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O DESMONTE DAS POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL: A


LETALIDADE DO CAPITAL EM TEMPOS DE PANDEMIA

Autor 1
Autor 2

RESUMO

O presente artigo esboça uma discussão sobre as políticas sociais no contexto neoliberal, sem,
contudo, ignorar os antecedentes históricos cujo qual processo perpassou. O cenário político,
econômico e social, evidenciam uma dicotomia entre os avanços no campo dos direitos
sociais e o novo modelo de ajuste estrutural do capitalismo, cujo qual recebe
questionamentos, principalmente no que diz respeito a conduta do Estado. Em termos de
Brasil, essa política de ajuste, tem culminado em situações preocupantes, tanto no plano
econômico quanto no social, preponderantemente porque, as políticas sociais e o próprio
contexto social observados no contexto histórico desse país, possuem peculiaridades se
comparado aos países considerados desenvolvidos, que devem ser analisadas com maiores
critérios. O ideário Neoliberal defende, em linhas gerais, a redução dos gastos sociais e a
reforma do Estado, tornando-o um “Estado Mínimo”, desfazendo ou enfraquecendo as
estruturas jurídicas de direitos, outrora legalmente conquistados, através dos movimentos
sociais e populares. A política econômica Neoliberal é, em suma, uma transformação do
próprio capitalismo contemporâneo, na tentativa de se reinventar, todavia, seus rebatimentos
no âmbito das políticas sociais têm promovido um retrocesso ao passo que favorece o
desmonte dos direitos sociais, a mercantilização da saúde, e ações de cunho paliativo e focais
da assistência social. Não obstante, o cenário de pandemia da COVID 19 no Brasil, revela que
a depender da opção da política de ajuste fiscal adotada, pode-se determinar medidas de
enfrentamento a doença capazes de obterem maior ou menor êxito. Numa escala mais
perversa, vivenciamos o conflito da economia em primeiro plano, exercendo poder de império
inclusive sobre vidas humanas.

Palavras-chave: Política Social, Direitos sociais, Capitalismo, Neoliberalismo, Pandemia


COVID 19.

THE DISASSEMBLY OF SOCIAL POLICIES IN BRAZIL: CAPITAL


LETHALITY IN TIMES OF PANDEMIC

ABSTRACT

This article outlines a discussion about social policies in the neoliberal context, without,
however, ignoring the historical background which the process passed through. The political,
economic and social scenario show a dichotomy between advances in the field of social rights
and the new model of structural adjustment of capitalism, which is questioned, especially with
regard to the conduct of the State. In terms of Brazil, this adjustment policy has culminated in
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worrying situations, both in economic and social terms, mainly because social policies and the
social context itself observed in the historical context of this country, have peculiarities when
compared to countries considered developed , which should be analyzed with greater criteria.
The Neoliberal ideology defends, in general lines, the reduction of social expenses and the
reform of the State, making it a “Minimum State”, undoing or weakening the legal structures
of rights, formerly legally conquered, through social and popular movements. Neoliberal
economic policy is, in short, a transformation of contemporary capitalism itself, in an attempt
to reinvent itself, however, its repercussions in the sphere of social policies have promoted a
setback while favoring the dismantling of social rights, the commodification of health, and
palliative and focal social assistance actions. Nevertheless, the COVID 19 pandemic scenario
in Brazil reveals that, depending on the option of the fiscal adjustment policy adopted, it is
possible to determine measures to fight the disease capable of achieving greater or lesser
success. On a more perverse scale, we experience the conflict of the economy in the
foreground, exercising power of empire even over human lives.

Keywords: Social Policy, Social Rights, Capitalism, Neoliberalism, COVID Pandemic 19.

EL DESMONTAJE DE LAS POLÍTICAS SOCIALES EN BRASIL:


LETALIDAD DEL CAPITAL EN TIEMPOS DE PANDEMIAS

RESUMEN

Este artículo esboza una discusión sobre las políticas sociales en el contexto neoliberal, sin
ignorar, sin embargo, el trasfondo histórico por el que atravesó el proceso. El escenario
político, económico y social muestra una dicotomía entre los avances en el campo de los
derechos sociales y el nuevo modelo de ajuste estructural del capitalismo, que es cuestionado,
especialmente en lo que respecta a la conducta del Estado. En términos de Brasil, esta política
de ajuste ha culminado en situaciones preocupantes, tanto en términos económicos como
sociales, principalmente porque las políticas sociales y el contexto social mismo observado en
el contexto histórico de este país, tienen peculiaridades en comparación con países
considerados desarrollados, que deberían ser analizados con mayor criterio. La ideología
neoliberal defiende, en líneas generales, la reducción de los gastos sociales y la reforma del
Estado, convirtiéndolo en un “Estado Mínimo”, deshaciendo o debilitando las estructuras
jurídicas de derechos, anteriormente legalmente conquistadas, a través de movimientos
sociales y populares. La política económica neoliberal es, en definitiva, una transformación
del propio capitalismo contemporáneo, en un intento por reinventarse, sin embargo, sus
repercusiones en el ámbito de las políticas sociales han propiciado un retroceso al mismo
tiempo que favorecen el desmantelamiento de los derechos sociales, la mercantilización de la
salud y acciones paliativas y asistenciales sociales focales. Sin embargo, el escenario de la
pandemia de COVID 19 en Brasil revela que, dependiendo de la opción de política de ajuste
fiscal que se adopte, es posible determinar medidas para combatir la enfermedad capaces de
lograr mayor o menor éxito. En una escala más perversa, experimentamos el conflicto de la
economía en primer plano, ejerciendo el poder del imperio incluso sobre vidas humanas.

