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ENVOLVENTE E IMPERFEITO

1ª Edição
 

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra poderá ser reproduzida ou transmitida por
qualquer forma, meios eletrônicos ou mecânico sem consentimento e autorização por escrito do
autor/editor.
 

Capa: Café com Leite Assessoria em Comunicação


Revisão: Grazi Reis

Diagramação: April Kroes


 

Nenhuma parte desse livro pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes –
tangíveis ou intangíveis – sem prévia autorização da autora. A violação dos direitos autorais é crime
estabelecido na lei nº 9.610/98, punido pelo artigo 184 do código penal.
 
TEXTO REVISADO SEGUNDO O ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA.
 

 
 
Sumário
Notas iniciais
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Epílogo
Agradecimentos
 
Olá, meus amores! É um imenso prazer trazer mais um romance
para apresentar a vocês, principalmente retornando agora com o universo de

Amor & Ritmo. Essa história foi muito pedida por vocês no decorrer dos
anos e por muito tempo fui resistente, não sentia que existia enredo. Até que
um dia isso mudou! Tive um sonho — podem rir, porque eu sonho demais

mesmo — e a partir dele, comecei a ter várias ideias para Ashley e Jay e
também para os demais. Kyle, Gal, Lisa e Lore, vocês vão conhecer melhor
todos eles aqui.

Então estava decidido! Se eu poderia trazer a história que vocês


tanto queriam, com personagens novos, mas revivendo nossos amados de
longa data também e de um jeito que havia ganhado meu coração, não tinha

razão para não fazer. Mas quando?

Agora! Lancei um desafio no grupo do whatsapp, as leitoras


apoiaram e tudo foi incrível, como sempre é quando se trata dessas

maravilhosas e como recompensa, aqui estão Ashley e Jay, contando sobre

como se odiaram, e se apaixonaram. Como Ashton reagiu a isso e como


Tray debochou do amigo, enfim... Tudo!
Mas antes que comecem, precisamos dos alertas. Não temos cenas

gráficas que despertem gatilho, mas tratamos de um tema pesado, o câncer,


e suas consequências, então caso seja uma questão pessoal para você e que

não te fará bem ler, aconselho a procurar uma das minhas outras histórias.

É isso, pessoal! Nos falamos novamente no final...


Beijos

Sara Fidélis
 

 
 

 
 

Don't you tell me what you think that I could be


I'm the one at the sail, I'm the master of my sea, oh-ooh
The master of my sea, oh-ooh

(Não me diga o que você acha que eu poderia ser


Sou eu quem comando o barco, eu sou o mestre do meu mar
O mestre do meu mar, oh-ooh)

 Believer - Imagine Dragons


 
JAY 8 ANOS X ASHLEY 6 ANOS

 
A princesinha de um súdito só está deitada na beirada da piscina,
os óculos de sol com armações em um rosa gritante e um maiô amarelo

cheio de babados horrorosos


Por algum motivo, acho que foi o destino, ela decidiu que seria uma
boa ideia jogar os cabelos dentro da água, então eles estão boiando na

superfície, enquanto a dondoca dorme sem esperar pelo que tenho

planejado para ela.


— Tem certeza, Jay? O tio Ashton vai ficar bravo com a gente —

Kyle sussurra, mas já está com os dentes arreganhados de empolgação.

Não sei por que está hesitando, ele é sempre bem pior que eu, todo
mundo sabe disso.

— Só se souber que foi a gente. Vou entrar na água, a Ashley está

dormindo e nem vai ver — falo, repassando os detalhes. — Não tem como
provarem que fui eu.

— Tá bom, me dá uns aí então.


Entrego cinco gomas de mascar na mão dele e Kyle coloca tudo na

boca de uma vez só, faço o mesmo com a minha parte e mascamos até

ficarem bem emboladas


— Agora me dá.

Ele entrega aquela coisa nojenta na palma da minha mão e junto

com a que estava na minha boca, fazendo uma bola enorme.


Depois disso entro na piscina pela escadinha na lateral, fazendo o

máximo de silêncio que consigo. Caminho até chegar perto de onde ela está

deitada enquanto Kyle acompanha tudo pela borda da piscina.


Tento colocar a bolota nos cabelos de Ashley, que estão na água,

mas não consigo fazer com que grude direito por estarem molhados, então,
devagar, consigo afastar os fios que estão secos, estirados na beiradinha e

para não correr o risco de não funcionar, esfrego um pouco e divido em

duas partes.

Sorrio satisfeito com o resultado e Kyle faz sinal de joia para mim,

vai dar um trabalhão para essa chata tirar tudo! Refaço meu caminho em

silêncio e saio da piscina, mas Ashley nem se move, essa dorminhoca, ela
vai ver só...
— Agora é só esperar! — Kyle estica a mão e fazemos nosso toque,
comemorando.

Jay 1 x Ashley 0.

Nós nos deitamos nas espreguiçadeiras, bem longe da melequenta e

não demora muito para a tia Julia chegar, com nossas toalhas e nos

chamando para descer. Kyle e eu pegamos as nossas, nos enrolamos e

descemos para a cozinha, enquanto ela caminha para acordar Ashley.


Nós nos sentamos à mesa, e Kyle pega a caixa de cereais,

entornando um monte em uma tigela branca e depois passando para que eu

coloque na minha própria vasilha. Um pouco depois as duas descem, tia

Julia segura Ashley pelos cabelos e balança a cabeça de um lado para o

outro. Acho que está brigando com ela.

— Já te disse que não pode mascar essas coisas e dormir, filha!

Olha só o que aconteceu? Vou ter que fazer milagre pra tirar tudo isso!
— Eu não masquei, mãe! Juro que não fiz isso, eu só me deitei lá

quietinha e…

Ashley me encara com ódio e abro um sorriso. Ela sabe que fui eu,

mas não tem como me acusar sem nenhum motivo, sem saber ao certo.

— O que foi, tampinha? — Meu pai entra na cozinha e bagunça o

cabelo dela, se abaixando para ficar na altura da Melequenta.


— Tem goma de mascar no meu cabelo e minha mãe está me

xingando!
— Que merda, hein? Vai ter que ficar careca — ele fala, apontando

para a cabeça dela e rindo.


Ashley arregala os dois olhos e começa a chorar, o que me faz
gargalhar e Kyle também solta uma risada.

— Mãe, eu não quero ficar careca! Foi tudo culpa do Jay!


— Do Jay? — É meu pai quem pergunta agora, e já não está rindo.

Ele me encara e chego a ficar nervoso, não quero arrumar


problemas para mim.

— Como foi minha culpa, papai? Eu nem estava com a Ashley, essa
mentirosa! Fiquei lá do outro lado, deitado na minha, nem na piscina eu
fui.

— Foi você sim, porque eu não tinha goma de mascar e dormi, você
deve ter feito isso enquanto eu dormia.

— Prova! Prova que fui eu. — Me levanto, torcendo para que


minhas bochechas não estejam muito vermelhas agora, elas sempre me

entregam quando fico nervoso.


— Ei, ei, crianças! Não precisam brigar, tenho certeza de que o Jay
não faria algo tão maldoso.
Quando tia Julia fala assim, até sinto algum remorso. Não foi algo

maldoso, foi só uma brincadeira, e a Ashley mereceu essa.


— Acha mesmo? Olha bem filho de quem essa praguinha é. E ainda

com o Kyle de companhia, doutora? Não duvido nada de que tenham feito.
Meu pai coloca mais lenha na fogueira, mas Kyle se apressa a

negar.
— De jeito nenhum, tio Tray! A Ashley é um saco, mas é minha
prima, nós não fizemos nada disso. Ela que é burra e dormiu com a goma

na boca!
— Eu não dormi e eu não sou burra! — Ela volta a chorar, batendo

o pé no chão agora, e me esforço para não rir, enquanto tia Julia a arrasta
para o quarto.
 

ASHLEY
Pela janela do carro observo pela última vez, ao menos como aluna,

os tijolos vermelhos de Harvard. Foi decisão minha residir em um


dormitório aqui, fazer parte de uma irmandade e viver tudo que a vida de
uma universitária poderia me permitir, ao menos o possível, dado meu
nome.
Para a maioria eu fui apenas Ashley, uma garota sem sobrenome, e

somente permiti que as pessoas mais íntimas soubessem quem eu sou, ou


melhor, quem é meu pai. Foi minha escolha, do contrário não poderia galgar

os degraus por conta própria e ainda que eu ame e respire música, preferi
trilhar meu caminho, do meu jeito, mesmo que seguindo os passos de minha
mãe.

— Para onde vamos, senhorita? — o motorista pergunta.


Não sei seu nome, ele foi incumbido de me buscar e levar para o

aeroporto, porque ainda que eu tenha tentado viver como uma estudante
comum, meu pai não aceita muito bem esses termos e morre de medo de

que alguém mal-intencionado faça algo contra mim.


— Não, podemos seguir para o aeroporto. Vou fazer uma ligação,
com licença… — Subo o vidro que nos separa e disco o número da minha

mãe.
Ajeito os fios compridos e castanhos ao lado do rosto e sorrio ao vê-

la do outro lado.
— Oi, meu amorzinho! Como você está?
— Bem, mãe. Indo pra casa, e como estão as coisas por aí?
Ela olha para trás e cochicha alguma coisa com alguém e espero ver
meu pai surgir na tela, mas ele não aparece.
— Uma loucura! Você sabe que vai ter turnê da banda em uns

quinze dias? As crianças vão ficar aqui por um tempo.


Sorrio ao ouvir o modo como ela fala. Na verdade, não há mais

crianças na família há algum tempo, até mesmo as gêmeas já vão fazer


dezoito anos.
— Todos vão ficar aí em casa?

— Sim, mas eu não vou viajar com a banda. Você vai chegar agora,

quero ficar grudada na minha advogada!


Sua voz carrega orgulho. Escolher a profissão da minha mãe para

seguir foi fácil, ela sempre esperou isso de mim e sei que posso ser muito

boa nisso, mesmo que talvez não seja a minha vocação, espero não

decepcionar.
— Não precisa disso. Sei que vai querer acompanhar o papai, eu me

viro. Além disso vamos ficar juntinhas por quinze dias antes disso

acontecer.
Ela faz uma careta, mas não sei se a convenci. Dona Julia é

determinada.

— O Ageu dirige direitinho, não é? Logo você vai estar aqui.


— O motorista?
Ela arqueia a sobrancelha bem desenhada e me fita com expressão

de zangada.
— Não perguntou o nome dele, Ashley?

— É que eu entrei agora, mal nos falamos e já te liguei, ele só ia me

levar para pegar o avião...


— Isso é falta de educação.

— Eu sei, mas não fiz por mal.

Ela aquiesce, decidindo deixar essa passar.

— Não… Aí vão ficar as coisas do Jay — ela fala, apontando para


algum quarto no corredor.

É o bastante para que eu gema em frustração, tinha até me esquecido

do insuportável do Jay.
— Mãe… O Jay também vai ficar aí? — pergunto, sussurrando.

Ela franze o cenho como se eu estivesse fazendo uma pergunta

idiota.
— Como assim, meu amor? Onde mais ele ficaria?

— Na casa dele.

— Mas as gêmeas vão ficar aqui, por que… — Ela abre um sorriso

e balança a cabeça. — Não acredito que você não superou isso! Já se


passaram anos, vocês eram crianças, tenho certeza de que agora vão ser
ótimos amigos, adultos não brigam por causa de gomas de mascar no

cabelo e braços quebrados.

Penso por um instante que ela deve ter razão. Talvez seja mesmo
muita infantilidade que uma mulher de vinte e três anos fique de picuinha

por causa de coisas que aconteceram tanto tempo antes.

— É, pode ser…

— Promete que vão tentar se entender? Vocês precisam vigiar os


outros, são os mais velhos!

Talvez isso signifique que ela esteja desistindo da ideia de se privar

da turnê por minha causa, não vou ser eu a melar o esquema dela com meu
pai.

— Se ele se comportar, eu também me comporto…

— Claro que vai. O Jay é um homem de negócios, inteligente, não é

imaturo.
Não faço ideia de que negócios são esses, mas para manter o sorriso

no rosto dela, eu concordo com um gesto.

— Vou desligar então, mãe. Até mais tarde!


 

 
JAY
 

Acelero a BMW R 1250 e Pink segura firme na minha cintura,

colando os peitos nas minhas costas, me fazendo sorrir. Ouço sua voz sobre

o barulho que a moto faz, mas não consigo distinguir o que está dizendo.

Costuro entre os obstáculos que colocamos na pista, atrás da loja, testando,


aumentando a velocidade até o ponteiro quase colar no final.

A câmera posicionada na frente do meu capacete captura o

desempenho da máquina e, porra, não poderia estar mais satisfeito com ela!
Faço a volta, retornando para onde estão Elijah e Sean, meus funcionários e

amigos, não exatamente nessa ordem.

Desligo a moto e retiro o capacete, pausando o vídeo, sinto o calor

nas minhas costas, quando o tapa forte de Pink estala forte sobre a jaqueta
de couro.

— Você é louco, Jay!

Isso me faz sorrir, não é nenhuma novidade.


— Lindinha, eu estou testando a moto — explico, como se falasse

com um bebê —, gravando para o canal e preciso fazer a máquina dar o

máximo dela, cacete. Não é um passeio!


Ela cruza os braços, fazendo bico, mas não parece brava de

verdade.  No fundo, Pink, assim como as outras garotas, gostam de serem


fodidas por mim, vistas comigo e do que eu proporciono. O interesse é

mútuo e ninguém espera muito mais do que o que está na mesa.

— O desempenho foi foda pra caralho, Jay — Sean fala, pegando a

câmera da minha mão.


Geralmente ele é o responsável pelas edições.

Ainda que eu goste de tocar e ache o trabalho do meu pai e dos

outros incrível, não foi o caminho que escolhi pra mim. Sempre fui louco
por motos, alucinado por elas e pela sensação de liberdade que trazem.

Mas não queria simplesmente uma concessionária que as vendesse,

eu queria algo mais íntimo e foi assim que o canal surgiu. Comecei fazendo

vídeos nas motos que chegavam, mostrando para as pessoas e os seguidores


passaram a surgir, interessados no mesmo universo que eu.

A coisa se expandiu e meu nome se tornou referência quando o

assunto são os veículos de duas rodas. Vendo as mais caras e melhores, para
quem tem grana pra bancar o luxo que elas são e mostro as belezinhas pra

quem não pode comprar ainda, mas pode sonhar com isso.

Empreender acabou se tornando algo natural e o estúdio de

tatuagem com meu pai veio depois disso. E por falar nele...
— Oi, pai. — Atendo ao telefone logo no segundo toque.

— E aí, moleque? Onde você se meteu, cacete?


Os outros três me encaram atentos, curiosos. É engraçado que pra

mim, o deus do rock como minha mãe sempre o descreveu, é simplesmente


meu pai, mas para os meus amigos ele é o maior guitarrista de todos os

tempos.

— Testando uma moto nova, ia passar no estúdio pra ver como vão

as coisas. Por quê?


— A Princesinha volta hoje, cara! Tá esquecendo? A festa vai ser

na casa do Ash e você não me faça a palhaçada de sumir, Jay, ou eu vou

apertar esse seu pescocinho de mandioca!


Isso me faz rir, ainda que a menção a Ashley me desanime.

— Pescocinho de mandioca, pai? Caralho, suas gírias e piadas estão

velhas como você.


— Velho é teu… Você sabe, pirralho. Aquele orifício que o sol não

toca e você não vê.

Disfarço a risada, se tem uma pessoa que não envelhece mesmo,

esse alguém é Tray Anders.


— Sei… Mas pai, não rola de escapar dessa festa aí não? Eu e ela

nem somos amigos.

— Não são o caralho, Jay! Vocês cresceram juntos, o Ashton é meu


irmão. A Ashley é tipo isso pra você, se liga, pivete.

— Não é bem assim…


— Jay, você vem, tá legal? Fica um pouco e depois dá no pé. Outra
coisa, a Florzinha pediu pra você comprar um presente pra Ashley.

— Ah, não! Fala pra mãe que eu não faço a menor ideia do que

comprar pra ela. Eu não falo com a Ashley tem uns dois ou três anos.
— Te vira, gatinho do papai.

Faço uma careta, mas antes que insista que essa ideia é uma merda,

ele desliga na minha cara.


— Porra…

— Que foi? O que seu pai queria?

Pink parece afoita. É engraçada a maneira como ela e outras garotas

reagem a ele. Meu pai tem cinquenta e poucos anos, mas ainda é bonitão,
preciso admitir.

Quem não fica feliz com essa atenção toda é dona Jasmim, minha

mãe, ela vive implicando com as garotas com quem eu saio e nunca sei se o
ciúme é de mim ou do meu pai.

Isso nunca foi um problema de verdade entre eles, porque os dois


são a vida um do outro. Bom, além de nós, eu e minhas irmãs, então são só
detalhes que deixam a relação deles ainda mais intensa.

— Nada demais. Tem festa porque a filha do Ray volta da faculdade


hoje e eu tenho que ir nessa merda.
— Nessa merda? Eu daria tudo pra ir em uma festa na mansão da
Dominium. Você não sabe o privilégio que tem, Jay!
— Fala isso depois que aturar a Ashley por duas horas.

— Ela não pode ser tão ruim…


— É pior.
— Quer companhia? Eu posso ir com você, te entreter — fala,

enrolando a ponta do cabelo de maneira sugestiva.


Penso por um instante na proposta tentadora, talvez isso me
distraísse e o tempo passasse mais rápido.

Mas sei que é uma festa mais íntima, eles não iam curtir que eu
levasse alguém de fora num momento especial e de família.
— Hoje não, gata. Mas quem sabe outro dia? — Ela faz uma cara de

tristeza, que prefiro ignorar. — Vem, vou te deixar em casa.


— Vou editar o vídeo e te mando — Sean fala, se despedindo.
— Beleza. E Elijah, se vender a Bagger você me avisa, tô esperando

um pedido do modelo novo da BM, mas quero saber o retorno daquele cara
antes.

— Pode deixar, te ligo depois.


— Eu passo no galpão depois da festa pra gente tomar uma, não vou
suportar muito tempo dessa porra.
Ele ri da minha desgraça, mas aquiesce. Os dois voltam para dentro
da loja com a moto e eu sigo, acompanhado por Pink até a minha Ducati
Panigale. Essa é a que eu uso no meu dia a dia e sou louco por ela.

Deixo a garota em sua casa e dirijo até o shopping, onde fica o


estúdio, mas ao invés de seguir até lá, caminho passando pelas vitrines

tentando achar uma merda de um presente pra garota mais mimada desse
país.
Quando Ashley foi estudar direito, ainda que eu sempre tenha

achado que ela fosse ser cantora como o pai, nós não estávamos em nossa
melhor fase. Não que tenhamos tido uma fase boa de verdade, mas algumas
foram piores.

Ashley sempre teve de tudo, e todo mundo naquela família fez


questão de fazer dela uma verdadeira divindade. Eu fui o único a ver como
ela realmente era, uma garotinha endemoniada capaz de te jogar de cima de

um palco por causa de uma goma de mascar nos cabelos.


Na adolescência ela ficou ainda pior. E não, eu não achava que isso
fosse possível, mas acontece que aí a garota ficou bonita e começou a usar

disso para ter os idiotas do colégio na palma da mão também. Por sorte foi
embora e me deu três anos de paz! Nesse tempo nos vimos apenas por

vídeos e fotos, ocasionalmente, mas não faço questão de acompanhar sua


vida e creio que ela sinta o mesmo desprazer que eu. Fugi de todos os
encontros de família em que ela estivesse e sei que quando confirmei
presença em algum, ela também se esquivou. Até a garota resolver que tem

uma casa pra voltar. Estou remoendo a raiva, quando eu vejo.


Na vitrine de uma joalheria, uma espécie de coroa, ou tiara, seja lá o
que for, é isso!

É bonito e caro o bastante para ser um presente, mas ela vai


entender que estou implicando com o apelido que o pai deu a ela antes

mesmo que a boneca nascesse, então entro na loja e me dirijo ao caixa.


— Boa tarde. Aquela coroa na vitrine, o que é?
— Um pente para colocar nos cabelos — a vendedora explica.

Perfeito! Uma coroa para a princesa de araque.


 
 

 
 

 
I wake up screaming from dreaming

One day, I'll watch as you're leaving


'Cause you got tired of my scheming
(For the last time)

(Eu acordo gritando sonhando


Um dia, eu vou assistir enquanto você vai embora
Porque você se cansou das minhas intrigas

(Pela última vez)


Anti-Hero – Taylor Swift
 

 
 
ASHLEY 6 ANOS X JAY 8 ANOS

 
Não é fácil pensar em vingança quando se tem apenas seis anos,
mas quando vejo meu rosto no espelho sinto tanta raiva que eu poderia

matar o idiota do Jay.


Meu lindo cabelo, que eu sempre amei por ser longo e castanho,
ondulado, parecido com o da mamãe, agora só encosta no meu ombro e

está todo armado, igualzinho a vassoura que usam para limpar meu quarto.

Não é um cacheado e volumoso bonito, mas uma maçaroca, porque


cortaram todo torto para salvar as partes que não tinham sido estragadas.

— E aí, Dominadaaaaaas…

Meu pai está no palco, começando outro show e dessa vez acabou
nos trazendo junto. O tio Tray achou que seria uma boa ideia me colocar

pra cantar com o papai e eu adoro cantar, então fiquei muito contente
quando me disseram, mas não agora que toda essa gente vai me ver com

esse cabelinho feio.


— Ashley, por que está com essa carinha, querida? — Tia Ane se

abaixa perto de mim.

Ela é irmã do meu pai, tem olhos lindos, é loira e tem os cabelos
beeeem compridos, parece uma rainha, toda maravilhosa e eu pareço um

ratinho perto dela.

— Porque todo mundo vai ver esse cabelinho de rato que eu tenho.
— Deixa de bobagem, você é nossa princesa, está maravilhosa com

esse cabelo. Sabia que existem várias mulheres incríveis que usam esse

corte?
— Eu pareço uma bruxa, isso sim! — Cruzo os braços, teimando.

— Não é verdade, eu mesma já tive meu cabelo nesse comprimento,


depois de um desfile especial — ela fala.

Tia Ane é estilista, e das boas, então ela deve saber das coisas. Não

tenho certeza se está falando para me agradar, mas suas palavras me

deixam em dúvida por um momento.

— É mesmo?

— Claro. Agora sorria, seu pai já vai te chamar ao palco…


Ela ajeita meus cabelos revoltados e alisa minha saia rodada, e

pouco depois ouço meu pai me chamando para subir. Caminho com a
cabeça erguida e forço um sorriso ao caminhar pelo palco até chegar ao
lado do meu pai. Tio Josh, tio Tray e tio Ethan estão tocando baixinho,

enquanto esperam que eu me prepare.

— Pessoal, hoje é uma noite muito especial. Trouxe nossa

Princesinha pra cantar comigo aqui — papai diz, segurando em minha

mão. — Vocês sabiam que minha Ashley ama cantar, como o pai?

Ensaiamos aquela canção que escrevi pra ela, logo que nasceu e espero
que nos acompanhem.

Ouço os gritos das pessoas e os aplausos, os assobios, nada disso

me incomoda ou me assusta, mas quando vejo que Jay está na lateral do

palco, minha felicidade morre. Aquele imbecil está fazendo caretas e

zombando de mim, mas me mantenho firme.

Ao menos até ele apontar para o meu cabelo e começar a rir.

Sinto uma raiva tão grande, que solto a mão do meu pai e saio
correndo do meu lugar. Não paro mesmo escutando todos eles me

chamarem. Eu empurro Jay com força e ele se desequilibra. Queria só

gritar e arrancar aqueles cabelos dele também, mas com o susto, Jay cai de

cima do palco.

Fico apavorada quando percebo que ele pode ter se machucado

feio, mas alguém o levanta rapidamente.


Ele chora, muito, muito mesmo.
Tio Tray deixa a guitarra e corre para pegá-lo.

— Ele está bem?


Minha mãe olha para Jay e faz uma careta.

— Melhor ir pro hospital, acho que quebrou o braço.


 

 
ASHLEY

 
Por fora, a mansão está igualzinha à quando eu era pequena. As

reformas sempre são feitas, mas a alameda com árvores altas que conduz
até a casa continua igual, os portões de ferro são os mesmos e tudo parece

idêntico.
Do lado de dentro é que a residência viu várias melhorias com o
passar dos anos. A minha família acompanhou a modernidade, disso não

posso me queixar.
Quando passo pela porta de entrada da sala ampla, encontro Tícia, a

atual governanta da mansão. Ela trabalha aqui há muitos anos, desde que
Rosa se aposentou.
— Menina! Que bom que chegou, seus pais estavam doidos pra te

ver.
Eu a abraço apertado e o motorista que foi enviado ao aeroporto,

entra logo atrás de mim, trazendo minha bagagem.


— Doidos pra me ver, mas não estão aqui! Cadê eles? Pensei que

fôssemos jantar juntos…


— E vão. Eles estão lá na área da piscina, mas o jantar está quase
pronto. — Ela segura minhas mãos, para me observar direito. — Se quiser

subir pra fazer uma surpresa — sugere, me dando uma piscadinha.


Aquiesço, abrindo um sorriso. É mesmo uma ótima ideia, se eles

ainda não sabem que cheguei, vai ser divertido ver o susto que vão levar.
— Pode deixar a bagagem aí, eu levo pro seu quarto — Tícia se
oferece.

Concordo, com um gesto de cabeça e sigo pelo corredor, me


embrenhando mais na casa.

Passo pelas portas de vidro que imitam uma cascata, é como se a


água corresse por dentro delas constantemente, e já fazem parte da

decoração desde que me entendo por gente, mas minha mãe as adora e não
aceita que as substituam por nada.
Quando entro na cozinha noto a movimentação. Várias funcionárias

correndo de um lado para o outro com os preparativos para o jantar. Me


parece um pouco exagerado, mas não me atenho muito a isso e sigo meu
caminho.
Subindo a rampa, abro as portas que levam até a área da piscina e

percebo que está tudo escuro. Talvez Tícia tenha se enganado e eles estejam
em outro lugar.

Esse ambiente é um dos que foi reformado, meu pai mandou


construírem um bar em um dos cantos e um deque de madeira, com
pergolado. Modificou as espreguiçadeiras para modelos mais modernos e a

própria piscina teve o design alterado e melhorias implementadas, como a


parte da hidro. Mas com as árvores que continuam ao redor dela e a

escuridão, não consigo ver nada disso agora.


— Surpresaaaaa…

O coro de vozes me dá um susto enorme e as luzes se acendem de


repente.
É uma festa!

Meus pais estão à frente dos outros, sorrindo e há uma faixa enorme
pendurada, com os dizeres: Bem-vinda de volta ao lar, Ashley!

Sorrio ao perceber que está todo mundo aqui, mas absorvo pouco da
decoração linda, apenas o varal de luzes que foi pendurado e a mesa de
alimentos em um canto, porque logo sou engolfada em um abraço pela

minha mãe.
— Ah, meu amor! Que saudades de você, estou tão feliz que
chegou…
Eu aproveito o momento para fitá-la com atenção. Minha mãe nunca

se descuidou, malha, cuida da alimentação sem muita neura e está sempre


arrumada, mas como filha, sempre vou ter aquele olhar de preocupação em

ver que está mesmo tomando conta de si mesma.


— Eu também, mãe. E cheguei com uma festa! — respondo, me
dando por satisfeita

— Não podíamos deixar passar em branco o seu retorno.

— De jeito nenhum, minha Princesa!


Meu pai abre os braços e corro para abraçá-lo, mas ele me ergue,

girando comigo como se eu não pesasse mais que a garotinha que fui um

dia. Ele me coloca no chão de volta e quando dou um beijo estalado em seu

rosto, faz uma careta engraçada.


— Tá recusando meu beijo, pai?

— Nem morto! Mas senti uma pontada nas costas.

— É, Ashton Ray, não tem mais vinte anos…


— Eu já te disse, minha filha. Coisa boa não envelhece, amadurece

— ele diz, piscando um olho pra mim.

— Ô Ray, só porque foi você quem fez, vai querer exclusividade na


pirralha agora? A gente tá esperando nossa vez na fila do abraço grátis! —
Tio Tray e tia Jas chegam logo atrás dos meus pais e é uma zorra.

Nós nos abraçamos e rimos, e logo Gal e Lisa também se


aproximam. As duas estão enormes! Quando saí de casa tinham quase

quinze anos, mas agora já estão moças mesmo. Sempre fomos muito

próximas, nós três e Lore.


— E a melhor tia do mundo vai ficar de lado?

Tia Ane está linda. Ela é incrível na verdade, sempre muito elegante,

me dá as melhores dicas de moda e não poupa gastos para se manter jovem,

sem perder a naturalidade. Olhando você não diria que ela fez várias
plásticas, mas quem sabe, sabe…

— Oi, tia! — Nos abraçamos forte e ela beija o topo da minha

cabeça.
Quando nos soltamos, percebo que seus olhos estão até marejados,

ela está emocionada.

