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Política Nacional do Idoso

velhas e novas questões


Alexandre de Oliveira Alcântara
Ana Amélia Camarano
Karla Cristina Giacomin
Organizadores

Rio de Janeiro, 2016


Rio de Janeiro, 2016
© Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – ipea 2016

Política nacional do idoso : velhas e novas questões /


Alexandre de Oliveira Alcântara, Ana Amélia
Camarano, Karla Cristina Giacomin - Rio de
Janeiro : Ipea, 2016.
615 p. : il.: gráfs.

Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7811-290-5

1. Idosos 2. Legislação 3. Direitos humanos 4. Políticas


públicas I. Alcântara, Alexandre de Oliveira II. Camarano, Ana
Amélia III. Giacomin, Karla Cristina IV. Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada

CDD 341.481

As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, não
exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ou do
Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão.

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Histórico da PNI
Parte 1
CAPÍTULO 1

A HISTÓRIA POR TRÁS DA LEI: O HISTÓRICO, AS ARTICULAÇÕES


DE MOVIMENTOS SOCIAIS E CIENTÍFICOS, E AS LIDERANÇAS
POLÍTICAS ENVOLVIDAS NO PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO
DA POLÍTICA NACIONAL DO IDOSO
Jussara Rauth1
Ligia Py2

1 A CELEBRAÇÃO DA LEI
Aos vinte anos da Política Nacional do Idoso (PNI), lançamos um olhar às três décadas
que a antecederam, quando visionários do processo de envelhecimento do Brasil se
inquietavam, sentindo a necessidade de providências que viessem a dar conta das
questões acarretadas por esse processo que avançava célere e não tão imperceptível.
Sem paradigmas, sem a sistematização de estudos e pesquisas e, principalmente,
sem uma consciência nacional do envelhecimento da população brasileira, tudo
estava por ser criado. A inspiração e o conhecimento vinham de fora. Os pioneiros
verde-amarelos esbanjaram brasilidade no competente e criativo trabalho de integração
do conhecimento gerontológico à instigação para a novidade demográfico-epidemiológica
que revolucionaria por inteiro os padrões políticos, econômicos e culturais de um
Brasil que deixava de ser o país de jovens.
O elenco dos pioneiros tinha clareza das consequências do envelhecimento
populacional e certeza de que o amparo legal é que fundamentaria todas as ações
em extensa diversidade que urgiam aparecer no cenário demográfico brasileiro.
O instrumento legal acabou sendo muito bem feito. Aos vinte anos da lei,
cumpre então celebrá-la, recordando os heroicos pioneiros que a viabilizaram,
tecendo os fios desta história que é também a nossa, como personagens e herdeiros.
Temos a sublime função de fazer prosperar o legado de sensibilidade e conhecimento
responsável dos precursores, na defesa de um ideal coletivo que nos justifica como
profissionais e, especialmente, como seres humanos de tempos longevos.

1. Assistente social; e membro do conselho consultivo da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).
2. Psicóloga; membro da Comissão Permanente de Cuidados Paliativos da SBGG; e orientadora de aprendizagem do
Curso de Aperfeiçoamento em Envelhecimento e Saúde da Pessoa Idosa, que faz parte do Programa de Educação a
Distância da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (EAD/ENSP/Fiocruz).
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2 A PROPÓSITO DA NECESSIDADE DA LEI