Palabras clave: política social, derechos sociales, capitalismo, neoliberalismo, pandemia


COVID 19.
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INTRODUÇÃO

Uma realidade pandêmica posta num país que perpassa por políticas de cortes e
baixos, ou quase nenhum, investimentos para as áreas de saúde, educação e pesquisa. Um
Estado mínimo instalado à revelia, representado pela figura do atual Presidente da República,
que não se intimida em deixar claro sua posição de governo, que é priorizar o setor econômico
e desmantelar o frágil sistema de direitos e garantias sociais.
Assim, temos o embate polarizado entre pesquisadores, cientistas e profissionais
da saúde, que, de um lado, defendem ações protetivas contra a covid 19, por meio do
isolamento social, uso de máscaras e contínua higiene das mãos, vacinação em massa, além da
implementação de políticas sociais de renda mínima a toda população que foi e está sendo
mais vulnerabilizada com as consequências efetivas da pandemia, alinhada com o contínuo
investimento nas áreas de saúde e de pesquisas.
Em contraponto, tem-se um governo despreparado, que desqualifica agências,

profissionais técnicos e organizações sanitárias e de pesquisas com credibilidade mundial,


personificado na figura do Presidente, que incentiva aglomerações, o não uso de máscaras,
menospreza os efeitos catastróficos de uma pandemia como essa num país de tamanha
extensão territorial e populacional como é o Brasil. Não bastasse a insistência da retomada das
atividades produtivas “normais”, com informações totalmente equivocadas propagadas por
fake News, desorientando uma população já fragilizada.
É certo que a pandemia tratou de revelar, de forma mais clara, as mazelas vividas
pela população empobrecida e periférica do país. A crise sanitária experienciada demonstra a
vulnerabilidade de alguns grupos, sob o aspecto social e econômico, em que carecem de
condições necessárias e mínimas para conseguirem cumprir o isolamento social. Enquanto
uma seleta elite detém privilégios quanto ao enfretamento do vírus, a maioria da população se
vê em condições precárias de sobrevivência, com múltiplas privações, não usufruindo por
vezes, da possibilidade de escolha sobre ir ou não trabalhar ou de obter assistência médica
digna e adequada. “[...] assim o progresso da COVID-19 exibe todas as características de uma
pandemia de classe, de gênero e de raça” (Harvey, 2020, p.21). A ausência de um Estado que
prioriza os lucros e atividades comerciais, coloca a economia em evidência em detrimento a
saúde e vida das pessoas.
Agora, as desigualdades sociais que eram latentes se tornaram expostas e
simultaneamente radicalizadas, ao passo que exacerba as expressões da questão social.
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Expressões as quais se dão através das relações de exploração e dominação do capital. É nessa
lógica que o Brasil se vê amparado atualmente, e essa lógica veem se alimentando e se
fortificando a partir da difusão de ideologias conservadoras, patriarcais, classistas, sexistas e
racistas.
O desmonte dos investimentos sociais e de seus sistemas de proteção num cenário
de pandemia, não só caracteriza a perversidade das relações sociais de capital vigente, mas
coloca em perigo a sobrevivência humana. A classe pauperizada, neste contexto, atravessa
dificuldades desde a inacessibilidade a testes de detecção do vírus, até o próprio tratamento da
infecção. O caos advindo da pandemia no país propicia condições mortíferas, sobretudo para
as populações mais pobres, que são submetidas a situações limitantes, marcadas pelo risco
permanente de contágio.
Isso nos leva a compreender que a gestão de um Estado pode estabelecer normas,
ou não, que valorizem a vida. Conforme aponta Antunes (2020), a crise instaurada no Brasil é
decorrente de anos, a pandemia veio, no entanto, para evidenciar a letalidade de um governo
liberal, conservador, marcado por políticas de austeridade e práticas neoliberais, em que não
se toca nos pilares estruturantes das desigualdades sociais, pelo contrário, só as intensifica.
Na complexidade da fase histórica vivida, o mundo do trabalho e dos movimentos
sociais necessita se reconstruir, articulando atuações de enfretamento às metamorfoses do
capital.
Pensar sobre políticas sociais nunca foi tão necessário num cenário paradoxal
como esse, em que, de um lado, tem-se uma população emergente de condições mínimas de
sobrevivência, e do outro, uma conjuntura econômica perversa, imperativa e letal. E apesar da
dicotomia, o capital se movimenta, se articula e se impõe.
Contudo, é prudente elucidar os vieses em que a “política social” pode assumir, a
depender da política econômica adotada pelo Estado. É partindo dessa problemática que
encaminharemos nossa discussão.

BREVE HISTÓRICO

A Política Social é um fenômeno intrínseco ao capitalismo, bem como à sua


maneira própria de produzir e reproduzir-se ao longo do tempo. Deve ser compreendida a
partir de uma análise paradoxal, uma dicotomia entre capital, trabalho e políticas sociais. É
necessário considerar também, na análise da política social, as conjunturas econômicas e
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políticas em que o Estado se conjectura frente a sociedade. Não obstante, podemos inferir que
as políticas sociais só podem ser entendidas com base na estrutura capitalista e no movimento
histórico das transformações sociais dessas mesmas estruturas (FALEIROS, 2000).

As políticas sociais do Estado não são instrumentos de realização de um


bem-estar abstrato, não são medidas boas em si mesmas, como soem
apresentá-las os representantes das classes dominantes e os tecnocratas
estatais. Não são, também, medidas más em si mesmas, como alguns
apologetas de esquerda soem dizem, afirmando que as políticas sociais são
instrumentos de manipulação e de pura escamoteação da realidade da
exploração da classe operária. Trata-se, nos dois casos, de uma concepção
instrumentalista e mecanicista que não tem em conta a realidade da
exploração capitalista e da correlação de forças sociais. (FALEIROS, 2000,
p. 59).

A partir da análise de alguns estudiosos, tentaremos aqui, delinear os caminhos


que culminaram na implementação das políticas neoliberais, e suas implicações no campo das
políticas sociais. Trata-se de uma abordagem simples, mas que visa resguardar aspectos
importantes das práticas neoliberais, tanto em seu nível macro quanto microssocial.
Para compreender a conjuntura do sistema de ajuste estrutural proposto pelo
capitalismo através das políticas neoliberais, faz-se relevante demarcar historicamente, ainda
que de forma simplória e objetiva, as medidas de proteção social, tanto no capitalismo
desenvolvido como na periferia do capitalismo, já que quando se trata de política social não
estamos nos reportando à um caminho único e padronizado. Nesse sentido, destacamos a
Alemanha e Inglaterra, que no final do século XIX estabelecem as primeiras legislações de
proteção social. É, contudo, após a Segunda Guerra Mundial que se ampliam as medidas de
Seguridade Social no capitalismo, com a estruturação da política do Welfare States ou Estado
Social, que, vale ressaltar, se deu de maneiras diferentes em consonância com os fatores
culturais, econômicos e políticos de cada país. Aqui observamos a transformação do próprio
capitalismo, ao assumir o fracasso da política liberal, que segundo Polanyi (2000), falhou ao
interpretar a sociedade, com a insistência de conceber os acontecimentos sociais pela ótica
economicista.