— Senti tanta sua falta, Ashley. Nem acredito que voltou…


— Ela não parava de falar de você, lindinha — tio Josh fala,

abraçando a esposa.

É uma loucura poder conversar com todo mundo. Minha avó e o vô

Carter vieram da fazenda que estão morando pra me ver, Ethan e Majô
trouxeram Rosa e gastei um bom tempo falando com Lore e contando tudo

sobre a faculdade.
Azal e Andy não puderam vir, mas mandaram presentes e me

convidaram para os visitar, o que não dispensei. Kyle e eu não nos víamos

há algum tempo e conversamos por vários minutos, até eu notar Jay sentado
em uma espreguiçadeira em um canto.

Seus olhos azuis estão fixos em mim, enquanto toma uma cerveja

sozinho. Seus cabelos estão maiores que na última vez em que nos vimos e

seu semblante ainda mais sério.


Por um momento acho que ele não vai nem mesmo me

cumprimentar, mas ele ergue a cerveja na minha direção, como se dissesse

oi. Abro um meio sorriso em resposta e me volto para Kyle outra vez.
— Não vai lá falar com ele? — Meu primo ri da cena. — Vocês não

vão crescer nunca?

— Eu acabei de chegar, a festa é de boas-vindas. Não seria educado

ele falar comigo antes?


— Talvez sim, mas alguém tem que dar o braço a torcer.

— Tá tudo bem, Kyle. Não tenho raiva dele mais, só não temos

muito em comum.
— Provavelmente não. E o que você fez por lá? Saiu muito? Fez

amigos? Namorado? — pergunta sugestivo.

— Tudo isso. Saí bastante, fiz várias amizades e também arrumei

um namorado — sussurro.
Conheço bem o meu pai, mesmo aos vinte e três anos, se ele e meus

tios descobrirem que estou namorando, tudo isso vai tomar uma outra
proporção. Preciso contar sobre Timoty e eu, mas em outro momento, com

calma.

— Quem tem namorado? — Lore aparece, me estendendo uma


Mimosa.

— A Ashley. O que acha que o tio Ash vai dizer? Eu voto em alguns

socos no genro pra receber bem na família, depois um sermão, mas no fim

das contas pode ser que ele aceite.


Lore joga a cabeleira loira para trás em uma gargalhada alta.

— O pior é que o trio vai junto. Coitado do rapaz, já preparou ele?

Vão botar maior medo nele...


— O Timoty sabe quem é meu pai, curte a banda e tudo.

— Curte por enquanto — Kyle fala, erguendo a sobrancelha —,

quando for ameaçado de morte por ela, com uma guitarra e uma baqueta

sendo usada como instrumento de tortura, ele vai deixar de ser fã.
— Eles não são tão ruins — Lore fala, meneando a cabeça agora,

mas sem deixar de sorrir.

É a minha vez de desacreditar.


— Fale pelo seu pai! Ethan consegue ser mais sensato até que o tio

Josh, quando o assunto são as tretas de família.


— É, e ainda tem os primos, Ashley. Ou acha mesmo que o fato de

o Kyle estar rindo disso aqui, quer dizer que ele e o Jay não se meteriam

nessa confusão?

— Claro que não se meteriam! Por que eles fariam isso?


— O Jay é um encrenqueiro! Coitadas das gêmeas — ela fala, como

se contasse um segredo.

Na verdade, não preciso ser nenhum gênio para saber de nada disso.
O porte dele já diz tudo, Jay até se parece com meu pai na idade dele, a

jaqueta preta cobre o corpo, mas consigo ver as tatuagens subindo pelo

pescoço. Mas não é nisso apenas que se parecem, meu pai era arruaceiro e

brigão e Jay parece seguir os mesmos passos. Não que meu pai tenha
mudado muito desde então...

Kyle aquiesce, concordando e desvio os olhos para a aura taciturna

da festa, no canto.
— E daí? Ele não é meu primo de verdade e nem somos próximos e

o Kyle não faria isso, porque ele sabe que eu poderia descontar depois.

— Ah, eu sei como a bonequinha pode ser vingativa...

— Ainda bem que sabe!


— Mas e aí? Vai contar para o seu pai ou não? — Lore bebe um

gole do próprio drink.

— Vou, mas não agora. Depois da turnê, vou esperar ele voltar...
— Acho que faz bem, eles sempre voltam contentes depois desses

rolês e como levam meses, você ganha tempo.


— E eu soube que vamos ficar todos juntos aqui.

— Sim! Vai ser tipo uma casa de férias, com muita festa e putaria —

meu primo fala, esfregando as mãos uma na outra.

— Kyle! Se meu pai souber...


— Seu pai fazia muito pior! Ele que lute — ele diz, se distanciando

na direção do amigo mal-humorado.

JAY

 
De onde estou consigo ver logo que ela passa pelas portas. Não vejo

Ashley pessoalmente faz bastante tempo, então não estava pronto pra visão

do caralho que a patricinha metida é, usando uma sainha que mal tapa a
bunda arrebitada e cobre metade das coxas, as botas que sobem até pouco

acima dos joelhos e a blusa justa que mais se parece com um sutiã,

abraçando o par de peitos avantajados. Ela não tinha isso. Ou tinha?


Os cabelos estão soltos e ela não usa maquiagem, ao menos de onde
estou não parece estar usando e abre um sorriso enorme ao perceber que é

uma festa surpresa. Ashley sempre adorou ser o centro das atenções.

— É, a Princesa chegou... — Kyle fala, parando ao meu lado e me


estendendo uma cerveja.

— Então acho que já posso ir. Os caras tão me esperando lá no

galpão, você vem comigo?


Ele concorda com um gesto.

— Claro, daqui uma hora. Deixa de ser escroto, Jay! É nossa prima,

seu pai pediu, não custa dar um tempinho aí.

— É sua prima, minha o caralho.


— Eu vou lá falar com ela, daqui um tempo a gente cola lá no

galpão, segura aí um pouco, otário.

— Baba-ovo…
Ele mostra o dedo do meio, antes de me dar as costas e se afastar na

direção em que as pessoas estão. Todo mundo veio, além da galera da banda
e família, os caras da Shower Singers também apareceram, com o Peter
meio arrastado, até mesmo Amber e o tio Adam, que foi meu médico, só

faltou mesmo o Azal vir de Abu-Dhabi. Aí seria demais.


De longe, observo Kyle se juntar a Ashley e Lore aparecer um
pouco depois, os três começam uma conversa meio animada e fico
esperando o momento certo de meter o pé. Vez ou outra noto o olhar
enviesado da minha mãe, que não parece contente por ver que ainda não me
movi para cortejar a realeza, mas está ocupada demais tentando impedir que

meu pai jogue o Peter dentro da piscina, já que está frio pra caralho e a Lara
com o Chade não parecem achar uma boa ideia.
Bebo um gole da minha cerveja e volto a encarar o trio, me

deparando com o olhar penetrante dela. Ashley desvia os olhos


rapidamente, mas não antes que eu perceba.
— E aí, cara? — Ergo o rosto e encontro Peter de pé diante de mim,

os cabelos ruivos pingando e a camiseta grudada ao corpo.


Desviei os olhos por um instante e perdi isso.
— Meu pai conseguiu então...

— E o que aquele doido não consegue? Pelo menos eu o puxei junto


— ele fala, apontando para a escada, onde posso ver meu pai subindo, para
sair de dentro da água.

— Boa!
Peter se senta na espreguiçadeira ao meu lado e seus olhos se voltam

para o mesmo ponto que eu observava pouco antes.


— A Ashley tá uma gata, hein?
— Hum... Você acha?
— Se eu acho? Tá me zoando, porra? — Ele me olha como se eu
fosse louco. Como se eu fosse admitir essa merda. — Ah, saquei... Vocês
são primos.

— Nós não somos primos, ela é prima do Kyle — falo, pelo que me
parece a décima vez só hoje.

— Verdade... Será que eu tenho chance?


— E eu que sei, cacete? Cara, o papo tá bom, mas preciso ir resolver
umas coisas na empresa, nos falamos depois.

— Na empresa... Tá bom então, até mais.


Eu me levanto e caminho até a rodinha, vendo a conversa cessar na
mesma hora. Incrível como minha presença e alegria são contagiantes.

— Boa noite, Princesa — cumprimento, me aproximando para dar


um beijo no rosto dela.
Quando toco seu braço, no entanto, sinto a pele de seu ombro se

arrepiar e sou acometido por uma fisgada na virilha. Que caralho de reação
é essa?
— Hum... Boa noite, Jay. Achei que não fosse falar comigo.

— Não pensei muito nisso, em falar ou não. Vim chamar o Kyle pra
irmos embora.

Ela ergue as sobrancelhas, me fitando com ar de superioridade, mas


não diz nada.
— Então vamos — Kyle concorda, abraçando as meninas e se
despedindo.

Lorena também me dá um beijo no rosto e quando já estou de saída,


levo a mão ao bolso e faço uma careta de confusão.
— Porra, quase esqueci, Ashley. Tenho um presente pra você...

Agora ela estreita os olhos.


— Um presente pra mim? Seu?

—  O quê? Eu sou um cara legal pra cacete, não sabia? — pergunto,


tirando a caixinha de joias do bolso e entregando nas mãos dela.
Ashley encara o embrulho, percebendo a marca cara e desvia os

olhos para Lore, que dá de ombros, mas se aproxima. Ela desfaz o laço e
tira a tampa da caixa, sua boca se entreabre e seus olhos se arregalam.
— Nossa! Eu... Jay! É maravilhosa! Você pensou no apelido que

papai me deu, e comprou uma joia especialmente pra mim? É perfeita! Eu


não sabia que podia ser tão sensível.
Não era a reação que eu esperava.

Os olhos dela estão marejados, porra! Ashley me fita, mordendo o


lábio e então ergue os braços e me pega desprevenido com um abraço, sou
invadido pelo cheiro dela, seus cabelos sobre o meu rosto e seu corpo

quente apertado junto ao meu, enviando sinais muito pouco cristãos para
dentro da minha calça.
Porra! Isso tá muito errado. Não era mesmo desse jeito que essa

noite deveria terminar.


 

 
 

 
 

Baby I'm preying on you tonight


Hunt you down eat you alive
Just like animals, animals

Like animals-mals
(Querida, estou caçando você hoje à noite
Te persigo, para te comer viva

Como animais, animais


Como animais-mais)
Animals – Maroon 5

 
 
ASHLEY 15 ANOS X JAY 17 ANOS

 
Eu o vejo passar pelo corredor, está com os fones nos ouvidos e
usando regata e shorts, então provavelmente vai descer para a academia.

Corro para falar com ele antes que perca a oportunidade.


— Papai, eu posso ir na festa de aniversário da Kendra?
Circundo a cintura dele com os braços e o encaro com meus olhos

pidões.

— Quem é essa, meu amor? — ele questiona, tirando os fones e me


olhando, com um sorriso nos lábios.

— Minha amiga do colégio. É a festa de quinze anos dela, vai ser

um baile de princesa, os pais dela vão estar lá e toda sua família também.
Não me sinto bem em mentir para o meu pai, ele é o tipo de homem

que faz tudo por mim e me ama incondicionalmente. Só que é também


superprotetor e não posso simplesmente falar que vou à festa, que vai ser

tipo uma balada, porque quero dar uns beijos no Mikael.


— Você pode ir — ele diz, acariciando meu rosto —, mas o

motorista vai te levar e buscar no horário combinado e eu quero o telefone

da mãe da Kendra pra caso aconteça algum imprevisto.


— Combinado!

Na verdade, não faço ideia de como resolver a questão do telefone,

mas posso pensar nisso depois. Dou um beijo estalado em sua bochecha,
me preparando para sair, mas papai me segura no lugar.

— Não tem meninos nessa festa, não é Ashley?

— Deve ter algum, pai — digo, afinal dessa maneira não é tanta
mentira, certo? — Ao menos os parentes da Kendra, mas não precisa se

preocupar com isso.


Ele suspira e assente.

— Eu sei, você é uma garotinha ainda, mas me assusta pensar que

em alguns anos já vai se interessar por namoro. Eu tô fodido mesmo.

— Não tá nada! Quem vai se meter com a filha de Ashton Ray? —

brinco, repetindo o que ele mesmo já falou outras vezes e torcendo para

que isso não seja um pecado muito grande.


Amo meu pai e minha mãe mais que tudo na vida, mas se ele

soubesse da verdade jamais me deixaria ir.


Quando chega o dia da festa, no fim de semana, tudo está resolvido.
Meu pai acabou esquecendo a história do telefone, porque mamãe disse

que isso demonstraria falta de confiança em mim, então acabei me safando

dessa e conquistando meu lugar no inferno das filhas mentirosas.

É claro que não me senti bem em os enganar e, claro, uma parte de

mim está temendo que algo dê muito errado, porque dizem que mentiras

têm pernas curtas, mas não posso retroceder, já que no que depender do
meu pai, vou namorar com cinquenta anos e me casar quando ele já tiver

morrido.

Escolho uma roupa bonita, mas nada muito ousado, já que isso

daria na cara. Me visto e quando estou pronta, saio do quarto e sigo até a

sala de jantar, onde meus pais estão jantando com tio Tray e tia Jas, as

gêmeas e claro, o intragável do Jay.

— Boa noite, pessoal. Sinto muito não jantar com vocês, mas estou
saindo.

Cumprimento tia Jasmim com um beijo e escapo antes que seu

marido bagunce meu cabelo, uma mania que ele tem já faz muito tempo.

— Vai aonde, linda assim? — Gal pergunta, sorrindo.

Ela e Lisa têm dez anos e são fofas e educadas, ainda que de vez em

quando aprontem alguma coisa. Não poderia ser muito diferente, já que as
frutas nunca caem muito longe da árvore.
Tio Tray ostenta um sorrisinho ao me encarar e parece desconfiado.

— Na festa de uma amiga da escola, aniversário de quinze anos —


conto, sem muitos detalhes.

Melhor não me prolongar muito nesse assunto.


— E o Ash deixou? — ele questiona, arqueando a sobrancelha e
fitando meu pai com sarcasmo.

— Deixei, porque é só uma festa inocente, Tray.


— A da Kendra, Ashley? — Jay pergunta, sem ousar me encarar.

Meu coração dispara e, se eu pudesse, cortaria a língua dele agora


mesmo! Porque sei bem o que o desgraçado pretende fazer. Ele vai me

ferrar.
— Tchau, gente — digo, mandando um beijo para a minha mãe.
— Também fui convidado — ele continua, como se isso não o

abalasse em nada —, mas sei que minha mãe fica preocupada quando vou
nessas raves, então achei melhor ficar em casa com a família.

— Nessas o quê?
Giro nos calcanhares e encaro meu pai, que me olha com uma

expressão apavorada.
— Brincadeira do Jay, pai. Claro que não é uma rave, é só um baile
— respondo entredentes, encarando meu arqui-inimigo e esperando que o

fogo nos meus olhos o convença de que é melhor se retratar agora mesmo.
— Tanto faz — Jay cede, dando de ombros, e eu quase respiro

aliviada. — Só lembra de não ficar muito perto do pessoal do Kazim,


parece que ele está levando umas drogas pesadas e como os pais da

Kendra não vão estar, deve virar uma zona aquilo lá. Sem adultos pra
supervisionar…

— Ashley Foster Ray! — É minha mãe quem se levanta.


Se nem ela vai defender minha ida, parece mesmo que a festa já era.
Idiota Jay Anders, um dia eu te mato, seu babaca escroto!

— Mãe, ele tá mentindo… — Ao menos eu acho que está…


— Você consegue olhar no meu olho agora e dizer que é mesmo um

baile de quinze anos?


Troco o peso das pernas de um lado para o outro, encaro Lisa em
busca de socorro, mas as meninas nem para aprontar alguma bagunça

agora e distrair todo mundo desse circo.


— Não, mas… Também não é como Jay está falando! Eu não quero

saber de drogas ou dessas coisas.


Meu pai leva uma das mãos ao peito, parece que vai infartar e me

sinto tão culpada quanto culpo Jay agora por isso.


— Tenho certeza de que não, tia Julia, pode ficar despreocupada —
o imbecil fala, estranhamente me defendendo —, a Ashley não é dessas

coisas, ela só quer ir por causa do Mikael mesmo.


Mas que… Eu vou MATAR O JAY! Com certeza eu vou.
— Por causa de quem?
Meu pai agora está com a mão sobre o rosto, em desespero,

enquanto Tio Tray está rindo alto.


— Chega Jay! — Tia Jas corta a fala dele.

— É, Ray… Ser fornecedor não é fácil, meu amigo…


— Cala a boca, Tray! Suas meninas vão crescer, seu vagabundo.
— Não vão, não!

Meu pai o ignora e se volta para mim, o rosto vermelho, mas não
sei se está bravo ou só preocupado.

— Quem é Mikael, Ashley?


Eu me recuso a responder, apenas me abaixo e arranco as

sandálias, me preparando para voltar para o quarto. Não sem antes pescar
uma batata do prato do meu pai, encher com catchup e atirar na cara de
Jay.

— Ei!
— Eu te odeio, seu babaca!

— É recíproco, Melequenta.
 
 
JAY
 

Eles são muito surtados. Às vezes eu acho que meu pai é o pior, em
outras tenho certeza de que o Ray é o dono desse posto, mas até mesmo

Ethan concorre ao cargo. Sinceramente tio Josh também surpreende, porque


ainda que Kyle seja homem, ele tem milhões de ideias do que o cara pode
aprontar na ausência deles.

Não que esteja errado, vamos botar a casa abaixo. A diferença é que

eles não esperam isso de mim.


— São quase três meses, caralho! Se a gente não tiver um plano,

podemos voltar e ter gente acampando nas nossas barracas — Ashton fala, e

preciso segurar uma risada.

Ashley tem vinte e três anos, o pai dela deve ser muito inocente
mesmo de acreditar que ninguém nunca acampou na barraca dela,

principalmente porque a garota morou fora por três anos.

— A sua é mais velha, é advogada, mais sensata, porra! — Ethan


está se descabelando. — A Lore, eu não sei, não… Majô e eu estamos

preocupados em ficar tanto tempo fora, talvez seja melhor mandar ela ficar

com Rosa.
Essa nem eu aguento ouvir. A coitada da avó da menina não dá

conta, eu sei bem como a Lore é, não faz nada assim tão errado, mas é
bagunceira que só ela, deixa tudo jogado e faz barulho igual um bebê de

dois anos.

— A Rosa tá com o pé na cova — falo alto.


Pelos olhares que recebo, percebo que fui um pouco insensível.

— Foi mal, quis dizer que já está velha pra darem esse trabalho a

ela. Além disso, pelo que conheço da Lore, ela é tranquila, não precisam se

preocupar de deixar a garota aqui com a gente…


— A Julia também era tranquila — Ashton diz, abrindo os braços,

como se isso explicasse tudo.

Meu pai aquiesce e aponta para o amigo, concordando.


— Sua mãe era tranquila pra cacete, Jay! A Anelyse era nossa

garotinha e tava sentando no Josh até o talo pelas nossas costas!

— Merda. Eu ainda não gosto desse assunto — Ashton reclama,


fechando a cara.

— Tem mais de vinte anos isso, supera Ray. Logo meu Anjo vai ter

passado mais tempo casada comigo, do que sendo solteira.

Ray meneia a cabeça, sem dar o braço a torcer.


— E as gêmeas… Meu Deus do céu, Ash! — Meu pai arregala os

olhos. — Eu não tô pronto pra ser avô, porra! Eu sou gostoso, cara. Não
posso ser chamado de vovô, por bebês!

Esse comentário idiota me faz me aprumar na poltrona.

— Deixa de falar bobagem. Ninguém chega perto das minhas irmãs,


não estão loucos, eu passo por cima de moto e nem vão saber o que os

atingiu…

Os quatro me encaram, sérios, por um minuto inteiro e então olham

uns para os outros, aquiescendo em silêncio. É bizarro. Muitas vezes parece


que eles têm um único cérebro.

— É isso.

— Vai ser você, Jay. Nossos olhos e ouvidos nessa casa.


— Nem a pau! Eu trabalho, tenho muitas coisas pra fazer. Não sou

babá, merda! Além disso, seu filho e as suas filhas — falo para Josh, Ethan

e Ash —, jamais iriam aceitar que eu ficasse dando ordens neles.

Ashton cruza os braços e me encara com aquele olhar assassino


— Não precisa dar ordens, e nem falar que te deixamos incumbido

disso, garoto.

— Jay, você já vai olhar suas irmãs mesmo — meu pai tenta me
convencer.

— Elas têm dezessete anos e são minha responsabilidade.

— A única coisa que precisa fazer é ficar de olho e contar pra gente,

cacete — Ethan insiste —, a Lore tem só dezoito, quase a mesma idade das
suas irmãs.

Franzo o cenho, pensando no que estão pedindo. Na verdade, eu não


pretendo fazer nada disso, não sou dedo duro e não vou ficar controlando

todo mundo, exceto pelas gêmeas. Mas se é preciso dizer sim para tirar os

ciumentos do meu pé, que seja.


— Tá bom, eu vigio então.

— Vai me contar se alguém se meter com a Ashley?

— Claro, se notar algo estranho eu te falo.

— E a Lore? — Ethan pergunta, querendo uma confirmação.


— Também. Vou ficar de olho nas coisas — respondo, sabendo que

combinei com Kyle de dar uma festa digna de cinema na mansão e que não

tenho como impedir que as filhas deles estejam por perto.


— E não deixa o Kyle aprontar demais, ou engravidar alguém. Pelo

amor de Deus! Meu Anjo morre.

Isso me arranca uma gargalhada, mas eles continuam sérios.

— Qual a graça, moleque? — Josh está sério, me olhando de um


jeito curioso.

— É que o carma é foda. Vocês ficam aí, morrendo de medo do que

os filhos e filhas vão aprontar, mas comiam todo mundo e não valiam nada.
— Por isso mesmo — Ashton assente —, eu sei como são as coisas.

— Pelo menos meu pai não me inferniza. Né não, velho?


— Já falei o que é que é velho, pivete. Não preciso me preocupar

com você, porque é responsável pra caralho, Jay — ele diz, apoiando as

mãos nos meus ombros como se me desse um conselho sério. — Pode

comer até dar congestão, não me importo. Só que ser fornecedor é triste pra
cacete.

— Já parou pra pensar que quem eu como até dar congestão está

sendo fornecido por um pai desesperado também? — brinco, e percebo a


alegria sumindo do rosto dele.

— Tem razão — concorda, com uma careta triste e noto Josh

meneando a cabeça e rindo em descrença logo atrás. — Pensa direitinho no

prato que tá comendo, meu filho. Se a garota tem idade boa pra tomar
decisões e se é da baderna também. Não vai ferrar com uma simples

camponesa que vai todos os dias ao campo recolher lenha, porque aí vou ser

obrigado a deixar o pai da garota te bater, ele tem direito de defender os


cabelos brancos dele!

— Os cabelos brancos? — Às vezes tenho dificuldade de

acompanhar o que ele diz.

— É, eu já tenho dois — fala, mostrando os fiapos nas têmporas —,


esse se chama Lisa e esse se chama Gal. Eu que cuide de manter escondidos

dos pincéis que querem pintar as duas.


E é o bastante. Ethan explode numa gargalhada alta e Josh também

não se aguenta. Ashton permanece sério, porque acho que a lógica ridícula
do meu pai chega a fazer sentido para ele de alguma maneira.

— Acho que já deu pra mim — falo, sem conseguir decidir se rio

também ou se me desespero pensando nas minhas irmãs e os pincéis

alheios. — Vou passar no estúdio, marquei uma tatuagem hoje e depois vou
filmar uma moto nova.

Ele franze o cenho.

— Você mesmo vai tatuar? Faz tempo que não faz uma
pessoalmente.

— É um cliente especial, só pego os VIPs agora — respondo, dando

uma piscadela pra ele, que responde com um tapa na minha cabeça.
Saio da sala rindo e ciente de que eles vão ficar putos se

descobrirem que não tenho a menor intenção de vigiar ninguém. Não com

todos os problemas que já tenho que enfrentar sozinho.

ASHLEY

 
As duas semanas desde que cheguei em casa se passaram muito
rapidamente, entre almoços e jantares com meus pais, saídas ocasionais

com tia Ane e shopping com as gêmeas e Lore, quase não percebi que a

viagem deles se aproximava e que logo estaria com Gal, Lisa, Lore, Kyle e
Jay, na mesma casa.

Eu o observei mais do que deveria na festa, as costas e os ombros

fortes. Ele era bem magrelo quando fui embora daqui, já era bonito, mas
não tanto assim. O que é uma pena, tanta beleza desperdiçada em uma

personalidade horrível dessas.

Jay é mesmo um imbecil se pensou que eu daria o gostinho a ele de

me irritar com a coroa. Que ele fez com a intenção de me deixar nervosa foi
bem óbvio, o que Jay não sabia, é que o apelido só me ofende quando parte

dele, porque vem em um tom pejorativo, na boca do meu pai sempre foi

elogio e a joia é maravilhosa, por isso mesmo estou planejando usá-la


amanhã à noite, se conseguir escapar para me encontrar com Timoty.

É, não vou dar ao Jay o prazer de me infernizar enquanto estiver


nessa casa. Vou pensar somente em coisas boas e me distrair. Volto minha
atenção para o rascunho diante de mim.

É tão fácil trabalhar em músicas quando estou em casa. Acho que


todo o ambiente ajuda, esse foi o principal motivo que me levou a evitar
seguir a carreira musical, sinto que não é algo meu, um dom, é algo mais de
estímulo, de influência e não de capacidade.
— Nananana… humhum….

I hate to love/ I love to hate…


— Posso entrar? — Ouço as batidinhas discretas na porta,
acompanhadas da voz da tia Ane.

Fecho o caderno rapidamente e me ajeito na cama.


— Entra, tia!
Ela abre a porta e depois a fecha atrás de si, caminha sobre o tapete,

seus saltos se afundando nele até estar diante de mim e então se senta ao
meu lado.
— Pensei em passarmos a tarde juntas, com sua mãe e as outras

também. Porque depois viajamos no fim de semana e demoramos a voltar.


Fiquei três anos longe de todos, mas agora os três meses parecem
muito.

— Passaram rápido os últimos dias, não foi? É uma ótima ideia.


— Perfeito. Você acha que vai ser tranquilo ficar aqui com todo

mundo? Seu primo é arruaceiro, Ashley, qualquer coisa você dá uma bronca
nele!
— Não sei se isso funciona com caras da idade do Kyle, tia.
— Pois é, nem me fala… Eu não quero pensar nisso, mas meu filho
é terrível, vive se metendo em confusão, não parece em nada com o pai!
— Não mesmo — concordo, rindo —, parece mesmo é com a mãe

— falo, e ela abre a boca —, ou a senhora acha que a gente não sabe que
era um demônio perseguindo o tio Josh?

— Eu? — Tia Ane leva a mão ao peito, como se nunca tivesse


ouvido tamanha loucura. — Ele me chama de Anjo, Ashley! Porque eu era
uma garota doce e ajuizada.

— Que perseguia ele pela cidade de carro, inventava namorados


falsos e ainda tem aquela história de quando o tio Tray pegou vocês na
bateria.

— Misericórdia! Quem andou contando essas coisas pra você? Foi o


Tray, não foi? Aquela língua de trapo!
Seu rosto está mais vermelho que um pimentão.

— Se serve de consolo ele conta as coisas da minha mãe e do meu


pai também — digo, com uma careta —, essas eu preferia não saber.
— Mas não conta as dele, né? Se faz de santo!

— Pior que conta, são as que ele mais gosta de falar. Ele adora a da
vez que pegou um camelo na festa do Azal e perseguiu a tia Jas, e aquela

em que correu atrás dela embaixo da mesa da sorveteria.


— Era um dromedário na festa, mas não importa, essas aí não são de
cunho sexual!

— Eu sei, mas pensa que ele só descobriu o Jay quando ele já era
grandinho, isso já é uma fofoca daquelas! Porque eu era pequena, não
lembro de nada direito.

— Foi um caos na época, mas tudo deu certo no final.


— E o insuportável do Jay entrou pra família…

Tia Ane dá um peteleco na minha orelha, me repreendendo, e em


seguida se levanta, me puxando pela mão.
Passamos a tarde juntas, como ela sugere. Encontramos a mamãe na

piscina, com tia Jas, Gal e Lisa, Lore e Majô, ficamos um bom tempo por
lá, fofocando e nos divertindo. Depois tomamos café e seguimos para a sala
de cinema, onde assistimos a um filme de comédia.

