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Unidade: Outras imagens do Brasil Imperial

Contextualização
Observe as imagens:

Imagens sobre o trabalho no Brasil é um dos temas mais comuns das imagens produzidas
pelo Brasil.

O que essas imagem representam?

Para pensar
O que pretendem construir?

Esse é o tema desta unidade.

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Representações do cotidiano em Debret e Rugendas

As imagens dos trabalhadores no Brasil foram produzidas desde o início da colônia


e retratam o olhar estrangeiro sobre o país.
Entre os pintores do período colonial, pode-se destacar o trabalho dos holandeses Frans
Janszoon Post e Albert van der Eckhout, ambos patrocinados pelo Conde Maurício de Nassau.
Frans Post (1612 – 1680) ficou conhecido por suas paisagens, que fugiam dos temas
exóticos e traziam muitos elementos da paisagem concreta do país. Segundo José Roberto
Teixeira Leite, ele foi: “o primeiro artista em terra americana a ter dado uma visão fiel e ao
mesmo tempo poética da região, evitando fantasias e inverossimilhanças”.
Essa característica de Post permitiu o registro de várias formas de trabalho, em especial
o trabalho escravo.
A escravidão era uma prática disseminada na sociedade brasileira. Além dos grandes
proprietários, que tinham um grande número de cativos, a maioria da população - comerciantes,
militares, funcionários públicos e mesmo ex-escravos - possuía escravos.

Vista da Ilha de Itamaracá – 1637

Fonte: enciclopedia.itaucultural.org.br

Na tela Ilha de Itamaracá, é possível ver dois negros escravos. Note que eles estão descalços
e sem camisa, carregando cestas de frutas. Eles estão acompanhados de outros dois homens,
que, provavelmente, são os administradores do engenho em que eles vivem.
Outra imagem atribuída a Post que documenta o universo do trabalho no Brasil colonial
pode ser vista no Mapa de Pernambuco, criado para o conjunto cartográfico executado pelos
holandeses em 1643.

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Mapa de Pernambuco - 1643

Engenho de Itamaracá (Detalhe do Mapa de Pernambuco) por George Marcgraf – 1643

Fonte: unoparead.com.br

Na imagem acima, que é um detalhe do Mapa de Pernambuco, é possível ver os elementos


que compõem o engenho de açúcar, como as áreas de cultivo e produção de açúcar, que
são dominadas pela figura dos escravos, descalços e sem camisa. Contudo, não é possível
visualizar os aspectos mais duros da escravidão, como os castigos físicos. O destaque é para
os vários aspectos do trabalho com o açúcar.

