22) mencionam ainda que a criança, ao experimentar
a construção do conhecimento socialmente já criado, erra e isso faz parte do processo,
porque ela “compara, exclui, ordena, categoriza, reformula, comprova, formula hipóteses,
reorganiza etc., em ação interiorizada (pensamento)”. Destacam, portanto as autoras:

Ao aprender a escrever, o sujeito reconstrói a escrita, e avançam,


elaboram hipóteses que o sobre o objeto de conhecimento, a escrita e,
portanto, esta aprendizagem “[...] é um processo de construção e
compreensão individual que precisa ser respeitado, e que os erros
cometidos pelo sujeito, nesse caminho, são construtivos”. (FERREIRO;
TEBEROSKY, 1999, p. 17).
O processo cognitivo da criança para a descoberta progressiva, não é ensinar o
desenvolvimento, mas orientar as aprendizagens8, quando ocorre a interação entre
desenvolvimento e aprendizagem. Identificam-se, então, pelo pensamento psicogenético,
nos aspectos linguísticos da Psicogênese, a existência de quatro níveis representados por:
pré-silábico, silábico, silábico alfabético e alfabético, que são as várias fases percorridas
pelas crianças.

2 Diferentes níveis de hipóteses da escrita

2.1 Níveis de hipóteses da escrita pré-silábica I - II


As primeiras marcas da escrita são as fases dos rabiscos, das garatujas que são
a fase inicial da escrita, quando têm contatos com lápis, papel e outros suportes, que dão
possibilidades de as crianças desenvolverem a sua imaginação através dos rabiscos
desordenados que vão evoluindo conforme o seu crescimento. De acordo com Soares,
2020, p. 77): “O conceito que a criança ainda não alfabetizada tem inicialmente sobre a

8
Compreendendo desenvolvimento e aprendizagem, de acordo com Soares (2020, p.52): Desenvolvimento: Processo que resulta dos
níveis de maturação psicológica da criança em interação com experiências com a língua escrita em seu contexto sociocultural- o
desenvolvimento de dentro para fora. Aprendizagem: Processo pelo qual a criança, pela mediação de outros, adquire informações
sobre a escrita e habilidades com a escrita , o que possibilita que formule e reformule conceitos a respeito de escrita – a aprendizagem
se faz de fora para dentro.
escrita é o de ‘marcas’ em diferentes suportes. As crianças tentam imitar essas marcas
inicialmente em rabiscos [...] e finalmente com letras [...]”. (SOARES, 2020, p.77; grifos
da autora).

Neste processo, às vezes ela segura o lápis com as duas mãos, sem um parâmetro,
em movimentos de diversas direções até mesmo saindo do limite da folha. Na sequência,
elas vão fazendo traços, desenhos em formatos circulares de figuras que representam
animais, humanos, etc. São tentativas de representar aquilo que imaginam estarem
escrevendo, grafismos que vão mudando, evoluindo com a idade. Essas crianças
encontram-se no nível pré-silábico. Para Ferreiro e Teberosky (1999, p.194):

No nível pré-silábico a criança faz suas representações da escrita, por


meio de desenhos circulares ou verticais, as conhecidas garatujas. Estes
desenhos que para as crianças representam as letras das palavras,
também têm relação com os conhecimentos prévios que a criança tem
sobre uma pessoa ou objeto, [...] a criança espera que a escrita dos
nomes de pessoas seja proporcional ao tamanho (ou idade) dessa pessoa
e não ao comprimento correspondente.
Sobre a etapa, o nível pré-silábico, Moll (1996, p. 109) concebe de que as “várias
hipóteses cognitivas são construídas desde que a criança começa a pensar e escrita e tentar
expressá-la graficamente”. Acrescenta-se ainda que no início, ao esboçarem suas
primeiras tentativas quando ainda não percebem a escrita como uma representação do que
é falado, a chamada hipótese Pré-silábica, que pode ser dividida em dois níveis. No
primeiro, inicial, tentam diferenciar o desenho da escrita. Conforme Moll (1996, p. 107):
“No primeiro nível, escrever correponde a reproduzir os traços típicos que a criança
identifica como escrita” [...]”. A autora ainda reforça que “[...] para a criança, neste
momento, a escrita é uma forma diferente de desenhar, não se estabelecendo nenhuma
correspondência entre a pauta sonora e a produção escrita” (MOLL, 1996, p. 108). Em
conformidade com Ferreiro e Teberosky (1999, p. 193):