Já é início de noite quando cada uma vai para sua casa. Como a
maioria já foi embora, me surpreendo quando encontro Jay na cozinha,
sentado à mesa, debruçado sobre um bloco de notas, ele nem mesmo

percebe minha chegada, concentrado em um desenho que está fazendo.


Quando abro a geladeira, no entanto, o barulho o distrai, ele desvia
os olhos para mim, mas logo volta a desenhar, sem dizer nada.

— Pensei que só fosse passar a dormir aqui quando a turnê


começasse.
— Sim.

Legal. Parece disposto a conversar bastante, que maravilha.


— Então…
— Seu pai me pediu pra passar e ver uma moto dele que estava

guardada e acabei começando isso — fala, apontando para o desenho —,


mas se estou incomodando, eu já vou.
Ergo os braços em sinal de rendição.

— Não falei isso.


— Entendi errado então…

Ele faz uma careta e volta a olhar para a página, me ignorando. Está
irritado e eu nem fiz nada, está na minha casa e não se dá ao trabalho nem
mesmo de ser educado.

— Você é sempre tão hostil.


— E você sempre tão tagarela...
— Só não esperava te encontrar aqui, desenhando. E eu não sabia

que você entendia alguma coisa de motos.


— Alguma coisa? — Agora ele me encara com os olhos estreitos, é
como se tudo que eu falasse estivesse errado de alguma forma. — Você não

tem noção de que eu trabalho com isso?


— Por quê? Eu deveria saber de todos os seus passos? Não faço a
menor ideia do que fez da sua vida nesses últimos anos. Por mim você nem
trabalhava, eu achava que só ficava desenhando o dia todo, já que não quis
estudar.
— Claro. Porque o mimado que vive pra gastar o dinheiro do papai

e ser tratado como se fosse da realeza sou eu.


Arfo, surpresa com a raiva na voz dele.
— Não acho que sejamos muito diferentes nesse sentido, Jay! Mas

ao menos eu escolhi uma profissão, fui estudar, me formei em Harvard, tá


bom pra você?
— Ah, ela tem um diploma da liga Ivy! Que realização do caralho,

hein Ashley? Nem deve dormir a noite com esse cérebro de gênio que você
tem!
— Diplomas são importantes, desenhos são coisas de crianças.

Ele apenas arqueia a sobrancelha e desvia os olhos para a folha à sua


frente, antes de se voltar para mim novamente.

— Não disse que diplomas não são relevantes, eles são, mas pra
quem ama o que faz. Você não queria ser cantora como o seu pai? — ele
pergunta, fazendo uma careta estranha.

Sua testa está brilhando um pouco de suor e isso acaba desviando


minha atenção por um momento.
— Isso não é da sua conta — falo, recobrando a razão.
— Então não me meça com a sua régua. Eu não quero diploma, não
preciso disso, eu tive sim o investimento do meu pai, mas construí meu

negócio, minha empresa do zero e fiz meu nome, você não precisa saber de
nada disso, porque sua opinião pra mim é a mesma coisa que porra
nenhuma.

— Legal. O que você acha sobre meu diploma e minha vontade de


ser cantora tem o mesmo peso, obrigada por me lembrar o motivo pelo qual
eu odeio você, Jay. Você era um menino ignorante e grosseiro, e agora é um

homem com as mesmas qualidades. É ótimo que haja dessa forma, assim
não corro o risco de me esquecer de que você é um babaca.
— Disponha, Princesa.
 

 
 

 
 

Come on rage with me


We don't need words
And we'll be birds

Got to make our own key


(Venha e se ire comigo
Nós não precisamos de palavras

Nós seremos pássaros


Temos que descobrir nosso tom próprio)
Birds - Coldplay

 
 
ASHLEY 15 ANOS X JAY 17 ANOS

 
Estou tomando meu café da manhã na base do ódio. Só de lembrar
do que o Jay fez, estragando tudo na noite passada, meu sangue ferve e

sinto meu rosto esquentar. Como pode alguém ter tanto prazer em ferrar
com a vida dos outros assim? Não consigo entender o que eu fiz pra
merecer esse carma.

— Não adianta ficar emburrada assim — minha mãe fala,

percebendo meu humor maravilhoso.


Ela está escrevendo um artigo, toda compenetrada, mas abaixa os

óculos para me encarar.

— O Jay não fez por mal — fala, enrolando os cabelos escuros em


um coque no alto da cabeça —, ele pensou que nós soubéssemos, porque

assim como seu pai e eu, não esperava que fosse mentir pra nós dessa

maneira, Ashley.
E é isso que estamos vendo. Julia Foster Ray, doutora em direito,

com pós pela universidade de Yale, um dos maiores nomes da advocacia


desse país, caindo em uma ladainha como essa, francamente.

— Sério que acredita nisso, mãe? Ele fez de propósito! Queria me

ferrar!
— Isso é irrelevante. Proposital ou não, só foi possível te ferrar

porque você estava agindo pelas nossas costas.

— Era só uma festa, você e o papai também iam a festas assim —


rebato, ainda que ciente de que ela tem razão.

— Seu pai, talvez. Eu só fui em festas do tipo depois que o conheci,

e eu era muito mais velha que você, adulta já. Você não tem idade pra isso.
— E agora vou ficar de castigo por um mês! Tudo culpa do Jay!

— Culpa sua, Ashley.


— Que seja… Culpa minha então — admito, mas ainda estou com

sede de vingança.

Tícia entra na cozinha com dois homens a seguindo, empurrando

carrinhos abarrotados de compras, ela mesma traz uma caixa nas mãos.

— Podem colocar na despensa por favor. — E então ela sorri ao

nos ver. — Precisam de alguma coisa? Eu vou só colocar os iogurtes na


geladeira e posso pedir que uma das garotas venha fazer ovos mexidos.

Minha mãe recusa com um sorriso.


— Não precisa, já comemos, estamos só conversando agora.
— Eu vou querer um desses iogurtes, são daqueles que eu gosto?

— Sim, os seus e os que o menino Jay pediu.

Só de ouvir o nome dele eu já quase surto. Não entendo por que

ficam até comprando o que ele gosta de comer, o Jay nem mora aqui de

verdade! Pego o meu iogurte e deixo a mesa, seguindo para o meu quarto.

Eu deveria tomar uma atitude, não é justo que Jay saia ileso do que
me fez e ainda fique passeando pela minha casa se sentindo o dono do

pedaço. Aquele idiota!

Ele diz que eu sou mimada, mas como já esteve doente um dia, todo

mundo passa a mão na cabeça dele, apoiam suas atitudes e agem como se

ele fosse o próprio santo sei-lá-o-quê. Eu queria no mínimo que ele tivesse

uma dor de barriga lascada e que sofresse por uns três dias pra eu não ver

a cara de avestruz dele por um bom tempo.


O pensamento vem e é como se um estalo me trouxesse a vingança

perfeita. É isso! Eu vou criar uma diarreia para meu querido inimigo.

Pego meu celular e pesquiso na internet os laxantes mais potentes e

sem sabor que existem atualmente no mercado e logo encontro um que

atende as minhas expectativas. Também encomendo seringa e agulha e

solicito o serviço de entrega.


Quando Tícia chega com o pacote na porta do meu quarto, cerca de

meia hora depois, desconverso dizendo que comprei uma máscara para os
cabelos que queria testar e ela não questiona muito sobre o conteúdo do

pacote.
Para colocar o plano em prática é bem mais difícil, preciso esperar
que todos os funcionários se retirem e que meus pais também se deitem,

então saio na surdina do meu quarto e sigo até a cozinha, onde executo
minha vingança.

O furo da agulha no alumínio dos iogurtes é tão discreto, que ele


jamais perceberia. Dou uma chacoalhada para misturar bem com a bebida

e coloco em todos os potes, pra não correr o risco de ele não tomar ou
demorar muito a acontecer. Pela primeira vez na vida, estou torcendo para
que o Jay apareça por aqui.

Por sorte não preciso esperar muito. No dia seguinte, logo pela
manhã o tio Tray chega para ensaiar com meu pai e os outros e Jay e Kyle

vêm também. Eu os assisto tomarem seus iogurtes com um sorrisinho


mórbido no rosto. Gostaria de ter alertado Kyle, mas infelizmente isso

estragaria meus planos.


O efeito não é instantâneo, claro, então deixo os dois na cozinha e
decido tirar um cochilo. Mas quando acordo, o mundo como conheço se
transformou em caos, e foi um caos que eu mesma criei. Ouço gritos e

passos no corredor e saio do quarto para entender o que está havendo.


— Porra, Tray! Eu não acredito que você fez merda, literalmente,

no tambor da minha bateria — Tio Josh grita, transtornado.


Acho que nunca o vi falar assim.

— Não dava tempo de chegar ao banheiro, caralho! Acha que eu


queria isso, Nicols? Um homem deveria ter dignidade pra colocar o barro
pra fora. Mas não era barro, era uma água, parecia que tinha um rio

fluindo de dentro de mim, cara! Eu era uma nascente e meu… orifício


desaguou no seu tambor, agora já era!

— Caralho, não acredito nisso! Tinha a case da sua guitarra, por


que não usou ela?
Ai meu Deus…

— Ashton! Sai logo daí… — Tio Josh esmurra a porta do banheiro,


gritando. — Eu também preciso entrar, ou vou fazer igual ao babaca do

Tray.
Minha mãe vem correndo pelo corredor, descalça, toda descabelada

e com cinco rolos de papel higiênico nas mãos. Ela sai entregando para
eles e me oferece um também.
— O que tá rolando? — pergunto, já sentindo um medinho.
— Uma virose ao que parece, todo mundo está com diarreia. Seu
pai, eu, Josh, Tray, Ethan, Jay, Kyle… Você e os funcionários não devem
escapar, já liguei pro médico vir nos ajudar.

Todo mundo tomou o iogurte? Mas não é possível que todos


resolveram justo hoje compartilhar o mesmo café da manhã.

— E cadê o tio Ethan e os meninos?


— Nos outros banheiros. O pobrezinho do Jay fez nas calças — fala,
sussurrando —, teve que pegar uma calça do seu pai, o Ethan não

consegue sair do sanitário, assim como seu pai… Eu… Preciso voltar pro
banheiro.

Ela sai correndo antes que eu possa decidir se conto a verdade ou


se deixo a virose vencer.

 
JAY
 

— Então quer dizer que seu pai e os outros querem que você tome
conta das filhas deles? — Elijah está segurando a risada. — Logo você,

porra?
— Ei! Logo eu por quê?
— Você é um puto? Enfia seu pau em tudo que é lugar!
— Ficou doido? Ali é sagrado, elas não são minhas primas de

verdade, mas é como se fossem. Aliás, a Ashley não, eu só a odeio mesmo,


mas a Lore sim, além disso ela tem a idade das minhas irmãs.

— Então não tem perigo. — Ele aquiesce, concordando.


— Nenhum. O único problema é que também não tô a fim de vigiar
nenhuma delas de verdade, vamos torcer pra ninguém engravidar nesse

tempo.

— As coisas são sempre piores na cabeça dos pais, não vai


acontecer nada.

— Acho que é o contrário, mas o que os olhos não veem o coração

não sente.

— Isso, eles não precisam saber de nada. — Ele abre o frigobar e


pega outra cerveja. — Vai querer mais uma?

Meneio a cabeça.

— Não. Pra mim já deu...


— Por falar em garotas, a Pink passou aqui, acho que ficou meio

chateada porque você não ligou, nem apareceu depois daquele dia.

— Sério?
— Sim, ela disse que ficou esperando e você não deu satisfação.
— Porque eu não devo satisfação — falo, balançando a cabeça. — É

uma pena, mas acho que nosso tempo venceu. Ela está começando a levar
as coisas a sério.

— Porra, a mina é legal, Jay.

— Fica com ela, então.


— Você não pode estar falando sério…

— Eu não me importo, ela é legal mesmo, gosto dela, mas não

assim. Não estou procurando um namoro, agora não.

— Por que não? Seus exemplos de relacionamento não são bons?


— São ótimos na verdade, é que sei lá, só não é o meu momento.

— Então vai ocupar seu tempo trabalhando como babá fake.

— É, vai ser foda. A Ashley mal chegou e já tive uma treta com ela
ontem, eu não sei o que acontece direito, mas ela consegue me deixar puto

sem fazer quase nada, e me pegou em um dia em que eu não estava nada

bem...
— Se sentindo mal? — ele pergunta, parecendo preocupado.

— Um pouco…

— Posso fazer alguma coisa?

— Tô cuidando disso.
— Certo. — Elijah aquiesce e parece se esforçar para mudar de

assunto. Ele sabe que não ando muito legal, mas que odeio falar a respeito.
— Bom, pelo menos você só tem que se preocupar com ela, já que as outras

são tranquilas.

— É, até que são. A Ashley é de boa também, só é um pé no saco.


— Ela não tem namorado?

— Não que eu saiba, ou que o pai dela saiba…

— E quando começa a provação?

— Hoje. Nossos pais saem um pouco mais tarde e essa noite já


tenho que dormir lá.

— Boa sorte, então.

Aproveito a deixa e saio do galpão, seguindo para a mansão do


Ashton.

Meus pais já chegaram, com as malas e tudo, assim como os outros

e o ônibus que ostenta o rosto dos quatro já está estacionado em frente à

casa.
A despedida é demorada, porque por mais que se façam de durões,

são emocionados quando se trata dos filhos e repetem os mesmos conselhos

e advertências milhares de vezes antes de finalmente seguirem viagem.


Amber vai com eles, já que agora é oficialmente agente da banda, desde que

Carter se aposentou do cargo.

Guardo minha moto na garagem e sigo os outros para dentro da

casa. O quarto que prepararam para mim é o mesmo que eu ficava quando
era pequeno, mas com uma decoração mais moderna e menos infantil.

As paredes são pintadas em tons de branco e cinza e a cama de casal


coberta por lençóis pretos. Há uma televisão enorme que fica escondida no

teto, mas que ao acionar o botão, desce e se posiciona em frente à cama.

O closet já está abastecido com as minhas roupas e o banheiro é


muito espaçoso. Tudo ainda melhor que na minha própria casa. Talvez seja

uma boa ideia tomar um banho agora, antes de sair para comer alguma

coisa…

Tiro a camisa e a calça e estou prestes a arrancar a cueca também


quando ouço a voz dela logo atrás de mim.

— Jay, posso te perguntar uma coi…

Eu me viro e encontro Ashley de pé, atrás de mim. Seus olhos estão


arregalados e as bochechas coradas, mas, por alguma razão, perdi a

capacidade ou a vontade de reagir rápido.

Seus olhos pousam sobre o meu pau e ele ganha vida embaixo da

cueca. Porra… Isso só pode ser uma realidade paralela.


— Você está… de cueca.

Cacete, ela está usando uma blusa branca e acho que está sem sutiã,

porque consigo ver seus mamilos se projetando pra fora e instintivamente


levo a mão ao pau para o ajeitar melhor.

— Entrou sem bater, Princesa.


— A porta estava aberta. Como eu ia adivinhar que você estaria

quase sem roupas?

— Se te incomoda é só parar de olhar.

— Parar… É… — ela fala, antes de subir os olhos para encarar os


meus. — Preciso de uma informação, mas se puder se vestir vai ser melhor.

— Vou tomar banho, se quiser pode ficar no banheiro conversando

comigo.
— Babaca. — Ashley me dá as costas agora, a bunda arrebitada na

saia curta não ajuda a me lembrar do porquê esses pensamentos são

despropositados pra cacete. — Eu ia passar pra cozinheira o cardápio do

jantar, mas não a encontrei, não achei ninguém da cozinha. Falei com a
Tícia e ela disse que você falou com o meu pai que não precisávamos de

cozinheiras, posso saber por que fez isso, Jay?

— Falei pro Ashton que você é uma cozinheira maravilhosa e que


com certeza adoraria cozinhar durante esse tempo em que eles vão estar

fora.

— Você não fez isso! — Ela se vira e coloco a mão no cós da cueca,

como se fosse retirar a peça, arrancando um gemido dela que, caralho, me


faz pensar em um cenário muito diferente. Ashley volta correndo à posição

anterior. — Meu pai jamais iria concordar com isso tão aleatoriamente!
— A menos que eu dissesse que você pediu que eu falasse sobre

isso, que você gostaria de cozinhar para nós durante esse tempo…
— Você é um cara bem desprezível, sabe? Não adianta em nada esse

pau enorme se a sua cabeça de cima não pensa!

Isso me arranca uma gargalhada e confesso que massageia meu ego.

— Quer dizer que meu pau é enorme, Ashley? Essa conversa está
imprópria em tantos níveis que nem sei mensurar.

— Você não pensa! Me surpreende que saiba o significado de

mensurar, porque basta eu ligar pra ele e dizer que era mentira, no máximo
me causou um inconveniente por hoje, já que vou ter que preparar alguma

coisa pro jantar.

— Tá bom então, eu e meu pau enorme vamos sair com uma garota,
mas volto mais tarde.

— Que bom pra ela, só tenta não conversar pra não estragar as

coisas…

Ashley sai do quarto e perco algum tempo observando o modo como


seu quadril ondula de um lado para o outro. Porra, que merda deram pra

essa garota em Harvard?

 
 
ASHLEY

Estamos jantando macarrão com queijo quando ele retorna, mas as


poucas horas de distância não foram o bastante para que eu me conformasse

com nada do que aconteceu hoje.

Primeiro: eu não deveria ter entrado no quarto daquele jeito.


Segundo: não deveria ter visto o que eu vi.

Terceiro: ele não tinha o direito de ser gostoso assim, é errado em

tantos níveis que não consigo nem explicar.

Quarto: eu não deveria gostar do que eu vi, porque bem, é o Jay e


nada que venha dele pode ser bom, nem mesmo o pau de uns vinte e tantos

centímetros!

Quinto, mas que deveria ter sido primeiro: ele não tinha que ter
falado nada daquilo pro meu pai, assim as demais coisas não teriam

acontecido.
E então o safado me sai de casa, depois de me fazer cozinhar para as
gêmeas, Lore e Kyle e volta pouco depois com uma peguete, achando que

os dois vão comer a minha comida e depois ele vai comer a garota?
Ah, mas não mesmo.
Eu os observo entrar na cozinha. A garota tem o braço enlaçado no
dele e sorri de alguma coisa que ele falou. Como se Jay falasse coisas
engraçadas…

— Boa noite, gente. Já jantaram? — ele pergunta, tentando soar


gentil.
Jay até sabe ser gentil, quando o alvo são suas irmãs ou outras

pessoas que não eu.


— Macarrão com queijo — Gal conta. — A Ashley fez pra gente.
— Que delícia, mas eu dispenso — fala, tendo a ousadia de piscar

pra mim. — Vou pedir alguma coisa pra mim e pra Diane.
— Bom que sobra mais — Kyle diz, enchendo o prato outra vez —,
isso tá bom pra caralho.

— Sério? — Jay sonda a panela com curiosidade. — Talvez eu


possa experimentar um pouco.
— Infelizmente não vai dar — interrompo, arrancando a panela da

mesa na maior grosseria, dona Julia teria afundado minha cabeça dentro do
macarrão se visse —, não sabia que viria e não fiz pra você, ainda mais com

visita.
— Ashley! — Lore me repreende pela falta de educação.
— O quê? Ai, me desculpa, Diane! É que ontem ele avisou que viria

com a Jessica e que ela dormiria aqui, aí me preparei. Por falar nisso, eu
achei que fossem namorar… hoje cedo parecia tão sério entre vocês.
Jay estreita os olhos, percebendo que estou me vingando pelas
cozinheiras e Diane o encara com o cenho franzido e cara de poucos

amigos. Quem é Jessica eu também não sei, foi o primeiro nome que me
veio à cabeça.

— Você tem namorada, Jay? — Diane não parece gostar nada da


Jessica.
— Claro que não, Ashley está só brincando.

A menina volta a me olhar.


— Namoro acho que não é, né? Mas sua mãe deixou aquela roupa
que ela esqueceu na sua casa pra você devolver.

— Olha só, Jay, isso não é legal. Você trouxe outra garota pra cá
ontem, todo mundo aqui sabe e viu e hoje me traz como se… Sei lá, cada
dia da semana é uma pessoa? Eu tô fora!

— Mas ontem eu nem fiquei com ninguém — ele resmunga,


observando a foda da noite dar meia volta e deixar a casa.
Ponto para mim.

Jay sai logo atrás da garota, mas na direção contrária, rumo ao seu
quarto e me volto para meus acompanhantes de jantar. Lore está segurando

uma risada, Gal me fita com a sobrancelha arqueada, enquanto Lisa não
parece ter entendido bem o que houve aqui e Kyle come como se não
houvesse amanhã.

— Essa Jessica nem existe — Lisa fala, mas sua fala sai em tom de
questionamento.
— Não, mas o seu irmão falou para o meu pai que eu queria

cozinhar para todos nós por três meses e fez com que ele dispensasse todas
as funcionárias da cozinha. A única coisa que eu sei fazer é o que vocês

estão comendo agora, então me senti no direito de me vingar!


Gal gargalha e bate palmas, empolgada.
— Vai ser tão divertido dividir a casa com vocês dois! Vão se matar

antes que nossos pais voltem!


— Gal! Não pode torcer por essas coisas, sabia? Eles deveriam se
dar bem — Lisa repreende a irmã.

As duas são completamente opostas, na infância isso não era tão


nítido quanto é agora. As personalidades, porque enquanto Lisa é dócil,
meiga e toda bonequinha, Gal é mais bad-girl, bagunceira e fala na lata tudo

que vem na cabeça, e também a maneira de se vestirem, o que facilita para


que nós possamos as distinguir, já que Gal é toda trabalhada na
sensualidade, roupas coladas e curtas, muito preto e make pesada e Lisa é

toda romântica e fofa. Se não fosse isso, seriam idênticas.


Engraçado é ver que apesar disso, Kyle e Lisa, completamente

opostos, são melhores amigos, se dão super bem e não desgrudam pra nada,
ainda que seja com Gal que ele saia para as baladas, quando Jay não está
por perto. Essas são as informações que consegui colher com Lore, que

ainda que fique mais na dela, sabe de absolutamente tudo.


— Isso não vai acontecer nessa vida — Kyle decide se intrometer
—, Jay e Ashley é impossível, mas a gente pode se divertir assistindo as

tretas dos dois.


— Será que ele vai retaliar? — Até Lore parece interessada agora.

— Com certeza — Gal está sorrindo como uma diabinha. — Ela


melou a foda do Jay, ele não vai perdoar.
Penso por um instante que eles têm razão e não sei se estou pronta

para lidar com isso. Timoty vem me ver amanhã ou depois e não posso
correr o risco de que Jay me entregue para o meu pai, preciso dar um jeito
de ficar bem com o babaca, nem que para isso precise levantar a bandeira

branca.
Em silêncio e sob os olhares atentos de todos, pego um prato e
começo a encher com macarrão, talvez seja o suficiente para amansar um

pouco a fera.
 
 

 
 

 
 

I wish you didn't have to post it all


I wish you'd save a little bit just for me
Protective or possessive? Girl

Call it passive or aggressive?


(Eu queria que você não precisasse postar tudo
Eu gostaria que você economizasse um pouco só para mim

Protetor ou possessivo? Menina


Chame isso de passivo ou agressivo?)
Jealous – Nick Jonas

 
 
ASHLEY

 
Apesar do meu esforço ontem, Jay bateu a porta na minha cara, mas
teve a ousadia de abrir uma fresta e pegar o prato de macarrão, e agora

estou estirada na minha cama, pensando em como as coisas foram de zero a


cem desse jeito.
Nós sempre nos detestamos, isso é um fato indiscutível. Mas agora,

com meus pais fora da cidade, pensei em matar um pouco da saudade do

meu namorado, que deve chegar a qualquer instante e essa briga com Jay
complicou tudo, já que ele pode tentar dificultar minha vida.

O que não torna nada mais fácil é a cena que não sai da minha

cabeça. Onde foi que ele conseguiu aquele par de coxas? Meu Deus do céu!
Como uma pessoa consegue aqueles músculos? As tatuagens no corpo todo,

o abdômen trincado, o peito…


Credo, se não fosse gostoso eu entenderia mais fácil o ódio que ele

tem da vida. Mas não, o desgraçado tem o corpo do diabo e ainda tem um
pau enorme. Será que estava… Não, ele nem estava excitado, o que

significa que duro é ainda maior.

De repente fica muito calor no quarto, busco o controle do ar-


condicionado e aperto o botão para ligar, pensando em como fui entrar lá

sem bater, agora acabei vendo o idiota quase pelado, e uma visão dessas não

é fácil de esquecer.
Eu não sou uma menininha inocente. Não sou mais virgem, por mais

que meu pai teime em pensar assim, mas não sou também experiente

demais, só transei com dois garotos, Timoty vai ser o terceiro, muito em
breve, mas nenhum deles era igual o Jay. O que é uma pena, porque todos

eles eram mais gentis e agradáveis. Não se pode ter tudo, não é mesmo?
Ouço as batidas na minha porta e logo Lore bota a cabeleira loira

para dentro.

— Oi, Ashley… — Ela olha para os dois lados do corredor. — Seu

namorado chegou — sussurra.

Coloquei Lore e Gal para me ajudarem a contrabandear Timoty para

o interior da casa. Como Lisa saiu com Kyle para irem ao cinema, minha
única preocupação é com Jay e os funcionários.

Faço um gesto indicando que ela o mande entrar.


Pensei muito nisso, mas não podemos ser vistos pelos outros. Se
alguém me dedurar, meu pai vai enlouquecer, então nada de ir até à cozinha,

já que as funcionárias retornaram hoje para a mansão e está cheio de gente

andando pela casa até as dez da noite, quando encerram o expediente e vão

para suas próprias casas. Mas como já passa das nove, se o Jay acabar

saindo, posso preparar alguma coisa para comermos mais tarde e mostrar a

casa para o Timoty, Lore vai me informar quando tudo estiver livre.
Timoty passa pela porta, sorrindo e me envolve em seus braços,

sinto o cheiro do seu perfume me alcançar, ele é um fofo, os cabelos claros

estão meio bagunçados e as roupas um pouco amassadas, o que me faz

pensar que saiu do voo e veio direto me ver.

Ele é bem bonito, uma beleza comum, não tem nada de excepcional

que te faça olhar e ficar boquiaberta em um primeiro momento, mas

devagar você percebe os traços, o sorriso, os olhos castanhos com algumas


pintinhas mais claras, as sobrancelhas bem desenhadas.

— Você não foi ao hotel?

Seguro suas mãos e o arrasto até a minha cama, de onde não

pretendo sair tão cedo.

— Só deixei minha bagagem e vim, estava morrendo de saudades de

você...
— Eu também.
Estamos namorando há alguns meses e tudo aconteceu lentamente

entre nós. Ele estudava comigo, morava por perto e as coisas foram
evoluindo naturalmente. Timoty é um cara tranquilo, não força a barra e é

confortável estar com ele, nós nos damos bem, ele é amigo das minhas
amigas da faculdade, fazia sentido começar a namorar com ele.
— Bom, vou deixar os dois aí, qualquer coisa me manda mensagem

— Lore diz —, e quando a barra estiver limpa, eu falo com os dois também.
Com esse aviso, ela nos dá as costas e fecha a porta, dando uma

piscadinha na saída.
Timoty sorri e nossas bocas se encontram em um beijo afoito, ele já

arranca a jaqueta e por um momento eu penso que talvez nossa hora tenha
chegado.
 

JAY
 

O dia não foi dos melhores. Além das dores de cabeça que vêm me
incomodando, tive que aturar um possível comprador que acha que tem o
rei na barriga só porque tem grana, como se isso na minha família, hoje em

dia, não fosse quase a mesma coisa que mato.


O homem me encheu o saco por quase duas horas reclamando das

condições de compra e venda para, no fim, não levar a moto e só me deixar


com uma enxaqueca horrorosa. Não consegui me alimentar direito e a única

coisa no meu estômago até agora é o café da manhã, mas já é hora do jantar,
então, para completar, estou puto, porque sou o tipo de pessoa que se irrita
quando está com fome.

Preciso fazer um lanche rápido e malhar, depois penso em um jantar


decente, mas meu companheiro de treino desapareceu. Bato na porta do

quarto do Kyle, mas ninguém responde.


— Kyle! — Esmurro a porta mais três vezes. — Bora pra academia,
seu molenga.

No final do corredor, Gal aponta a cabeça para fora da última


soleira.

— Deixa de ser escandaloso. O Kyle saiu com a Lisa, foram ver um


filme idiota.

— De novo? Ele não desgruda da minha irmã, não?


— Eu também sou sua irmã — fala, cruzando os braços.
— Você não conta — falo, brincando.
Na verdade, eu confio no Kyle pra caramba, nós somos todos como
irmãos, ele e Lisa também, só fico irritado por perder a companhia para o
treino.

— Não quer malhar comigo, não? — chamo, sabendo que essa aí é


caso perdido.

— De jeito nenhum! Além de não querer, estou ouvindo um podcast


de true crime.
— Você é mórbida, sabia?