“E que coisa há na confusão deste mundo mais semelhante ao


inferno, que qualquer destes vossos Engenhos, e tanto mais, quanto
de maior fábrica? Por isso foi tão bem recebida aquela breve e
discreta definição de quem chamou a um engenho de açúcar doce
inferno. E verdadeiramente quem vir na escuridade da noite aquelas
fornalhas tremendas perpetuamente ardentes; as labaredas que
estão saindo a borbotões de cada uma pelas duas bocas, ou ventas,
por onde respira o incêndio; os etíopes, ou ciclopes banhados em
suar tão negros como robustos que subministram a grossa e dura
matéria ao fogo (...); o ruído das rodas, das cadeias, da gente toda
da cor da mesma noite, trabalhando vivamente, e gemendo tudo
ao mesmo tempo sem momento de tréguas, nem descanso; quem
vir enfim toda a máquina e aparato confuso e estrondoso daquela
Babilônia, não poderá duvidar, ainda que tenha visto Etnas e
Vesúvios, que é uma semelhança dos infernos”.
(Padre Antônio Vieira)
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Mulher Negra, de 1641
Além de Post, as imagens de Albert Eckhout ficaram
conhecidas pelo fato de retratarem a fauna, a
flora e os tipos humanos da colônia.
Segundo Carla Mary Oliveira, o trabalho de
Eckout suaviza as relações de dominação existentes
entre o dominador e o dominado, já que suas
imagens não trazem traços de escravidão, como se
pode observar no quadro chamado Mulher Negra,
de 1641.
Além da inexistência de referências à escravidão,
deve-se observar a presença da criança mulata,
que aponta para a mestiçagem como um dos
elementos presentes na formação social do Brasil.
Durante o período imperial, destacam-se
os trabalhos de Jean Batiste Debret e Johann
Moritz Rugendas.
Jean Baptiste Debret (1768 – 1848) tornou-
se pintor oficial da corte brasileira retratando
momentos importantes da história nacional. Deixou
o Brasil quando D. Pedro I abdicou do trono em
Fonte: Wikiart.org 1834. Entre 1834 e 1839, publicou o livro Viagem
Pitoresca e Histórica ao Brasil, em três volumes.
Além das reapresentações oficiais, Jean Baptiste Debret destacou-se por produzir um
registro minucioso do cotidiano imperial através da produção de muitas gravuras nas quais
aparecem os diversos tipos humanos, as atividades comerciais, as festas e os aspectos religiosos.
As obras apresentam um grande domínio da técnica e registram o colorido das ruas, a
sociabilidade urbana, e também as relações de poder, os trabalhos exaustivos realizados pela
população escrava e as hierarquias presentes na sociedade nacional.
A maior parte do segundo volume de Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil retrata tipos
humanos em suas atividades diárias.

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O alemão Johann Moritz Rugendas (1802 – 1858) veio ao Brasil como documentarista
da expedição chefiada por Georg Heinrich von Langsdorff, que tinha por objetivo registrar
a fauna e a flora do Brasil. Em 1824, Rugendas deixou a expedição, mas continuou
registrando os aspectos culturais do país. Retornou à Europa, onde trabalhou na publicação
de Voyage Pittoresque dans le Brésil, que foi publicado em 1835. Em 1845, Rugendas
retornou ao Rio de Janeiro, quando retratou vários membros da família real e participou de
diversas atividades culturais.
Seu livro Voyage Pittoresque dans le Brésil é composto por mais de 100 litogravuras e
forma um dos mais completos registros iconográficos do país no XIX.
Muitos críticos consideram que seu trabalho relativiza a condição da escravidão e do trabalho,
contudo seu trabalho é fundamental para o conhecimento da sociedade e da paisagem brasileira
do período imperial.
O escravo era uma presença constante nas cidades do país e as marcas da escravidão estão
presentes em várias das imagens produzidas por esses autores.
Um das gravuras mais conhecidas de Rugendas é Navio Negreiro, no qual retrata os
escravos sendo transportados para o Brasil. Nesses navios, além da superlotação, que pode
ser observada na imagem, os escravos recebiam pouca água e quase nenhum alimento, o que
ampliava o número de mortes. A composição permite ao observador visualizar as péssimas
condições a que esses indivíduos eram expostos.
Outro elemento que se pode observar na imagem é que os escravos trazidos para o Brasil
eram maioritariamente homens jovens. O número de mulheres e crianças era pequeno, pois
não representavam o perfil desejado pelos compradores.

Navio Negreiro

Ontem a Serra Leoa,


A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d’amplidão!
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
Fonte: Wikiart.org E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
No momento em que chegavam, os escravos E o baque de um corpo ao mar...
eram desembarcados e contados, e os traficantes
tinham que pagar os impostos devidos à coroa. O Navio Negreiro, de Castro Alves – 1868
Dependendo da situação, eles podiam ser
imediatamente vendidos ou levados para depósitos.

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Essa situação é descrita tanto por Rugendas como por Debret. Na obra O Mercado de
escravos de Valongo, de Debret, observa-se a comercialização de escravos no Rio de Janeiro.
Nesta imagem, é possível ver os negros seminus que aguardam os compradores e também as
duas figuras à esquerda da tela, que representam o traficante e o comprador.