A lei é um pacto que implica direitos e deveres. Deve ser temida, sim, pois, na
verdade, esse temor é bom como condição necessária para ser respeitada e cumprida.
Uma lei, no entanto, não irá impor-se apenas pelo temor, uma vez que carrega em
seu âmago a inesgotável potencialidade de fazer emergir o amor. Somente o amor
é capaz de subordinar o temor e transformá-lo em liberdade para, assim, permitir
uma relação positiva e produtiva com a lei (Pellegrino, 1987, p. 312). O que nos
chama à tarefa da preservação da espécie e do desenvolvimento do progresso senão
a busca incansável do ideal do amor (Hisgail, 2006)?
A lei funda o processo civilizador como um produto de Eros. Ela existe não para
aniquilar o desejo, mas para subordiná-lo ao princípio da realidade (Pellegrino, 1987).
Para nós, humanos, as emoções são a força que nos move. Vivemos na
trama do amor e do ódio, percorrendo as dramáticas vias da existência com
destinações diversas. Na velhice, pode ser exaltado o destino do amor na
transmissão de valores às gerações mais novas, quando os jovens veem os mais velhos
como inspiradores modelos de identificação. Aí residem os velhos eternamente, na
permanência dos valores que ficam para além da sua finitude.
Ao contrário, o destino do ódio pode fazer estagnar, aprisionando no
ressentimento de um remoer-se eterno. Quem sabe, fugindo disso, pode o ódio
cursar um outro destino? Em vez de permanecer na estagnação, o ressentimento
pode se pôr a serviço do amor, liberando a agressão para novos propósitos. E por
que não os propósitos do amor (Py e Scharfstein, 2001)?
É assim que, vivendo, se abrem para os mais velhos novas possibilidades,
novos espaços e novos tempos. Podemos, então, pensar no amparo da lei como
chão e condução para a dinâmica das relações de amor e ódio – tão radicalmente
humanas –, que são a essência do convívio social.
Daí a importância maior da lei. Com idosos tão esquecidos, invisíveis mesmo,
quando, no Brasil, nem se cogitava a grande mudança demográfica, visionários,
nossos antecessores alertaram para um futuro que já se fazia presente no aumento
exponencial da população idosa. Preconceito e discriminação clamavam por uma
nova ordem que instituísse a outorga da cidadania aos velhos. Esses pioneiros
fizeram emergir uma nova realidade de valores. Valores que são a fonte de toda a
ética e alicerçam os fundamentos da lei. Valores com a urgência de constar de uma
lei capaz de assegurar o processo de conquista da cidadania. Valores que habitam
o espaço mais profundo da identidade dos velhos, matéria-prima da construção
da vida, cujo pressuposto é o amor. Valores que mostram que a ação humana,
para muito além das obrigações e dos deveres, se faz a partir do coração sempre
inquieto do ser humano.
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científicos, e as lideranças políticas envolvidas no processo de constituição da
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3 A PROPÓSITO DA NOÇÃO DE POLÍTICA


Nossas preocupações com a história por trás da lei geraram inquietações também
conceituais. Na nossa busca, caminhando nessa história, encontramos colegas
e amigos que se lembravam dos pioneiros, dos fatos, das crises e dos sucessos.
Encontramos também quem, falando da noção de política, apontasse um caminho
reflexivo para pensarmos os primórdios da PNI. José Francisco Oliveira nos ofertou
a fala que transcrevemos a seguir.
A palavra política tem como radical o termo grego pólis, cidade, mais amplamente,
espaço social. Por sua vez, cidade desdobra-se etimologicamente em cidadão, aquele
que ocupa, por natureza e direito, o espaço da cidade, exercendo, assim, a cidadania.
De pólis vem o conceito de política, que tem como horizonte de sua prática o
bem-comum; o bem de toda a cidade; de todos os que ocupam o espaço social; o bem
de toda a sociedade.
Portanto, em torno do eixo do bem-comum, a política se aproxima da esfera de
significação da ética. É que a gestão política, em torno do bem-comum, integra o
cidadão e o Estado, sendo que é o cidadão, como membro da sociedade, e não o
Estado, como agente normativo, que dá o sentido fundamental da política. O Estado
existe em função do cidadão e não o cidadão em função do Estado.
Assim, o exercício da cidadania só se plenifica em razão da sociedade e não em
razão do indivíduo. A própria humanidade do homem, a humanidade de cada um
de nós, encontra o fundamento de sua dignidade na sua ação política. Podemos,
então, dizer que os atos humanos são tão mais humanos quanto mais se embasam
no alicerce político.
Da mesma forma que ninguém é ético para si mesmo, ninguém é um ser político
só para si mesmo. É que toda a ação humana ultrapassa as fronteiras do individual e
se faz ação política. Os atos humanos, sejam de cuidar, ensinar, trabalhar, amar, ou
quaisquer outros, são atos políticos. Enobrecem o homem, enquanto, ao invés de
levá-lo a fechar-se no círculo de sua individualidade, abrem-no e repercutem-no no
âmbito da pólis, do espaço social que o circunda.
Se eu perco essa dimensão maior da política, em seu mais nobre sentido, eu não
verifico em mim, em toda a sua grandeza, a dimensão de minha humanidade.
Os esforços individuais são, sem dúvida, preciosos e essenciais, quando, ao fazer a
minha parte, eu assumo a consciência de que todos têm que fazer também sua parte e o
Estado tem que gerar, com iniciativa, criatividade, operacionalidade, responsabilidade
e competência, condições para que todas essas partes se intercomuniquem e passem
a se exercer em plenitude.
Aí está, afinal, o caminho e o sentido profético – como diria Paulo Freire – de nossa
luta: a-nunciar nossos objetivos, pro-nunciar nossa ação e os projetos que inventamos
e de-nunciar tudo o que se opõe a isso: as omissões, os descasos, as incompetências
e as inoperâncias.
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A verdade é que a nossa entrega de cada dia, feita ato de amor, torna-se, então, ato
político e nos resgata e dignifica, como pessoa e como sociedade (Oliveira, 2014).
Ainda na busca desta definição conceitual e na exaltação do valor do ser, de
cada ser e do conjunto de seres que nos acostumamos a chamar de humanidade,
coletividade, sociedade, cidadãos, protagonistas, encontramos as palavras de Nara
Costa Rodrigues (2000, p. 67):
no meu ponto de vista, o que é fundamental para que uma política social para a
velhice seja instrumento de integração ou de marginalização social é a filosofia que
a embasa. A hipótese que levanto é a seguinte: se, nessa política, o velho é o sujeito
da ação, é o agente de sua promoção, ela será um instrumento de sua integração na
sociedade. Se ele for objeto, dirigido e, às vezes, manipulado por tecnocratas, ela será
um instrumento de marginalização social.