Gal abre um sorriso, exibindo o batom preto.


— Sabia, sim, obrigada e boa noite!

Ela bate a porta e me deixa sozinho novamente.


Gal não quer ir, Kyle e Lisa saíram e não tem mais ninguém, minha

cabeça lateja e levo a mão até a têmpora tentando me situar, mas acho que
vou precisar de um analgésico. Franzo o cenho quando um som bem
estranho chega até mim e demoro um pouco a identificar o que é, não

porque não reconheça, mas porque é tão inadequado para o local que não
faz sentido.

Alguém está gemendo?


Vem do quarto da Ashley. Me aproximo da porta devagar e escuto,
quieto, confirmando se não estou ouvindo coisas.

Caralho, como ela geme gostoso…


Meu pau fica duro na mesma hora e por um momento, até esqueço
que estou com dor de cabeça. Será que ela está se tocando? Preciso voltar
pro meu quarto, eu não deveria estar escutando nada disso, mas quando me

lembro do modo como ela me olhou ao me pegar praticamente sem roupas,


é inevitável imaginar como seria fazer a mesma coisa agora.

Será que ela está usando um vibrador? Ou com os dedos dentro da


boceta? Como será a boceta dela, toda melada? Porra, Jay! Isso é um crime
federal com toda certeza.

Ashton. É só me lembrar do Ashton que vai passar essa merda.

— Assim, Timoty…
Timoty? Mas quem caralhos é Timoty? Tem um cara comendo a

Ashley debaixo do meu nariz?

— Ai, cacete! — Me viro e encontro Lore atrás de mim, com os

olhos arregalados.
Ela ergue a mão para me impedir, ao mesmo tempo em que abro a

porta, percebendo que estão de conluio.

Os dois estão deitados na cama, e o infeliz em cima dela.


— Mas que porra é essa, Ashley?

A imagem invade a minha mente como se fosse um meteoro. Um

cara que eu nunca vi na vida, com o zíper da calça aberto e obviamente de


pau duro se levanta e arruma o cabelo, piscando os olhos ao me ver entrar
no quarto. Ashley se senta na cama e começa a fechar os botões da blusa,

desvio o rosto pra não ficar encarando enquanto isso, ainda que esteja puto
pra cacete, por respeito.

Eu não estou raciocinando bem, meus sentidos estão todos

misturados e me sinto uma bagunça nesse momento e, infelizmente para


esse cara, ele acaba de se tornar o alvo da minha raiva.

— Eu é que pergunto, Jay! Quem você pensa que é pra entrar no

meu quarto desse jeito?

— Quem é esse cara?


— Meu namorado, Timoty.

— Namorado? Você não tem namorado — rebato, rejeitando a

informação e me sentindo um pouco enjoado.


Ashley não namora, eu nunca ouvi falar a respeito, os pais dela não

mencionaram e Ashton inclusive me pediu que tomasse conta da barraca

dela, como nomeou. Então não, isso não faz o menor sentido agora.
— Como assim eu não tenho? Você não sabe nada sobre mim, eu

voltei faz poucos dias e nem conversamos direito.

— Ela está falando a verdade, Jay. Ashley e Timoty namoram já tem

uns meses — Lore fala, se colocando entre mim e o rapaz.


Avanço na direção dele, bem a fim de encher esse idiota de porrada,

e nem sei por quê. Eu nunca vi o infeliz na minha vida e ele nem me fez
nada, mas Lore franze o cenho e apoia a mão no meu peito.

— Ei! Já deu, né?

— Sai daí, Lore…


— Eu acho que já vou, Ashley. — O tal de Timoty nem mesmo me

olha ao falar com ela.

Ainda não entendi qual é a dele, mas decido que vou o acompanhar

até lá fora.
— Vou te levar até o portão, amigo.

— Ah, não vai não. — Ashley se levanta da cama rapidinho.

— Eu sou civilizado, ok? Não vou bater no seu ficante, só estamos


nos conhecendo — falo, sabendo que vou botar ele para correr em dois

segundos.

O sangue corre mais rápido nas minhas veias e eu não sei bem que

tipo de reação é essa. Talvez eu esteja irritado porque estão enganando o


Ashton, mas isso não faz sentido nem mesmo para mim.

O rapaz não se aproxima dela, mas Ashley caminha rebolando até

estar diante dele e dá um beijo rápido em sua boca, me olhando com ar de


desprezo em seguida. Não sei o que ela pensa que está fazendo, mas me

deixa mais nervoso.

Lore fica com ela e eu saio, acompanhado do esquisitão.


— Então, Jay… Eu sei que entrei aqui escondido — ele começa a

falar logo que saímos do quarto.


Apenas ergo a mão no ar, interrompendo, e só começo a falar

quando chegamos ao lado de fora da casa.

— Seguinte, Timoty. O Ashton me disse pra tomar conta da Ashley


enquanto ele está fora, isso significa que até ele decidir que está de acordo

com esse lance de namoro, eu não estou. E não estou confortável em ver

você se esfregando em cima dela também, aliás, com nada que envolva

você e a Ashley juntos.


Não sou de rodeios e não estou no clima para me fazer de gentil, não

sou pago pra ser amigo de ninguém e não espero que gostem de mim, então

ele que se foda.


— Não estou entendendo, quer dizer que não vai aceitar que eu

entre aqui durante os três meses da viagem dos seus pais?

— Não. Quero dizer que não vai ver nem falar com a Ashley, vai

terminar essa bobagem aí que chamam de namoro.


Dessa vez ele ri, ao menos isso me dá alguma satisfação.

— E eu tenho que terminar meu namoro com ela porque você, que

não é nem primo dela mandou? Sabe que ela te odeia, não sabe?
— Sei, eu também odeio a Ashley. Mas sabe do que eu gosto? De

quem tem coragem, Timoty. Vou te admirar mais se disser que não vai
terminar.

— Eu não vou terminar porque você quer.

— Mas aí vai ter que lidar com as consequências.

Ele titubeia, percebo sua hesitação diante do meu olhar e sei a


impressão ruim que passo para as pessoas, sei que boto medo quando quero

e que quando julgam pelas aparências, a minha não é das melhores nesse

sentido.
— E quais são? — ele questiona, cruzando os braços, como se me

desafiasse.

— Primeiro eu vou te dar uma surra, aqui e agora e não estou

brincando. Pode ser que eu te atropele também.


— Está me ameaçando? Isso é crime.

— É mesmo.

Ele fecha os punhos ao lado do corpo e me preparo para levar o


primeiro soco, mas ao invés disso, Timoty me dá as costas e sai andando na

direção da guarita.

— O que isso significa, caralho? Não preciso te atropelar?

O babaca não me responde e fico parado, o observando sair,


sentindo muita raiva e tentando entender porque eu fiz isso. Eu disse a mim

mesmo que não iria vigiar a Ashley, eu não tinha nada a ver com essa

situação e não tinha razão para o ameaçar o cara. A única coisa que me
tranquiliza, é saber que se ele é frouxo o bastante para desistir dela por

medo de mim, ela vai ficar melhor sozinha.


Quando volto para dentro da casa, sou recepcionado pelas três

panteras, já que ao ouvir o escândalo minha irmãzinha se juntou a elas.

Gal parece estar se divertindo com a bagunça, Lore está preocupada

e Ashley, brava pra cacete.


— Jay o que você pensa que está fazendo, hein? Passou de todos os

limites!

Dirijo a ela meu melhor olhar de quem não faz ideia sobre o que ela
está falando, melhor isso do que dar o braço a torcer e admitir que exagerei

mesmo.

— Vou malhar.
— Jay, eu estou falando com você. Se isso for só porque ontem eu

falei pra sua amiguinha que tinha trazido outra garota em casa, não era pra

tanto, né? É diferente, o Timoty é meu namorado.

É uma ótima desculpa a que ela me oferece, mesmo que eu não


tivesse nem pensado nisso, quase chego a sorrir com a chance de escapar

pela tangente.

— Quando você botou a garota pra correr ontem então estava tudo
bem, mas quando sou eu, você surta, Princesa? Só revidei, não dizem que

chumbo trocado não dói?


Gal ri alto e meneia a cabeça, eu sabia que a sem-vergonha estava
achando o máximo.

— Vocês são como uma novela! Eu não disse que seria divertido,

Lore? Os dois são muito imbecis.


— São mesmo, o coitado do menino ficou branco igual papel

quando viu o Jay desse tamanho entrando no quarto, quase fez xixi nas

calças de medo!
— Lore! — Ashley repreende a amiga. — Ele não ficou com medo

do Jay…

Lore a encara com condescendência.

— É verdade, sinto muito. Ele é um fofo, mas é pequenininho, né?


Não tinha como enfrentar o Jay.

— E não precisava, porque o Jay não é nada meu pra ficar se

doendo e sei lá, vingando minha honra por aí, como um cavalheiro do
passado.

— Não sou mesmo, só dei o troco — minto. — Agora vou malhar.


Boa noite para as três panteras e Gal, fala pro Kyle descer na academia
quando ele chegar.

Ashley me dá as costas, atirando os cabelos castanhos literalmente


na minha cara e sai batendo os pés no chão com força, a blusa branca sobe
um pouco, revelando parte das costas dela e me lembro do modo apressado
como fechou os botões.
Cacete, eu já estava com dor de cabeça, com enjoo, irritado e agora

ainda preciso parar de pensar um monte de besteira.


Chego na academia e confirmo que é dia de malhar perna, encho
minha garrafa de água, ligo o som e me sento na cadeira extensora. Estou

na segunda série de exercícios, já suando pra cacete quando a música para e


uma Ashley muito vermelha aparece na minha frente.
Ela trocou a roupa de antes por um baby-doll que deveria ser

proibido e demoro alguns instantes para perceber que está pronta para mais
uma briga, porque estou distraído demais com o decote profundo,
emoldurado pela renda preta e pelas pernas totalmente expostas.

Essa garota está conseguindo me perturbar de maneiras diferentes


nos últimos dias, parece um dom que ela tem.
— O que foi agora?

— O que você fez, Jay? — pergunta, apontando o dedo na minha


cara.

Franzo o cenho, tentando me situar.


— Estou malhando, cacete. Não tá vendo?
— O que você fez com o Timoty?

Ah, isso. Então pelo visto o rapaz seguiu o meu conselho à risca.
— Por quê? — Me faço de desentendido.
— Porque ele simplesmente me mandou uma mensagem, dizendo
que era melhor não nos vermos mais e que estava terminando comigo. Por

mensagem, Jay! O que foi que você fez com ele?


Respiro fundo, sabendo que não adiante mentir e esfrego o rosto me

preparando para ouvir os gritos, o que vai só piorar minha dor de cabeça.
— Eu disse que ia bater nele, tá satisfeita?
Ashley pisca os olhos, surpresa com minha resposta.

— Quer dizer que você só falou que ia brigar com ele e foi o
suficiente pra terminar o namoro comigo assim?
Pondero se devo dizer tudo, mas quem está na chuva…

— Talvez eu tenha dito também que ia passar por cima dele de


moto, mas Ashley, não era sério, caralho. Era só pra botar medo nele.
— Eu não acredito que você fez isso!

— Não, não, não! Segue a primeira linha de raciocínio que você


estava indo bem — falo. — Quer mesmo namorar esse cara mole? Que
aceita terminar com você porque uma outra pessoa, que como você faz

questão de sempre dizer, não é nada seu, fez uma ameaça vazia? Ele é um
molenga.

— A questão não é essa.


— Seu pai pediu pra ficar de olho em você, e é isso que eu vou
fazer, agora já sabe e fica mais esperta antes de ficar gemendo por aí na

maior altura. Eu te escutei do corredor e aí entrei.


— Que indelicado da sua parte seu brutamontes! E se eu estivesse
sozinha?

Abro um sorriso com a sugestão.


— Teria sido uma cena bem melhor do que a que eu encontrei.

— Idiota! — Ela me dá um tapa na cabeça, meio rindo, e preciso me


esforçar muito para que não perceba o quanto está doendo.
 

 
 

 
 

Loving can heal


Loving can mend your soul
And it's the only thing that I know

I swear it will get easier


Remember that with every piece of you
(And it's the only thing we take with us when we die

Amar pode curar


Amar pode remendar sua alma
E é a única coisa que eu sei

Eu juro que fica mais fácil

Lembre-se disso em cada pedaço seu


E é a única coisa que levamos conosco quando morremos)

Photograph – Ed Sheeran

 
 
 
ASHLEY

 
Os últimos acontecimentos ainda não me parecem reais, é tudo
insano demais para ser verdade. Jay invadindo o quarto daquele jeito,

expulsando Timoty e simplesmente se intrometendo no meu


relacionamento.
Ou Timoty, se transformando de príncipe em babaca em questão de

instantes, terminando comigo por meio de uma mensagem simplesmente

porque ficou com medo do Jay, não consigo acreditar que ele não achou que
deveria ao menos me contar o que havia acontecido!

Estou trocando de roupa dentro do closet, quando escuto a porta do

quarto se abrindo e logo em seguida a voz de Lisa me chamando.


— Ashley?

— Oi! Aqui… No closet!


Pouco depois ela aparece. Os cabelos escuros estão presos em dois

rabos, um de cada lado do rosto. Lisa sempre usa vestidos românticos e


fofos, o de hoje não é diferente, todo meigo em tons de rosa e lilás e ela me

abre um sorriso, ostentando os lábios brilhantes de gloss.

— Como você está? Me contaram que essa casa virou um caos na


minha ausência.

— Verdade, Lili… se estivesse aqui, aposto que isso não tinha

acontecido — falo brincando. Todos sabemos que ela é a mais pacífica


entre nós.

— Está fazendo gracinha, mas eu sempre amoleço o Jay, quem sabe

ele pudesse ter se acalmado?


— Nisso tem razão, eu ainda não entendi bem por que ele fez isso

— conto, observando como ficou o vestido azul no meu corpo —, ele disse
que o papai pediu que me vigiasse, assim como o tio Tray deve ter mandado

olhar vocês e o Ethan, a Lore… Mas foi demais, sabe? Ele entrou aqui e

depois ameaçou atropelar o Timoty!

— Jura? — Lisa ergue as sobrancelhas, nem ela está acreditando. —

Que coisa estranha, geralmente ele só é ciumento assim comigo, e às vezes

com a Gal.
— Não é ciúmes, boba. Ele parecia… irritado? — Meu comentário

sai em tom de pergunta.


Não sei bem o que Jay tinha, porque nem Timoty, nem eu, havíamos
feito nada diretamente para ele, então acho que ele já estava nervoso com

alguma coisa.

— É, o Jay anda estranho, muito estressado, com um humor do cão.

Mas não esquenta, é só conversar com seu namorado e…

— Ele terminou comigo porque o Jay o ameaçou!

Lisa fica quieta, me encarando por um instante. Acho que ela


também não sabe o que dizer diante disso.

— Pode ser que tenha ficado assustado — fala, por fim.

— O Jay pode meter medo com aquela cara de malvadão e pra um

rapaz certinho como o Timoty, talvez a pegada bad-boy assuste um pouco,

mas daí a me mandar uma mensagem terminando? Jay tem razão e nunca

pensei que fosse dizer isso, foi muita covardia. Agora ele que não tente

voltar atrás porque eu não vou querer!


Lisa pondera e me analisa, com seus olhos estreitos.

— Você não parece estar sofrendo ou desiludida, não está com os

olhos inchados de chorar a noite toda.

Não tenho muito o que dizer quanto a isso.

— Acho que não tem nem duas horas desde que ele saiu, mas eu

entendi seu ponto. A gente começou a namorar não tinha muito tempo, era
bem legal e tudo, eu gosto dele, fiquei chateada, mas talvez não seja…

Bom…
— Você não está apaixonada — Lisa conclui, aquiescendo.

— É, acho que não, não sei se já me senti assim de verdade.


Ela assente outra vez, parecendo pensativa. Ainda que seja bem
mais nova que eu, pelo modo como me fita, poderiam dizer que é a mais

experiente nesse assunto.


— Você já? — pergunto, porque sua reação me deixa curiosa.

— Se eu já me apaixonei?
— É…

Ela desvia os olhos dos meus para o chão e toda sua postura muda.
É bem nítido que esse é um assunto com o qual não se sente confortável.
— Já, mas não é isso tudo que falam.

— Hum… E eu conheço a pessoa?


— Como conheceria? — Lisa devolve a pergunta, com um

sorrisinho. — Você ficou fora tanto tempo.


Isso é indiscutível, perdi muito das vidas de todos eles por aqui,

agora me resta tentar me colocar a par de tudo e, pelo jeito, sem Timoty
comigo, o que mais tenho é tempo livre.
— Cadê o Kyle? — pergunto, de repente tendo uma ideia.

— Acho que foi pro quarto dele…


— Vocês foram ao cinema, não foram?

Ela franze o cenho ao perceber que estou tramando algo, mas


confirma.

— Mas nós não fomos. E se juntarmos todo mundo pra uma sessão
cinema e noite do pijama? — sugiro, me animando. — A gente pede pizza e

assiste alguma coisa legal, depois dorme todo mundo junto, como quando
éramos pequenos!
— Ah! Eu acho o máximo! Vou chamar as meninas agorinha.

— Perfeito, vou chamar o Kyle então.


— E meu irmão… — Lisa lembra, já se distanciando.

Faço uma careta, me lembrando da nossa última briga, que até não
terminou tão mal quanto começou, mas não estamos nesse ponto ainda.
— Melhor você falar com ele.

— De jeito nenhum, o Jay tá um chato, você que lute com o humor


dele.

Lisa simplesmente sai correndo, antes que eu insista para que ela
faça isso.

Decido primeiro me focar no planejamento e depois nesse problema


em específico. Temos uma sala grande de cinema em casa, com um telão e
mais ao fundo poltronas confortáveis, mas, como precisamos de um espaço

para os colchões, não é o mais viável.


Nossa sala de televisão é bem grande também, então é a melhor
escolha. Sigo até lá e afasto os móveis para abrir espaço, deixando apenas o
tapete felpudo que cobre todo o chão. As meninas aparecem um pouco

depois, cada uma já arrastando o próprio colchão e o posicionando sobre o


tapete, também busco o meu e o coloco no canto, mais perto da parede, mas

deixando espaço para sair se for preciso.


Eu as deixo organizando tudo e sigo pelo corredor até o quarto de
Kyle. Bato na porta e meu primo a abre pouco depois, os cabelos loiros

estão caídos sobre os olhos sonolentos.


— Estava dormindo?

— Cochilando. Por quê?


— Vamos fazer uma noite do pijama na sala, com direito a sessão de

filmes e pizza! Precisamos de você.


— Uma o quê? — Kyle sorri, parecendo achar a ideia meio louca.
— Sabe onde está aquele projetor?

Seu rosto demonstra uma leve confusão.


— Projetor? A televisão é enorme e tem a sala de cinema se

quiserem…
Estalo os dedos na frente do rosto dele, para ver se o lerdo acorda.
— Kyle, presta atenção, o projetor de estrelinhas.
Agora o sorriso dele se alarga, quando começa a compreender o que
estou dizendo.
— Ele deve estar aqui, na despensa. Minha mãe tomou de mim

porque projetei no meio do desfile dela, lembra? Acho que te deram.


— Você pode achar? As meninas vão adorar! Vou colocar meu

pijama, pega seu colchão e vem…


— Vamos dormir lá?
— Isso! Vai ser demais!

Ele aquiesce, ainda que não tenha aceitado com todas as letras, não

recusou a sugestão.
— Legal, vou me trocar e vou.

— Ah, você chama o Jay?

— Por que não chama você? Um programinha desses, Ashley? —

fala, com um risinho debochado. — Ele não vai nem a pau se uma de vocês
não chamar.

— Não vai nem mesmo se uma de nós chamar, Kyle.

— Mas se você chamar primeiro, aí eu o arrasto.


Bufo, exasperada por me colocar em uma situação como essa.

— Você sabe que ele me irritou muito hoje, não sabe?

Kyle apenas dá de ombros e aponta a porta do outro lado com o


dedo.
Sigo até lá pisando duro e bato nela. Jay abre instantes depois, seus

olhos parecem surpresos ao me encontrarem ali. Ele cruza os braços a


mostra pela camiseta sem mangas e franze o cenho, sério.

— Round três, Princesa?

Troco o peso do corpo de uma perna para a outra e olho para trás,
buscando incentivo, mas Kyle voltou para dentro, me deixando sozinha.

— Não vim brigar.

— É um alívio. Eu tô com uma puta dor de cabeça — ele diz, me

dando passagem para dentro do quarto. — Sabe se tem algum remédio


aqui?

Percebo que em cima da cama há uma cartela vazia, além de vários

outros objetos que provavelmente estavam na mochila que está revirada.


— Tem, minha mãe mantém os mais básicos pra emergências, vou

arrumar alguma coisa pra você.

— Obrigado — ele fala esfregando o rosto, e chega a parecer frágil


—, precisava falar comigo?

— É, eu e os outros vamos fazer uma noite do pijama, ver uns

filmes na sala. O Kyle vem também, eu vim te chamar.

— Uma noite do pijama? — Jay me encara como se eu tivesse duas


antenas e fosse verde, um ET em sua forma original.
— Juntamos nossos colchões, vamos dormir todos lá e assistir a

alguma coisa legal, passar um tempo juntos. O Kyle disse que você não ia

querer, mas…
— Parece legal — responde, dando de ombros.

— Sério?

Dessa vez quem não consegue acreditar sou eu.

— É, mas essa dor de cabeça…


— Você vem com seu colchão, eu te dou um remédio, você dorme lá

com a gente e, quando a comida chegar, eu te acordo.

Jay abre um sorriso de lado e sinto como se algo gelado descesse


pelo meu estômago.

— Vai cuidar de mim, Ashley? — Sua pergunta parece maliciosa,

mas mesmo assim me pego assentindo, porque por alguma razão não me

parece errado.
— Você vem?

— Vou.

Não sei por que me preocupo assim depois de tudo que ele fez, mas
estou acostumada com Jay azucrinando minha vida, então não me sinto bem

em vê-lo abatido, ainda que dor de cabeça esteja no mesmo patamar de

enjoo no quesito doença, é corriqueiro.


Espero enquanto ele entra no banheiro e troca a roupa que está

usando, colocando uma calça de moletom surrada e uma camiseta mais


larga. Depois o ajudo com o lençol, o cobertor e o travesseiro, enquanto ele

arrasta o colchão.

Deixo-os na sala se ajeitando e corro para me trocar também,


escolho um pijama de flanela que tem um Mickey enorme estampado na

frente dele, pego minha máscara de dormir, também calço minhas pantufas.

Quando retorno para o meu canto, com meu travesseiro abraçado a

mim, estaco no lugar ao perceber que Jay colocou o colchão ao lado do


meu, bem no canto da parede. Qualquer um poderia ter feito isso, mas o

fato de ser ele me deixa um pouco desconfortável.

— Eu achei, Ash! — Kyle me chama e logo em seguida o teto da


sala é tomado por várias estrelinhas coloridas.

— Ahhhh, que fofo! Nem acredito! Nossa própria galáxia.

Ele ri da minha empolgação e sigo até meu colchão, colocando meu

travesseiro e meu cobertor sobre ele.


— Vocês podem pedir a pizza? Eu vou na cozinha e já venho.

Jay está com um dos braços cobrindo o rosto, acho que por conta da

claridade e não dá sinal de que tenha me ouvido. Abro os armários


buscando a caixa em que minha mãe guarda os remédios para emergências
e encontro o paracetamol. Pego dois, encho um copo de água e volto para a

sala.

Eu me sento no colchão ao lado dele e o cutuco com a ponta do

dedo. Jay descobre apenas parcialmente o rosto e estendo os comprimidos


para ele. Se sentando, ele os coloca na boca e bebe a água em seguida,

rapidamente.

— Valeu, Ashley.
— Não foi nada, quer mais alguma coisa?

— Não, vou só ficar quieto aqui e ver se passa.

O filme que Gal colocou começa e a tela se acende, clareando tudo.

Jay fecha os olhos, e entendo que talvez tenha sido uma má ideia o tirar do
quarto.

— Aqui…

Entrego minha máscara de dormir nas mãos dele, que a encara com
o cenho franzido.

— Não perturbe a diva descansando a beleza — Lê o escrito em

rosa e, apesar de estar doente, consegue inserir sua notinha de sarcasmo —,

e é com glitter pra ajudar.


— Vai abafar a claridade, seu ingrato.

Ele ainda parece resistente, então eu a pego de suas mãos e a coloco

eu mesma sobre seus olhos. Acidentalmente meus dedos resvalam seus


cabelos e seu queixo, a barba por fazer e sinto o estranho desejo de acariciar

seu rosto, o que me fez retirar a mão imediatamente.


Ficou louca, foi?

É isso que dá dormir do lado de um gostoso! Até esquece que é um

gostoso imbecil.

— Ficou ótimo — ele fala, parecendo sincero e se deita, ajeitando o


travesseiro.

— O que vocês tanto falam? Tão brigando de novo? — Gal grita do

outro lado.
— O Jay tá com dor de cabeça, dei um remédio pra ele, não gritem.

Percebo um meio sorriso surgir em seus lábios ao me ouvir e Gal

franze o cenho, desapontada. Ela adora uma treta.


O filme corre tranquilamente, mas não estou muito atenta.

Infelizmente Jay consegue me desconcentrar. Só o cheiro dele já seria o

suficiente pra me perturbar, e cada vez que ele se mexe no colchão, acaba

me distraindo, além de que meus olhos traiçoeiros estão perdendo tempo


analisando cada uma das tatuagens nos braços dele, tentando compreender

os desenhos e descobrir quando foram feitos e por quê. Deus do céu, como

é que ele foi ficar gato desse jeito? Eu não estaria perdendo o filme inteiro
se os músculos fossem menos… apertáveis ou lambíveis.
Quando ligam da guarita para informar que nosso pedido chegou,
Kyle se levanta para buscar, mas ele paralisa ao perceber minha máscara no

rosto de Jay. Disfarçando a gargalhada, ele aponta o celular para o amigo e

tira dezenas de fotos, que eu sei que nunca vão ser esquecidas.
Kyle se dá por vencido depois que mostra a cena para as meninas,

que também fazem questão de registrar o momento, inclusive tirando uma

selfie para o Instagram e só espero que ele não ache que eu fiz de propósito
outra vez. Quando Kyle volta com as pizzas e o refrigerante, toco o braço

de Jay tentando o acordar para que possa comer, mas ele não desperta de

primeira e tenho a impressão de que está muito quente.

Levo a mão até seu rosto para ver sua temperatura, mas ele acorda e
segura meu pulso em um movimento ágil, retirando a máscara em seguida.

Seus olhos azuis encontram os meus e de repente estamos muito

perto, nossas respirações se misturam e meus batimentos se aceleram. Meu


peito sobe e desce, descontrolado e meu corpo se arrepia todo com o

contato.
Engulo em seco, notando o modo como as pupilas dilatadas dele
consomem as írises azuis, por completo agora, como se…

Nós não nos movemos, como se nenhum de nós entendesse o que


está acontecendo nesse instante. Jay desce os olhos para minha boca e seus
dedos se apertam mais ao redor do meu pulso, ele me puxa para mais perto
e sua outra mão se afunda entre os meus cabelos. É o momento exato em
que percebo que entre Jay e eu, há muito mais do que raiva e intriga, há
algo capaz de queimar e consumir.

Jay age como se estivesse em um transe e por alguma razão, não


sinto a menor vontade de me afastar, mas isso é errado, sem sentido e para
completar, estamos no meio da sala, com todos os outros ao nosso redor.

— Jay, me solta — sussurro, o trazendo de volta à realidade


— Desculpa — Seus dedos se abrem. —, eu dormi e me assustei
com você tão perto.

— A pizza chegou, eu achei que você estivesse com febre.


— Eu estou? — Ele leva a mão ao rosto, parecendo preocupado
também.

— Não, só é dorminhoco mesmo. Parou de doer a cabeça?


— Diminuiu um pouco, mas não parou.
— Então vamos comer.

Ele se senta na cama improvisada e passo a caixa que recebo de Lisa


para que pegue um pedaço. Jay não parece muito animado, mas come

mesmo assim e responde aos outros quando perguntam se está se sentindo


melhor.
— Agora olha só isso aqui, bonequinha — Kyle chama, mostrando

alguma coisa no celular.


— Você sabe que mexeu com a pessoa errada, Kyle — ele responde,
sério.
Eu apenas os observo tentando compreender o que estão

aprontando.
— Vai fazer o quê? Se vingar como uma diva faz?

Então entendo que ele está mostrando as fotos.


— Em minha defesa, eu não sabia que ele ia te zoar por causa disso,
juro que dessa vez não fiz por mal. E ele tem razão, Kyle, você mexeu com

a pessoa errada. Jay vai fazer da sua vida um inferno.


