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Universidade cancela
pesquisa reconhecida no
exterior após pressão de
ONG da causa animal
By Gabriel Sestrem  •  www.gazetadopovo.com.br

O desenvolvimento de um esfíncter artificial, que geraria melhora na


qualidade de vida de ostomizados, foi interrompido pela UEPG por pressão de
ativistas| Foto: Divulgação UEPG
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Resumo desta reportagem:

O desenvolvimento de um esfíncter artificial, que geraria melhora ampla na


qualidade de vida de pessoas colostomizadas, foi interrompido em abril pela
Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) após pressão de ativistas da
causa animal.
A última etapa de testes pré-clínicos consistiria na implantação do
dispositivo em seis cães da raça Beagle, que seriam acompanhados durante
um ano e, posteriormente, destinados à adoção.
Após intervenção de uma ONG paranaense, a universidade negou que
mantivesse vínculo com o projeto de pesquisa, o que é desmentido por
documentos emitidos pela instituição recebidos pela reportagem.
O protótipo está em desenvolvimento há 30 anos e foi finalista de duas
premiações internacionais. Agora, com o projeto parado, o criador do
dispositivo aguarda que outra instituição abra as portas para dar sequência
aos testes.
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A ação de ativistas da causa animal interrompeu o desenvolvimento de um


dispositivo com o potencial de aumentar significativamente a qualidade de vida
de pessoas colostomizadas, isto é, que devido a problemas no sistema digestivo
possuem uma ligação do intestino grosso à parede do abdômen que permite a
saída das fezes para uma bolsa coletora.

Há 30 anos em desenvolvimento, e atualmente na última fase de testes pré-


clínicos que antecedem os ensaios com seres humanos, as pesquisas para a
criação do dispositivo chamado  Aico  (sigla em inglês para Oclusor Ativo
Implantável para Colostomias) foram suspensas em abril pela UEPG após
pressão de uma ONG.

A intimidação contou até com ameaça de invasão de ativistas ao local onde


estavam mantidas seis cadelas da raça Beagle, que participariam de um
experimento indispensável ao avanço da pesquisa. A ONG, chamada Grupo
Fauna PG, apresenta-se como um “grupo em defesa dos direitos animais e
ambientais”.

O dispositivo em desenvolvimento se trata de um esfíncter artificial


implantável que pode ser acionado por controle remoto e é capaz devolver a
pessoas colostomizadas o controle da evacuação. Na prática, esses pacientes,
que dependem do uso ininterrupto de equipamentos acoplados em seu
abdómen, poderiam ficar livres das bolsas coletoras, que geram limitações e
desconfortos diversos.

Só no Brasil há mais de 400 mil pessoas com diferentes tipos de ostomias,


segundo estimativa do Ministério da Saúde. Mas a inovação teria o potencial de
beneficiar um número ainda maior de pacientes de outros países, já que a
comunidade científica internacional busca há décadas soluções semelhantes.
Pessoas com outros tipos de ostomas, como a ileostomia (do intestino delgado),
a gastrostomia (estômago) e a urostomia (bexiga) também poderiam ser
beneficiadas futuramente com o mecanismo a partir de pequenas adaptações.

Mesmo assim, o projeto está estacionado desde 20 de abril, data em que a


UEPG suspendeu o desenvolvimento da pesquisa, que estava sendo
coordenada pelo criador do  Aico, Josuê Bruginski de Paula. Médico e doutor
em Engenharia Biomédica, o pesquisador foi docente da universidade
paranaense por dez anos e deixou o cargo para se dedicar com exclusividade ao
desenvolvimento do Aico.
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Com a decisão, foram cancelados os testes pré-clínicos inicialmente agendados


para os dias 21 a 23 de abril, que consistiriam na realização de uma cirurgia de
colostomia nos cães, com a inserção do dispositivo para testar a efetividade da
continência. Os animais seriam acompanhados durante um ano, e ao final seria
feita nova cirurgia, de reversão da ostomia, da mesma forma que é feito com
humanos. Ao final desse processo, os cães seriam encaminhados à adoção.