O Mercado de escravos de Valongo

Fonte: Wikiart.org

Uma cena semelhante é retratada por Rugendas na obra chamada O Desembarque.


Nela é possível observar o momento em que os escravos passavam pela alfandega, eram
vistoriados e liberados para venda. Deve-se observar a presença de homens armados para evitar
fugas ou revoltas.
O Desembarque

Fonte: Wikiart.org

“Vi hoje o Val Longo [Valongo]. É o mercado de escravos do Rio.


Quase todas as casas desta longuíssima rua são um depósito de
escravos. Passando pelas suas portas à noite, vi na maior parte
delas bancos colocados rente às paredes, nos quais filas de jovens
criaturas estavam sentadas, com as cabeças raspadas, os corpos
macilentos, tendo na pele sinais de sarna recente.”
Registro de 1º de maio de 1823, feito pela a inglesa Maria Graham (1785-1842)

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Um outro elemento presente nas obras de Rugendas é o retrato das condições de vida
dos escravos nas áreas rurais, como pode ser observado na gravura Habitações de Negros.
A moradia mais comum era a senzala, que, geralmente, era um grande barracão com uma
única entrada, a qual era fechada durante a noite. Em outros locais, como o descrito na
imagem, as moradias eram barracos construídos pelos próprios escravos. Deve-se observar,
entretanto, que isso não reduzia o controle sobre os escravos, já que o senhor pode ser visto
no canto superior esquerdo da imagem.

Habitações de Negros

Fonte: Wikiart.org

A relação entre os senhores e seus escravos era violenta, e os cativos tinham poucas formas
de defesa contra o seu proprietário, contudo os escravos nunca foram figuras passivas e
procuravam resistir à dominação, subvertendo a ordem estabelecida através de atos de
resistência, como fugas e desrespeito às regras, o que levou os senhores a repensar suas
práticas, procurando um equilíbrio entre coação e convencimento. A questão dos castigos
físicos aparece em várias das imagens produzidas pelos autores e cabe destacar: A oficina
do Sapateiro e Feitor castigando negros, de Debret, e Punição Pública na Praça de
Santana, de Rugendas.

A oficina do sapateiro
Na obra A oficina do sapateiro, podemos
ver o envolvimento dos escravos no trabalho
urbano, contudo o destaque está na relação
estabelecida entre o senhor e o escravo,
que é punido por alguma transgressão,
enquanto seus companheiros acompanham
o acontecimento com aspecto preocupado.

Fonte: Wikiart.org

Na prancha Feitor castigando negros, a ação violenta é ainda mais clara, já que se trata de
um tipo de açoite, e, como no caso anterior, a violência é acompanhada pelos outros escravos
da fazenda.

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Feitor castigando negros

Fonte: Wikiart.org

“As duas tiras de couro da ponta do chicote arrancam no primeiro


golpe a epiderme, e assim tornam mais dolorosa a continuação
do castigo”.
(Jean Baptiste Debret)

A imagem indica que os castigos tinham um aspectos pedagógico, pois, além de punir
a transgressão do envolvido, o ato indicava aos outros escravos que todos poderiam ter o
mesmo destino. Esse aspecto dos castigos físicos é ainda mais claro na imagem Punição
Pública na Praça de Santana, de Rugendas, já que o escravo é representado sendo punido
em um espaço público e, como se pode observar, outros escravos tiveram o mesmo destino.

Punição Pública na Praça de Santana, Rugendas

Fonte: Wikiart.org

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Cabe observar que o Código Penal de 1830, no artigo 60, determinava que os escravos
condenados pela justiça brasileira deveriam ter suas penas comutadas para açoites:

Art. 60. Se o réo fôr escravo, e incorrer em pena, que não seja a capital, ou
de galés, será condemnado na de açoutes, e depois de os soffrer, será entregue
a seu senhor, que se obrigará a trazel-o com um ferro, pelo tempo, e maneira
que o Juiz designar
O numero de açoutes será fixado na sentença; e o escravo não poderá levar
por dia mais de cincoenta.
(BRASIL, CODIGO PENAL 1830)