Jay me olha de lado e abre um sorrisinho, então aparentemente não
está bravo comigo por conta da máscara, mas suas palavras são totalmente

imprevisíveis.
— Você só quis ajudar, Princesa. O Kyle que é um idiota.
— O quê? Tá defendendo a Ashley? Você tá mal mesmo. Eu, hein?

Gal, escuta essa. — Kyle sai correndo, nos deixando sozinhos de novo, com
o silêncio constrangedor.
Jay pega outro pedaço de pizza na caixa.

— Essa ideia sua foi da hora — ele comenta, depois de engolir —,


queria estar melhor pra curtir com todo mundo.

— Vocês todos se dão bem, né? Fazem muita coisa juntos.


Jay aquiesce, ele limpa um pouco de molho que escorre no canto da
boca, com as costas da mão mesmo.

— Kyle e Lisa não se desgrudam, ela e Gal são completamente


diferentes, mas são bem apegadas uma à outra, então acabam sempre
juntos, os três. A Lore e o Kyle são como irmãos pra mim, no fim, tá todo

mundo por perto.


— Só eu que fiquei longe.

— Foram só três anos, Ashley. Não mudou muita coisa pra


ninguém.
— Mas a gente nunca foi próximo — falo, observando como Lore e

Gal estão fofocando enquanto Kyle e Lisa estão embolados embaixo das
cobertas agora.
— Só você e eu, porque os outros te adoram.

— Nossa, como você é sutil em dizer que me odeia — falo, abrindo


um sorriso.
— Fazer o quê? Faz parte da minha essência já, minha

personalidade. Adoro motos, amo tatuagens pra caralho, não vivo sem
minha família, odeio a Ashley, essas coisas…
— Sei bem como é, certas coisas não mudam só porque alguém

cuida de você e te empresta uma máscara de dormir.


— Por falar nisso, tudo bem se eu devolver depois? Acho que ainda

vou precisar dela pra dormir.


Aquiesço, enquanto assisto Jay limpar as mãos e reajustar a máscara
no rosto, se preparando para voltar a se deitar.

— Boa noite, Jay.


— Boa noite, Melequenta.
Abro a boca, em choque com a ousadia dessa serpente, de retomar o

modo como me chamava na infância, mas ele já virou para o outro lado, me
dando as costas e me deixando sem direito de resposta.

 
 

 
 

 
 

Won't you stay till the A.M?


All my favourite conversations
Always made in the A.M

(Você não quer ficar até o amanhecer?


Todas as minhas conversas favoritas
Sempre foram feitas no amanhecer)

A.M - One Direction


 
 
JAY

 
Finalmente um dia em que acordo me sentindo bem e disposto,
depois dos últimos, que foram um desastre. Me levanto do colchão,

evitando fazer barulho para não acordar Ashley, que dorme com o rosto
afundado no travesseiro e os cabelos esparramados para todo lado.
Penso em colocar a máscara que ela me emprestou ao lado do seu

travesseiro, mas mudo de ideia e decido levar comigo, gostei desse negócio.

O braço dela está todo para fora do colchão, descoberto, e está


fazendo um pouco de frio, então puxo o cobertor e a cubro outra vez, em

um momento raro de gentileza. Ashley foi legal pra caralho comigo ontem à

noite e isso é uma merda, porque com ela, gostosa desse jeito, minha defesa
é saber o quanto é mimada e insuportável, se isso muda, fica complicado

manter minha essência de ódio inabalável.


Ashton me pediu para vigiar a garota e eu quase a beijei, pra piorar,

foi na frente dos outros. Em minha defesa, eu não estava pensando direito,
ainda sonolento e um pouco confuso, mas nada justifica, já que

aparentemente eu ainda não enlouqueci.

Pego uma calça jeans no closet e me visto, coloco uma camiseta


escura e a jaqueta de couro preta por cima. Calço as botas e pego minhas

chaves.

Coloco o capacete e saio da garagem na minha moto. Na guarita,


abrem os portões para que eu saia logo que ouvem o ronco do motor e tomo

as ruas de Seattle na direção da concessionária.

Sei que deveria ter tomado café da manhã antes de vir, mas Elijah e
Sean já devem estar me esperando e preciso resolver algumas coisas da loja

e aprovar os últimos vídeos do canal, verificar os relatórios de vendas e de


adaptações de duas motos que pegamos para mexer. A tarde vou ter algum

tempo livre e aí faço uma refeição decente.

Entro na concessionária e estaciono, notando que Sean está

atendendo Perci, um de nossos clientes mais antigos e habituais. Além de já

ter trocado de moto umas três vezes aqui, ele também usa nossos serviços

para alterações e para encontrar novos compradores quando chega a hora de


vender.

— E aí, Perci? Beleza, cara?


— Olha só quem chegou! Bom te ver, Jay! Estava aqui falando com
o Sean, que a moto que eu passei pra frente está a venda de novo, acredita?

E eu tô querendo pegar de volta — fala, coçando a nuca.

Por essa eu não esperava.

— Sério? Mas por quê?

— Cara, tá um pouco mais barata que essa minha e tô precisando

economizar. Acha que consegue me ajudar a vender a minha? Aí eu troco e


sobra um pouco pra fazer umas coisas que preciso.

Aquiesço, entendo a lógica dele.

— Claro, eu tenho as fotos da sua ainda, vou postar pra você. Se

quiser deixar ela aí, testo mais tarde e coloco no canal, se der bastante

visualização pode ser que vá embora hoje ainda.

— Porra! Faria isso? — pergunta, se animando.

Deve estar precisando muito vender.


— Claro que sim, você é um dos nossos melhores clientes, uma mão

lava a outra.

— Valeu, Jay. Sabia que podia contar com você.

Aperto a mão dele e faço sinal para Sean, indicando que vou subir

para o galpão. Encontro Elijah assim que abro a porta, ele está sentado em

frente ao computador, fechando um relatório.


— E aí, chefia? Bom dia.
— Bom dia.

— Já tô finalizando as coisas pra te mostrar, beleza?


— Pode fazer tranquilo, eu vou ficar por aqui um tempo ainda.

Pretendo filmar na moto do Perci depois do almoço.


— Legal, vai dar uma movimentada no canal e ajuda o cara. E como
tá o serviço de babá?

Eu me deito no sofá preto que colocamos no canto e paro para


pensar na pergunta por um momento.

— Diferente do que pensei que seria.


— Mesmo?

Meu celular vibra no bolso da calça e, quando o retiro, vejo que


estou recebendo uma chamada de vídeo do meu pai. Atendo rápido e ele
abre um sorrisão quando me vê.

— E aí, moleque do pai?


— Oi, pai. Como tá a turnê?

— Foda pra cacete. Os shows lotados, a galera insana. Ontem teve


um cara que tentou dar um beijo na boca do Josh, ele ficou bem puto, e pra

piorar a Ane ficou rindo dele na frente de todo mundo. Caralho, agora
parece que saiu uma reportagem falando que tão num relacionamento
aberto, o Josh tá quase infartando.
Isso me arranca uma gargalhada, eles se metem em cada enrascada

que não dá pra acreditar.


— Porra, isso é sério?

— Eu não estava rindo porque aprovava — vejo a cabeleira loira


dela lá atrás, negando os fatos —, só achei engraçado.

— E agora acham que somos um trisal com aquele doido.


— Não tenho culpa, Josh!
Meu pai balança a cabeça de um lado para o outro e logo vejo minha

mãe aparecer no canto da tela e Ashton também. Ele vira o celular na


horizontal para que os três possam ficar visíveis.

— Como estão todos? — minha mãe pergunta.


— Bem. Gal sendo Gal, vestindo preto e ouvindo música no quarto,
comendo direito feito uma draga, Lisa continua um doce. Lore responsável

como sempre, podem avisar ao Ethan, o Kyle ainda não colocou fogo em
nada, não engravidou ninguém e nem deu festa na casa.

— Se ele colocar fogo na minha casa… — Ashton aponta o dedo


para o celular.

— E você?
Eu me obrigo a não desviar os olhos da tela, porque sei que minha
mãe perceberia que estou fugindo.

— Bem também, trabalhando muito, um pouco cansado, mas bem.


— E a Ashley? — Ashton estreita os olhos. — Você mencionou
todos, menos ela, seu cachorro. Acha que não notei?
Respiro fundo. E agora? Falo do Timoty?

— Ela está bem também, ontem inventou uma noite do pijama lá,
colocou todo mundo pra dormir na sala e ver filme.

— É a cara dela — Minha mãe dá risada. — Aposto que você não


foi.
— Fui sim, ela me obrigou.

— Porra, não acredito que eu não vi isso.


É o que eu tenho que suportar, nem meu pai me respeita. Eles

adoram rir da minha desgraça.


— Então sem ninguém na barraca?

Ashton faz um sinal de prece que poderia ser engraçado, mas não é,
porque, porra, percebo como eu sou um filho da puta, que no íntimo queria
muito conhecer a caceta da barraca.

— Teve um carinha que apareceu por lá, mas nada demais…


— Eu sabia! Tá vendo, Tray? Eu sabia! Vamos ter que cancelar os

shows e voltar, não dá pra deixar essa criançada sozinha, eu vou voltar e
vou ter que arrancar meus olhos.
— Calma, Ray! Sossega a periquita! Tenho certeza de que o Jay

resolveu isso, não foi, filho?


— Peste, resolver o quê? A Ashley tem vinte e três anos. Se toquem
vocês dois, acham que ela vai morrer virgem?
— Florzinha, não vamos falar de assuntos delicados como esse na

frente de um moribumbo — ele responde, apontando para o amigo com um


gesto.

Elijah está com os olhos arregalados ouvindo a conversa e tentando


abafar a risada. O coitado não viu nada.
— Eu dei um jeito, relaxa, Ashton. Mandei o cara sumir e disse que

ia atropelar ele se ele falasse com a Ashley de novo e ele obedeceu.

— Isso! Porra, Jay! Tinha que ter começado com essa parte!
— Você ameaçou o rapaz, Jay? — Josh aparece atrás dos três. —

Vou chamar a Julia pra você, isso dá processo.

— O frango não tem como provar — Ashton desdenha.

— Que frango? — Minha mãe está com as sobrancelhas arqueadas,


e nem eu consigo segurar a risada.

— É como eles falam agora, Jas. Tem que acompanhar. O Jay é

maromba de academia, o menino deve ser um frango porque viu ele todo
fortão e fugiu de medo.

— Frango… Sei…

— Enfim, o cara sumiu, a Ashley ficou brava só na hora, mas já


passou, tudo segue em paz nas barracas de vocês. Então agora eu preciso
trabalhar, curtam muito por aí, bom show hoje à noite. E bom

relacionamento aberto, Josh — grito para que ele ouça lá no fundo do


ônibus.

— Vai tomar no seu c…

Encerro a chamada de vídeo e jogo o celular no canto do sofá.


— Caralho, como você tem energia pra essa família no Natal?

O comentário de Elijah me tira o resto de estrutura e desato a rir.

— No Natal? Você não faz ideia, cara. O Josh pira muito no Natal,

do tipo que compra Renas, coloca Papai Noel no telhado, luzes que você vê
do outro lado da cidade, enfeita todos os cantos da casa. Se você for no

banheiro, vai sair com a bunda enfeitada, juro.

— Isso na casa dele, né?


Meneio a cabeça, lembrando da luta que é para convencer o Nicols a

não enfeitar a casa da vó Eleonor, que fica bem longe inclusive.

— Na dos Ray, na dele, na nossa, na do Ethan e se pudesse ele iria


em Abu-Dhabi também e faria na do Azal, mas aí seria ofensa pro Emir.

— Eu não faço ideia do que você tá falando. Que Emir?

— Não conhece o Azal? Ele já é tiozão agora, tipo meu pai, mas o

cara é louco, completamente. Dá umas festas que você sai de lá sem saber
se aconteceu de verdade ou se foi um sonho muito doido.

— Caralho! Eu ia adorar ir em uma dessas.


— Quando rolar uma eu te levo.

A manhã passa sem que eu perceba, analiso os relatórios e aprovo os

vídeos do canal, começo a preparar os equipamentos de gravação para o


vídeo, quando Sean sobe os degraus do galpão em uma barulheira absurda.

— Que porra é essa?

— Vocês não vão acreditar! — fala, sem ar.

— No quê?
— Tem uma mulher aqui.

— E daí?

— Ela veio falar com você, mas não tá entendendo, Jay. É alguém
que eu nunca imaginei que fosse passar por aquela porta, e preciso falar que

as fotos não chegam nem perto de mostrar como ela é gata, cara.

Ele não está fazendo muito sentido.

— Quem?
— Se eu falar você nunca vai acreditar. Vai lá fora ver, falei pra ela

esperar.

Eu me levanto e saio da minha sala para a varanda, de onde consigo


ver todo o salão lá embaixo. Ouço os passos dos dois atrás de mim, mas

meus olhos estão focados nela.

Ashley está usando uma calça que imita couro, muito justa e botas

de cano baixo. A blusa colada tem um decote proeminente e os cabelos


estão presos em um rabo no alto da cabeça.

Dessa vez ela está maquiada, carrega uma bolsa grande nas mãos e o
visual escuro é completado com os óculos de sol arredondados e o batom

vermelho.

— Porra…
Gostosa pra caralho.

— Eu disse que ele ia ficar puto. — Ouço Sean sussurrar atrás de

mim.

Ashley parece me notar, porque ela ergue o rosto e abre um sorriso


ao me ver e acena. Desço as escadas até onde ela está, ainda um pouco

desconcertado.

Eu não esperava encontrá-la aqui, muito menos que ela combinasse


tanto com esse lugar, ou com as minhas motos.

— O que está fazendo aqui? — pergunto.

Ela ergue as sobrancelhas, sem se deixar abalar.

— Voltamos ao modo inimigos?


Não consigo evitar que o canto da minha boca se erga um pouco em

um sorriso.

— Como você sabia onde me encontrar?


— A Lisa me contou onde ficava a concessionária e você estava

passando mal ontem, saiu sem tomar café, então eu vim trazer o almoço.
— O quê?

— Que foi? Meu pai não te mandou nos vigiar e cuidar da gente?

Também estou cuidando de você, precisa comer direito, você fica pulando

as refeições que eu sei.


Ashley desvia os olhos para trás de mim e noto que Sean e Elijah

também desceram e estão nos rondando, curiosos com sua presença. Ela

acena e abre um sorriso que desarmaria até o mais bruto dos homens. Porra,
se desarma até a mim, o que não faz com os coitados?

— Prazer, eu sou a Ashley! Sou… — Ela me olha e estreita os olhos

para os dois. — Pelo jeito que estão me olhando, sabem quem eu sou, não

é?
Eles aquiescem.

— E acho que o Jay não fala muito bem de mim. Ele fala que sou

uma bruxa, não é?


Eu os fuzilo com o olhar, mas os dois concordam com ela sem nem

pestanejar.

— Imaginei. Saibam que foi o Jay quem começou com essa briga,

colando goma de mascar no meu cabelo. Tive que cortar tudo por culpa
dele!

Elijah me olha feio agora e meneia a cabeça.

— Se eu fosse ruim assim, viria trazer almoço pra esse ingrato?


Sean agora é quem me encara, erguendo as sobrancelhas, me

desafiando a contrariar Ashley.


— Pega o almoço, Jay, ela trouxe com todo carinho — Elijah

incentiva.

Não sei por que estão dizendo isso, nem me passou pela cabeça

recusar.
— Isso — Sean concorda —, sua prima é um anjo.

— Eu não sou prima dele — ela se apressa em dizer, sorrindo.

Ao menos nisso concordamos.


— Claro que não — falo em voz alta —, se fosse eu não poderia

dizer que essa calça te deixou ainda mais gostosa. — Dessa vez eu sussurro,

no pé do ouvido dela.
Ashley para onde está e admiro enquanto seu rosto adquire uma

coloração forte de vermelho.

— Vem almoçar comigo, Princesa — chamo, sorrindo.

Ela estreita os olhos e leva alguns instantes para se recompor, mas


não perde a pose. Logo está me seguindo escada acima, sendo

acompanhada de perto pelos seus mais novos admiradores.

 
 
— Quer dizer que você vai andar nesse motão aí enquanto eles

filmam?

— Isso. O cara acabou de comprar — explico.


Elijah me encara como se eu estivesse falando algo bem bizarro.

— Endoidou? Ele tá vendendo, Jay.

— É, vendendo... — corrijo, me questionando sobre como foi que


me confundi assim.

Falei com Perci mais cedo, me lembro de conversarmos sobre a

venda. Não sei por que cismei que tinha comprado agora.

— E aí você posta e as pessoas assistem pra ver as motos que vocês


vendem aqui? — questiona.

— É por aí, muita gente tem curiosidade, alguns querem comprar,

outros só curtem assistir mesmo. Mas essa é de um cliente que precisa


vender e eu vou ajudar.

— E você dirige muito rápido pra testar seus limites? — Os olhos de


Ashley brilham com a ideia.
Isso me tira um sorriso.

— Não os meus, os do veículo.


— Ótimo. Qual seu nome mesmo? — Ela se vira, me dando as
costas.
— Eu? Elijah.
— Pode por favor me conseguir um capacete? Eu vou com ele testar
essa moto aí.

— Desculpe. A senhorita vai o quê? — Sean pergunta.


Já estou balançando a cabeça.
— Mas não vai porra nenhuma!

— Claro que vou.


Elijah se levanta, ignorando o fato de que ainda estamos discutindo
sobre isso.

— Não vai, Princesa. Seu pai assiste ao canal, ele me mata se te vir
na minha garupa, andando mais rápido que o Flash.
— Ele nem vai saber que sou eu — insiste, colocando as mãos na

cintura.
— É arriscado.
Ashley bate palmas, empolgada e pega o capacete das mãos do

outro doido.
— Adrenalina!

Essa garota pirou e não faço ideia do que fez comigo, porque me
vejo a seguindo para o andar de baixo, ainda que contrariado.
Sean e Elijah também nos seguem, eles não conseguem nem

disfarçar o modo como ficam babando por ela, devorando cada um de seus
passos e cheios de sorrisinhos bobos pra tudo que ela fala. Ashley poderia
dizer a coisa mais idiota do mundo que eles iriam concordar.
— Cacete, não acredito que vai me obrigar a fazer isso —

resmungo, subindo na moto e a ligando.


Ashley solta os cabelos castanhos e coloca o capacete, depois

entrega a bolsa nas mãos de um dos seus escudeiros e então monta atrás de
mim.
— Eu trouxe seu almoço, deixa de ser reclamão, Jay.

Meneio a cabeça, me dando por vencido.


— Escuta só, vou começar a gravar agora, então cuidado com
qualquer coisa que possa te entregar, melhor não dizer nada, beleza?

Ela faz um sinal de joia e ligo a câmera que está fixa no meu
capacete. Sean também liga a outra, que monitora os movimentos da rua.
— E aí, pessoal? Hoje no MotorJay temos a BMW R1250

Adventure pra um teste relâmpago. Essa moto não é nova, mas está como
zero, galera. E eu vou mostrar tudo pra vocês nesse vídeo. Como podem
ver, estou acompanhado de uma gata misteriosa…

Ashley acena na garupa, sem abrir a viseira.


— Ela vai continuar assim, sem se revelar e nós vamos juntos

desvendar o poder desse robozão.


Então eu arranco com a moto e Ashley envolve minha cintura com
os braços, colando o corpo às minhas costas e as coxas as minhas.

Faço todo o circuito com ela, cortando giro e Ashley grita e ergue os
braços, curtindo o momento. Ela não parece sentir medo, muito pelo
contrário, curte e aproveita cada instante.

Acelero e me desvio dos obstáculos, tirando o melhor da moto e


mostrando para os possíveis compradores o poder da máquina, mais que

isso, acho que ainda vendemos aqui uma puta experiência.


Quando voltamos para a porta da concessionária, encerro o vídeo
falando sobre a venda da moto e Ashley desce da garupa ainda de capacete,

nos despedimos e só depois ela o retira, se abanando.


— Fica um calor com esse negócio! Mas eu amei, Jay! Quero vir
mais vezes.

— Esquece, se não nos descobrirem nessa, se dê por satisfeita.


Ashley faz um beicinho de menina mimada tentando me convencer,
como se eu não conhecesse os truques da boneca. Ainda que essa boca, com

esse batom, realmente seja tentadora.


— Por favor!
— De jeito nenhum. Tô te falando que seu pai vê os vídeos, meu

pai, o Josh, o Ethan, todos eles. Vão saber que era você, vai ver só.
— E o que tem? Não fizemos nada de errado.
Ashley desvia os olhos para minha moto, que está parada do outro

lado da rua.
— Bom. Já que o problema é a exposição, Jay, então vamos dar uma
volta, vem… — Ela pega o capacete e a bolsa, depois sai andando na

direção da moto, como se não tivesse a menor dúvida de que eu fosse segui-
la.
O pior de tudo é que eu o faço.

— Dar volta aonde, garota? Isso tá meio fora de controle!


— E daí? Você não é todo bad-boy eu faço minhas próprias regras?

Então…
Subo na moto e Ashley sobe logo atrás, colocando o capacete.
— Pro parque, Jay — fala, dando ordens.

E é para onde eu vou, sem ter noção de como exatamente me deixei


levar.
Quando chegamos lá, Ashley se senta no gramado e arranca duas

vasilhas de dentro da bolsa. Noto que estão cheias de frutas, pelo jeito isso
já estava em seus planos desde o princípio.
— Você arquitetou tudo?

— O parque não. Te fazer almoçar e comer umas frutas depois, sim.


— Por quê?
— Porque é saudável.
— Por que se preocupar? Eu nem te trato bem, zoei seu namoro com
o idiota.
Ela dá de ombros.

— Eu não gostava dele mesmo.


— Ainda assim.
— Porque você é o Jay. Não importa se é babaca, nossas brigas e

implicâncias não são algo que levo pro coração, não te odeio de verdade,
entende? Se você ficar doente, com quem vou discutir? Em quem vou
descontar minha raiva quando as coisas derem errado?

— Nesse ponto tem toda razão, fica complicado, mas não precisa se
preocupar, eu estou bem.
— Trabalhando muito com as motos?

— E o estúdio. Meu pai e eu temos um estúdio de tatuagens, sabia


disso?

— Sério?
— Sim, não trabalhamos lá efetivamente — falo, abrindo a boca
quando ela enfia um morango enorme nela.

Sou obrigado a engolir antes de explicar direito.


— Mas de vez em quando eu tatuo alguém. E apareço lá ao menos
dia sim e dia não, pra ver o andamento das coisas.
— Por essa eu não esperava, quero fazer uma tatuagem, sabia? Uma
bem grande, mas ainda não decidi em que parte do corpo vai ser.

— E o desenho?
Ela dá de ombros.
— Algo sobre música.

— Eu sempre soube que você amava cantar, não entendi o lance


com o direito.
Ashley fica em silêncio um tempo e penso que vai me mandar ir me

foder, mas dessa vez ela parece disposta a responder.


— Eu sei lá. Tive medo de não ser boa. De ser só a filha de Ashton
Ray, alcançar sucesso por meio do nome dele, viver a sombra, querer muito,

mas não ter talento.


— Jura? Mas o direito e a sua mãe…
Ela sorri, meneando a cabeça.

— Eu sei, parece a mesma coisa, mas não é. Porque eu não me


comparo, não quero ser igual a ela, sei que não sou, sei que ela é melhor e o

fato de que não sou tão boa não me incomoda. Porque não é meu sonho.
— Acho que entendo.
— Mas eu queria ser tão boa na música, queria ter meu espaço, mas

não por ser filha dele, não porque o dinheiro ou meu nome abriram portas,
mas por merecer, entende? E fiquei com medo de que não fosse acontecer.
Preferi recuar… — Ela me oferece um sorriso triste. — Chame de covardia
se quiser.

— Não, eu sei que com o peso que a Dominium tem, fazer seu nome
por sua conta seria impossível.

— Exatamente.
— Mas sei lá, se quiser cantar pra mim, eu faço questão de te falar
se você for ruim, jogo até uns tomates podres pra melhorar o cenário.

Ela é quem me acerta um pedaço de maçã na cabeça.


— Você é quem é podre, Jay Anders!
— Ei! Tem que conquistar o público difícil pra ser válido. Se eu

disser que é bom, já pensou? Vai valer pra caralho!


Mas não adianta mais, Ashley já está preparando uma bola de casca
de banana para atirar em mim.

 
 

 
 

White shirt now red, my bloody nose


Sleepin', you're on your tippy toes
Creepin' around like no one knows

(Camiseta branca, agora vermelha, meu nariz ensanguentado


Dormindo, enquanto você está na ponta dos pés
Saindo de fininho por aí como se ninguém soubesse)

Bad Guy - Billie Eilish


 
 
JAY

 
Inevitavelmente meus pensamentos se tornam um emaranhado de
suposições fatais e mórbidas, cujos finais são sombrios e excruciantes.

Outra vez estou me sentindo mal, minha cabeça parece que vai estourar a
qualquer momento e, para piorar, dessa vez acordei vomitando, é
impossível não pensar apenas nas piores hipóteses, ao menos no meu caso.

Não me senti enjoado, só vomitei sem aviso prévio.

Estou malhando agora na força do ódio, a barra de supino poderia


me afundar no banco se eu apenas soltasse e me permitisse sentir tudo que

está atropelando minha mente e o meu peito nesse momento, mas me

esforço para finalizar a série, o suor escorre pelo meu rosto enquanto me
dou conta da dura realidade.

Não adianta disfarçar ou negar, tem alguma merda das grandes

acontecendo comigo, eu já estive doente na infância e por isso não me dou


ao luxo de amenizar a situação, mas de jeito nenhum vou estragar a turnê da

banda e a viagem dos meus pais, não vou perturbar minhas irmãs ou deixar
minha mãe preocupada comigo por conta de algo que provavelmente foge

ao nosso controle.

Vou me isolar, já está decidido. Tirar um tempo para mim, conviver


com as dores e com essa merda toda que está ferrando com a minha cabeça.

Caralho, eu não quero fazer exames, não quero descobrir que porra eu tenho

e não quero ter que falar nada disso para a minha família. Por hora, eu só
quero ficar sozinho.

— Mas que inferno! — Coloco a barra no lugar e me levanto,

percebendo que estou me sentindo fraco.


Duas anilhas menores estão sobre o banco ao lado e eu as atiro ao

chão, colocando nisso minha frustração. Esfrego meu rosto, tentando pensar
em como fazer o que preciso, sem pirar.

Meus pais têm um chalé nas montanhas, um lugar isolado, para onde

costumam fugir quando querem um tempo sozinhos ou esquiar. O lugar não

tem funcionários fixos, mas uma senhora limpa quando é preciso. Posso

escapar para lá.

Sei que Elijah e Sean dão conta da concessionária sem mim e no


estúdio conseguem se virar. O problema é em casa. Minhas irmãs não vão

engolir qualquer história, e eu disse que tomaria conta delas e dos outros,
mas não posso ficar aqui e fazer com que, ao invés disso, tomem conta de
mim. Os outros podem não ter percebido nada ainda, mas Ashley é esperta,

e vai sacar logo que algo não vai bem.

Isso me faz pensar na tarde de ontem e no tempo que passamos

juntos. Fazia tempo que eu não me sentia daquele jeito, tão bem. A

conversa despretensiosa, o fato de que ela se preocupou comigo e, claro,

seria hipocrisia dizer que não curti pra caralho ter a garota na minha garupa.
Mas é isso. Por melhor que tenha sido, se as coisas continuassem

seguindo por esse caminho, terminariam de um jeito que só iria complicar

tudo. Talvez um tempo longe seja bom até mesmo por isso, eu não iria

resistir a fazer besteira por muito tempo e o Ashton… Cacete, ele iria me

matar!

Uma pontada forte no estômago me lembra que essa não é a razão

principal para que eu saia da mansão agora, mas é um ponto que reforça
minha decisão. Pego o telefone na bermuda e disco o número de Elijah, sei

que ainda que seja meu funcionário, somos amigos, e posso contar com ele.

— Sou eu — falo, logo que ele atende —, preciso de um favor, e

dos grandes.

— Você que manda.

— Vou precisar viajar por uns dias, não sei quantos, mas vou te
atualizando. Conseguem se virar sem mim, certo?
— Claro, Jay.

— Ótimo. É um assunto pessoal, mas vou falar pra minha família


que a viagem é a trabalho e, se alguém mencionar algo a respeito, você e

Sean vão ter que confirmar.


Elijah fica quieto por um momento, sei que não vai só aceitar isso
sem questionar nada.

— Não tem problema, cara. Mas tá tudo bem? Precisa de ajuda?


Rolou algum problema?

Ainda que eu não queira me abrir e contar tudo que está perturbando
minha cabeça, resolvo que uma meia verdade pode bastar.

— Sinceramente? Preciso de um tempo sozinho e ainda não quero


falar a respeito. Mas é só, não posso dizer isso pro meu pai, porque prometi
que ia tomar conta das gêmeas.