4 HISTÓRIA DE UM PERCURSO

4.1 Pelos caminhos do mundo


Segundo o Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, “uma transformação
demográfica (…) tem profundas consequências para cada um dos aspectos da vida
individual, comunitária, nacional e internacional. Todas as facetas da humanidade
(…) experimentarão uma revolução” (Brasil e Pnud, 2003, p. 27).
Essa revolução mobilizou as pautas e as agendas de importantes conferências
e reuniões na cúpula da Organização das Nações Unidas, a ponto de, em 14 de
dezembro de 1978, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovar a Resolução
no 33/52, convocando a I Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento. O propósito
era constituir um fórum para iniciar um programa internacional de ação dirigido a
garantir a segurança econômica e social das pessoas idosas, assim como oportunidades
para que elas participassem da vida em sociedade.
Os resultados alcançados na primeira assembleia serviriam para compor o
I Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, integrante das principais
estratégias e programas internacionais, regionais e nacionais formulados em resposta
a importantes problemas e necessidades de caráter mundial. Esse plano e os
princípios por ele estabelecidos, a sua avaliação e revisão, que resultaram no II
Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, foram importante influência
na definição da legislação brasileira, especialmente da Lei no 8.842, de 4 de janeiro
de 1994, que sancionou a PNI.
Os princípios de independência, participação, assistência e autorrealização,
a dignidade e as recomendações definidas nos planos orientaram as legislações e
os documentos nacionais, a criação de órgãos, as políticas e as ações relativas ao
envelhecimento nos últimos vintes anos. As recomendações neles contidas levavam
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científicos, e as lideranças políticas envolvidas no processo de constituição da
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em conta as diversas etapas do desenvolvimento econômico e social dos países,


assim como as transições pelas quais estavam passando.
Essa contribuição em termos de objetivos se traduz no estímulo à participação
das pessoas idosas, por meio da ocupação ou da abertura de espaços que lhes
possibilitem conviver, organizar-se e fazer-se representar nos processos de tomada
de decisões, como é o exemplo dos proporcionados pelos conselhos do idoso,
reivindicando programas que lhes assegurem proteção social e econômica e dignidade.
Inquestionavelmente, os objetivos dos planos, tanto os do primeiro, de 1982,
quanto os do segundo, de 2002, de se constituírem num instrumento prático e
concreto de ajuda aos responsáveis pela formulação das políticas orientadas às pessoas
idosas foram alcançados em se tratando da sociedade brasileira, especialmente no
que diz respeito à aproximação do desenvolvimento econômico e social. Estão
dadas, dessa forma, as condições para que o governo brasileiro comece a esboçar
as primeiras iniciativas no sentido de atender à nova configuração populacional
que, ao final da década de 1970, ganha contornos de envelhecida.