Somente em 1886, com a Lei nº 3.310, de 15 de outubro, essa situação foi revertida
e ficou determinado que os escravos deveriam ser julgados e, se condenados, punidos
como os outros cidadãos do império. Na verdade, as punições aplicadas pelos senhores
a seus escravos não eram claramente controladas, entretanto o excesso de violência era
considerado um erro e desperdício de importante mão de obra.
A riqueza produzida no Brasil foi, na sua maior parte, resultado do trabalho escravo e
eles trabalhavam não só nos grandes latifúndios, produzindo cana ou café, mas também
na mineração, nas lavouras de subsistência e em muitas atividades urbanas. Dentre estas,
destacam-se imagens do trabalho das escravas de ganho, que povoavam a cidade do
Rio de Janeiro.
Esse tipo de trabalho era bastante diversificado e, pelas obras de Debret, podemos
mapear diversas atividades: vendedores ambulantes de diversos produtos, artesãos
(como os sapateiros), amas de leite e mesmo prostitutas e mendigos.

Barbeiros Ambulantes, Rugendas

Fonte: Wikiart.org

Nessa imagem, podemos observar a atividade dos barbeiros. A imagem traz indícios
de que todos os envolvidos são escravos, já que todos estão descalços.

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Outra imagem que merece destaque é a da Vendedora de Cajus. Nessa aquarela, como
na anterior, a figura central é o escravo realizando sua atividade diária. Nela pode-se ver uma
vendedora de frutas, provavelmente melancias, e a vendedora de cajus, que pode ser vista em
primeiro plano.

Vendedora de Cajus, Rugendas

Fonte: Wikiart.org

Os escravos de ganho viviam sós e deviam entregar ao senhor uma quantidade fixa de
dinheiro, além de serem responsáveis por sua alimentação e moradia.
Em Rua Direita no Rio de Janeiro, Rugendas retrata a multiplicidade desses trabalhadores
no ambiente urbano

Rua Direita no Rio de Janeiro - Rugendas

Fonte: Wikiart.org

Nessas imagens, pode-se, ainda, observar parte da dieta dos brasileiros nesse período,
como as frutas e doces, que podem ser vistos em várias representações.

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Cabe destacar que a maior parte da população tinha uma dieta bastante simples e os
observadores eram unânimes em dizer que os escravos eram mal alimentados o que reduzia a
perspectiva de vida desse grupo. Debret descreve em seu livro:

Passando-se ao humilde jantar do pequeno negociante e sua


família, vê-se, com espanto, que se compõe apenas de um
miserável pedaço de carne sêca, de três a quatro polegadas
quadradas e sòmente meio dedo de espessura; cozinham-no à
grande água com um punhado de feijões pretos, cuja farinha
cinzenta, muito substancial, tem a vantagem de não fermentar no
estômago. Cheio o prato com êsse caldo, no qual nadam alguns
feijões esmagados, forma uma pasta consistente que se come
com a ponta de uma faca arredondada, de lâmina larga.
Jean Baptiste Debret

O trabalho no mundo rural também foi retratado pelos autores em sua diversidade.
Encontram-se imagens dos tradicionais engenhos de açúcar, das atividades de mineração, da
cafeicultura e mesmo da produção de farinha de mandioca.

O Engenho de açúcar - Rugendas Lavragem de ouro em Itacolomi - Rugenda

Fonte: Wikiart.org Fonte: Wikiart.org

Comboio de Café Seguindo para a Cidade - Debret Preparação da raiz de mandioca – Rugendas

Fonte: Wikiart.org Fonte: Wikiart.org

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Todas essas atividades tinham um denominador comum: a presença maciça dos escravos,
o que evidencia o fato de que a riqueza brasileira era gerada “em costas negras”.