— Conta comigo, te dou cobertura. Se precisar de alguma coisa me


manda mensagem ou fala que eu corro por aqui. Posso saber pra onde você

vai?
— Meus pais têm um chalé, vou ficar uns dias por lá, sem que eles

saibam.
— Tranquilo, só leva o telefone, tá bom?
— Fechou, cara. Valeu.
Tomo um gole de água e me levanto, subo as escadas para encontrar

minhas irmãs, sabendo que vai ser a parte mais fácil e ao mesmo tempo a
mais complicada. Enganar as duas não é difícil, mas saber que estou

mentindo é péssimo.
— Oi, Jay! — Lisa me vê no corredor e ergue os braços, enlaçando

meu pescoço. — Ai, eca! Tá todo suado!


Eu a aperto forte contra mim, me aproveitando do seu gesto um
pouco mais. Minhas irmãs e meus pais são as pessoas que eu mais amo

nesse mundo e por isso mesmo quero poupar todos eles do que sei que
qualquer notícia relacionada a minha saúde poderia fazer. Eu sou o milagre

da nossa casa, sempre fui e não quero tirar o sorriso que meu pai colocou no
rosto da minha mãe tantos anos antes.
— Quem mandou me abraçar, irmãzinha? Tava malhando.

— Me larga, seu nojento — reclama, rindo e me empurrando para


longe.

— Escuta, tenho que falar com você e a Gal, mas acho que você
pode falar com ela por mim…

— Fala.
Lisa ajeita os cabelos que acabei bagunçando e me encara com ar de
seriedade.
— Preciso que me ajudem. Tô fechando um negócio muito bom na
empresa, mas pra conseguir preciso fazer uma viagem que vai levar uns
dias.

— Uma viagem?
— É, pra negociar umas motos, mas se o pai e os caras descobrirem

vão me encher o saco, porque…


— Porque você tem que vigiar a gente — completa, revirando os
olhos.

— Isso.
— E quer ir, mas não quer que a gente conte pra eles que você não

tá aqui — fala, arqueando a sobrancelha.


— Eu preciso ir, mas também preciso ter certeza de que não vão

colocar fogo na casa, de que a Gal não vai engravidar de ninguém, ou o


Kyle não vai engravidar alguém… enfim, que vão ficar tranquilos até eu
voltar.

— Relaxa, Jay. Se tem que ir, vai, a Lore não deixa ninguém sair da
linha!

— E eu tenho que confiar numa garota que tem dezoito anos? Ela
nem é maior de idade.
— Em duas, porque eu também sou responsável e você sabe.

— Santo Deus… Você ainda nem completou os dezoito.


— Mas tem a Ashley, ela tem idade e é advogada.
— Isso é pra ser um tipo de consolo pra mim, baixinha? Apesar da
preocupação, eu tenho que ir — falo, sentindo minha cabeça latejar e

torcendo para que não esteja muito na cara. — Falo com você no celular e
te aviso quando estiver voltando, você avisa os outros por mim, então?

— Tá bom, a gente vai ficar de boa. Mas está indo agora?


Aquiesço, me despedindo com um beijo em sua bochecha.
— Mas… Não vai falar com o Kyle?

Ao contrário das minhas irmãs, não acho que ele ou Ashley

acreditariam tão fácil nessa história.


— Não dá tempo. Mas vou mandar mensagem!

Ela franze o cenho, mas acena, se despedindo.

Com isso resolvido, decido que não vou mesmo falar com meus

pais. É o melhor que posso fazer agora, porque não acredito que consiga
mentir se os encarar nesse momento.

Sigo até meu quarto e começo a separar algumas coisas na mesma

mala que usei para vir para cá. Como não vou me encontrar com ninguém,
me preocupo mais com roupas quentes por conta do frio que faz lá em cima.

Snowers Pass é uma montanha, mas também uma estação de esqui.

Hoje em dia a coisa toda evoluiu muito e há inclusive uma avenida com
várias lojas e hotéis lá em cima, mas a cabana dos meus pais fica perto de
Turquoise Lake, e lá eu consigo sossego, longe dos turistas e dos praticantes

do esporte.
Coloco várias blusas de frio, calças, meias, touca e botas. Sei que

deveria me preocupar com o que fazer quando chegar, com medicamentos e

outras questões, mas agora tudo que me interessa é sair das vistas de todos e
ficar sozinho, então me apresso em arrumar tudo e ir embora.

Com tudo pronto, vou até a minha casa guardar a moto e pego a

caminhonete e as correntes para neve. Depois volto para a casa dos Ray,

pego minha mala e guardo na carroceria, deixo a casa sem olhar para trás.
Eu preciso me segurar por todos eles agora, não é o momento de fraquejar,

ninguém pode saber o que está havendo comigo.

Bom, não é como se eu soubesse o que está acontecendo.


 

ASHLEY
 

Quando finalmente acordo, mesmo com as cortinas do quarto

fechadas, sei que já é bem tarde. Demorei muito a dormir ontem, e perder
horas de sono pensando em Jay Anders nunca fez parte dos meus planos,
mas o dia que passamos juntos tornou impossível que fosse de outra

maneira.

Nunca me senti tão bem, tão viva, quanto na garupa dele. Mesmo
tendo estado com outros caras de maneiras muito mais íntimas, jamais me

senti tão próxima de alguém, e é perturbador saber que isso foi acontecer

logo com Jay.

Nós nunca fomos sequer amigos, mesmo que exista, por conta da
nossa história, uma ligação forte entre nós dois, e agora estou tentada a

descobrir onde isso vai dar. Meu pai poderia matar um de nós por eu sequer

cogitar a possibilidade, mas eu gostaria muito que tudo acabasse comigo


sem roupas, na cama dele.

Meu celular toca nesse instante, com uma chamada de vídeo da

minha mãe. Meu rosto esquenta de vergonha, só pelos pensamentos que

acabo de ter, mas tento parecer inocente, afinal ainda não fiz nada de
errado. Coloco um sorriso no rosto e atendo.

— Oi, mãe! Tudo bem?

Ela sorri, acenando, toda empolgada.


— Tudo ótimo! Como vai, minha Princesa? Estamos morrendo de

saudades de você.

— Também estou, mas não precisam se preocupar comigo. E a

turnê?
Minha mãe reclina o banco para se deitar e arruma os cabelos

escuros, se ajeitando melhor.


— Maravilhosa! Seu pai ontem quase ficou sem voz, está cantando

muito, em intervalos curtos, mas vamos dar uma pausa agora de três dias,

para que os rapazes descansem — fala, como se os jovenzinhos tivessem


vinte anos.

— Melhor mesmo, cuida direitinho dele.

— Sempre cuidamos um do outro — responde, com um sorriso.

É a mais pura verdade. Não me lembro de uma vida em que Julia e


Ashton não fossem assim, um casal que sempre coloca as necessidades do

outro até acima das próprias, eles são como uma meta de relacionamento

para mim.
E por falar nele…

O banco ao lado dela se afunda e vejo primeiro um braço tatuado

aparecer, puxando minha mãe para um beijo na boca, mas ela o afasta, rindo

e aponta para o telefone.


— Ah, oi, minha linda! Que saudades de você!

— Oi, pai. Mamãe disse que quase ficou sem voz ontem, se

comporte hoje, hein?


— Sim, senhorita. Pode deixar que hoje eu vou fazer tudo que a

doutora mandar — ele diz, olhando minha mãe de um jeito todo malicioso.
— Eca… Eu ainda estou aqui!

Meu pai ergue as mãos em sinal de defesa e começa a rir.

— E como estão as coisas em casa? Jay disse que todo mundo está

bem.
— Sim, estão. Tudo está bem tranquilo…

— É a Ashley? — Ouço a voz da tia Jas e vejo mamãe aquiescer.

Pouco depois, meu pai entrega o telefone nas mãos dela, que acena,
me cumprimentando.

— Bom dia, tia Jas!

É um hábito engraçado que acabei adquirindo. Por mais que Jas e

Tray não sejam realmente meus tios, eu sempre os chamei assim e não
consigo evitar. Jay por outro lado, chama todos pelo nome, ele sempre foi o

mais rebelde sem causa dentre nós todos.

— Bom dia, minha linda. Eu preciso de uma ajudinha sua, bem


pequenininha — fala, fazendo um gesto que une o indicador e o polegar,

representando o quanto o favor é pequeno.

— Claro, o que é?

— Estou um pouco preocupada com o Jay — ela diz, olhando para


os lados. — Não quero falar perto do Tray, porque senão ele nem vai tocar

mais, vai surtar aqui e é só uma… impressão.

— Preocupada?
— É, eu sei que vocês não se dão muito bem, mas queria saber se

ele está bem, o Jay precisa comer direito, se exercitar, você sabe… Se
manter saudável. Mas ele as vezes só parece pensar em trabalho e fica se

deixando de lado. Você tem visto ele comendo? Sabe se está tudo bem com

ele? — Pelo modo como pergunta, com a mão sobre o peito e o cenho

franzido, ela parece mesmo bastante nervosa com isso.


— Na verdade, a gente está se entendendo bem agora, até

almoçamos juntos ontem e ele comeu direito — conto e vejo os olhos dela

se arregalarem de surpresa. — Ele parecia muito bem, conversou bastante


comigo, inclusive. Mas eu fico de olho, pode deixar.

Não estou sendo cem por cento honesta, porque me lembro bem de

como ele passou mal na última semana, mas não há razão para preocupá-la
por conta de uma enxaqueca, sendo que não há nada que possa fazer do

outro lado do país.

Tia Jas assente, sorrindo, parecendo bem mais tranquila.

— Obrigada, Ashley. Fico muito feliz que estejam se tornando


amigos, finalmente.

— Eu também — respondo, ciente de que essa palavra não parece

descrever muito bem o que está acontecendo entre nós.


Eu me despeço dela, depois dos meus pais, mas quando finalmente

deixo meu quarto, preparada para almoçar tardiamente com as meninas, eu


as encontro com Kyle na sala de televisão. Estão enredados em uma
conversa agitada.

— Isso foi muito repentino, tem certeza de que ele disse que não era

pra contar pro pai? — Gal questiona, com a sobrancelha arqueada.


— Tenho! É um negócio importante e o Jay não pode perder essa

chance, mas a gente tem que ajudar e ficar quieta.

Lore mordisca a ponta da unha, mas ergue os olhos quando me vê.


— O que está rolando? — pergunto, notando que o assunto parece

deixar a todos tensos.

— O Jay viajou — responde, dando de ombros.

— Como assim? Do nada?


— Coisa de trabalho — Gal fala, revirando os olhos —, e temos que

dar cobertura.

Isso me causa estranheza. Por mais que eu saiba que nossa recente
amizade poderia ter deixado algo assim passar, imagino que ele teria

comentado a respeito ontem à tarde. Kyle está com as mãos no bolso da


calça, pensativo e parece tão desconfiado quanto eu.
— Ou vai ver cansou da gente — Lore fala, com uma careta. —

Enfim, vou estudar. Me chamem se precisarem de mim!


Faço sinal para que Kyle me acompanha e ele me segue pelo
corredor, até a porta do meu quarto, onde entramos.
— Essa história tá esquisita — falo, assim que ficamos a sós.
— Também acho. Ele não comentou nada comigo antes e do nada
essa viagem sem pé nem cabeça…

Aquiesço, cruzando os braços.


— Eu estive com o Jay ontem à tarde — conto, vendo a surpresa no
rosto do meu primo. — Eu sei… esquisito! Mas ele passou mal dois dias

atrás, lembra? E eu fiquei meio preocupada e fui falar com o Jay no


trabalho.
Agora pareço ter deixado Kyle preocupado também.

— Ele estava bem?


— Estava ótimo. Conversou comigo, riu, ficamos um tempão juntos
e ele nem mencionou uma viagem.

— Pois então acho que algo está muito errado mesmo. Não sei o que
é mais esquisito, a viagem ou vocês dois passando a tarde juntos sem
tentativas de homicídio.

— Sua besta! Liga pra ele, pergunta sobre a viagem e tenta ver se
tem algo incomum.

Kyle pousa os olhos reflexivos sobre mim, mas faz o que digo,
pegando o celular do bolso. Ele coloca os cabelos loiros para trás e disca o
número de Jay.

— E aí, cara, tudo bem?


Gesticulo com os lábios, sinalizando para que coloque a chamada no
viva-voz, e ele o faz. Logo ouço a voz rouca de Jay responder.
— Tudo, e por aí?

— Ótimo. Escuta, a Lisa disse que você teve que viajar às pressas
por causa de um lance do estúdio de tatuagem — Kyle fala e meneio a

cabeça repetidas vezes. Não foi isso, era algo da concessionária! Mas Kyle
faz sinal para que eu fique quieta —, está tudo bem?
— Ah, isso. Foi uma emergência… — Kyle estreita os olhos, mas

então Jay parece perceber. — Na verdade, é um negócio da concessionária,


mas logo eu volto.
— Entendi. Em que cidade é mesmo?

— Escuta, eu preciso conversar com o vendedor agora, mas te ligo


mais tarde, pode ser? Até mais, cara.
Kyle coloca o telefone no bolso e me encara, balançando a cabeça

de um lado para o outro.


— Ele está mentindo e nem se deu ao trabalho de inventar algo
decente.

— A questão é, por que ele está mentindo?


Kyle se senta na minha cama e tamborila os dedos sobre as pernas.

— Tô preocupado, Ashley. O Tray pediu que ele tomasse conta das


meninas e o Jay não ia deixar as irmãs aqui assim, sem mais nem menos…
Tem algo sério rolando.
— O que a gente faz?

— Você fica aqui com elas, eu vou atrás dele tentar ajudar, com seja
lá o que for. Não deixa a Lisa e a Gal descobrirem nada.
Meneio a cabeça, discordando do plano.

— Eu sou advogada, dependendo da situação vou ser bem mais útil


com ele do que você.

— É, mas isso se antes um não matar o outro, e aí os dois vão


precisar de advogados!
— Isso não vai acontecer, somos quase amigos agora. Somos…

pessoas que vivem em paz — falo. — Além disso, imagina se nossos pais
descobrem que ficamos só as garotas aqui? — pergunto, usando meu trunfo
contra os argumentos dele.

A verdade é que não conseguiria ficar em casa sabendo que alguma


coisa não vai bem, sem ter notícias e sem saber ao certo o que está
acontecendo.

— Tá bom. Eu posso concordar, mas só se você me mantiver


informado de tudo. Quero saber se o Jay tá bem e o que está havendo com
ele.

— Huum… Quanto amor — falo, brincando.


Mas Kyle aquiesce, sério.
— Jay é meu irmão, Ashley.

— Vou te falar tudo, fica tranquilo. Só que agora temos outro


impasse, que é descobrir pra onde ele foi. Tenho uma ideia de quem pode
ajudar com isso.

— Que ideia?
— Será que os rapazes da empresa sabem? O Sean e o Elijah?
Kyle ergue as sobrancelhas e apoia as duas mãos na minha cama.

— Então você até conheceu os caras?


Dou de ombros, como se isso não fosse nada demais.

— Eu sou da turma agora, e eles me adoram, inclusive.


— Sei… Olha, eu não estranharia se o Elijah soubesse. Ele e o Jay
são bem amigos.

— Mais que vocês dois?


— Lógico que não! — responde, todo ofendido. — Mas o Elijah
tem que administrar a loja, o Jay não iria sumir sem uma explicação, ele é

responsável pra cacete.


— Então o Elijah vai nos contar.
— Esse é outro problema. O Elijah é um cara foda, se o Jay falou

pra ele em segredo, você pode matar o rapaz que ele não vai te contar.
— Quem falou em matar, Kyle? Meus métodos são mais delicados e
persuasivos.
 
 

 
 

 
 

Neol wihaeseoramyeon nan


Seulpeodo gippeun cheok hal suga isseosseo
Neol wihaeseolamyeon nan

Apado ganghan cheok hal suga isseosseo


(Por você, eu poderia fingir
Estar feliz mesmo estando triste

Por você, eu poderia fingir


Ser forte mesmo estando machucado)
Fake Love - BTS
 
ASHLEY

 
Elijah acabou sendo o menor dos meus problemas. Eu não gostaria
de me gabar disso, porque sei que ele teve suas razões para ceder ao meu

apelo tão facilmente e elas não foram egoístas. A primeira tentativa, com
sorrisos e um café, não funcionou muito bem com ele, que mesmo
balançado resistiu bravamente e disse que Jay havia viajado por causa do

trabalho.

Então precisei abrir o jogo e, quando demonstrei toda minha


preocupação, somando a ela algum drama extra, ele acabou concordando

que também estava nervoso, mas garantiu que Jay apenas precisava de uns

dias sozinho no chalé dos pais, nas montanhas. Concordei com ele e tentei
não demonstrar que havia conseguido a informação de que precisava,

agradeci por ter se disposto a me ouvir e me despedi sem muito alarde.


E agora é que começa de fato meu trabalho. Kyle concordou em

distrair as meninas com uma desculpa qualquer sobre o meu sumiço, mas
ainda tenho que arrumar uma mala e passar no mercado.

Considerando o modo como Jay saiu daqui como um furacão, sem

se despedir de ninguém, ele não deve ter feito compras e nem levado nada
direito. Lá nas montanhas é lindo, maravilhoso e de uma paz indescritível,

mas faz um frio de enrijecer os ossos e para comprar comida, caso esteja

faltando alguma coisa, não é tão fácil assim.


Em uma mala coloco minhas coisas, pijamas quentes, meias, luvas e

toucas, algumas trocas de roupas e, por mais que eu não planeje ficar muito

tempo por lá, capricho nas lingeries, porque de trouxa eu não tenho nada!
Encho uma necessaire com meus produtos de higiene e beleza, mas também

separo alguns medicamentos na cozinha, para dor e náuseas. No fim das


contas, é como se eu estivesse de mudança, de tanta coisa que coloco no

carro.

No mercado, compro macarrão, iogurtes, alguns legumes e frutas,

congelados e petiscos, além dos ingredientes para a sobremesa favorita do

Jay, movida por um lapso momentâneo de cuidado. Deixo para verificar a

carne lá, pedir em um dos mercados que com certeza deve ter perto da
estação de esqui, caso Jay não tenha comprado. O mais interessante nisso
tudo é que eu não sei cozinhar e nunca vi o Jay cozinhando, então não sei
quem é que vai fazer toda essa comida, menos ainda a tal sobremesa!

Mando mensagem para Kyle, sinalizando que estou saindo e que

descobri onde ele está e peço — imploro — que seja responsável e não faça

nenhuma besteira. Quando enfim pego a estrada e ligo o som, começo a

pensar no que levou de fato a tudo isso. Alguma coisa não está bem e essa

viagem curta não é um passeio, ou um encontro. É um problema.


Eu era muito nova quando Jay surgiu em nossas vidas, na verdade

eu tinha pouco mais de um ano de idade quando tio Tray ficou sabendo que

tinha um filho e, desde sempre, nós dois vivemos em pé de guerra. Mas,

aparentemente, Jay precisa de ajuda agora, ainda que talvez não a queira.

Como fugiu de nós e tentou lidar com o que quer que seja sozinho,

já me preparo para a recepção calorosa que devo ter. Jay não vai ficar feliz

em saber que o descobrimos, ou que o segui até aqui. Ele que lute, porque
não vou a lugar algum sem saber o que está havendo.

Munida de tudo de que vou precisar, saio da cidade e me dirijo para

a região das montanhas. Na cidade estava começando a fazer frio, mas

quando começo a ganhar altitude percebo que aqui o inverno já chegou faz

tempo. Não que ele vá embora de verdade em algum momento, mas em

alguns períodos é menos intenso.


As árvores ao redor são altas e o topo delas está coberto de neve,

bem como as laterais da estrada. Boa parte do caminho está livre, porque
outros carros já fizeram o percurso antes e não está nevando muito. Pelo

horário que me disseram que ele saiu, Jay deve ter passado por aqui
algumas horas atrás.
Se eu virasse à direita, iria para a estação de esqui. Já estivemos lá

algumas vezes e é incrível. Minha tia e eu adoramos o lugar, principalmente


a avenida que construíram lá em cima, recheada das melhores lojas de grife,

que vendem inclusive as peças exclusivas que tia Ane desenha. Já à direita
fica a região de Turquoise Lake. O lago é bem extenso e alguns chalés,

como o dos Anders, foram construídos em frente às águas azuis, com uma
distância considerável um do outro.
Não é possível avistar as residências vizinhas, mas se seguir

caminhando pela beira do lago, em algum momento você encontrará outra


construção de madeira. É essa sensação de sossego e privacidade que torna

o lugar tão singular.


Faço a curva à esquerda e sigo por mais alguns minutos até chegar

ao lago. O chalé fica no topo da encosta e de onde estou consigo vê-lo em


toda sua imponência. Não é como uma cabana de pesca ou algo rústico e
simples, é um paraíso perdido no meio do nada.
Ainda que esteja frio, a claridade do dia reflete sobre as águas do

lago e torna o cenário digno de um filme. Não consigo ver pelas vidraças do
chalé, porque as cortinas estão fechadas. Com a neve caindo, se Jay chegou

mesmo até aqui, deve ter guardado o carro na garagem, então não há nada
que denuncie sua presença em um primeiro olhar.

Desço do carro, ajustando a blusa de frio em volta do meu corpo e


minha bota se afunda na neve fofa. Subo os degraus da entrada e percebo
pegadas molhadas, maiores que as minhas e respiro aliviada. Bato na porta

e espero.
Coloco o ouvido na madeira para tentar ouvir alguma coisa do lado

de dentro, mesmo porque estou congelando aqui fora, mas não escuto nada.
Penso em chamar o nome dele, mas se Jay estiver se escondendo e fugindo
de nós, talvez não abra se souber que sou eu. Então apenas esmurro a porta

outra vez, agora com mais força.


Depois de alguns instantes, ouço passos arrastados dentro do chalé e

me afasto quando escuto a fechadura eletrônica destravar.


Jay aparece na fresta. Seus olhos estão pesados e sonolentos, os

cabelos bagunçados e minha máscara de dormir apoiada em sua testa, como


se tivesse a erguido dos olhos apenas para ver quem o está incomodando. O
desgraçado é tão bonito que só de olhar pra ele já sinto um gelo no

estômago.
— O que… Ashley?
— Então você se escondeu aqui.
Ele arranca a máscara e tenta arrumar o cabelo, antes de esfregar o

rosto, parecendo meio irritado, como eu já esperava.


— Não sei o que você veio fazer aqui, se me seguiu, mas eu quero

ficar sozinho.
Legal, então vai ser mesmo do jeito difícil.
— Ficamos preocupados, Jay, Kyle e eu. Você saiu, sem uma

explicação razoável, mentiu pra sua irmã e se enfiou aqui nessa montanha.
Achamos que tivesse acontecido alguma coisa.

— Como pode ver, estou inteiro.


Jay se mantém sério e irredutível, ele não abre a porta, mantém

apenas um pedaço dela sem fechar, para continuar falando comigo, e não se
parece em nada com o rapaz divertido que passou a tarde de ontem comigo.
— Ontem estava tudo bem…

— As coisas mudam.
— Fala sério, Jay! Vai voltar a ser um imbecil? Eu tô congelando

aqui fora e você não abre a droga dessa porta!


Ele crispa os lábios e faz uma careta, apesar de estar sendo grosso,
percebo que não parece estar muito bem.
— Ashley, eu não pedi que viesse até aqui, se está com frio é só
voltar para o carro e ir pra casa. Eu tenho que me deitar agora, ou vou
vomitar nas suas botas e acho que a Princesa não quer isso — fala, fazendo

menção de fechar a porta.


— Perfeito! Já que voltamos ao estágio inicial de babaquice, vou

aproveitar e te chantagear.
— Como é que é?
— Isso. Já que não está se sentindo bem, pode se deitar onde estava,

mas a porta fica aberta porque preciso pegar minhas coisas no carro.

— Como assim pegar suas coisas?


— Vou ficar aqui com você hoje, já está tarde e não vou voltar

agora. A não ser que queira que eu ligue pro seu pai e fale que você deixou

as gêmeas em casa e fugiu literalmente para as montanhas.

— Você…
Jay abre a porta e sai andando sem me responder, pelo modo como

apoia a cabeça com uma das mãos, percebo que está com enxaqueca de

novo.
— Eu sei, sou uma vaca!

— Você não faria isso — ele diz, se deitando no sofá enorme e

colocando uma almofada em cima do rosto.


— Faria, ainda falo que tem dois rapazes lá, com elas. Dentro dos

quartos… Você não ouse fechar essa porta quando eu sair pra buscar as
coisas, porque sabe do que eu sou capaz!

Ele resmunga alguma coisa, mas não se mexe, então acho que não

planeja me trancar para fora.


Preciso ir ao carro e voltar três vezes para conseguir carregar tudo,

mas não tenho coragem de pedir ajuda quando percebo que ele não está

bem. Jay se recusa a falar comigo, então sigo para a cozinha e começo a

guardar os alimentos, deixando essa discussão para depois.


Coloco tudo que trouxe no armário e na geladeira e constato que ele

havia mesmo comprado só algumas besteiras. Depois envio uma mensagem

para Kyle avisando que o encontrei, mas que ainda não consegui descobrir
o que está havendo.

Com isso temporariamente resolvido, começo a pensar em maneiras

de ajudar o babaca. Pesquiso formas de ajudar a aliviar as dores de cabeça e


descubro que compressas frias são aliadas, então pego um pano de prato e

abro a porta da cozinha. Recolho um pouco de neve e espalho pelo pano,

depois dobro, formando uma tira comprida.

Levo até onde ele está, tiro a almofada de cima do rosto dele e
afasto a máscara. Jay me encara com o cenho franzido. Coloco o pano
esticado sobre sua testa e depois ajusto a máscara em cima dele, para o

prender no lugar.

— Compressa fria, pra ajudar a diminuir a dor de cabeça.


— Eu não disse que estava doendo.

Estendo os comprimidos para que ele pegue e o copo com água.

Jay se senta e aceita o remédio.

— E não está?
— Está, mas eu não disse…

Dou de ombros, me afastando na direção da cozinha outra vez.

— Vou fazer o jantar pra gente, vai ajudar com as náuseas também.
— Meu estômago está ruim por causa da cabeça, quando melhorar,

o enjoo passa.

— Pode até ser, mas precisa comer direito, então vou fazer uma

refeição decente.
— Tenho medo disso — resmunga, como o chato que é.

Ingrato demais esse cara!

É claro que talvez nesse caso ele tenha razão, mas não vou dar o
braço a torcer. Abro uma aba no navegador do celular e pesquiso uma

receita para um jantar saudável.

Fazer um purê de batatas, cenouras e assar uma carne não parece tão

complicado. O problema é que eu não comprei carne, deixei para pedir


depois que chegasse aqui, mas fuçando as compras do Jay encontrei frango,

então decido colocar as coxinhas para fritar.


Se eu não colocar fogo em nada, teremos alguma coisa legal. A

vantagem é que os cortes de frango vêm em um grande pacote, já

temperados e empanados, então preciso apenas colocar na fritadeira, não


corro o risco de salgar mais ou menos que o adequado.

As batatas descasco de um jeito bem vergonhoso, que com certeza

me tornaria uma piada para as cozinheiras lá de casa, já que arranco metade

das pobres coitadas junto, mas consigo dar um jeito. Depois eu as pico e
coloco na panela com água, para cozinhar, de acordo com o que diz na

internet.

Em outra panela coloco as cenouras, depois de trucidar as


pobrezinhas, e agradeço por Jay não assistir a isso, ou ele jamais deixaria de

mencionar o assassinato dos legumes. Enquanto eles cozinham, sigo até a

sala para vê-lo e percebo que adormeceu.

O remédio deve ter diminuído a dor e o relaxado um pouco, mas


está muito frio aqui. Acendo a lareira elétrica e depois busco um cobertor

no andar de cima e volto até ele. Jay se deitou do jeito que chegou, então

arranco as botas que está usando e coloco seus pés no sofá, tentando não o
acordar, depois estico o cobertor sobre ele.
Volto para a cozinha, determinada a terminar o jantar improvisado e

torcendo para que o humor do meu paciente melhore quando acordar.

As batatas cozinham bem rápido, então logo estou as amassando,

como ensinam na receita e colocando os temperos que consigo encontrar e


provando para testar o sal. Pouco depois as cenouras também estão prontas,

então escorro a água e coloco sal, e depois tiro o frango pronto da fritadeira.

Não é nada muito elaborado, mas está pronto e já provei tudo pra ter
certeza de que não vou matar o pobre do carrancudo envenenado. Como ele

está tendo dores de cabeça frequentes, não acho que seja bom tomar nada

alcoólico agora, então faço um suco com as laranjas que comprei e me sinto

bem estranha ao perceber que estou aqui, fazendo tudo isso por ele.
Quando retorno para a sala, o encontro com os olhos abertos, mas

ainda deitado. Jay se vira no sofá quando me vê chegar.