A ONG, no entanto, passou a alegar que os animais seriam vítimas de maus-


tratos, o que é negado pelo pesquisador, e a exigir que a universidade não
apenas proibisse o uso de suas dependências para os procedimentos em
questão, como também se abstivesse de realizar quaisquer outras pesquisas
com animais.

Na véspera da data de início dos procedimentos, a UEPG divulgou


uma  nota  afirmando que o uso de suas dependências para a pesquisa em
questão seria um “boato” e que a instituição havia sido procurada para a
locação de um laboratório, mas “tão logo tomou ciência das intenções do
estudo, cancelou imediatamente todas as tratativas”.

No entanto, a universidade tinha ciência das pesquisas ao menos desde 2016,


quando a Comissão de Ética no Uso de Animais da universidade (CEUA-UEPG)
emitiu uma carta de autorização para a realização das pesquisas com os cães.
Em setembro de 2021, o setor emitiu nova carta reforçando a permissão ao
experimento, o que invalida a tese de que a instituição desconhecia o projeto.
Havia, inclusive, professores e colaboradores da universidade envolvidos na
pesquisa.

“Tenho pacientes ostomizados que me acompanham desde 2007 esperando por


esse dispositivo. Mas prevaleceu o grito ao argumento, e num pensamento
anticiência a atual direção da UEPG resolveu cancelar a realização da pesquisa.
Foi uma sequência de erros de julgamento que está prejudicando os
ostomizados não só do Brasil, mas de todo o mundo”, disse o pesquisador
à Gazeta do Povo.

A reportagem entrou em contato com a UEPG pedindo posicionamento sobre o


caso. Não houve retorno até o fechamento desta reportagem.

Já a ONG, na data em que a pesquisa foi cancelada, divulgou nota condenando


o uso de animais em todas as formas de pesquisas científicas. “Questionamos

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como a UEPG está formando futuros profissionais ao compactuar que vidas


sensíveis são apenas produtos a serem manipulados e descartados. Lutamos e
continuaremos lutando pelo respeito a todos os animais não humanos”, diz a
nota.

Para que medicamentos, vacinas ou dispositivos médicos, como é o caso do


esfíncter artificial, sejam aprovados no Brasil, a legislação exige que o produto
passe pelos testes pré-clínicos, nos quais frequentemente é indispensável o uso
de animais. Um dos objetivos dessa etapa de testes é justamente avaliar
aspectos relacionados à segurança para, em seguida, evoluir para os ensaios
clínicos, realizados em seres humanos.

A Resolução 466, da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) – órgão


do Conselho Nacional de Saúde (CNS) que tem como principal atribuição o
exame dos aspectos éticos das pesquisas que envolvem seres humanos –,
determina que pesquisas que usem metodologias experimentais na área
biomédica envolvendo seres humanos deverão, entre outras medidas, “estar
fundamentadas na experimentação prévia, realizada em laboratórios,
utilizando-se animais ou outros modelos experimentais e comprovação
científica”.

Para assegurar que a todos os animais utilizados em atividades de ensino ou


pesquisa científica seja garantido tratamento digno, humanitário e ético foi
instituído, em 2008, o Conselho Nacional de Controle de Experimentação
Animal (Concea), que está vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. No
início de maio, o órgão emitiu uma Resolução Normativa específica para
orientar a experimentação científica com uso de cães e gatos.

Já a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para proceder com o


registro de um dispositivo médico, exige que o produto tenha sido previamente
testado em animais, como menciona a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC)
548 no Anexo 2, item 9.

Na mesma lei que instituiu o Concea, foram criadas também as Comissões de


Ética no Uso de Animais (CEUAs). Nas universidades, esses órgãos devem
contar com médicos veterinários, biólogos, docentes, pesquisadores e no
mínimo um representante de sociedades protetoras de animais. Foi justamente
esse órgão da UEPG que emitiu duas autorizações, em 2016 e 2021, para a
pesquisa do esfíncter artificial com o uso dos cães. A escolha por cães se deu
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porque são mamíferos que, assim como o ser humano, tem a capacidade de
controlar a defecação, com o cólon exercendo a função de reservatório das
fezes.