Tudo assenta pois, neste país, no escravo negro; na roça, ele rega
com seu suor as plantações do agricultor; na cidade, o comerciante
fá-lo carregar pesados fardos; se pertence ao capitalista é como
operário ou na qualidade de moço de recados que aumenta a
renda senhor.
Jean Baptiste Debret

O espaço do trabalho, para os escravos, ajudava a forjar solidariedades e criar alianças que
obedeciam a muitas lógicas diferentes. Os escravos podiam se agrupar de acordo com sua
origem, profissão ou pelo fato de pertencer ao mesmo senhor. Esses grupos organizavam
Cena de Carnaval - Debret festas grandiosas e levavam centenas de
pessoas às ruas. Eram momentos de reunião,
de reforçar solidariedade e encontrar amigos,
tudo regado por batuques, comida e dança,
como pode ser visto na aquarela.

“Vi...certo Carnaval em que alguns grupos


de negros mascarados e fantasiados de velhos
europeus imitavam-lhes os gestos... eram
escoltados por alguns músicos, também de cor
e igualmente fantasiados.”
Jean Baptiste Debret
Fonte: Wikiart.org

Família Abastada em Caminho para a Missa - Debret


Cabe observar que as imagens produzidas
por esses pintores permitem observar as
hierarquias da sociedade nacional, como se
pode observar em Família Abastada em
Caminho para a Missa – 1835/1837
A imagem pode ser vista como
uma alegoria da sociedade nacional,
pois apresenta o rico proprietário
seguido de sua família e escravos, todos
Fonte: Wikiart.org
vestidos e ordenados de acordo com
sua “importância” dentro da estrutura
doméstica. Vários autores consideravam que essa era um estereótipo criado pelo autor
para retratar a sociedade brasileira, contudo relatos de viajantes do período (LIMA, 2007)
descrevem cenas parecidas com a retratada por Debret.

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Um exemplo é a cena apresentada pelo viajante francês Jacques Arago, autor de Voyage
autour du monde, no qual descreve sua passagem pelo Brasil.

Elas vão em fila, umas atrás das outras [...]. Assim, no Rio, a dama
que dirige as outras deve, de vez em quando, voltar-se e ver se a
linha foi interrompida por algum obstáculo e se todas têm sua chefe
de fila. As escravas, trajadas com elegância e quase sempre de
pés descalços, seguem suas senhoras a quatro, seis ou oito passos
de distância. Quanto mais longe elas estiverem, mais dignidade
há na marcha.
Jacques Arago, autor de Voyage autour du monde

E a fotografia chega ao Brasil

Uma das grandes revoluções no registro da imagem é a fotografia. Seu surgimento, no


século XIX, trouxe inúmeros debates sobre sua função e suas características.
A história da fotografia no país remonta às primeiras experiências com o daguerreotipo, em
1839, e às atividades do francês Hercule Florence (1804 - 1879).
Hercule Florence chegou ao Brasil em 1824 e realizou vários trabalhos como desenhista e,
entre eles, sua contribuição para a expedição do Barão Langsdorff. A partir de 1830, iniciou
uma série de experimentos com o conceito da câmara escura que fixava a imagem por meio
de um elemento que mudava de cor pela ação da luz.
O trabalho de Hercule Florence é alvo de muita polêmica e, segundo Boris Kossoy, ele seria
o criador da fotografia. Seu processo de gravação pela luz teria surgido três anos antes do
processo criado por Louis Daguerre.

Saiba Mais
O trabalho de Hercule Florence foi reconhecido através da pesquisa minuciosa de
Boris Kossoy sobre o tema e que resultou no livro Hercules Florence: 1833, a
descoberta isolada da fotografia no Brasil. EDUSP: São Paulo, 2006

Entre os anos de 1840 e 1860, a fotografia difundiu-se no país e isso permitiu que
novos registros da paisagem e dos tipos humanos brasileiros fossem desenvolvidos. Desse
período, destacam-se os trabalhos de Victor Frond (1821 - 1881), Marc Ferrez (1843 - 1923),
Augusto Malta (1864 - 1957), Militão Augusto de Azevedo (1837 - 1905) e José Christiano
Júnior (18-- - 1902).