— Melhorou um pouco?
Ele aquiesce, parecendo aliviado.

— O remédio foi bom, mas esse paninho frio foi uma maravilha

também.

— Que bom. Eu fiz o jantar, vamos comer?


— Fez o jantar, me cobriu, acendeu o fogo… Eu posso me

acostumar com isso — fala, colocando o cobertor de lado.


Jay se levanta e então percebe que está calçando apenas as meias.

Aponto para as minhas pantufas cor-de-rosa em frente ao sofá.


— Calça elas.

Ele ergue as sobrancelhas e cruza os braços, fazendo o que eu digo,

mas mantendo a pose.

— Fiquei uma gracinha.


Isso me faz sorrir.

— Ninguém mandou sair correndo e não pegar suas coisas direito,

as minhas são todas cor-de-rosa!


Não dá para negar que um homem desse tamanho, com esses

músculos todos e as tatuagens, com essas pantufas, fica mesmo bem

engraçado.
— Eu trouxe outros sapatos, estão na minha mala.

— Depois você pega, vamos comer antes que esfrie.

Ele me segue para a cozinha, arrastando os pés porque obviamente

eles não cabem dentro das minhas pantufas e se senta em uma das cadeiras,
encarando a comida com curiosidade evidente.

— Então você cozinhou de verdade?

— Cozinhei, e você nem está merecendo, porque foi um estúpido


comigo.
Entrego um prato a ele, que faz uma careta engraçada, antes de
começar a se servir.

— Desculpe, Ashley. Sei que queria ajudar, é que eu vim pra cá pra

não ter que falar com ninguém, porque não quero conversar sobre isso e
você ainda chegou na pior hora… Não devia ter sido tão babaca, mas achei

que assim você iria embora.

— Ainda não aprendeu que sou mais teimosa que você? —


pergunto, me servindo também. — Não vai me falar o que aconteceu pra

que viesse pra cá assim?

Ele meneia a cabeça, se recusando e morde um pedaço de frango.

— Pensei que estivéssemos nos dando bem, Jay.


— E estamos, quando não estou sendo um merda…

— O que eu vou dizer pro Kyle? Que vim aqui e você não me disse

o que aconteceu? Ele vai querer vir também.


— Eu resolvo com ele.

Jay aponta para o purê no seu prato e parece bem surpreso.


— Você realmente cozinha bem, sabia? Pra quem não precisa e não
costuma fazer nada, pode sobreviver tranquilamente.

— Obrigada, eu acho. Mas Jay, não fuja do assunto.


Ele respira fundo e volta os olhos azuis para mim.
— Ashley, esquece isso.
— Como? Ontem passamos o dia juntos, sei lá… Foi legal, e
esquisito. Só eu acho isso estranho? Nós nunca fomos amigos e agora eu
fico querendo falar com você — admito, sentindo uma pontada de

constrangimento. — E eu não sei se estou vendo coisas onde não tem, e


também sei que não devia…
— Não devia o quê?

Inspiro, frustrada. Eu não vou de jeito nenhum admitir que fico


pensando nele agora o tempo todo, não pra levar um fora de Jay Anders
depois de fazer tudo o que fiz por ele hoje.

— Deixa pra lá. Eu só… Não consigo te entender, Jay.


— Acho que consegue entender muito bem — responde, seus olhos
azuis são profundos agora.

Ele me fita de um modo intenso, como se não visse apenas a mim,


mas minha alma, como se enxergasse tudo aquilo que eu não digo.
— Você disse que não devia — ele fala —, então entende por que eu

saí de casa e vim pra cá, mas você veio atrás de mim. Está tornando as
coisas complicadas pra nós, Princesa.

Ele não pode estar me dizendo isso…


— Jay… Isso não pode ser sério. Você não viria pra cá por minha
causa.

— Por que não?


— Porque a gente não fez nada de errado! Só passamos um tempo
juntos, tudo bem que você fez uns comentários e talvez eu tenha te visto só
de cueca e tenha... Enfim, mas foi só isso!

— O problema não está no que fizemos, Ashley, mas no que eu


quero fazer.

Jay se levanta e segue de volta para a sala, me deixando sem fala.


Essa conversa não pode terminar assim, não quando ele praticamente
admitiu que está a fim de mim também.

— Quer dizer que fugiu pra cá por que queria ficar comigo? —
pergunto, o seguindo.
Ele ri, cheio de ironia.

— Ficar? Eu queria te foder, Princesa.


— Jay! — Arfo, um pouco chocada com a franqueza com que ele
diz isso, mas ao mesmo tempo, sinto uma comichão entre as pernas, e uma

onda de satisfação por saber que ele quer o mesmo que eu.
— O quê? Não era o que você queria saber? Por que eu me escondi
aqui? — Ele se vira e me encara, seus olhos faíscam de desejo, mas há algo

mais, que nesse momento não sei identificar. — Me escondi porque minha
vontade era me enterrar em você muito fundo, e te foder forte, esquecer seu

nome e a porra toda que isso iria desencadear.


Ele abre os braços, assumindo a derrota, e meu coração dispara no
peito, desenfreado, rendido. Me sinto impelida a me lançar contra ele e

descobrir de uma vez por todas o gosto dos seus lábios, conhecer a perdição
do seu corpo.
— Só que isso não iria destruir apenas a mim, mas a você e as

nossas famílias, então eu recuei.


Mentiroso. Eu sei que ele está mentindo, sei que não sou a razão da

sua fuga, ainda que reconheça que o desejo dele por mim é real. Consigo
ver em seus olhos que ele precisa disso agora. Jay precisa de mim e eu o
quero muito para me negar esse momento, então eu o instigo a avançar.

— Isso significa que fugiu porque tem medo de se apaixonar por


mim.
— O quê? — Ele ri, sem saber se entendeu direito.

Dou de ombros, como se soubesse do que estou falando.


— É isso. Porque do contrário, não vejo por que nossas famílias
estariam envolvidas. Eles não precisariam ficar sabendo de nada.

— Eu não sou o tipo de homem que costuma misturar as coisas.


Ele passa a mão pelos cabelos e me fita, parecendo em dúvida e eu
dou mais um passo.

— Eu também não.
— Ah, caralho… Então que se foda o mundo.
Jay passa o braço pela minha cintura e me puxa para o seu peito,

nossos corpos se chocam e ele abaixa o rosto na direção do meu. Seus olhos
profundos me encaram, antes de se fecharem e ele gruda a boca na minha,
me beijando com desejo.

Eu ainda não sabia, mas essa decisão, esse primeiro beijo, mudaria
nossas vidas para sempre.
 
 

 
 

 
 

Honey
I'd walk through fire for you
Just let me adore you

Oh, honey
(Querida
Eu andaria pelas chamas por você

Apenas deixe-me te adorar


Oh querida)
Adore You – Harry Styles

 
 
JAY

 
Se o inferno existe, acabo de conquistar minha vaga. Eu não deveria
ter mentido assim para Ashley, não quando o real motivo da minha vinda

para cá foi outro, ainda que o desejo por ela tenha contribuído e, porra, não
deveria me aproveitar disso de jeito nenhum, mas também não sou de ferro.
Saber, ouvir Ashley admitir que também queria que eu a fodesse e que

ninguém precisava saber, foi uma das coisas mais sexys que já escutei na

vida. Não tenho forças para resistir a isso.


E caralho, quando grudo minha boca na dela e deslizo minha língua

para encontrar a sua, entendo que eu não tinha chances mesmo. A garota

tem mel, cacete!


Aperto o corpo dela contra o meu e sinto suas curvas deliciosas e

meu pau ganha vida, com Ashley nos meus braços consigo esquecer do

problema que me trouxe aqui, porque meu corpo todo está concentrado
nela, meus pensamentos estão focados nas sensações que o toque dela

causa, no cheiro inebriante do seu perfume, nos seus dedos embrenhados


nos meus cabelos, no gemido gostoso que escapa de sua garganta.

Abro o zíper da blusa de frio que ela está usando e a retiro, e logo

começo a subir a outra, sentindo sua cintura fina nas mãos, a pele macia,
enquanto Ashley se aproxima ainda mais e esfrega o sexo contra minha

ereção, me enlouquecendo. Levo as mãos às suas costas para abrir o fecho

do sutiã, mas entre um beijo desesperado e outro resolvo confirmar.


— Tem certeza, Princesa?

Ela arqueia a sobrancelha perfeita e solta meus cabelos. Por um

momento me sinto apavorado, temendo que decida voltar atrás, mas ao


invés disso ela abre o zíper da calça e em um gesto ousado, coloca minha

mão dentro da sua calcinha.


— O que acha?

— Porra! — A boceta dela está encharcada, meu dedo desliza fácil

para dentro de sua abertura apertada. — Me quer tanto assim?

— Pelo visto seu ego é do tamanho do seu pau, Jay. Vamos usar

mais o segundo de agora em diante — ela diz, me arrancando uma risada.

— Não precisa falar duas vezes.


Abaixo seu jeans até os joelhos, e ela mesma tira as botas e a calça

pelos pés, enquanto arranco a blusinha que está usando. Ashley fica apenas
de sutiã e calcinha. Ela tira minha jaqueta e a camiseta, e consigo me livrar
da calça rapidamente.

Ashley é perfeita, meus olhos percorrem seu corpo, que parece ter

sido esculpido e ela me fita cheia de tesão, o que a deixa ainda mais

gostosa. Abrindo o fecho do sutiã, o atira ao chão, revelando os seios cheios

e redondos. Levo minhas mãos até eles e me inclino para os colocar na

boca.
Sinto o bico rígido na ponta da língua, delicioso, a pele macia ao

redor, e mamo forte enquanto ela geme de pé. Com a outra mão afasto o

tecido da sua calcinha e toco a boceta molhada, sentindo Ashley se

contorcer sob meu toque.

Eu a fito assim, e ela é maravilhosa, toda entregue, arfando e com os

olhos nublados de desejo. Desço a peça de lingerie por suas pernas, a

despindo completamente e começo a me abaixar, mas Ashley segura meu


braço, parecendo assustada.

— O que está fazendo?

— O que acha? — pergunto, sarcástico. — Vou descobrir se o gosto

da sua boceta é tão bom quanto parece.

— Não… — Ela balança a cabeça. — Melhor não.

— Por quê? Vai ficar…


— Não! Não é isso. É que eu fico um pouco constrangida, é meio

íntimo demais.
Eu me levanto e a encaro com curiosidade, percebendo o tom rosado

das suas bochechas.


— Não quer que eu te chupe?
Ela troca o peso do corpo de uma perna para a outra.

— Não. Mas eu quero chupar você.


Solto um grunhido só de imaginar a boca dela em volta do meu pau,

mas alguma coisa aqui não está certa.


— Além disso, você não está muito bem, melhor não se esforçar

demais, ficar ajoelhado aí no chão.


— Você está fugindo.
— Não é isso, é que…

Meneio a cabeça e coloco o dedo sobre seus lábios, a calando.


— Deita no sofá, Ashley. Com as pernas abertas.

Ela arregala os olhos e sua boca se abre.


— Mas…

— Anda logo.
Pelo modo como me fita, parece inclinada a questionar, mas faz o
que mando. Deslizo um dedo por seu sexo melado, sentindo sua excitação e
depois a penetro com ele. Ashley ergue o quadril em resposta, gemendo e

tocando seus seios.


Tiro o dedo de dentro dela e levo até a boca, chupando, mantendo os

olhos nos seus, que me fitam enquanto seu peito sobe e desce, mais agitado.
Entro nela então com dois dedos, os lambuzando mais e os ofereço

para que chupe, ela parece achar um pouco estranho, mas abre a boca, sem
teimosia.
— Viu como seu gosto é bom? Não estou te fazendo um favor, eu

estou sonhando há dias com o momento em que vou enfiar o rosto no meio
das suas pernas e chupar sua boceta, Ashley. Eu quero lamber cada

pedacinho dela e ao mesmo tempo te dar prazer.


— Jay… — Ela inclina o quadril, pedindo por isso sem nem
perceber.

— E quando você gozar, quero te sentir rebolando na minha cara,


esfregando sua bocetinha na minha boca.

Eu me abaixo novamente, e dessa vez ela não contesta.


— Ninguém nunca te chupou, Ashley?

Ela balança a cabeça, negando e a surpreendo lambendo seu sexo


bem devagar. Seu gemido gostoso me faz sorrir e passo a língua novamente,
apenas para causar a mesma reação.
Eu a chupo, primeiro bem devagar, sugando, provando, lambendo,
cada pedacinho dela. Sentindo e permitindo que ela também sinta cada
toque, cada beijo. Brinco com seu clitóris na ponta da minha língua e

Ashley se contorce, gemendo alto e se esfregando contra mim, exatamente


como eu queria, roço minha barba por fazer contra a pele sensível e ela vai

à loucura, rebolando e pedindo mais.


Aumento o ritmo, sugo com força e afundo meus dedos na carne
sensível da sua bunda. A boceta dela é uma delícia, e quanto mais ela se

esfrega em mim, mais eu quero, meu pau está tão duro que a fricção com a
cueca está incomodando.

Mordisco seu clitóris quando percebo que ela está perto e abocanho
seu sexo de lado, deslizando a língua por ela toda, sentindo seus espasmos,

indicativos do orgasmo avassalador. Ashley chama meu nome e é a porra da


coisa mais gostosa desse mundo.
Eu me afasto dela e sorrio ao perceber sua expressão de calmaria

pós gozo, ela parece até mesmo meio sonolenta, mas me fita com um
sorriso safado.

— Como eu vivi sem isso até hoje?


— Porque por mais que tenha me julgado um idiota, você só esteve
com babacas.

— Tem razão.
Levanto-me do sofá e caminho até o aparador, onde deixei minha
carteira. Pego um preservativo e volto para junto dela. Ashley o retira das
minhas mãos e o abre ela mesma, depois disso, com fogo nos olhos

castanhos, abaixa minha cueca até os pés.


— Senhor…

— Não é algo bacana de se dizer nessas horas — brinco.


— Tem razão, mas é que você é… Você sabe.
— Obrigado, mas ele vai ficar melhor dentro de você.

Desenrolando o preservativo por todo meu pau, a safada ainda

lambe os lábios.
— Mas que porra…

— Que foi? Você é muito gostoso!

Ashley é uma grata surpresa, uma patricinha que foi guardada a sete

chaves pelos pais, mas que na cama é toda desinibida. Me sento no sofá e
ela monta em cima de mim, sem esperar pelo meu comando.

— Então senta pra mim, Princesa…

Ela desliza a boceta apertada pelo meu pau e fecho os olhos, me


deliciando com a sensação.

— Porra! Você é apertada pra caralho.

Ashley se inclina e morde a ponta da minha orelha, antes de gemer


baixinho no meu ouvido, me levando à loucura.
Ela começa a se mover para cima e para baixo, primeiro em um

ritmo mais lento, até se acostumar comigo e depois acelerando os


movimentos. Enrolo seus cabelos no meu pulso, puxando seu pescoço para

trás, mas ela não para. Isso apenas parece a instigar ainda mais. Dou um

tapa forte na sua bunda e ela responde apertando meu pau com a boceta.
— Cacete! Como… O que foi isso?

— Também tenho meus truques — fala, e muda o ritmo.

Ashley sobe e desce rápido, rebolando, cavalgando, e seus seios

pulam na altura da minha boca, mas fora do meu alcance. Ranjo os dentes,
de tesão, de raiva, de desejo, de ódio do mundo, de vontade de me fundir a

ela. São tantas coisas ao mesmo tempo.

Não sei quantos minutos ficamos assim, mas é como ir do inferno ao


paraíso. A cada vez que o corpo dela desce sobre o meu, me sinto mais

perto de esquecer de qualquer outra questão. Eu gostaria de me gabar e

dizer que durei a noite toda, mas não é assim que acontece, porque a porra
da mulher não me dá alternativa

Ashley aperta meu pau de novo, e mais duas vezes, com a

musculatura do seu sexo e eu enlouqueço. Seguro firme seu quadril e

empurro o meu, me afundando duro dentro dela, com estocadas rápidas e


violentas. Consigo capturar seu mamilo com os dentes, arrancando um
gritinho dela, que geme meu nome enquanto goza de novo em cima de

mim, sinto o gosto metálico na boca e gozo junto com ela.

Estamos pingando suor, e lá fora a neve continua a cair.


 

ASHLEY
 

Quando acordo na manhã seguinte, Jay ainda está dormindo. Depois

de tudo que aconteceu ontem, dormirmos na mesma cama, não foi uma

coisa tão estranha assim, nos deitamos, ficamos conversando um pouco e


acabamos adormecendo.

A vista daqui do andar de cima é maravilhosa. Sem falar na varanda,

com a piscina privativa da suíte e tudo mais, mas não consigo ver nada
disso agora, com as cortinas fechadas e eu as deixo assim, para não acordar

o Jay.

Saio do quarto e desço para o andar de baixo, para preparar o nosso

café. Prometi para mãe dele que o faria comer e, enquanto estiver aqui, é o
que vou fazer. Também preciso voltar ao assunto incômodo e insistir que

ele fale comigo sobre o que quer que o esteja incomodando.


Meus planos para o nosso café, consistem em um smoothie,

aproveitando que comprei muitas frutas e iogurtes e que é uma opção


saudável para o meu companheiro fitness.

Coloco os dois potes de iogurte natural no liquidificador e junto a

eles uma bandeja de morangos frescos e uma banana, também acrescento


um pouco de leite em pó para dar consistência e bato tudo por uns dois

minutos. Encho dois copos bem grandes com a bebida cremosa e quando

estou me preparando para subir as escadas, Jay aparece na porta da cozinha.

Ele está usando apenas a calça de moletom que vestiu ontem à noite
para dormir e segue sem camiseta, com todos esses músculos e tatuagens à

mostra, me tentando, e eu não consigo desviar o olhar. Não sei como vamos

lidar com o que fizemos, se vamos agir como se não tivesse acontecido, ou
se…

Ele avança e me dá um beijo na boca. É rápido, mas é com certeza

um beijo na boca, então pelo jeito não vamos fingir que não aconteceu.

— Bom dia, Princesa.


— Bom dia, Jay.

Os olhos dele se desviam para os copos nas minhas mãos e ele

franze o cenho.
— O que é isso?

— Smoothie de morango, fiz pra gente…


Ele aceita o copo e experimenta. Pela sua expressão parece gostar,

porque continua tomando.

— Muito bom — fala, confirmando minhas suspeitas —, vou fazer

ovos pra nós.


— Ótimo, porque acho que eu iria queimar mesmo.

Ele ri de mim, enquanto se abaixa para procurar pela frigideira.

— Certo, Jay. Temos algumas questões para conversar — falo, sem


querer evitar por mais tempo o assunto.

— Jura? Já se apaixonou por mim? Eu falei que não misturo as

coisas — ele responde, e noto o som do riso em sua voz.

Não queria estragar o momento, mas é inevitável. Kyle já me


mandou umas dez mensagens e está preocupado, não posso ficar omitindo

as coisas assim.

— Não é sobre o sexo, mas é interessante falarmos sobre isso


também, porque você acabou de me beijar.

— Não podia? — Ele acende a chama do fogão e se vira para me

encarar, com uma ruga de preocupação entre as sobrancelhas.

— Não é que não podia, é que precisamos definir o que pode ou não
pode.

— Tá bom, você que manda.


Jay se volta novamente para o fogão e quebra os ovos, os colocando

na frigideira.
— Mas eu queria falar sobre sua vinda pra cá, antes.

— Já não falamos sobre isso?

Instantaneamente sua voz adquire uma nota de tensão.

— Falamos, mas você mentiu que veio por minha causa e eu sei que
não foi por isso, então quero saber a verdade.

— Você acha que eu menti? — Vejo quando ele coloca o sal, mas

ele não se vira.


Está tentando ganhar tempo.

— Eu sei que sim.

— Ontem à noite parecia acreditar em mim…


— Não, eu só queria transar com você mesmo — falo, sem rodeios.

— Você está dizendo que sabia que não era essa a razão e mesmo

assim fingiu acreditar pra transar comigo? Isso é usar uma situação ao seu

favor — ele diz, mas não parece irritado.


— E você fez a mesma coisa, então…

Jay assente, admitindo que tenho razão.

— Tudo bem. Eu disse que era por sua causa porque não queria falar
sobre isso, e ainda não quero. E você tinha mesmo uma parcela de culpa, só

que era só uma bem pequena.


— E como eu fico nessa? Porque preciso falar com o Kyle, tenho
que explicar meu sumiço para as meninas, estou preocupada com você e

não sei o que fazer. Também não posso ficar aqui eternamente, não sei

quando você pretende voltar… E não vem dizer que não me mandou vir,
por que eu já sei disso.

— Não vou dizer — fala, mexendo os ovos. Ele coloca duas fatias

de queijo e o cheiro bom chega até onde estou. — Vamos fazer um acordo?
Você topa? — Jay meneia a cabeça, pensativo. — Ontem eu saí da cidade

completamente desorientado, perturbado, com a cabeça fodida… Aí você

chegou, a gente ficou e eu esqueci tudo, mesmo que por umas horas.

— Jay…
Ele desliga o fogo e se vira para me encarar. Por mais que suas

palavras não demonstrem, há certo desespero em seus olhos, eu aceitaria

qualquer coisa para tirar esse brilho ruim do seu olhar agora.
— Eu fugi por isso. Porque queria esquecer o problema que está

batendo na minha porta, Ashley. Pode me dar esse fim de semana? Na


segunda-feira a gente volta pra casa, eu te conto tudo, prometo. Não vou
contar para os outros…

— Mas e o Kyle?
— Eu ligo pra ele e dou uma desculpa bem convincente. Mas até lá
ficamos aqui, você e eu, a gente finge que não tem nada de ruim rolando e
fodemos em todos os cômodos desse chalé.
Isso me arranca uma risada, mesmo em meio à preocupação que
sinto por perceber a apreensão dele.

— Jay, isso também é algo que precisamos definir. Se é o que você


quer e se promete que vai me contar na segunda, eu topo, mas esse chalé vai
ser tipo Las Vegas, quando a gente sair daqui…

— Tá bom — ele concorda, sem pestanejar.


— E eu falo só em relação ao sexo. Porque seja o que for que você
esteja passando, vou estar do seu lado, nossa família vai estar, porque é o

que fazemos.
Ele aquiesce novamente.
— Eu sei. Mas até lá, não quero mais falar sobre isso, sobre nada

disso… Eu quero só me distrair, tudo bem?


— Perfeito, como quiser.
— Ovos prontos…

Ele coloca os dois pratos no balcão e faz sinal para que eu o siga
para a mesa, na sala de jantar.

— O que nós vamos fazer hoje? Além de sexo.


— Vamos fazer nossas coisas favoritas! Tem aquela piscina lá no
quarto, já viu se está limpa?

— Já, e já liguei o aquecedor.


— Perfeito, eu vi que tem um violão aqui. Ainda toca? Podíamos
cantar umas músicas…
— Eu toco e você canta — ele fala, começando a comer.

— Legal! E depois?
— A gente vê um filme?

— Isso! Vou fazer sua sobremesa preferida, mas não crie


expectativas, porque pode não sair gostosa.
— Ah, merda…

— O que foi?
— Já era, criei expectativas altíssimas. A maçã macia dentro
daquela massa quentinha, se não der certo eu vou ficar triste pra cacete.

Estreito os olhos para ele, que abre um sorriso.


— Então vai me ajudar. Assim se sair ruim, não vou ser a única
culpada.

Esquecemos a torta por um tempo, e Jay busca o violão no andar de


cima. Munidos de cobertores, nos dirigimos ao deck, na varanda da sala.
Também há uma lareira dessas ecológicas do lado de fora e faço

questão de a acender para nos aquecer um pouco. Nos sentamos no banco


de madeira, apoiando nossos pés no tronco à nossa frente e jogo o cobertor

sobre nossas pernas.


Jay fez café na máquina de expresso, não ficou muito bom a
princípio, um pouco amargo, mas com uma boa dose de açúcar consegui

deixar o meu bem gostoso.


— O que quer que eu toque? — ele pergunta, dedilhando no violão.
— Quero te mostrar uma música…

Desbloqueio o celular e deslizo a tela, procurando a letra que


comecei a escrever e venho mantendo escondida, até então. As notas estão

marcadas também e ele as observa, antes de começar a tocar, devagar,


testando o som.
— Acho que não conheço essa…

Fico quieta. Não conto a ele que fui eu que escrevi porque não quero
influenciar sua opinião. Um dia ele me disse que seria sincero comigo e não
quero nada além disso.

— Vamos lá, Princesa. Cante, então.


E eu canto. Aqui, a beira desse lago de águas azuis-turquesa,
cercada pelo branco da neve, pelo ar gélido que nos envolve, mas também

pelo calor do momento, eu me entrego ao meu grande amor: a música.


 
I hate loving You

I love hating You


My feelings mix
In a canvas full of colors

 
I hate loving You
I love hating You

My feelings mix
In a canvas full of colors
 

Repito a estrofe três vezes e atinjo as notas mais altas, minha voz
ecoa no vazio e o som do violão me acompanha até certo ponto. Em dado

momento, Jay para de tocar e continuo sozinha, meus olhos se fecham e


sigo cantando, sinto a respiração dele entrecortada, perto demais, mas
continuo até o fim.

Abro os olhos, mas tenho receio de o encarar. Eu fugi desse destino,


do meu sonho, mas por algum motivo permiti que um resquício do meu
antigo desejo se instaurasse em meu coração, um anseio por aprovação.

— Puta que pariu…


Desvio os olhos para encontrar sua expressão de espanto.
 

 
 

 
 

Every time you come around, you know I can't say no


Every time the sun goes down, I let you take control
I can feel the paradise before my world implodes

And tonight I had something wonderful


(Cada vez que você aparece, você sabe que eu não posso dizer não
Cada vez que o sol se põe, eu deixo você assumir o controle

Eu posso sentir o paraíso antes que meu mundo imploda


E esta noite eu tive algo maravilhoso)
Bad Habits - Ed Sheeran

 
 
ASHLEY

 
Os olhos dele brilham como se refletissem o lago diante de nós.
— Então você gostou?

— Se eu gostei? É como se Deus mandasse um coral de anjos do


céu pra cantar na Terra, exclusivamente pra mim. Com essa paisagem e
isolados de todo mundo? Porra, eu tô até arrepiado! Por que você não

cantou o resto da música?

Isso me faz sorrir, e de repente estou rindo mesmo, alto. Cubro a


boca com as mãos ao perceber que ele gostou de verdade!

— Jura?

— Lógico! Eu não falei que te diria se fosse ruim? Mas você é boa
pra cacete, você é incrível, Ashley. Cadê? Continua cantando…

— Não está pronta, eu só escrevi essa estrofe.


— O quê? Você compôs também? Ah, vai se foder! Não acredito

que está desperdiçando esse talento assim!


— Ei! Não me manda ir me foder! — reclamo, ainda achando o

máximo que ele tenha mesmo gostado.

— Ok! Eu vou te foder, mas caralho, você não pode ignorar isso.
— Jay!

Ele começa a rir, me acompanhando, e aponta para o celular.

— Tem que terminar essa música, precisa escrever, porque é muito


boa.

— Obrigada.

— Vamos trabalhar nisso e, quando o pessoal voltar de viagem, você


mostra pra eles.

— Eu já te disse que não quero — nego com veemência.


— Olha só, é impossível, Ashley — Jay fala, voltando a ficar sério.

— Tira isso da cabeça porque sempre vão te associar com seu pai, com a

Dominium. Você precisa entender que se você cantasse mal, se fosse um

fracasso, isso seria um problema, mas não é o caso! Sinceramente? O

Ashton que se cuide, porque vão falar que você é melhor que ele — fala,

brincando.
— Exagerado…
— Já sei o que vamos fazer agora. Eu vou desenhar um pouco e
você vai escrever mais uma ou duas estrofes dessa música aí.

— Vai desenhar o quê?

— Sua tatuagem — diz, como se não fosse nada demais.

— Minha o quê?

Jay é intrigante. Seu humor oscila e me faz ficar curiosa sobre ele,

as vezes é muito sério, em outras ele se deixa levar pelo momento, como
agora. Seu mau humor geralmente camufla uma dor ou uma tristeza, mas

seus sorrisos, sua energia, contagiam tudo ao seu redor.

— Não me disse que quer fazer uma tatuagem relacionada a

música? Vou fazer o desenho pra você.

— Tá brincando? — Eu o encaro, desconfiada.

— Não tô, não. Você vai me falar mais ou menos os elementos que

quer e eu vou começar a montar um esboço…


Essa me parece uma ótima maneira de passar a tarde.

Juntamos nossas coisas para irmos para dentro, mas quando nos

levantamos, o telefone do Jay toca, com uma chamada de Kyle, e ele faz

sinal para que eu espere.