4.2 A trilha verde e amarela


Logo a partir de 1984, com a Nova República, vem a possibilidade da formação
da Assembleia Nacional Constituinte, que resultou na Constituição Cidadã de
1988, na qual o segmento idoso é reconhecido e tem seus primeiros direitos sociais
assegurados. Nesse momento, os idosos já se colocam como um grupo crescente e,
particularmente pelos aposentados, pressionam, ouvem e se fazem ouvir, começam
a discutir sua situação, os espaços de participação, o reconhecimento de seu valor.
Enfim, buscam, junto com os profissionais das poucas instituições públicas e privadas
que objetivavam atender as suas necessidades, a implantação pelos governos das
recomendações contidas nas agendas internacionais, como vimos anteriormente.
Começam a surgir os grupos de convivência de idosos, as associações de
idosos e de aposentados, os conselhos estaduais, as legislações. Há a promulgação
das constituições estaduais e das leis orgânicas municipais, as quais, da mesma
forma que a Constituição Federal, incorporam as pessoas idosas e avançam na
garantia de direitos sociais.
A política do idoso nasce então para ratificar questões fundamentais como
os princípios de que o envelhecimento diz respeito a toda a sociedade e não só
às pessoas idosas; de que as transformações necessárias na estrutura social exigem
que o idoso seja o agente e o destinatário delas; e de que as pessoas idosas têm
direito ao desenvolvimento de ações em todas as políticas setoriais. Como dito
anteriormente, os objetivos dos planos de ação internacional constituem os pilares
que sustentam as diretrizes nacionais.
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Para o Brasil, os vinte anos que se seguiram à realização da I Assembleia


Mundial sobre o Envelhecimento foi um tempo de empreender esforços no sentido
de dar concretude ao recomendado nos diplomas internacionais.

5 A PRODUÇÃO NACIONAL
O grupo de desbravadores, arrojados, destemidos, uns mais preparados, mais
conhecedores que outros, mas todos igualmente gigantes, solidários, amorosos,
sim, lutadores por amor àqueles que detêm uma história, que também é nossa
história, nossos mestres, conduziram o processo de produção e construção interna.
Os contornos desse processo se vão desenhando inicialmente com a
contribuição de um movimento nacional que resultou na realização de três
seminários regionais e um nacional, os quais se apropriaram das produções e das
realizações públicas e privadas existentes no país. O seminário nacional originou o
documento Recomendações de Políticas para a Terceira Idade nos Anos 90, entregue
em maio de 1990 à então ministra da Ação Social, Margarida Procópio, por meio
da secretária nacional da Promoção Social à época, Flora Liz Spolidoro.
Por determinação do senhor presidente da República Fernando Collor, foi
constituído um grupo de trabalho integrado por representantes governamentais e
não governamentais, que, após apreciação do documento da Associação Nacional de
Gerontologia (ANG), elaborou o Plano Preliminar para a Política Nacional do Idoso.
A próxima etapa do processo definida pela Secretaria Nacional de Promoção
Social foi delegar a Nara Costa Rodrigues, então presidente do Conselho Estadual do
Idoso do Rio Grande do Sul e delegada estadual da ANG, a liderança de um grupo
que, reunido em Porto Alegre nos dias 12 e 13 de setembro de 1991, elaboraria
a minuta do projeto de lei instituindo a então Política Social do Idoso. O grupo
era constituído por dois técnicos assessores da Secretaria Nacional de Promoção
Social; dois técnicos assessores da coordenação nacional da Legião Brasileira de
Assistência (LBA); dois técnicos assessores da LBA no Rio Grande do Sul; e um
técnico assessor do Conselho Estadual do Idoso (CEI) do Rio Grande do Sul, bem
como a secretária executiva e seu adjunto.
O anteprojeto constava de 27 artigos, sendo que do 17 ao 26 dispunha sobre
o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso (CNDI), sua composição, mandato,
vinculação, presidência, integrantes públicos e privados etc. A seguir traz-se um
quadro-resumo contendo os eixos propostos para nortear as ações em cada um
dos documentos citados.
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científicos, e as lideranças políticas envolvidas no processo de constituição da
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QUADRO 1
Informações sobre os eixos propostos, por documento citado
Recomendações de Políticas para a Minuta do projeto Lei no 8.842/1994
Eixos
Terceira Idade nos Anos 90, da ANG de lei da PNI
Formação da opinião pública X X
Educação X X X
Lazer e novas aprendizagens X
Esporte e lazer X
Cultura, esporte e lazer X
Cultura X
Saúde X X X
Promoção e assistência social X X X
Habitação X X X
Justiça X
Trabalho X
Trabalho e previdência social X X
Previdência e seguridade social X
Preparação para a aposentadoria X
Criação do CNDI X X X

Elaboração das autoras.