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Um dos maiores incentivadores da propagação da fotografia foi D. Pedro II, que possuía
um daguerreotipo, colecionava fotografias e incentivava a atividades dos fotógrafos. Segundo
o pesquisador Pedro Karp Vasquez:

O acervo brasileiro desse período é o mais importante da América


Latina, em grande parte por incentivo de D. Pedro II (1825-1891).
Naquela época, os únicos colecionadores particulares no mundo
eram ele, a rainha Vitória (1819-1901) e o Príncipe Albert
(1819-1861), do Reino Unido. Mas no Brasil, naquela época, não
havia um mercado para retrato como em Viena, Londres ou Paris,
já que o regime aqui era escravocrata e a burguesia emergente
era muito pequena. Sem o imperador a fotografia não teria se
desenvolvido tanto. Ele atuava como mecenas e chamava atenção
para a fotografia, chegando até a criar o título de Fotógrafo
da Casa Imperial.
(Entrevista a Revista de História, 11 de setembro de 2012)

Victor Frond chegou ao Brasil em 1857 e estabeleceu um estúdio fotográfico na cidade do


Rio de Janeiro. Ele foi o primeiro fotógrafo a conceber um projeto de registro das paisagens
e pessoas das diversas regiões do país.

A Glória, Rio de Janeiro, c. 1861 – Victor Frond

Fonte: Wikiart.org

O projeto não foi implementado completamente, contudo, em 1859, foi publicado o livro
Le Brésil Pittoresque, com textos de Charles Ribeyrolles. Esse foi o primeiro registro
fotográfico do trabalho escravo no Brasil e ajudou a popularizar locais do Rio de Janeiro,
como o Pão de Açúcar.

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As escravas cozinhando A maior parte das imagens desse livro, como


acontece com essa imagem das escravas
cozinhando, foi publicada em versões litografadas,
já que esse processo, naquele momento, produzia
imagens de melhor qualidade. Essa imagem, As
escravas cozinhando, foi reproduzida no verso da
cédula de 200,00 cruzeiros pela Casa da Moeda
do Brasil.
Além do registro do trabalho escravo, Frond
contribuiu para o trabalho de Johann Jakob Von
Fonte: Wikiart.org Tschudi no registro das condições dos colonos
europeus no Brasil.
Outro nome de destaque, especialmente pelo registro que fez das paisagens urbanas do
Rio de Janeiro, é Marc Ferrez. Nascido no Brasil, filho do escultor Zepherin Ferrez
(1797-1851) e sobrinho de Marc Ferrez (1788 - 1850).
Sua obra obteve reconhecimento de seus contemporâneos pela imensa qualidade das
imagens que produziu e representa um dos melhores registros visuais do Brasil do XIX. Depois
da morte de seus pais, Ferrez foi para a Europa, onde entrou em contato com a fotografia, e
quando retornou ao Brasil, em 1860, passou a trabalhar para a Casa Leuzinger, que era um
misto de atelier fotográfico, ponto de revenda de material para fotografia e venda de gravuras.
Nesse ambiente, ele teve contato com fotógrafos, desenhistas e pintores, o que permitiu
que ele desenvolvesse o conhecimento técnico sobre a fotografia e o olhar artístico sobre os
temas já estabelecidos entre os fotógrafos do Rio de Janeiro: as imagens do Corcovado, o
Jardim Botânico, a Lagoa Rodrigo de Freitas, entre outros.
Em 1867, fundou Marc Ferrez & Cia, que oferecia vários serviços de fotografia. Realizou
todo tipo de retratos e, ou por encomenda ou por desejo próprio, fotografou várias paisagens
cariocas, obras públicas, como a estrada de ferro, e vários navios da marinha real brasileira.
D. Pedro II concedeu-lhe o título de Photographo da Marinha Imperial

Cruzador Marinheiro

Fonte: Wikiart.org

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Em 1875, passou a integrar a Comissão Geológica do Império, que foi enviada ao Nordeste
para providenciar um registro da paisagem natural e dos tipos humanos. Foi nesse contexto
que Ferrez fez o primeiro registro dos índios botocudos.