A filosofia liberal jamais falhou tão redondamente como na compreensão do


problema da mudança. Animada por uma fé emocional na espontaneidade, a
atitude de senso comum em relação à mudança foi substituída por uma
pronta aceitação mística das conseqüências sociais do progresso econômico,
quaisquer que elas fossem. As verdades elementares da ciência política e da
arte de governar foram primeiro desacreditadas, e depois esquecidas. Não é
preciso entrar em minúcias para compreender que um processo de mudança
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não-dirigida, cujo ritmo é considerado muito apressado, deveria ser contido,


se possível, para salvaguardar o bem-estar da comunidade. Essas verdades
elementares da arte de governar tradicional, que muitas vezes refletiam os
ensinamentos de uma filosofia social herdada dos antepassados, foram
apagadas do pensamento dos mestres do século XIX pela ação corrosiva de
um utilitarismo cru, aliada a uma confiança não-crítica nas alegadas
propriedades auto curativas de um crescimento inconsciente. (POLANYI,
2000, p, 51).

A principal característica do Estado Liberal foi a separação dada entre o Estado e


economia, não obstante à tentativa de reduzir a política à chamada sociedade política, ou seja,
de tentar despolitizar as relações econômicas e sociais. O liberalismo provocou, no campo
econômico e político, para além de uma grande desigualdade social, um grande conflito e
antagonismo entre burguesia e proletariado, e essas forças foram as condições em que as
ideologias, os partidos, bem como as revoluções socialistas se desenvolveram. (LAURELL,
2002)
Polanyi (2000) destaca que a desarticulação entre as medidas de cunho social e o
mercado autorregulável trouxeram a queda do sistema liberal, evidenciando um cenário de
extrema pauperização. A Lei dos Pobres (Poor Law), de 1834, por exemplo, foi um arranjo
institucional equivocado, que trouxe consequências catastróficas para as classes trabalhadores,
e que pode ser caracterizado principalmente pela coerção e controle, com vistas à atender os
interesses da classe dominante, a punir à vagabundagem, e favorecer a eficiência do mercado
de trabalho, que estava a transformar o trabalho humano em mercadoria. Tinha-se nessa
perspectiva, a intenção de proteger o sistema econômico mais do que o trabalhador, em uma
conjuntura de negação dos direitos sociais, em um nível não alcançado antes.
Adam Smith (1776)1, defensor do laissez-faire, afirmava que os capazes, os
inteligentes é que prosperariam num regime de concorrência, o bem-estar, em sua visão, se
identificava com a riqueza, e que a riqueza dependia do esforço individual num sistema de
concorrência perfeita, e é assim, no mercado, que se produz o equilíbrio entre consumo e a
produção. Para Smith, o indivíduo era culpado de sua situação, legitimando-se uma ideologia
moral, no sentido de imbuir nas pessoas o sentimento natural quanto a existência de pobres e
ricos. Na perspectiva desse autor, o indivíduo deveria ser libertado de qualquer ajuda,
buscando o benefício no mercado livre. J. S. Mill, que também advogava a favor da liberdade
econômica postulava que: [...] o único fim pelo qual é justificável que a humanidade, individual ou
coletivamente, se intrometa na liberdade de ação de qualquer dos seus membros é a própria proteção
da liberdade.2
1
. SMITH, A. A Riqueza das Nações. Hemus, 3a ed. 2008, 440p
2
. MILL, J. S. Sobre la libertad. Madri, Sarpe, 1984.
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É nesse contexto do laissez-faire e liberdade econômica que a Lei dos Pobres


representou uma mudança inconcebível às classes trabalhadores, principalmente no fator de
proteção ao mercado em detrimento das condições sociais, deixando o mercado se
autorregular.
A Poor Law Reform de 1834 acabou com essa obstrução do mercado de
trabalho; foi abolido o "direito de viver". A crueldade científica desse
decreto foi tão chocante para o sentimento público nos anos 1830-1840 que
os protestos veementes dos contemporâneos obscureceram o quadro aos
olhos da posteridade. É verdade que muitos dos pobres mais necessitados
foram abandonados à sua sorte quando se retirou a assistência externa, e
entre aqueles que sofreram mais amargamente estavam os "pobres
merecedores", orgulhosos demais para se recolherem aos albergues, que
sehaviam tornado um abrigo vergonhoso. Em toda a história moderna talvez
jamais se tenha perpetrado um ato mais impiedoso de reforma social. Ele
esmagou multidões de vidas quando pretendia apenas criar um critério de
genuína indigência com a experiência dos albergues. Defendeu-se friamente
a tortura psicológica, e ela foi posta em prática por filantropos benignos
como meio de lubrificar as rodas do moinho de trabalho. (…) Não é exagero
dizer que a história social do século XIX foi determinada pela lógica do
sistema de mercado propriamente dito, após ter sido ele liberado pelo Poor
Law Reform Act de 1834. (POLANYI, 2000, p. 105).