6 TRIBUTO AOS PIONEIROS


No percurso de construção da PNI, visionários fizeram-se pura entrega, abalaram
estruturas políticas, e lideraram a tessitura e a concretização da PNI em todo o
Brasil. Esses visionários, há 25 anos, diziam: “cabe considerar que o valor de um
problema social não pode ser medido apenas pela extensão percentual desse grupo
no contexto da população total. Antes, se deve avaliar as condições de vida desse
grupo” (ANG, 1989). Devem ser avaliadas também as ações que são propostas
pelo sistema social, bem como a eficácia destas ações na recuperação desse grupo
populacional. Os pioneiros profetizaram com tamanha propriedade que a profecia
se fez atual.
Ainda hoje [1989] o Brasil se ressente de programas preventivos às patologias da velhice
e ao isolamento social dos velhos. Predomina a concepção de que a família é o grupo
ideal de atenção, não se percebendo que o grupo família tem sofrido modificações
profundas, sobretudo nos centros urbanos, o que determina a necessidade de um
apoio de instituições sociais [leia-se atualmente Rede de Serviços de Atenção a Pessoa
Idosa], que propicie o desenvolvimento sócio-[psico]-emocional dos idosos, na
tentativa de preservar a sua autonomia e favorecendo uma relação mais positiva dos
idosos com outros grupos etários, com o próprio grupo familiar e com a sociedade
como um todo (ANG, 1989).
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O documento Recomendações de Políticas para a Terceira Idade nos Anos 90,


sistematizado por estes mestres, foi o maior legado por eles ofertado à sociedade, às
pessoas idosas, aos governantes, aos dirigentes institucionais e a nós, profissionais
da geriatria e da gerontologia, seus incondicionais discípulos.

7 OS CINCO DEDOS
São cinco os dedos da mão que escreve, guia, ampara, protege, assegura, rege, cria.
A mão que acenou, convidou, acolheu e orientou profissionais, políticos e cidadãos
idosos nos trâmites tortuosos, tão difíceis, mas regalados de esperança da criação da
PNI. São cinco os pioneiros construtores, visionários da primeira fila, do primeiro
grito, da primeira ação, da primeira mão estrela-guia da PNI.
Uma instituição os enlaçou, a ANG, cada um, porém, com sua própria inserção
institucional anterior e para além da associação. Vinham de uma ponta a outra
do país: do Ceará (Maria José Lima de Carvalho Rocha Barroso, a Mariazinha);
ao Rio Grande do Sul (Nara Costa Rodrigues); a São Paulo (Marcelo Antônio
Salgado e Flávio da Silva Fernandes); e a Santa Catarina (Neusa Mendes Guedes).
Os cinco desdobraram-se por todo o Brasil, cultivando a boa nova, “a-nunciando,
pro-nunciando e de-nunciando” num convite-convocação que acabou por fazer
transbordar uma ciranda que se fez espiral, seguindo impetuosamente para frente
e para cima, à busca incessante de uma política pública que orientasse formas de
pensar e agir coletivamente, que fizessem valer a pena envelhecer e viver na velhice
a plenitude da cidadania.
Mais profissionais constituíam um grupo coeso, cada vez mais numeroso,
seguindo a apaixonada liderança de Mariazinha, Nara, Marcelo, Flávio e Neusa,
aguçando o olhar e levantando a voz corajosamente. Aprenderam com esses mestres
como fazer o trabalho institucional, familiar e pessoal, sim, direcionado à criação de
uma política nacional que respondesse aos anseios já prementes, mas nem sempre
conscientes, de uma sociedade que celeremente envelhecia.
E um pouco como na história dos Três Mosqueteiros, que acabaram em
quatro, aqui também se incluiu mais um, um gigante como os demais: Mário
Antônio Sayeg. Chegado ao movimento em 1996, representando a SBGG, dele
jamais se afastou e ali também se fez entrega. Os diários de Nara Costa Rodrigues
o registram e o eternizam nas inúmeras e tensas reuniões, adoçadas com a sua
ternura eterna. Mário Sayeg, ainda mais do que no processo de construção da
PNI, é arauto e correalizador incontestável da Política Nacional de Saúde da Pessoa
Idosa, que provém da primeira e busca assegurar a atenção à saúde de todos os
idosos brasileiros.
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científicos, e as lideranças políticas envolvidas no processo de constituição da
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A seguir, trazem-se informações acerca de cada um desses seis pioneiros da PNI.