Índios Botucudos

Fonte: povosindigenas.com

Além de Post, as imagens de Albert Eckhout ficaram conhecidas pelo fato de retratarem a
fauna, a flora e os tipos humanos da colônia.

As fotos sobre os indígenas formam a parte menos conhecida da produção de Ferrez


e, embora os retratos não fossem sua especialidade, as imagens são muito interessantes.
Nelas, ele repete a fórmula utilizada nos retratos tradicionais de indivíduos e de famílias e
reforça os aspecto

Uma das imagens mais icônica deste conjunto


é conhecida como Indiens de Mato Grosso.
Nessa imagem, observa-se a figura idealizada
do índio como o nobre representante dos grupos
que fundaram o país.
Segundo Brenda Carlos Andrade, trata-se da
imagem de um ideal:

A própria expressão do menino é compenetrada


e estudada, aparentemente seguindo orientações
do fotógrafo, como costumava acontecer. Esse
ar sério e compenetrado realça algo do exótico
esperado nesse tipo de retrato; é como um
nobre representante dos nativos da terra, uma
espécie de imagem de um possível Peri (CARLOS
ANDRADE: 2014).

Fonte: povosindigenas.com

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Unidade: Outras imagens do Brasil Imperial

Outro tema das imagens de Ferrez é a representação do trabalho escravo, que, segundo a
historiadora Lilia Moritz Schwarcz, era representado sem qualquer problema e constrangimento;
ao contrário, era apresentado de forma naturalizada e ordeira, como se pode observar na
imagem a seguir:

Fonte: blogdoims.com.br

Nas palavras de Schwarcz:

[...] o trabalho surge sempre como “digno”, e equilibrado. Tal


equilíbrio se inscreve nas linhas de trabalhadores bem dispostas e
perfiladas, nos escravizados divididos de maneira milimetricamente
equidistante, ou nos coletores de café que se dividem pelas
montanhas de forma criteriosa. Ninguém parece criticar ou
suspeitar da hierarquia, aqui exposta de forma ideal. Trata-se, pois,
de um tipo de fotografia que constrói meticulosamente a realidade,
procurando transmitir um ar de naturalidade e de mero registro
etnográfico. Nesse sentido, uma verdadeira retórica visual.
(Schwarcz:2013)

As suas paisagens urbanas produzem um registro das mudanças trazidas pela modernização
do Rio de Janeiro e, entre seus registros mais importantes, está o registro da construção da
nova avenida central no Rio de Janeiro, marco da passagem da cidade colonial para a capital
moderna, já no período republicano

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Além desses registros, Ferrez produziu algumas da melhores imagens do cotidiano da
família real brasileira, mesmo sem ter recebido o título de Fotografo da Casa Real, como
muitos de seus contemporâneos.
Com a expansão do número de fotógrafos da capital, Ferrez destacou-se por introduzir várias
novidades tecnológicas, como a tecnologia das chapas fotográficas coloridas (autochrome),
desenvolvidas pelos irmãos Lumière.
Seu trabalho ganhou notoriedade quando suas fotografias foram reproduzidas nas notas de
dois e cem mil réis.
Outro fotografo de destaque no período foi o açoriano José Christiano Júnior que, entre 1866
e 1875, se estabeleceu no Rio de Janeiro. Nessa época, retratou africanos ou descendentes,
escravas ou libertas, enfocando seus rostos ou mostrando suas atividades profissionais.
As fotos eram realizadas em estúdio e as composições davam destaque ao tipo físico e à
atividade realizada pelo retratado. Cabe observar que eles foram tratados como “tipos” ou
exemplos genéricos e sua condição de indivíduos é minimizada no próprio título das imagens,
como Escrava da Nação Africana Olunan ou Escravo vendedor de cadeiras.