Neste nível, escrever é reproduzir os traços típicos da escrita que a


criança identifica como a forma básica da mesma. Se esta forma básica
é a escrita de imprensa, teremos grafismos separados entre si,
compostos de linhas curvas e respostas de combinações entre ambas.
Se a forma básica é a cursiva, teremos grafismos ligados entre si com
uma linha ondulada como forma de base, na qual inserem curvas
fechadas ou semifechadas.
Soares, (2020, p.63), com referência a este nível, enfatiza:
O ato de escrever se caracteriza em um aglomerado de curvas,
desenhos, letras e números, os quais a criança está em contato nas suas
experiências. O que as crianças ainda não perceberam? Não
perceberam que a escrita se faz com sinais gráficos, as letras. À medida
que ela vai convivendo com a escrita, no contexto familiar e sobretudo
escolar, passa a compreender que é feita com letras.
No segundo nível, perseguem a ideia de que é necessário usar uma quantidade
mínima de letras (no mínimo três, geralmente) para escrever o que quer que seja e, de que
é imprescindível a diversidade de letras. As produções nessa hipótese de escrita são
marcadas pela não correspondência entre partes do falado e partes do escrito, ou seja,
ainda sem correspondência sonora, que só ocorre no nível silábico. A escrita dos nomes
é proporcional à idade ou tamanho da pessoa, do animal ou do objeto a que se refere. Ela
escreve por exemplo: cavalo de forma gigante e formiga de forma mínima e às vezes
representa junto números.

Neste nível de conceituação da escrita, vai elaborando um sistema de


representação através de um processo construtivo, que para Moll (1996, p. 111): “[...]
ocorrem questionamentos sobre o que a escrita representa, e a criança prossegue em sua
aprendizagem tentando adequar suas hipóteses às adequações do meio”. A autora
complementa de que:

[...] no processo de troca de informações, através de variadas


estratégias, a criança apropria-se do conjunto de signos convencionados
historicamente para a representação da nossa língua. Começa a se
estabelecer, então, o conflito entre a pronúncia e a escrita. A descoberta
deste vínculo representa para a criança uma complicação difícil a ser
resolvida. (MOLL, 1996, p. 111)
De todo modo, sobre o nível pré-silábico, Ferreiro e Teberosky (1999, p. 202),
salientam que:

A hipótese central deste nível é a seguinte: para poder ler coisas


diferentes (isto é atribuir significados diferentes), deve haver uma
diferença objetiva nas escritas. [...] segue-se trabalhando com a hipótese
de que faz falta uma certa quantidade mínima de grafismos para
escrever algo e com a hipótese de que faz falta uma variedade de
grafismo.

A partir daí a criança, nos seus aprendizados evolutivos de escrita, em seus


avanços progressivos, passa para a hipótese silábica.

Para saber mais, sugestão: Pesquise imagens sobre a


representação da escrita de crianças no nível pré-
silábico.
2.2 Nível de hipótese de escrita silábica: fases sem valor sonoro e com valor sonoro
O nível de escrita silábico também pode ser dividido em duas etapas. A primeira
etapa é o estágio silábico sem valor sonoro e a segunda etapa é o estágio silábico com
valor sonoro. Nesse nível as crianças já “[...] compreenderam que a escrita se faz com
letras [...]” (SOARES, 2020, p. 88).

Entretanto no estágio silábico sem valor sonoro elas utilizam qualquer letra para
escrever uma palavra, e, muitas vezes utiliza uma letra para cada sílaba, ou qualquer letra,
como por exemplo: a palavra “CAVALO” pode ser escrita por ela nas letras: “ERT”, ou
outras letras, talvez as consoantes ou vogais que elas já conhecem. É possível observar
escritas apresentadas por Soares (2020), que foram colhidas em grupos de crianças,
produzidas por elas. As crianças segmentam palavras em sílabas, mas usam uma letra ou
qualquer letra para cada sílaba, sem ter relação com a sílaba. Soares (2020, p. 88)
menciona que neste processo, “[...] ainda não chegaram ao conceito de que as letras
representam sons da fala, ainda não atribuem valor sonoro à sílaba”. Salienta ainda:

De início, porém, escolhe qualquer letra para representar cada sílaba.