Não obstante a esse quadro, tem-se a adoção das políticas keynesianas, haja vista
as mudanças proferidas pela crise do sistema econômico liberal, principalmente no tocante a
prevalência das práticas do laissez-faire, que abriu espaços para o que a literatura denomina,
em geral, de Estado Interventor ou Regulador, com ações reguladoras no âmbito da economia
e sociedade. É neste contexto de crise do modelo liberal que o Estado passa a ser considerado
a solução para os problemas emergentes, através das políticas keynesianas.
Evidencia-se que a política social está no centro do embate econômico, como uma
estratégia não só econômica como também política. Segundo Behring (2002, p. 173), ocorre
um: “deslocamento (…) de parte do conflito capital/trabalho para a lógica da cidadania e dos
direitos sociais ou, na linguagem de Bowles e Gintis, uma proeminência do eixo distributivo
na luta de classes, sendo seu maior foco o Estado”.
O plano Keynesiano se caracteriza pela institucionalização das demandas do
trabalho, em que o Estado passa a mediar os conflitos, e é nesse espaço que são dão a
segmentação das demandas e questões. No que diz respeito ao plano econômico, a
intervenção se dá por meio dos investimentos públicos, cujos quais asseguraria o aumento da
atividade econômica, já que tais serviços se constituem como meios de sociabilização entre a
força de trabalho e os custos de reprodução. Na esfera social, asseguraria o estado de bem-
estar, ou seja, a existência em níveis elevados, e não somente o de mera subsistência. No
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âmbito político, tem-se uma maior integração dos setores subalternos à vida política e social
e, por conseguinte, à ordem socioeconômica.
Laurell (2002), aponta que política pertinente, seguindo o Keynesianismo, será
aquela que, na pretensão de incentivar o crescimento econômico e aumentar o nível de
emprego, atue sobre as variáveis independentes do sistema econômico, demostrando assim, a
importância da intervenção do Estado. Verifica-se que a Política Social começa a se destacar
no campo econômico e político, dadas a conjuntura e reinvenção do sistema capitalista, já que
a intervenção do Estado se dá por meio delas.

Observamos que a política social ocupa certa posição político-econômica, a


partir de um determinado período histórico, e que a economia política se
movimenta historicamente a partir de condições objetivas e subjetivas.
Portanto, o significado da política social não pode ser apanhado nem
exclusivamente pela sua inserção objetiva no mundo do capital, nem apenas
pela luta de interesses dos sujeitos que se movem na definição de tal ou qual
política, mas, historicamente, na relação desses processos na totalidade.
(BEHRING, 2002, p. 174).

Vale ressaltar, dentro da proposta de estudo, que existem várias formas de análise
e interpretação acerca das concepções sobre Política Social, do Estado de Bem-Estar Social e
demais categorias apresentadas aqui. Com base nessa relação conflituosa, o entendimento face
as Políticas Sociais devem ser pensadas além de meras concessões do capital, e, portanto,
ultrapassar a abordagem de cunho economicista, reducionista e fatalista, bem como mera
vitória do proletariado, considerada uma visão simplista e ingênua. Ao contrário, devem ser
compreendidas e analisadas como resultantes das relações antagônicas e conflituosas entres as
diversas esferas do processo de produção e reprodução social. (FALEIROS, 2000)
A análise das Políticas Sociais será aqui abordada como uma categoria
contraditória e dialética, que expressa uma área de colisão instável entre acumulação e
equidade, na busca de uma análise teórica mais próxima da complexidade totalitária do
processo. Ressalta-se, é claro, que estamos longe de uma definição única de interpretação
sobre esse fenômeno.
Seguindo essa concepção, a Política Social pode ser caracterizada como um
movimento contraditório, tendo em vista que atende os interesses da classe dos representantes
do trabalho, ao conceder ganhos reivindicativos face o capital, e, também, aos interesses da
acumulação capitalista, favorecendo a manutenção do potencial produtivo laboral, bem como,
em algumas situações, desmobilizando a estrutura sindical dos trabalhadores.
A Política Social pode ainda ser apreendida ora como engodo, outrora como
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conquista, ao passo que de um lado, é reiterada como requisito do capitalismo, favorecendo


ganhos do capital e amortecendo os movimentos dos trabalhadores, e por outro, é absorvida
como conquistas, troféu dos representantes sindicais e da classe proletária. Trata-se de um
paradoxo complexo, que exige compreender o processo histórico de forma ampla e
abrangente.
Partindo dos estudos da literatura especializada, podemos inferir que foi a partir
do século XX, dando ênfase ao período posterior aos anos 40, que a Política Social, de fato,
passou a ser considerada direito.

(…) É possível afirmar que o pacto keynesiano é viabilizado a partir de uma


situação-limite para o movimento operário: o vácuo das direções nacionais e
internacional, com um projeto econômico-político claro e independente; e o
corporativismo que decorre daí e remete o movimento ao imediatismo dos
acordos em torno da produtividade, sobretudo do setor monopolista, sem
nenhuma visão da totalidade e da solidariedade e de classe”. (BEHRING,
2002, p.173).

A economia do Welfare States ou Estado de Bem Estar Social, tendo a teoria


keynesiana como pano de fundo, pode ser apreendida como “um conjunto de serviços e
benefícios sociais de alcance universal promovidos pelo Estado com a finalidade de garantir
uma certa “harmonia” entre o avanço das forças de mercado e uma relativa estabilidade
social, suprindo a sociedade de benefícios sociais que significam segurança aos indivíduos
para manterem um mínimo de base material e níveis de padrão de vida, que possam enfrentar
os efeitos deletérios de uma estrutura de produção capitalista desenvolvida e excludente”.
(GOMES, 2006, p. 3).
Nessa conjuntura, ocorre um reconhecimento legal das demandas e necessidades
dos cidadãos, que são transformadas em direitos. Tal processo esteve diretamente vinculado
ao contexto geográfico, econômico e político da época.
Este modelo de proteção social se pautava num pacto de classes, em que a
intervenção estatal propiciava o crescimento econômico concomitantemente ao favorecimento
das classes pauperizadas. Destaca-se neste contexto o fortalecimento do movimento operário,
que passou a ter mais representatividade e a ocupar espaços políticos importantes, propondo
projetos societários alternativos, como o movimento socialista, com forte influência histórica
na União da República Socialista Soviética (URSS), no início do século XX. Neste ambiente,
a burguesia tende a conceder alguns ganhos a classe trabalhista, sugerindo o velho clichê:
“entregar os anéis para não perder os dedos”, na tentativa de manter o equilíbrio das relações
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produtivas.
O Estado intervencionista ou o Estado de Bem-Estar Social, surgiu como forma de
contraponto às consequências impostas pelo liberalismo, trazendo, por conseguinte, melhora
nas condições dos direitos civis e sociais. A tentativa de reverter os processos outrora
promovidos pela economia autorregulável se fortaleceu e progrediu, como um movimento de
resposta à acumulação de capital, no sentido de corrigir seus efeitos, considerados
catastróficos até aquele momento.
Segundo Forigo (2012) tratou-se de mecanismos de proteção social que visavam
garantir a cidadania dos indivíduos, sendo realizados por meio da intervenção do Estado,
restringindo os privilégios empresariais e, por isso, contou com grande apoio popular. A
intervenção do Estado buscou ter como funções a redistribuição da renda, a regulamentação
das relações sociais, além da responsabilidade por determinados serviços de cunho coletivos
É importante ressaltar que o Estado de Bem-Estar Social se contrapôs as regras
impostas pela economia liberal, promovendo dentre tantas outras ações, o fortalecimento dos
movimentos de trabalhadores, o que contribuiu de maneira ímpar à promulgação de direitos
sociais outrora marginalizados pela classe dominante.
Laurell (2002, p. 75) resume da seguinte maneira a extensão do Estado de Bem-
Estar Social:

(...) 1) a redefinição das relações clássicas entre sociedade civil e política, a


politização das relações civis por meio da intervenção do Estado na
economia e das corporações na política econômica, e um processo de
“civilização” das relações políticas (pela importância da planificação nas
decisões políticas); 2) a legalização da classe operária e de suas
organizações, institucionalizando uma parte do conflito interclasses. A
sociedade deixa de ser pensada como somatório de indivíduos e
implicitamente reconhece-se conformada por classes sociais; as
organizações, representantes de interesses setoriais (não simplesmente de
cidadãos), além de serem legitimadas, podem participar de pactos e relações
que transcendem a democracia parlamentar. Os pactos corporativos assumem
um papel central nas grandes decisões das políticas do Estado. Finalmente,
assume-se que o conflito interclasses, em vez de ser abolido em nome de
supostas homogeneidades liberais de natureza humana, deve ser canalizado
através de instituições e regulado com normas especiais a serem
constituídas; 3) em síntese, o Estado social é, em parte, investidor
econômico, em parte regulador da economia e dos conflitos, mas também
Estado benfeitor que procura conciliar crescimento econômico com
legitimidade da ordem social.

Na perspectiva de Laurell (2002), a política do Estado de Bem-Estar Social


significou o abandono das concepções dominantes de que o equilíbrio poderia se dar de forma
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espontânea, com o mercado livre de qualquer intervenção. Por outro lado, podemos inferir
que a política adotada pós liberalismo se configurou como uma tentativa do capitalismo em
manter suas estruturas produtivas, corrigindo os erros ora cometidos, e de reformular novas
estratégias de reprodução, uma delas, foi a garantia de direitos sociais.
De acordo com Netto (1995, p. 68), esse foi o “[...] único ordenamento sócio-
político que, na ordem do capital, visou expressamente compatibilizar a dinâmica da
acumulação e da valorização capitalista com a garantia de direitos políticos e sociais
mínimos”.
Reportando-se ao Brasil, o país também adotou o Estado de regulamentação,
tendo como referência os países desenvolvidos. Contudo, a análise do Estado de Bem-Estar
Social deve considerar o contexto político, econômico e cultural que se conjecturaram nesse
país, em que o capitalismo se deu tardiamente. Segundo Laurell (1995, p. 158), o próprio
processo histórico de constituição dos Estados e a conformação das instituições estatais e
ideologias nacionais foi diferente dos países europeus e dos Estados Unidos.
A implantação do Estado de Bem-Estar Social na América Latina se deu num
ambiente político de ditaduras militares, como por exemplo no Brasil e no Chile, o que
dificultou os processos democráticos, ao passo que restringia as ações dos partidos, dos
sindicatos e de quaisquer outros movimentos reivindicatórios, impedindo o alcance ou avanço
das políticas sociais. Uma outra característica que vale ser ressaltada, refere-se a diferenciação
das estruturas de classes observados entre países da América Latina e o norte-americano e os
europeus. O contexto social dos países da América Latina apresenta uma elevada diferença
entre as classes, marcado pelo empobrecimento e desemprego das populações urbanas. O que
se observou nesses países foi uma maior carência de apoio das políticas sociais se comparado
aos Estados Unidos e países europeus, em que os os programas de assistência médica, auxílio
para maternidade, doença ou perda da renda em virtude de acidente, dentre outros foram
divididos com o setor privado, diferente do que ocorreu na América Latina, em que todas as
ações ficaram por conta do Estado.

Na realidade brasileira, nunca se teve um Estado de Bem Estar. Até 1930, a


pobreza foi considerada disfunção social ou problema de polícia. Quando o
Estado brasileiro resolver enfrentar institucionalmente os problemas
decorrentes da questão social, o fez com medidas pontuais mais voltadas a
regular o mercado de trabalho, a exemplo da legislação sobre acidentes de
trabalho (1919) e das Caixas de Aposentadorias e Pensões dos Ferroviários,
através da Lei Eloy Chaves de 1923. (…) até a Constituição de 1988, uma
característica da política social brasileira é o acesso a algumas medidas de
proteção social apenas pela parcela da população que se encontrava
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formalmente no mercado de trabalho (…). Para os que se encontravam fora


do mercado de trabalho, se manteve a assistência social com o caráter de
ajuda aos necessitados, complementaridade e excepcionalidade desenvolvida
através de programas pontuais, desarticulados ou, simplesmente, puro
assistencialismo paternalista destinando aos destituídos. (BOSCHETTI et al,
2009, p. 112).

De modo geral, e ressalvando as peculiaridades que esse processo se deu no


Brasil, o modelo de Bem-Estar Social teve como base o pressuposto da teoria de Keynes, para
quem “o futuro tem de ser assegurado como pacto e como planejamento”. (LAURELL, 2002,
p. 76).
Posto isso, é que os anos 60 e 70 são considerados por alguns estudiosos como a
“idade de ouro do capitalismo”, no qual verificou-se longos ciclos expansivos e de
desenvolvimento. Avanços perceptíveis também relacionados à garantia dos direitos sociais,
da presença ativa do Estado na provisão social, da efetividade das Políticas Sociais e da
participação dos movimentos dos trabalhadores.
Contudo, este modelo de desenvolvimento do capitalismo começou a dar sinais
de crise desde os anos 70, com a sua gradativa decomposição, dando espaço para um novo
processo de ajuste na estrutura do capitalismo, com reforma do Estado e reestruturação das
políticas sociais. Tem-se a partir de então a substituição do Estado Interventor pelo
Neoliberalismo, uma transição, que segundo Laurell (2002), ainda não acabou.
Em relação a crise do Estado de Bem-Estar Social, cabe uma discussão até mais
profunda quanto as explicações para do seu declínio, contudo, tomarei aqui o breve resumo
apresentado pela Laurell (2002) e algumas inferências do autor Netto (1995), ressaltando que
várias foram as causas que acabaram se colidindo e propiciando a dissolução desse modelo.
Algumas explicações para a crise do Estado Social:

1) A crise do Estado social como crise fiscal. O Estado social, ao se


converter em eixo de acumulação do capital e da ordem social, viu-se
obrigado a gastar muito além de um orçamento não-inflacionário. As receitas
do Estado, provenientes dos lucros de suas empresas, dos empréstimos e da
emissão monetária, não poderiam equilibrar-se no Estado social, porque isso
equivaleria dar aos atores sociais com uma mão e tirar com a outra, anulando
o efeito multiplicador dos seus gastos na economia e na política. Isto é, o
funcionamento financeiro do Estado levava implícito o déficit por meio do
subsídio ao investimento, à produção e ao consumo. Para os monetaristas, tal
mecanismo levaria também à inflação. 2) A segunda explicação para a crise
do Estado social baseia-se na “inflação” das demandas e das proteções aos
trabalhadores. O crescimento da produtividade pressionaria para abaixar a
taxa de lucros, também pela rigidez nos processos de trabalho. A resposta
empresarial teria sido uma menor taxa de investimentos e uma crise de
13

acumulação. Isto é, a crise de acumulação seria devida ao Welfare State. 3)


Haveria a teoria inversa, a crise do Welfare State, como resultado da crise de
acumulação, ao fazer depender as receitas do Estado dos impostos aos
assalariados e ao capital, e do nível do emprego e do salário. 4) A crise do
Estado social como consequência do taylorismo-fordismo em nível dos
processos de trabalho. A crise de produtividade gera desemprego, queda
salarial, menor arrecadação para o Estado, crise fiscal, crise de legitimidade
e reestruturação do próprio Estado e, direção ao neoliberalismo.
(LAURELL, 2002. p. 76).

Netto (1995), conclui que a crise do Estado de Bem-Estar Social se deu


concomitantemente com a crise do socialismo, culminando numa crise de nível global.
Pontua, entretanto, que as consequências foram diferentes, sendo a primeira, voltada para a
falência do Estado, que assumia o ordenamento político; a segunda, por sua vez, se refere para
a inabilidade do capital em promover o crescimento econômico e social em escala ampla, e
assim, garantir a geração de emprego. Para Netto (1995, p.70), a crise do Estado de Bem-
Estar Social evidencia “[…] que a dinâmica crítica desta ordem alçou-se a um nível no
interior do qual a sua reprodução tende a requisitar, progressivamente, a eliminação das
garantias sociais e dos controles mínimos a que o capital foi obrigado naquele arranjo”.
Em linhas gerais, o capital não conseguiu equilibrar o seu desenvolvimento com
as necessidades das massas populares. Seguiu um caminho contrário, que trouxe uma
sobrecarga à condição humana de existência, como a grande diferença entre o rico e o pobre.
Netto (1995), afirma que, para os neoliberais, o Estado de Bem-Estar Social propiciou o
enfraquecimento das bases da família, aumentou o desestímulo para o trabalho, para a
poupança e a inovação, diminuiu a acumulação do capital e restringiu a liberdade humana. De
acordo com os neoliberais, isso ocorreu devido o Estado não conseguir fornecer estrutura
suficiente para diminuir a pobreza, o que obrigou a iniciativa privada a voltar-se para o social.
Tal situação trouxe como consequência, a diminuição dos investimentos em seu próprio
capital, e portanto, teve que deixar de inovar e aplicar em tecnologia, o que por conseguinte
fez com que se diminuísse também os postos de trabalho.
O intervencionismo do Estado é antieconômico e antiprodutivo, haja vista que
desestimula o capital a investir e os trabalhadores a trabalharem. É ineficaz, ao passo que
tende ao monopólio econômico estatal e à tutela dos interesses particulares de grupos de
produtores organizados, ao invés de responder às demandas dos consumidores espalhados no
mercado, ao mesmo tempo é ineficiente por não conseguir diminuir a pobreza, ao contrário,
endossando-a com o desmonte das formas tradicionais de proteção social, fincadas na família
e na comunidade. O Estado de Bem-Estar Social tornou os pobres dependentes do
14

paternalismo estatal, imobilizando-os. Em suma, os neoliberais defendem que o Estado


interventor é uma violação à liberdade moral, política e econômica, cuja qual somente o
capitalismo liberal pode garantir. (LAURELL, 2002, p. 162).
O neoliberalismo advoga a favor da eliminação da intervenção do Estado na
economia. Este deve caracterizar-se como mínimo, ou seja, deve produzir um mínimo no que
se refere a bens e serviços para mitigar a pobreza. Os direitos sociais, nesse sentido, não
deverão ser mais uma obrigatoriedade estatal, bem como a universalidade, a igualdade ou a
gratuidade dos serviços sociais. Dentro dessa perspectiva, o conveniente é realizar cortes nos
gastos sociais e suprimir os programas de benefícios, substanciando-os à escassez e carência.

O ADVENTO DO NEOLIBERALISMO

O que se pode destacar no processo de transição do modelo de Estado Regulador


para o Estado Neoliberal, é a transformação e reinvenção do capitalismo, estabelecendo e
reformulando novas estruturas para a sua própria sobrevivência. Nesse fenômeno, a Política
Social se revela como resultado que envolve relações complexas, que englobam as questões
sociais, econômicas, políticas, culturais, bem como os atores sociais, as forças produtivas e
classes societárias que disputam e ao mesmo tempo se movimentam na esfera estatal e
privada, em busca da hegemonia.
É dentro do contexto de crise e ineficácia do Estado de Bem-Estar Social que
emerge um novo tipo de modelo de Estado, o neoliberal, cujo propósito é

[…] o de mudar a estruturação do sistema de bem-estar social com a


diminuição do papel do Estado e, principalmente, da garantia de direitos
sociais, e a inserção dos dispositivos de manutenção da força de trabalho nos
mecanismos lucrativos do mercado. (FALEIROS, 2000, p.187).