“Para dispositivos médicos, medicamentos ou vacinas, por exemplo, os estudos


em animais, chamados pré-clínicos, são obrigatórios tanto no Brasil como na
maior parte do mundo. Isso passou a ocorrer depois da segunda grande guerra,
quando os Nazistas usavam seres humanos em pesquisas de forma criminosa”,
explica José Roberto Leite, doutor em Ciências Biológicas, professor da
Universidade de Brasília (UnB) e consultor cientifico da People&Science.

O professor afirma que cada vez mais pesquisadores têm recorrido a


abordagens alternativas sem o uso de animais, como métodos in vitro, uso de
tecidos humanos provenientes de autópsias e modelos matemáticos e
computacionais. Entretanto, há casos em que os testes em animais são
indispensáveis.

“A legislação brasileira que aborda o uso de animais em pesquisa estabelece


que os pesquisadores e as instituições devem adotar medidas para promover o
bem-estar dos animais utilizados, garantindo condições adequadas de
alojamento, alimentação, higiene e cuidados veterinários”, ressalta.

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Pesquisa parada e ostomizados à espera


Com o fechamento de portas da UEPG e o consequente estacionamento da
pesquisa, agora Josuê Bruginski aguarda que outra instituição acolha o projeto
e permita que os testes sejam realizados. Enquanto isso, pessoas ostomizadas
aguardam uma saída para amenizar os desafios de viver ininterruptamente
com uma bolsa de ostomia.

Para Katia de Oliveira, presidente da Associação Paranaense dos Ostomizados


(APO), que relatou o caso à Gazeta do Povo, a ação dos ativistas desrespeita
em primeiro lugar pacientes que há anos aguardam uma tecnologia que

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permita que ostomizados não precisem mais fazer o uso contínuo das bolsas
coletoras, responsáveis por uma série de problemas derivados do contato
excessivo com a pele.

“Eu tenho dois cães em casa, que dormem dentro do meu quarto e transitam
dentro da minha casa como parte da minha família. Nos preocupamos muito
com cães de rua e inclusive ajudamos financeiramente uma dessas instituições.
Mas, nesse caso, estão dando mais atenção aos animais do que às pessoas”,
declara Katia.

“Quando aparece uma solução que pode ajudar a trazer qualidade de vida para
os ostomizados, eles vetarem isso pensando nos animais, que estavam sendo
bem cuidados e iriam para adoção após o procedimento, chega a ser grotesco”,
desabafa.

No último dia 14, Josuê Bruginski de Paula (à esquerda) recebeu homenagem


na Câmara Municipal de Curitibapelo seu dispositivo para colostomizados
(Foto: Rodrigo Fonseca/CMC)
O primeiro protótipo do esfíncter artificial foi criado na década de 1990
durante o doutorado de Bruginski na Unicamp, o que lhe rendeu o XIV Prêmio
Jovem Cientista, concedido anualmente pelo Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Em 2007, uma versão
aprimorada desse protótipo foi o único finalista estrangeiro do prêmio da
francesa Fundação Altran. Sete anos mais tarde, o projeto recebeu R$1,2
milhão em recursos públicos da Financiadora de Estudos e Projetos  (Finep)
para ser viabilizado.

Atualmente  o protótipo é um dos 60 finalistas do Prêmio Euro Inovação na


Saúde, iniciativa da Eurofarma que reconhece grandes inovações dentro da
área da saúde e conta com participantes de 17 países. “O produto é realmente
inovador. Vários países do mundo estão tentando achar uma solução para isso.
Seria um produto brasileiro, de alta tecnologia, para o mundo, mas esbarrou no
imediatismo de resposta diante de uma falsa denúncia de maus-tratos”, diz
Bruginski.

“Agora buscamos uma porta aberta, uma instituição que defenda o pensamento
científico. É uma tristeza, porque as universidades deveriam ser uma fortaleza
de defesa e de formação do diálogo, do pensamento científico. Mas
infelizmente não foi o que aconteceu”, lamenta o pesquisador.
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