Escreve silabicamente – uma letra – para cada sílaba, mas a letra que
escolhe não tem relação com os sons – os fonemas – presentes na sílaba.
Isto é, ainda não adquiriu a capacidade de fonetização- a capacidade de
perceber, na sílaba, sons individuais (fonemas) representados pelas
letras que a compõe. É uma escrita silábica sem valor sonoro.
Neste nível, percebe-se que dificulta também a leitura, elas não conseguem ainda
ler o que escreveram. Por exemplo: quando as atividades são propostas com imagens,
figuras a serem nomeadas, elas leem o que escreveram, mas quando as figuras são
ocultadas, segundo a experiência das escritas das crianças apresentadas por Soares
(2020), “[...] ao serem solicitadas a ler o que escreveram, orientam-se pela figura.
Nenhuma das crianças [...] conseguiram ler o que tinham escrito quando as figuras foram
ocultadas [...]” (SOARES, 2020, p. 87).

Todavia, na medida que a criança avança no processo de compreensão e


representação da sua escrita, ela entra num amadurecimento educacional, numa nova fase,
num estágio silábico com valor sonoro. Nesse estágio, a criança utiliza letras que possuem
correspondência com a palavra a ser escrita, como por exemplo ao escrever “CAVALO”
ela utiliza as letras “CAO”, contudo ainda não consegue ampliar se repertório de letras,
geralmente apresenta dificuldades com as consoantes, ou até mesmo usa letras conhecidas
como as de seu nome, ou também conhece mais as vogais.

Quando for questionada sobre a quantidade de vezes que se abre a boca para
pronunciar determinada palavra, por exemplo, torna-se consciente de que a palavra tem
uma maior quantidade de letras, porém usa ainda letras conhecidas por ela até então, mas
são letras que correspondem aos sons (valores sonoros). Assim sendo, na correspondência
sonora, ainda é comum que elas omitam letras ou usam mais letras do que requer a
palavra. Em vista disso, embora já escreveram usando as sílabas das palavras com valor
sonoro “[...] ainda [...] não conseguem ler o que escreveram sem o apoio das figuras, mas
já [...] dizem o nome das letras” (SOARES, 2020, p. 99).

Para avançar, Soares (2020, p. 88) menciona que é importante propor atividades
que estimulam a criança avançar para o nível silábico com valor sonoro, como “jogos
lúdicos de aliteração9 e rima, com palavras retiradas de parlendas, poemas ou histórias,
colaboram para tornar consciente o som da sílaba [...]”. Pedagogicamente, na didática é
desenvolver a “[...] consciência fonológica por meio de atividades de reconhecimento de
sons iguais no início ou fim de palavras diferentes [...] e que sejam adequadas ao nível de
conceitualização da escrita das crianças” (SOARES, 2020, p. 89). Para Ferreiro e
Teberosky (1994, p. 266)

A hipótese silábica é um importante salto qualitativo conceitual, pois


significa que a correspondência global entre a forma escrita e a
expressão oral dá lugar a uma correspondência termo a termo entre
partes do texto e partes da palavra falada. A criança atribui a cada letra
o valor de uma sílaba. [...] a hipótese silábica é o momento em que, pela
primeira vez, a escrita está diretamente ligada à linguagem [...] e
representa partes sonoras da fala [...], abrindo caminho para o início do
período que corresponde à fonetização da escrita com as hipóteses
silábicas de valor sonoro.
Contudo, o conflito ainda persiste, pois ela desenvolve a hipótese de que a
quantidade de letras a ser grafada corresponde à quantidade de segmentos silábicos
pronunciados. Contudo, Ferreiro e Teberosky (1986, p. 193) classificam como uma
“tentativa de dar valor sonoro a cada uma das letras que compõe a escrita”. Caracterizam
como um nível em que “nessa tentativa, a criança passa por um período da maior
importância evolutiva: cada letra vale uma sílaba. [...] a criança dá um salto qualitativo

9
De aliterações são as semelhanças sonoras que aparecem no começo das palavras; e rimas são semelhanças sonoras que aparecem
no final das palavras. Ambos se complementam.
com respeito aos níveis precedentes. (FERREIRO E TEBEROSKY, 1986 apud MOLL,
1996, p. 111).

De certa forma, este nível corresponde a passagem para a hipótese silábica


alfabética, ou seja, o caminho que vai transitar entre uma e outra, pois em um momento
ela pode escrever uma letra para cada sílaba ou até mesmo uma sílaba completa.