Netto (1995, p. 77), define a política neoliberal como “[...] uma argumentação
teórica que restaura o mercado como instância mediadora societal elementar e insuperável e
uma proposição política que repõe o Estado mínimo como única alternativa e forma para a
democracia”.
Para Laurell (2002, p, 67), o neoliberalismo propõe um “[...] Estado mínimo,
normativo e administrador, que não interfira no funcionamento do mercado, já que sua
intervenção, além de deformar os mercados de fatores, produtos e ativos, geraria espirais
inflacionários”.
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Isso implica dizer que o mercado deve vir em primeiro lugar, sendo superior ao
Estado. Se o Estado de Bem-Estar Social outrora não conseguiu controlar e mitigar todos os
problemas de ordem econômica, ao menos contribuiu para o avanço no campo da garantia dos
direitos sociais. O modelo neoliberal, por sua vez, segue caminho contrário, com a negação
das conquistas sociais, apontando para um futuro incerto das classes mais pauperizadas.
Nessa dinâmica, os países que adotaram o modelo neoliberal de Estado têm
planejado suas políticas econômicas baseando-se nas seguintes proposições: a) superioridade
do livre mercado; b) individualismo metodológico; c) contradição entre liberdade e igualdade
(a desigualdade é que estimula a iniciativa pessoal e a competição, sendo está a justificativa
para a retirada dos benefícios sociais do Estado); d) desregulamentações estatais e
privatizações, o que dá outro nível de liberdade. (LAURELL, 2002, p. 80)
Isso nos faz lembrar das proposições de Polanyi (2000), no que se refere ao
fenômeno da mercantilização do trabalho e das relações sociais, em que se estabelece que

(…) Em vez de a economia estar embutida nas relações sociais, são as


relações sociais que estão embutidas no sistema econômico. A importância
vital do fator econômico para a existência da sociedade antecede qualquer
outro resultado. Desta vez, o sistema econômico é organizado em
instituições separadas, baseado em motivos específicos e concedendo um
status especial. A sociedade tem que ser modelada de maneira tal a permitir
que o sistema funcione de acordo com as suas próprias leis. (POLANYI,
2000, p. 77)

Na concepção neoliberal, é o mercado que determina e legitima as funções do


Estado. Em suma, pode-se dizer que é o Estado “máximo” para o capital e “mínimo' para o
social (NETTO, 1995). O que se postula no neoliberalismo, inclusive enquanto ideologia, é a
sacralidade do mercado, em detrimento do homem, que é mercantilizado e explorado. Tem-se
a partir de então a promulgação da informalidade do trabalho, a desproteção e
desregulamentação trabalhista, o desemprego, como fontes de uma nova pobreza sem
precedentes.
Isso explica porque toda tentativa de desenvolver políticas sociais
favorecendo padrões eqüitativos na distribuição de renda e da expansão da
demanda é julgada como “populismo” promotor da inflação. A proposta
neoliberal global resume-se em exigir cada vez mais um maior mercado com
um menor Estado. (LAURELL, 2002, p. 68).

A reestruturação da economia que se deu posterior aos anos 80, baseou-se no


ideário de que o mercado é o elemento master de regulação social, dando ênfase no Estado
mínimo. O ajuste neoliberal visou combater as políticas de matriz keynesiana, realizando o
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desmonte dos direitos sociais, advogando a favor da estabilidade monetária. Observa-se


enquanto força motriz desse modelo a reestruturação produtiva, sendo esta flexibilizada com
vistas a alcançar o mínimo de custo com o máximo de produtividade da força de trabalho.
Outro ponto importante a ser destacado neste novo modelo econômico se refere à
globalização, denominado por muitos estudiosos de “mundialização da economia”. Trata-se
em linhas gerais, da generalização das relações mercantis aos mais diversos espaços e
dimensões da vida social, que afetam transversalmente a divisão do trabalho, as relações entre
as classes, além da organização da produção e distribuição de bens e serviços. O fenômeno da
globalização se expande na conformação da sociabilidade e da cultura, reconfigura o Estado e
a sociedade civil, culminando no redimensionamento das lutas sociais. O resultado tem sido
devastador, ao passo que se observa uma nítida regressão dos direitos sociais e políticas
públicas sociais. (BOSCHETTI et al, 2009, p.28).

Essa grande massa de capital acumulado prefere “passear” de um lado a


outro do mundo, pelos bites da informática, buscando as melhores taxas de
juros e cambiais, com a aquiescência dos governos nacionais, enquanto
milhões de pessoas vivem nestes mesmos países em condições bárbaras e
indignas de vida e trabalho. (BEHRING, 2002, p. 189)

O desmantelamento dos direitos sociais tem facilitado o fluxo global de


mercadorias e dinheiro, a política da privatização, por sua vez, viabiliza a realização dos
superlucros e da acumulação. Refere-se ao ajuste estrutural propostos pelos órgãos
internacionais, cujo qual as economias nacionais devem adaptar-se.
No processo de globalização, os capitalistas fazem uso das oportunidades dadas
pelo enfraquecimento dos sindicatos e dos trabalhados (enfraquecimento dado pelos altos
níveis de desemprego e competição no mercado flexível) para impor um modelo de
privatização, ironicamente chamado de consenso, Consenso de Washington, cujo qual exclui-
se os trabalhados, sendo articulado para a hegemonia norte-americana representada pelo
Fundo Monetário Internacional (FMI). (FALEIROS, 2000)
Portanto, a atual conjuntura do capital estabelece as novas formas de reprodução
da força de trabalho, fincadas, preponderantemente, nos processos de privatização,
focalização e desmonte das políticas sociais. Nesta concepção, a estratégia neoliberal consiste
em implementar políticas sociais que consigam mitigar os problemas sociais, reflexos da
acumulação capitalista, oferecendo, apenas, direitos em escala mínima.
No campo das políticas sociais, tal tendência tem sido observada, já que às
mesmas assumiram caráter emergencial, seletivo e focal, contrapondo-se à universalização e
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integração em termos de práticas de combate a pobreza.