1) Maria José Lima de Carvalho Rocha Barroso, a Mariazinha (1932-2013):
assistente social; especialista em gerontologia; fundadora, em 1987, da
ANG; coordenadora no âmbito nacional e regional (regiões Norte e
Nordeste) da ANG; fundadora, em 1977, e presidente da Associação
Cearense Pró-Idosos (Acepi); e primeira presidente do CNDI.
2) Nara Costa Rodrigues (1926-2011): assistente social; especialista e mestre
em gerontologia social; fundadora e presidente da primeira Comissão
de Gerontologia, hoje Departamento de Gerontologia, da SBGG, seção
Rio Grande do Sul, em 1986; fundadora e presidente nacional da ANG;
delegada estadual da ANG no Rio Grande do Sul; e fundadora do
Conselho Estadual do Idoso do Rio Grande do Sul.
3) Marcelo Antônio Salgado: assistente social; sociólogo; especialista em
gerontologia e epidemiologia do envelhecimento; pioneiro ao implantar o
trabalho social com idosos no Departamento Nacional do Serviço Social
do Comércio (Sesc); fundador e coordenador de intercâmbio internacional
da ANG; inspirador e coordenador, em 1976, dos seminários regionais
e nacional, apoiados pelo Ministério da Previdência e Assistência Social,
que estabeleceram um diagnóstico da situação da velhice no Brasil,
consubstanciados no documento Políticas para a 3a Idade – diretrizes
básicas; e idealizador, em 1986, por meio do Departamento Nacional do
Sesc em parceria com a SBGG, do Curso Internacional de Gerontologia
Social, promovido pelo Centre International de Gérontologie Sociale.
4) Flávio da Silva Fernandes (1928-2011): advogado; sociólogo; especialista
em gerontologia; e coordenador no âmbito nacional e regional (regiões
Sul e Sudeste) da ANG.
5) Neusa Mendes Guedes (1930-2009): assistente social; especialista em
gerontologia; fundadora da ANG; fundadora, em 1982, e coordenadora
do Núcleo de Estudos da Terceira Idade da Universidade Federal da Santa
Catarina (Neti/UFSC).
6) Mário Antônio Sayeg (1925-2007): médico geriatra; professor titular e
chefe do Departamento de Estudos em Recursos Humanos para a Saúde
na ENSP/Fiocruz; fundador e coordenador do Núcleo de Estudos sobre o
Envelhecimento e Saúde do Idoso e do Programa de Atenção à Saúde do
Idoso (Pasi) da ENSP/Fiocruz; diretor científico da SBGG, seção Rio de
Janeiro; e membro do Conselho Científico da ANG, seção Rio de Janeiro.
Entre os seis, ressalta-se Marcelo Antônio Salgado, testemunha viva da
história por trás da Lei no 8.842/1994 (PNI). Na sua voz, os pioneiros se fazem
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ouvir infinitamente, habitando a nossa memória para além da realidade física das
presenças. Salgado, em depoimento concedido às autoras deste capítulo em 29 de
novembro de 2014, é porta-voz das lideranças históricas, essas estrelas-guia que
permanecem iluminando os nossos estudos e as nossas ações na incansável luta
pela aplicação efetiva da PNI.
Nos anos 1970 aconteceram as primeiras ações de definição de uma política social
para idosos na sociedade brasileira, a partir do esforço de algumas instituições não
governamentais, profissionais e voluntários que já se dedicavam a um trabalho de
atenção a idosos.
Com a criação do Ministério da Previdência e Assistência Social, no governo militar,
a questão da velhice foi incorporada no rol das políticas públicas, ainda que sofrendo
resistência de muitos setores governamentais e grupos de profissionais que não
reconheciam a evidência dessa nova questão social. A prioridade das políticas sociais
estava voltada para outros problemas sociais, notadamente da infância e juventude.
Mesmo assim, por iniciativa da Secretaria de Assistência Social daquele ministério e
sob a nossa orientação, aconteceu a primeira mobilização de que se tem notícia para
a formulação de um diagnóstico sobre a questão da velhice na sociedade brasileira e
os recursos e programas de atendimento. Foram realizados três seminários regionais
(regiões Sul, Sudeste, Norte, Nordeste e Centro-Oeste) para estudo e diagnóstico; e
um seminário nacional na cidade de Brasília, que elaborou o primeiro documento
sobre a política social para idosos no Brasil.
Os anos seguintes foram ricos em definição de políticas e ações, destacando-se os
programas de capacitação em gerontologia social, os inúmeros seminários realizados
(inclusive os eventos do Sesc-SP e da SBGG), a criação do benefício da Renda Mensal
Vitalícia, o surgimento de instituições de defesa do idoso (Movimento Pró-Idosos –
Mopi; Acepi; Associação dos Idosos do Pará – Assipa; e outras), os diversos programas
de atenção aos idosos realizados pelo Sesc (primeiramente no Sesc-SP e posteriormente
em outros departamentos regionais), pelas agências da LBA e outras instituições. As
ações e programas para idosos proliferaram: centros de convivência, grupos de idosos,
escolas abertas, programas de preparação para aposentadoria e muitos outros.
Em 1989, por iniciativa da recém-criada Associação Nacional de Gerontologia (ANG)
e apoio do governo federal e alguns governos estaduais (Maranhão, Goiás, Santa
Catarina e Distrito Federal), uma nova mobilização de estudos sobre a questão da
velhice na sociedade brasileira, com a realização de três grandes seminários regionais
e um seminário nacional, participados por representações de todos os estados da
Federação. Como resultado o documento da ANG Políticas para Terceira Idade nos
Anos 90 serviu de subsídio para o texto da Lei no 8.842 de 1994 – Política Nacional do
Idoso. Nesse movimento destaca-se a participação de Edith Motta, Flávio Fernandes,
Flora Espolidoro, Jurilza Mendonça, Marcelo Salgado, Marli Fernandes, Maria José
Barroso, Nara Rodrigues e Neusa Guedes, que assumiram a orientação dos seminários
e realizaram diversas abordagens a governos estaduais, órgãos ministeriais e a própria
Presidência da República.
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Nas décadas seguintes, os estudos sobre os diversos aspectos socioeconômicos e sobre