Para saber mais:

Sugestão: Pesquisar imagens de escrita de crianças no


nível silábico

2.3 Nível de hipótese de escrita silábica-alfabética

Quando a criança começa a trabalhar com a hipótese silábica- alfabética, duas das
características da escrita anterior podem desaparecer momentaneamente. A criança
começa a escrever com maior correspondência, ainda que às vezes, também omita
algumas letras ao escrever.

Ainda sob este nível de escrita, quando a criança está tentando aproximar o
máximo à representação sonora da representação gráfica, ainda está em conflitos,
continua tendo dificuldades, já em aspectos menores, ela já escreve as palavras e frases,
mas confunde as letras que sinalizam a mesma palavra, ou seja, suas representações ainda
se confundem como o som, como no exemplo da palavra (Casa) em que poderá substituir
o “C” por “K” e o “S” por “Z”, e assim sucessivamente com outras palavras que possuem
letras com sons parecidos. Ferreiro e Teberosky (1986) descrevem, “[...] isto não quer
dizer que as dificuldades tenham sido superadas: a partir do momento que se defronta
com as dificuldades próprias da ortografia, mas não terá problemas de escrita, no sentido
estrito” (FERREIRO E TEBEROSKY, 1986 apud MOLL, 1996, p.113).

Dentro das dificuldades da própria ortografia, quando nesta fase são comuns os
erros ortográficos, as crianças sabem que a escrita está relacionada à pauta sonora, da
cadeia sonora da fala, elas têm tendência a escrever exatamente como se pronunciam as
palavras. Deste modo, a criança pode combinar só vogais ou só consoantes, fazendo
grafias equivalentes para palavras diferentes ou combinar vogais e consoantes numa
mesma palavra, na tentativa de ajustar os sons, mas sem tornar ainda sua escrita
socializável. Soares (2020, p. 109), enfatiza que: “Neste nível, há um avanço qualitativo-
a criança percebe que o som de algumas sílabas pode ser segmentado, em mais de um
som (mais de um fonema) [...] ou seja, já identifica alguns fonemas – e relaciona os sons
com as letras que os representam”.

Sob a ótica dos conflitos vivenciados pela criança, talvez aquela que apresenta
hipótese de escrita silábica-alfabética possa não ter aprendido as correspondências
fonemas-letras (SOARES, 2020). Enfim, os possiveis erros cometidos pela criança,
nesses caminhos, são sempre construtivos e passiveis de resolução pela própria criança,
na medida que o objetivo é o avanço progressivo.

Mesmo assim, segundo a autora, é um grande avanço para a criança “ao escrever
com maior correspondência, pois, “[...] avançaram em seu conceito da natureza da escrita
na representação de sons da fala, já se aproximando do nível do fonema” (SOARES,
2020, p. 112). Para Moll (1996, p. 113) “no processo psicogenético da construção da
escrita, Ferreiro e Teberosky apresentam o nível “[...] como a passagem da hipótese
silábica para a alfabética”. Então, o período silábico-alfabético marca a transição entre o
que ela vai abandonando das hipóteses anteriores e as seguintes, quando ela ingressa num
passo futuro, quando ela está muito próxima para a descoberta da escrita alfabética.

Para saber mais:

Sugestão: Pesquisar imagens de representação de


escrita no nível silábico alfabético.

2.4 Nível de hipótese da escrita alfabética

Corresponde à passagem do nível silábico alfabético ao alfabético propriamente


dito, o qual nas estratégias de nível alfabético trabalha-se com a produção de palavras
inteiras. A criança é incentivada a produzir pequenos textos, compartilhados ou
inventados por ela, também a interpretar textos. Neste nível suscita-se, origina-se a
consciência fonêmica, que segundo Soares (2020, p. 124) “[...] é o que constitui a escrita
alfabética”.

Nessa fase, embora ainda possa omitir letras e não separar todas as palavras na
frase, juntar muitas palavras numa só, esquecendo algumas letras, etc., ela é capaz de
demonstrar que conhece o modo de construção da escrita. Na escrita alfabética a criança
já venceu praticamente todos os obstáculos conceituais para a compreensão do sistema
alfabético de escrita. Para Ferreiro e Teberosky (1999, p. 219):

A escrita alfabética constitui o final desta evolução. Ao chegar a este


nível, a criança já franqueou a “barreira do código”, compreendeu que
um dos caracteres da escrita corresponde a valores sonoros menores que
a sílaba e realiza sistematicamente uma análise dos fonemas das
palavras que vai escrever.
Este salto diante desse nível, implica que, quando a criança já é capaz de escrever
frases, bilhetes, produzir pequenos textos, ou histórias inventadas10, ela está no nível
alfabético ortográfico, que constitui o final da evolução do processo de alfabetização. As
crianças que se encontram neste nível, para Soares (2020, p. 112), quando elas “[...]
atingiram condições cognitivas e linguísticas para aprenderem todas as relações fonema-
letra, tornando-se finalmente alfabéticas e ortográficas, no que se refere aos casos
regulares da ortografia do português brasileiro”.