Essas imagens são classificadas como cartes-de-visite,


uma espécie de apresentação social do retratado e eram
produzidos como registro de personagens exóticos sob
um olhar eurocêntrico, como se observa no anúncio de
1866, no Almanaque Laemmert: “Variada colleção de
(...) typos de pretos, cousa muito própria para quem se
retira para a Europa” (GORENDER: 1988).
Para muitos analistas, suas imagens mostram o
paradoxo da nação no período, ou seja, um país que
se pretendia moderno mas que contava com o trabalho
de escravos como sua mola propulsora. As poses dos
retratados são rígidas e eles parecem pouco a vontade
diante da câmera, contudo as fotos reforçam uma
imagem de harmonia e obediência.
Deve-se observar, entretanto, que a presença dos
escravos no Brasil foi acompanhada pela rebeldia e por
várias formas de resistência. Algumas vezes, os escravos
fugiam de seus senhores com o objetivo de atingir alguma
reivindicação imediata, como a substituição de um feitor,
Fonte: enciclopedia.itaucultural.org.br
ou de forma mais definitiva, para um quilombo próximo.
É importante lembrar que os escravos resistiam cotidianamente: podiam sabotar a
produção, fingir estarem doentes, desobedecer sistematicamente e adotar toda uma série de
comportamentos que lhes davam controle sobre sua vida, mesmo no ambiente da escravidão.

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Unidade: Outras imagens do Brasil Imperial

Outro nome de peso é o do carioca Militão Augusto de Azevedo, que ficou conhecido
pela produção do Álbum comparativo da cidade de São Paulo 1862-1887, no qual
apresentou fotografias de vários lugares da cidade nessas duas datas, criando, assim, um
enfoque comparativo para a paisagem urbana retratada. Documentou, ainda, as mudanças
sofridas pela cidade portuária de Santos, na década de 1870.
O Álbum comparativo da cidade de São Paulo é formado por 60 imagens, sendo algumas
vistas parciais de ruas, largos e prédios públicos e algumas, panorâmicas. Entre essas imagens,
Militão produziu dezoito pares comparativos, que privilegiam a cidade em construção.

Fonte: brasilianafotografica.bn.br Fonte: brasilianafotografica.bn.br

Militão mostrou, com suas fotografias, a grande mudança que a cidade de São Paulo sofreu
com as transformações ocasionadas por intensa expansão urbana. A partir de 1890, com a
cultura cafeeira e o início da industrialização, o processo de ocupação da área urbana acelerou-
se: no maciço, os bairros ricos e, na várzea, os bairros mais pobres.
As fábricas eram construídas na várzea, pois os terrenos eram mais baratos e cortados por
ferrovias para escoar a produção. O baixo preço dos terrenos incentivou o surgimento de casas
de operários. Surgiram ou foram povoados bairros como Brás, Mooca, Belém, Belenzinho,
Pari, Barra Funda, Bom Retiro e Bela Vista e também trechos da Lapa, Cambuci e Água
Branca. Além de áreas distantes, como os bairros da Penha e Tatuapé.
O trabalho de Militão foi explorado como evidencia do “progresso” da cidade de São Paulo
e, além de registrar as mudanças, serviu de suporte para o orgulho do cidadão diante de sua
cidade, que se tornou moderna, graças às novas tecnologias, que permitiram registrar essas
alterações, como observado por Iris Araujo:

Assim, tais imagens, por se aterem ao progresso, anunciavam


um novo tempo, que seria, paulatina e intensificadamente,
“moderno”. Por isso, as fotografias de Militão projetavam, através
de sua forma, o futuro; um vir a ser. São Paulo passaria a ser
refeita e reconstruída em um continuum que não mais acabaria,
e (principalmente) por isso seria objeto de muitas outras câmeras.
Esses outros momentos, porém, nossa personagem, ainda que
pudesse, se eximiu de fotografar
(ARAUJO: 2010).

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