a questão da velhice se avolumaram, proliferaram os programas e atividades para
idosos, os conselhos de direitos, o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso, e foram
elaborados regulamentos e lei, notadamente o Estatuto do Idoso, que ampliaram as
intenções de políticas sociais para esse segmento etário, porém com muito pouco
resultado em ações efetivas.
A questão da velhice passou a ter muita visibilidade. Hoje os idosos são reconhecidos
como um grupo etário sujeito a necessidades que implicam ações particulares.
Entretanto, parecem não ser reconhecidos como grupo social, visto não usufruírem
adequadamente de alguns direitos elementares de cidadania, como renda digna,
assistência médica e saúde, segurança, espaço socialmente produtivo e muitas outras
condições que promovem a qualidade de vida.
Mesmo reconhecendo a existência de bons programas e serviços mantidos em algumas
cidades em diferentes regiões do país, no que diz respeito à política social nacional
para velhice, esta cresceu no discurso, mas estancou na prática. Em alguns casos
recuou, sobretudo quando se trata de questões referentes à pobreza econômica e à
seguridade social. Reconhecer direitos não basta, pois é necessário proporcioná-los.
O futuro é preocupante especialmente em tempos de crise econômica e social. O
achatamento progressivo do valor das aposentadorias e a crescente inflação geram
nos cidadãos a perspectiva da perda da independência econômica e a dependência
dos filhos adultos ou de outros. As dificuldades de acesso ao atendimento à saúde, a
violência, os preconceitos, as reduzidas oportunidades de participação social fazem
do tempo da velhice um tempo de constrangimento e isolamento social.
O envelhecimento não pode significar a morte social, resultando que muitos idosos
se apresentem como um corpo estranho de indivíduos em nossa sociedade.

REFERÊNCIAS
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OLIVEIRA, J. F. A propósito da noção de política. In: SEMINÁRIO
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62 | Política Nacional do Idoso: velhas e novas questões

PELLEGRINO, H. Édipo e a paixão. In: CARDOSO, Sérgio (Org.). Os sentidos


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Maturidade e velhice: trajetórias individuais e socioculturais. São Paulo: Papirus,
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com Nara Costa Rodrigues. Passo Fundo: UPF Editora, 2000. p. 67-70.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
MENDONÇA, J. M. B.; RAUTH, J.; RODRIGUES N. C. O idoso brasileiro
e as leis. In: FREITAS, E. V. et al. (Org.). Tratado de geriatria e gerontologia.
3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. p. 1622-1626.

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