Na ótica neoliberal as políticas e os serviços de proteção social devem ser

(…) focalizados nos mais pobres, em parceria com organismos não-


governamentais, reduzindo o campo estatal de garantia universal da
cidadania. O modelo prevê que cada indivíduo vele pelo seu bem-estar ao
invés da garantia do Estado de direito (…) o modelo neoliberal visa
estimular as pessoas a se sustentarem pelo trabalho e não pelos benefícios,
mesmo numa conjuntura de desemprego. (…) Na atual correlação de forças,
o conflito distributivo está sendo resolvido em benefício dos banqueiros e
especuladores. (FALEIROS, 2000, p. 210)

Valendo-nos dos estudos de Polanyi (2000), o neoliberalismo pode ser considerado


como uma nova roupagem do “moinho satânico' que é o capitalismo, ao passo que
negligência as necessidades humanas em função do mercado e da acumulação de capital.
Trazem consequências culturais desumanizantes, quando rompe com as relações solidárias
comunitárias, burocratiza suas instituições, desregulamenta direitos outrora conquistados e
flexibiliza as relações de trabalho e de produção.
Tratar de Políticas Sociais no campo do modelo neoliberal, é reporta-se a questões
de intensa complexidade. A orientação dada por este novo ajuste estrutural, é o de focalização
das ações, com cunho emergencial e paliativo, incentiva-se a solidariedade individual e o
voluntariado, bem como as organizações filantrópicas e não governamentais,
desresponsabilizando o Estado de seus deveres, e pior, despolitizando as relações sociais. O
que ocorre é a transferência do público para a esfera privada, em suma, é a mercantilização
dos serviços públicos, tais sejam da saúde, da previdência social, da assistência jurídica, e
outros.
Os apontamentos acima, refletem que as Políticas Sociais sofreram um desmonte,
de grau significativo e preocupante, a partir da adoção do neoliberalismo.
Em termos de Brasil, a década de 90, e anos posteriores, deflagaram Políticas
Sociais concebidas na solidariedade, na refilantropização da responsabilidade social, na
ausência do Estado e redução dos gastos sociais. O que se observou, a partir de então, foram
ações seletivas e focalizadas, e a “satanização mercantil” dos serviços sociais, em
consonância com a ideologia veiculada mundialmente.

(…) quando se fala de possibilidade da política resolver conflitos não é só


porque ela é uma das formas de regulação, mas porque ela, assim como tudo
que lhe diz respeito (incluindo o Estado), é dialeticamente contraditória –
isto é, não contém apenas aspectos positivos. A ela estão associadas coisas
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tão complicadas – poder, autoridade, interesses, ambições, força e persuasão,


leis e armas, afeto e repressão – que seria impossível a política ser apenas e
tão-somente expressão do justo, do correto, daquilo que é bom.
(NOGUEIRA apud BOSCHETTI, 2009, p. 90).

No contexto de globalização, o Brasil se enquadra como espaço para expansão do


capitalismo, sendo este dirigido pela economia dos países desenvolvidos. Existe a
necessidade, que é inclusive vital para o capitalismo, de dispor de outras economias que
forneçam matéria-prima, e se tornem lócus de expansão de seus mercados. Nesse sentido, o
processo de ajuste neoliberal se deu de forma muito mais devastadoras nos países periféricos,
dando aqui ênfase aos países da América Latina.
Para Fernandes (2006, p. 296), a incorporação das nações periféricas é o fator de
equilíbrio e de crescimento balanceado das economias centrais. Como consequência, têm-se
uma violenta incorporação da periferia às nações hegemônicas e centrais, que não encontra
paralelos nem na história colonial e neocolonial. Nessa dinâmica, as influências externas nos
países como o Brasil e da América Latina concorrem para deprimir fortemente as estruturas
políticas das sociedades hospedeiras. A análise que se pode fazer em relação ao Brasil, é que a
sua economia se relacionou com a expansão de capitalismo com referência à parte mais pobre,
dependente e subdesenvolvida da periferia.
Faz-se importante lembrar, que no caso no Brasil, não existiu a tradição da política
do Welfare State, o que nos remete à uma reflexão sobre a ineficácia das ações do Estado e
sua ausência no plano das políticas sociais. Tornou-se assim, um espaço sólido para a
implementação da política neoliberal. Quando se promulgou a Constituição Federal de 1988,
veio também, concomitantemente ao seu nascer as estratégias de seu desmonte e fragilização.
De fato, a reestruturação produtiva redefine socialmente o processo de
produção de mercadorias. Assim, a reestruturação produtiva não se
caracteriza apenas pelas mudanças nos processos técnicos de trabalho nas
empresas, comprovadamente tímidos no Brasil, porque aqui reestruturação é
abrir capital, privatizar empresas estatais, terceirizar, demitir trabalhadores e
aumentar a produtividade em até 100%. (MOTA, 1998, p. 34).

O conjunto de mudanças realizadas pelo sistema neoliberal no campo da produção


e da organização social resultou no Brasil na retração dos direitos sociais e trabalhistas, no
incentivo e defesa da informalidade do trabalho como combate ao desemprego. O cenário
brasileiro aponta para a redução do Estado na esfera das políticas de proteção social e para a
regulação produtiva, visto que o capitalismo, segundo Dias apud Mota (2008, p. 37),
“necessita, no seu momento atual, de flexibilizar brutalmente as relações de trabalho e de
expulsar o trabalho vivo dos ordenamentos jurídicos, para poder potenciar ao máximo sua
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intervenção na história”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É nesse paradoxo que as Políticas Sociais transitam na conjuntura neoliberal. Suas


implicações podem variar de acordo com o contexto geográfico, político, social e cultural de
cada país, contudo, a dicotomia permanece: permite a formação de contrapoderes em busca de
ganhos para a classe trabalhadora; favorece a descentralização, a flexibilização, a
terceirização e a privatização.
Não é mera coincidência que as Políticas Sociais do modelo contemporâneo nos
remeta às típicas ações da política liberal dos séculos XVIII e XIX, bem como o
contramovimento proposto por Polanyi (2000). Não seria o momento de uma segunda
transformação, que vislumbre a proteção do homem, das relações sociais, da natureza, e que,
principalmente, viesse a proteger a própria sociedade do capitalismo?

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