Entretanto, Ferreiro e Teberosky (1986, p. 213), explicam de que:

[...] Isto não quer dizer que as dificuldades tenham sido superadas: a
partir do momento que se defronta com as dificuldades próprias da
ortografia, mas não terá problemas de escrita, no sentido estrito. (Apud
MOLL,1996, p. 113).
Contudo, se as dificuldades e os conflitos persistem, mas de maneira menos
expressiva, pois a criança já escreve as palavras e frases corretas.

Isto posto, implica, porém, que nesse processo, Soares (2020) aponta que por
vezes, em sala de aula, “[...] embora o desenvolvimento e a aprendizagem sejam lineares,
poderão ocorrer entre elas, ritmos diferentes, dependendo da facilidade ou dificuldades
de aprendizagem [...]”. A criança pode apresentar uma certa oscilação na construção da
escrita, contudo, isso faz parte do desenvolvimento.

[...] há crianças que avançam mais rapidamente que as outras; há


crianças que “saltam frases” [...]; há crianças que eventualmente

10
(geralmente no final do 2º ano).
regridem: em um momento estão numa fase, em seguida voltam a fase
anterior; há crianças que estão simultaneamente em mais de uma fase
[...] escrevem algumas palavras silabicamente com valor sonoro, outras
sem valor sonoro, ou em algumas palavras são silábicas com valor
sonoro, em outras, silábico-alfabéticas, etc. (SOARES, 2020, p. 115).
Percebemos que em seus processos evolutivos poderão ocorrer também que
algumas pulem uma das etapas ou até mesmo possam transitar por mais de uma etapa ao
mesmo tempo. Nesse sentido, considera-se que nenhuma aprendizagem é uniforme, e, de
repente algumas depois de alguns meses estejam alfabetizados, enquanto outras requerem
de dois a três anos para consolidar suas aprendizagens básicas.

Todavia, sabendo que cada fase correponde a um caminho que a criança percorre
em suas características específicas de aprendizados até alfabetizar-se, cada passo, cada
fase concluída é sempre um processo construtivo, que é o caminho para o
desenvolvimento da leitura e da escrita. De modo geral, ao se tornarem alfabéticas, elas
já escrevem basicamente de modo correto e possuem fluência de leitura, podendo talvez
ler ainda de modo devagar, se propõe a pensar algumas palavras, soletra silenciosamente,
etc. Quando a criança atinge o nível de hipótese de escrita alfabética, é o ponto de chegada
para avançar, progredir em estudos posteriores, embora ela ainda se defronte com
dificuldades próprias de ortografia, na fixação das regras da língua escrita.

Para saber mais:

Sugestão: Pesquisar frases, textos, bilhetes produzidos por


crianças neste nível.

Em tempo:
Para ampliar conhecimentos, sugiro a leitura do livro: SOARES, Magda.
Alfaletrar: toda criança pode aprender a ler e escrever. Contexto, SP,
REFERÊNCIAS
2020.
REFERÊNCIAS

FERREIRO, Emília; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre:


Artes Médicas, 1984.

FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes


Médicas, 1986.

FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Tradução de Diana


Myriam Lichtenstein et al. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986. (IN): MOLL, Jaqueline.
Alfabetização Possível- reinventando o ensinar e o aprender- Porto Alegre, Editora
Mediação, 1996.

FERREIRO. Emília. TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Tradução-


Diana Myriam Lichtenstein, Lina Di Marco, Mário Corso- Porto Alegre: Artmed, 1999.
(Reimpressão 2007).

MOLL, Jaqueline. Alfabetização Possível- reinventando o ensinar e o aprender- Porto


Alegre, Editora Mediação, 1996.

SOARES, Magda. A reinvenção da alfabetização. Presença Pedagógica, v. 9, n. 52,


jul/ago, 2003.

SOARES, Magda. Alfaletrar: toda criança pode aprender a ler e escrever. Contexto,
SP, 2020.

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