— E aí, cara? — Ele coloca no viva-voz.

— Olha só, se um de vocês não me falar que porra tá acontecendo


agora, eu vou colocar as meninas no carro e vou aí.
— Fica de boa, Kyle. Eu tô bem, não é nada sério.

— Não é sério? Por que você sumiu então? E a Ashley foi atrás, o
que por si só já é bizarro e agora não me responde direito também, vocês

vão me deixar pirado, porra!


Eu o encaro, sem saber o que dizer ou fazer para ajudar, afinal
também não sei de verdade o que está acontecendo. Fica complicado

contribuir com alguma coisa.


— Eu… — Jay fecha os olhos e suspira, sem saber o que dizer.

Tomo o celular da sua mão e sussurro para que apenas ele ouça.
— Confia em mim?

Jay aquiesce.
— E no Kyle?
— Com a vida.

Coloco o celular no ouvido e fecho os olhos, sabendo que vou fazer


uma besteira das grandes.

— A gente tá se pegando, Kyle, é isso. Satisfeito? — pergunto ao


telefone, deixando o pobre do meu primo mudo do outro lado e Jay

completamente aturdido.
Devolvo o aparelho nas mãos dele e entro para dentro do chalé,
sabendo que agora a bomba ficará com ele para que resolva.
— PUTA QUE PARIU, JAY! VOCÊ FICOU LOUCO, CARALHO?

— Escuto os gritos, antes de fechar a porta atrás de mim.


Jay não demora mais que uns três minutos na ligação, ele entra

pouco depois e me encara, segurando o riso.


— Você é louca?

Mordo o lábio, apreensiva, notando que ele está bem mais calmo do
que imaginei que ficaria.
— Pensei que estivesse bravo.

— Ele não vai falar pra ninguém e você me livrou de ter que dizer a
verdade, porque ele não ia esquecer isso nunca e iria insistir. Então não

estou bravo, mas que você é pirada, isso é! Caralho, Ashley, como você
solta isso de repente e sai andando como se não fosse nada?
— Vocês não são como irmãos? — pergunto, dando de ombros. —

Foi o que o Kyle me disse, deixei que resolvessem sozinhos. O que ele
falou?

— Que o Ashton vai cortar meu pau fora e dar minhas bolas pro
Malífer, o tigre do Azal, comer.

— Reza a lenda que o pai do Malífer era vegetariano — falo, rindo


ao me lembrar das histórias absurdas que a tia Andy sempre conta.
— Infelizmente o Malí já se foi há alguns anos, e eu dei azar. Esse

agora gosta de castrar traidores, de acordo com o Kyle.


— Mas só se meu pai ficasse sabendo — falo, achando graça no
modo como ele posiciona as mãos na frente do pênis. — Por falar nisso,
parece que eles vão vir pro Natal, ficou sabendo?

— Minha mãe disse que a tia Andy ligou. — Ele caminha na


direção das escadas. — Vou buscar as folhas e os lápis. A vantagem de ter

dito o que disse ao Kyle é que ele vai nos dar cobertura até segunda e não
precisamos nos preocupar com mais nada.
 

JAY
 

— Que tal um desenho grande? Pode descer pela sua cintura e parar
no seu quadril. Pensei em fazer rosas e as notas musicais saindo do meio

delas.
— Seria enorme — ela responde, mordendo a pontinha da caneta
—, mas eu adoro tatuagens nesse lugar, acho sexy.

— Tudo em você seria sexy, Ashley, mas vai ficar muito bonita.
Ela assente e começo a rascunhar um desenho. Tenho ideias de

incluir alguns detalhes que me vêm à mente, mas vou deixar em suspenso
para que sejam surpresa.
Enquanto desenho, Ashley segue trabalhando na letra da música. Ela
batuca a caneta na folha de papel vez ou outra, no ritmo da canção, suas

pernas estão entrelaçadas às minhas e nunca, em toda minha vida, imaginei


que um dia estaríamos em uma situação como essa.

Sua blusa se ergue um pouco e vejo a pele da sua cintura, onde


imagino o desenho. Fico tentando medir o espaço com as mãos e estou
prestes a abaixar sua calça, apenas para estudar melhor o lugar, claro,

quando meu celular toca.

— Ai, caralho…
— Que foi? — Ela vira o rosto na minha direção.

— Seu pai.

Ashley se senta na mesma hora, assustada.

— Vídeo?
— Não, chamada de voz.

— Vai atender?

— Não sei…
— Vai ser mais suspeito se não atender.

Concordo com ela. Não dá pra simplesmente ignorar as chamadas.

— Oi, Ashton.
— E aí, Jay! Tudo bem?
— Tudo, como estão as coisas?

— Bem também, correria, cansaço, vontade louca de chegar em


casa… Tirando tudo isso, muito bem.

— O de sempre, então.

— Isso. Só tô ligando pra saber como vocês estão, cara. Falei com
a Ashley rapidinho ontem cedo, mas a gente só fica despreocupado se falar

um pouco com cada um de vocês…

—Estamos todos bem, pode ficar tranquilo.

— Você também?
— Ótimo.

Já menti tanto por mim que começo a acreditar nas coisas que falo.

— Perfeito, cara. E suas irmãs? Seu pai quer saber.


— Bem também, sem nenhum problema.

— A Lore tá estudando? A Majô disse que ela não pode dar vacilo.

— Tá sim, não sai do quarto — coço a cabeça, improvisando. Não


faço a menor ideia se a menina está estudando ou pra que deveria estar.

— E o Kyle?

— Aparentemente em um surto de juízo, porque até agora sem

nenhum problema pra nós.


— Tá melhor que a mãe… A Jas disse que você e a Ashley agora

são amigos, isso é bom. Cuida dela, beleza? Ela tá ok? O frango não voltou
mais?

— Não, o frango não voltou…

Ashley me encara, erguendo a sobrancelha e cruza os braços.


— Então era só isso. Se precisarem de alguma coisa manda

mensagem, ou liga. Tá bom?

— Combinado.

Encerro a chamada e jogo o celular no sofá, cobrindo o rosto com a


mão em um instante de culpa.

— Porra, eu sou um filho da puta.

— Ah, por favor! Vai se sentir culpado? Você nem tirou minha
virgindade, deixa de besteira.

— Ele disse pra eu cuidar de você!

— Então devia cuidar direito, acho que estou com tesão agora

mesmo e você não está fazendo nada a respeito.


— Porra, Ashley. Assim você me mata…

Ela se levanta do sofá e se ajoelha entre as minhas pernas, puxando

minha calça para baixo, junto com a cueca.


— Minha vez de conhecer seu gosto — fala, antes de deslizar a

língua pela cabeça do meu pau.

Um grunhido rouco escapa da minha garganta, e Ashley sorri

diabolicamente. Ela abocanha meu pau por completo e desce os lábios até a
base dele.

— Caralho!
Sua boca sobe novamente até a ponta e desce, devagar. Lambendo,

beijando e sugando a cabeça, seus olhos fixos nos meus. Ashley aumenta a

velocidade e gira a língua, brincando comigo, me provocando. Aperto seu


pescoço e ela me leva mais fundo na garganta, gemendo gostoso.

A tortura continua, com a boca, até que percebe que estou prestes a

gozar. Quando nota meus movimentos mais acelerados, ela interrompe o

boquete e se coloca de pé.


— Vamos pra piscina — chama, me estendendo a mão.

É uma ótima ideia.

Esquecemos nossos projetos por um tempo e subimos as escadas


para a suíte. Eu a beijo, desesperado e ela enlaça minha cintura com as

pernas, nossas roupas ficam pelo caminho, tiro seu sutiã e chupo seus seios,

ela arranca minha blusa também.

Só paramos no quarto o bastante para que eu coloque um


preservativo e quando chegamos na varanda, e descemos os degraus para a

água, sinto o calor que emana dela. O cenário é idílico. Da piscina de borda

infinita se pode ver o lago e as árvores, o deck de madeira e o céu. Qualquer


um que passasse também poderia nos ver, mas ninguém vem até aqui.
Sigo Ashley mais para o fundo e sinto meu corpo esquentar de

imediato, nos afundamos na piscina e eu a puxo para o meu colo, fazendo

com que passe as pernas ao redor do meu quadril novamente. Beijo sua

boca, afoito, e nossas línguas se juntam em um compasso único, de ânsia e


tesão. Ashley finca as unhas nos meus ombros e chupo seu pescoço, seus

seios, seus lábios.

Ela geme, entregue e minha mão encontra sua boceta quente.


— Quero me enterrar em você agora, fica de costas pra mim…

Ashley se vira na direção do lago, apoiando os braços na borda da

piscina e ergo uma de suas pernas o suficiente para conseguir penetrar sua

boceta.
Meto meu pau até o fundo dela e fecho os olhos por um instante, me

satisfazendo com a sensação de estar todo dentro. Ela remexe o quadril,

comprimindo a bunda contra mim, pedindo que eu me mova, e a


recompenso com uma palmada forte que deixa uma marca vermelha no

local.

— Como você é safada…

— E você bate fraco — provoca, a cadela.


Encho a mão e desfiro outro tapa na bunda arrebitada, arrancando

um gritinho satisfatório dela.


Seguro seu pescoço com uma das mãos e estoco meu pau lá no

fundo. Meto mais forte e rápido, e Ashley rebola gostoso, arqueando o


corpo, jogando os cabelos longos pra trás, gemendo sem nenhum pudor. A

água se agita também, mas ligo a hidromassagem da piscina e os sons se

misturam, com os gemidos dela e o barulho dos nossos corpos se batendo.

Eu me inclino sobre Ashley e chupo seus ombros, um de cada vez,


deixando suas marcas roxas, bem fortes, e mordendo em seguida. Ela

reclama apertando mais o meu pau e os gemidos que escapam de sua

garganta estão cada vez mais altos.


Passo uma das mãos por baixo de seu corpo e toco seu clítoris, a

instigando, provocando. Eu o belisco e, caralho, não resisto quando vejo seu

corpo se contorcendo, enquanto ela goza chamando meu nome e também


me libero com mais duas arremetidas.

Depois que terminamos, ficamos na piscina mais um pouco e,

quando dou por mim, Ashley está saindo correndo antes que eu me mova,

para buscar as toalhas.


— Vai pegar um resfriado! Devia ter me esperado…

Por mais que eu tenha evitado e fugido do assunto, algo na maneira

como ela vem cuidando de mim me diz que ela sabe. Ashley sabe que eu
não estou bem. Ela traz um roupão e faz com que eu o vista antes de deixar

a piscina e então descemos os dois assim para a cozinha.


— Agora é a hora da verdade — fala, abrindo os armários e
colocando os ingredientes em cima da mesa —, essa torta de maçã vai ter

que sair.

— Só não sabemos se vai ficar boa.


— Tenha fé, Jay Anders. Toma, você descasca e pica as maçãs em

pedaços bem pequenos, tá bom?

— Tudo isso? — Encaro o saco enorme que ela me deu.


— Um quilo, de acordo com a receita.

Ashley está cortando um limão ao meio, então começo a fazer

minha parte. Não sou muito bom nessas coisas de cozinha, mas me esforço.

Ela mistura o suco do limão com minhas maçãs, açúcar, canela, trigo e uma
essência que não consegui identificar. Depois separa em um canto alegando

que esse é o recheio. Ao menos o cheiro está bom.

Ashley então começa a mexer com a massa e fico mais observando


que ajudando e por isso assumo a louça suja para lavar. Ela coloca trigo,

margarina e açúcar em uma vasilha e começa a sovar essa mistura. Não


entendo bem o que ou como é feito, mas de repente Ashley parece deduzir
que está no ponto certo e começa a colocar a massa na forma untada.

Montar a torta não é complicado e com ela no forno, nos resta


esperar que fique pronta para descobrirmos se ficou ao menos suportável.
— E o que nós vamos beber? Quer que eu faça mais café? —
ofereço.
Ela nega, sorrindo e faz suspense.

— Advinha?
— Não sei, vinho?
— De jeito nenhum! Você quer ter outra enxaqueca? Vamos tomar o

chocolate quente que o tio Josh me ensinou a fazer.


— Agora sim!
Não sei se ela vai conseguir repetir a receita como ele faz, porque

porra, ele manda bem pra caralho nesse chocolate, mas se chegar perto eu já
vou adorar. Ainda mais com o frio que está fazendo aqui.
Ashley volta a remexer os armários e pega tudo que é preciso para

fazer. Ela coloca a panela no fogo e eu a observo preparando nossa bebida.


É engraçado como as vezes somos idiotas preconceituosos, sempre a achei
arrogante e prepotente e nunca parei para pensar que o único imbecil era eu.

No momento em que me senti mais sozinho, em que mais precisei e


mais afastei a todos, foi ela quem bateu o pé e insistiu em ficar por perto,

fazendo coisas que eu sei que ela nunca fez, só pra me ajudar.
— Ficou muito calado, de repente…
— Estava pensando aqui, por que a gente brigava tanto?

— Porque você colou goma de mascar no meu cabelo.


Meneio a cabeça, com a lembrança. Moleques são terríveis.
— Mas depois disso você quebrou meu braço.
Ashley me encara com os olhos estreitos e desliga o fogo.

— Não foi de propósito e você sabe. Eu só queria te empurrar,


porque estava rindo do meu cabelo. Não era pra cair do palco e quebrar o

braço…
— Mas foram as consequências.
Ela sorri, dando de ombros.

— Consequências dos seus atos.


— Você era uma diabinha, também.
— Lembra quando você contou pro meu pai que eu ia em uma festa

encontrar um menino e ele não me deixou ir?


Aquiesço, com um sorriso de deboche. Adorei assistir Ashley
arrancando os sapatos e voltando para o quarto, bufando de raiva.

— E por acaso lembra o que aconteceu no dia seguinte?


Franzo o cenho, tentando me lembrar, mas já faz anos. Meneio a
cabeça.

— Não. Fiquei esperando por sua vingança, mas você deixou passar
essa, nunca entendi por quê.

Ela ri e ergue a sobrancelha, me desafiando.


— Será mesmo que deixei passar? — Ashley pega duas canecas no
armário e as enche com o líquido fumegante. — Ou minha vingança foi tão

maligna que até hoje não pude contar pra ninguém que fui eu?
Isso me deixa intrigado. Que merda foi que ela aprontou?
— O que você fez?

— A torta está pronta!


Ashley sorri, com ar de inocência e pega a luva para tirar a torta do

forno, me deixando com a desconfiança. Ela coloca a forma sobre o balcão


e começa a cortar os pedaços.
— Deu certo, Jay! — comemora, animada.

— Jura? Nem acredito! Só faltou uma bola de sorvete de creme pra


acompanhar…
— Não faltou, nada! Abre o freezer que vai ver que eu trouxe.

Faço o que ela diz e encontro o pote. Dou um beijo rápido na


bochecha dela, que me dirige um olhar que demonstra que já sabe que é a
melhor.

Nós comemos a torta com o sorvete e tomamos o chocolate e não sei


se já tive uma refeição tão boa antes. Com certeza já tive outras, feitas por
chefes renomados e em cozinhas estrangeiras, mas a conversa, a

companhia, o todo, o valor que dou ao momento, dadas as circunstâncias,


torna tudo único.
— Anda, Ashley, me conta o que foi que você fez pra se vingar…

— Só quando terminar de comer.


— Por quê?
— É meio nojento.

Fico pensando no que ela diz, mas não consigo entender, não me
vem nada à mente que possa explicar sobre o que Ashley está falando.
Devoro a última garfada do meu segundo pedaço de torta e termino de

tomar meu chocolate quente e então cruzo as mãos sobre a mesa.


— Desembucha, vai.

— Lembra daqueles iogurtes que você adorava tomar e que


compravam e deixavam lá em casa pra quando você fosse?
Faço uma careta involuntária.

— Credo. Eu amava aquilo, até que um dia compramos uma leva


estragada, deu diarreia em todo mundo, nunca mais… — A verdade cai
sobre mim repentinamente. — Você fez aquilo? — Arregalo os olhos

enquanto noto que a safada segura uma risada.


— Você… Fez coco na roupa!
— Sua trapaceira vingativa! Como foi que fez aquilo? Todo mundo

teve diarreia por sua culpa! O coitado do Josh perdeu o tambor da bateria
porque meu pai…
— Eu não tenho culpa! Era só pra você tomar — ela fala, vermelha
de tanto rir —, e talvez o Kyle. Mas você resolveu dar iogurte pra casa toda.
— Eles compraram muitos e quando chegou, eu disse que não era

pro meu pai tomar, que era só meu. Bem adolescente nojento e mimado,
sabe? Ele ficou com raiva e pra me ensinar, distribuiu pra casa inteira.
Resultado, todo mundo com dor de barriga.

— Eu comprei laxante na farmácia e injetei em todos os potes —


conta, orgulhosa.
Uma gargalhada toma conta do chalé e percebo que sou eu, rindo.

Não me aguento, lembrando da cena toda. Pensamos que fosse uma doença,
mas estou agora encarando o próprio vírus, Ashley Foster Ray, que me fez
literalmente sentir calafrios e colocar tudo que estava sentindo naquela

época, para fora.


 
 

 
 

 
 

I built a house for love to grow


I was so young that it was hard to know
I'm as lost now as I was back then

Always make a mess of everything


(Eu construí uma casa para o amor crescer
Eu era tão jovem que era difícil saber

Estou tão perdida agora como estava naquela época


Sempre fazendo uma confusão com tudo)
To Be Loved - Adele

 
 
ASHLEY

 
Estamos deitados na cama agora. Dormi por algumas horas, mas
acabei acordando com sede e notei que Jay não estava dormindo. Seus

olhos estavam brilhantes e ele havia aberto as cortinas e fitava o lago do


lado de fora.
Então tomo um copo de água no frigobar que fica no quarto e volto

para a cama, me aninhando mais perto dele.

— Tudo bem?
— Já é quase segunda-feira — ele fala, sua voz carregada de tensão.

Já passou da meia-noite faz muito tempo, mas entendo o que ele

quer dizer. Pela cor do céu posso ver que está perto de amanhecer e com
isso está chegando o momento de encararmos a vida real.

— Quer conversar agora?


Jay continua fitando o lago, como se não tivesse coragem de me

olhar.
— Não tem muito o que dizer. Eu fiquei apavorado e surtei, fugi

como a porra de um covarde…

— Não fala assim. — Toco seu queixo, fazendo com que vire o
rosto para mim e noto seus olhos marejados. — Ei… do que você está com

medo?

— Tem alguma coisa errada comigo, Ashley, de novo.


— Você está doente.

Ele aquiesce e uma única lágrima escapa, rolando por seu rosto, Jay

a seca antes que eu o faça, com as costas da mão, como se não quisesse que
eu visse. Ele está triste, mas também parece furioso.

— Por que essa merda tem que acontecer comigo? Na minha


família? Não é por mim, você entende? Mas meu pai, minha mãe, porra!

Eles não merecem passar por isso de novo.

— O que… O que você tem? — Reúno forças para perguntar.

Meu coração está acelerado no peito e ao mesmo tempo

comprimido, quero ouvir sua resposta ao mesmo tempo que me apavoro e

desejo que ele não me diga.


— Não sei… Eu não fui ao médico, não faço a menor ideia.
— Calma — respiro fundo, tentando me acalmar —, então você não
sabe o que é?

Ele meneia a cabeça.

— Não. Mas eu sinto, Ashley. Eu sei que não é coisa boa, essas

dores de cabeça quase todos os dias, o vomito, ando esquecendo as coisas

as vezes e me confundindo. Tem alguma coisa errada na minha cabeça —

ele diz, batendo com o indicador na têmpora.


— Pode ser algo…

— Não — ele nega com veemência —, eu sei que é uma merda das

grandes. Prefiro já estar ciente, do que ficar com falsas esperanças.

Jay volta a olhar para fora, ele se senta na cama agora, de costas

para mim. Seus braços estão apoiados no colchão e noto os músculos

saltados e as tatuagens espalhadas por seu corpo todo. O exterior é forte e

parece impenetrável, mas ele está estilhaçado.


— Jay — toco seu ombro e então o abraço pelo pescoço —, antes de

tirar qualquer conclusão, precisa fazer os exames, descobrir o que é, o

tratamento, o que pode ser feito.

— E se eu descobrir que não tem mais o que fazer?

— Não fala mais isso! — retruco, séria. — Você tinha três anos

quando venceu uma leucemia. Com toda certeza o Jay de hoje pode fazer
melhor.
Levanto-me da cama e me ajoelho diante dele, seguro seu rosto nas

mãos, para que me encare enquanto digo minhas próximas palavras.


— Chega de corpo mole. Você está com medo? Tudo bem, eu

entendo. Vou com você fazer os exames. Não quer contar para os seus pais
antes de saber o que você tem? Não tem problema, te dou apoio e seguro
sua mão o tempo que for, mas não vai fugir e deixar seja o que for te vencer.

Jay segura minhas mãos entre as suas e respira fundo, antes de


aquiescer.

— Nunca pensei que passaria por essa droga de novo. Nem que
fosse você quem iria me obrigar a fazer essas drogas de exames.

— Eu nunca pensei que fosse transar com você, as coisas mudam.


Ele me oferece um sorriso triste.
— Mas como vamos fazer isso? Não posso chamar o Adam — fala,

se referindo ao médico que cuidou dele na infância —, ele iria falar com a
minha mãe e prefiro manter isso em segredo por enquanto, além disso, acho

que pela minha idade nem me enquadro mais como seu paciente.
— Você não acha que seus pais merecem saber?

— Eu acho que eles merecem a felicidade, minhas irmãs merecem.


Não quero sugar todo mundo pra dentro desse buraco…
— Vou aceitar isso por enquanto, porque pode não ser nada do que

você está pensando… — Ele me olha, prestes a negar, mas ergo as mãos. —
Só me deixa ter esperanças por nós dois!

— Você quem sabe.


— Precisamos de alguém de confiança, isso é complicado porque

muitos venderiam a história por aí e outros tantos se aproveitariam disso pra


passar informações privilegiadas para os seus pais.

— Acho que sim.


— Amanhã procuramos um neurologista para os exames, essa parte
acho que não tem problema. Depois que ficarem prontos vemos o que fazer,

uma coisa de cada vez, tá bom?


— Tá…

— Agora vem, vamos tentar dormir mais um pouco.


Deito-me na cama novamente e puxo Jay para que ele faça o
mesmo. Ficamos um de frente para o outro, nos olhando por um longo

tempo, nossos dedos entrelaçados e nossos corações batendo em um único


ritmo.

— Vai ficar tudo bem, Jay. E se não ficar, eu vou permanecer do seu
lado…

Jay ergue uma das mãos e seus dedos tatuados resvalam sobre meu
rosto, em um carinho suave, ele coloca uma mecha dos meus cabelos atrás
da minha orelha.

— Por quê?
— Não sei. Somos a família da Dominium — falo, por falta de um
único sobrenome que abranja a todos nós —, é o que fazemos, nos
apoiamos e ficamos uns com os outros.

— Sabe de uma coisa? Eu achava você uma idiota — fala, abrindo


um sorriso —, arrogante e prepotente. Mimada.

— Que momento mais bonito você escolheu pra me elogiar, Anders.


— Mas acabei descobrindo que o idiota, arrogante e prepotente era
eu, meus pais me mimaram muito por conta da doença que tive. Você é

perfeita, Ashley.
Acaricio o rosto dele também, e por quase um minuto inteiro, não

consigo dizer uma só palavra, porque as dele me tiraram todas.


Até que…

— Bem que você disse que estava se sentindo confuso.


Ele acaba fechando os olhos um pouco depois, mas eu fico acordada
até o dia clarear e muito mais que isso. Me fiz de forte e falei tudo que Jay

precisava ouvir, mas me sinto amedrontada e impotente. Não saber com o


que estamos lutando e se há de verdade uma luta é uma droga.

Crio os piores cenários na minha cabeça, mas em nenhum deles


consigo aceitar a possibilidade de que Jay um dia possa não estar mais aqui.
É inacreditável como vivemos uma vida inteira sem que alguém

faça efetivamente parte dela e de repente, não seja mais aceitável


desvincular esse alguém de nós.
Fecho os olhos e balanço a cabeça para afastar os pensamentos
ruins. Nunca fui muito religiosa, nem sei até que ponto acredito mesmo em

Deus e em milagres e curas, mas eu certamente acredito na ciência e nos


avanços da medicina, em tudo aquilo que meus olhos podem ver. Jay hoje

tem chances muito maiores do que tinha aos três anos, ele não vai a lugar
nenhum.
 

 
Jay ainda está dormindo com minha máscara rosa sobre seus olhos.

Um ressonar suave me tranquiliza um pouco, então desço para preparar o

café da manhã, perto das sete horas.

Faço outro smoothie, dessa vez uso um pouco do sorvete de creme


que sobrou, para deixar mais consistente, e misturo com bananas e mamão,

além de bastante gelo. Como temos torta de maçã, a refeição já está

completa.
Eu me lembro da ligação com a tia Jas e dos comentários dela sobre

a saúde do filho. É incrível como mãe pressente essas coisas.


— Outra dessas vitaminas? — Ouço a voz dele e me viro para o

encontrar escorado no batente da porta.


Absolutamente lindo. Como pode um homem ser maravilhoso assim

e me desestabilizar com apenas um sorriso?

— Você é quase um muso fitness, precisa de café da manhã


saudável.

— Não sei de onde tirou isso de muso, mas agradeço o elogio, e os

cuidados.

— Já se olhou no espelho?
Ele arqueia a sobrancelha.

— Você me acha gostoso assim, é?

— Não deu pra perceber? — brinco, levando nosso café até a mesa.
Jay me segue de perto e se senta em frente a mim.

— Então como vai ser de agora em diante? Já que de acordo com

nosso combinado, não vai mais poder se sentar no meu colinho, Princesa?
Acho que fico vermelha com o comentário. É engraçado, porque sou

bem ousada na maioria das vezes, mas Jay consegue me surpreender com as

coisas que diz.

— Eu tenho alguns vibradores, posso dar seu nome pra um deles —


respondo, e ele quase se engasga com o smoothie.

Também sei jogar esse jogo.


— Alguns vibradores? Não sei por que estou surpreso.

— Tenho um em forma de batom, fica em cima da minha

penteadeira, uma hora te apresento ele. — Jay estreita os olhos e me corrijo.


— Ah, é… não poderemos mais fazer isso. Enfim, eu tenho.

— Que horas a gente vai pra casa? — ele questiona, mudando de

assunto.

Apesar de tudo que conversamos durante a noite, agora o clima


parece um pouco mais leve.

— Já arrumei minhas coisas, te ajudo a pegar as suas e nós saímos.

— E chegamos juntos?
— Melhor não. Eu chego na minha casa, você vai até a sua e dá um

tempo lá, antes de voltar… pra não desconfiarem.

— Vou deixar o carro e pegar minha moto.

— Saudades dela? — brinco.


— Não faz ideia.

— Vamos ao médico quatro horas, para a consulta inicial, já

marquei. Ele vai pedir os exames que forem necessários.


Jay fica quieto por um momento, acho que a realidade ainda está

caindo sobre ele e talvez não esperasse que eu tomasse essa iniciativa.

— Eu posso ir sozinho…
Seu semblante não está mais descontraído como instantes atrás, mas

é inevitável falar sobre essa questão.


— Pode, mas não vai. Não quer que os outros saibam, então a

condição é me deixar ajudar.

— Tá bom, Melequenta — fala, me fazendo abrir a boca em choque


com a ousadia dele.

— Me chamou de Melequenta? Faz anos que não me chama disso!

— Eu sei, senti falta…

— Você ainda me paga.


Quando chego em casa e passo pela porta da primeira sala, sou

praticamente atacada por três garotas histéricas.

— Onde foi que você se meteu, sua desnaturada? — Gal parece


furiosa e com o batom preto e a cara de Wandinha Addams, ela bota medo

de verdade.

— Bom dia, meus amores! — cumprimento, abrindo os braços para

um abraço coletivo.
— Meus amores? Você sumiu o fim de semana todo! Deixou a gente

preocupada — Lore fala, os cabelos loiros balançam de um lado para o

outro enquanto ela agita o dedo na minha cara.


Estou levando sermão de três garotas menores de idade, ponto para

mim. Olha para Lisa, em busca de apoio, mas ela coloca as mãos na cintura
e me fita com expressão neutra.

— Não tenho como discordar delas, você pisou na bola com a gente,

Ashley.

— Mas eu pensei que o Kyle tivesse explicado o que aconteceu.


Eu não faço ideia do que ele disse, por isso mesmo preciso saber,

pra confirmar a história.

— Mas eu achei que não fosse mais querer ver aquele tal de
Timóteo nem pintado de ouro e você foi atrás dele? Sinceramente, Ashley?

Cadê seu amor-próprio?

Então eu fui atrás do Timoty. Vergonhoso, mas acho que bem

plausível dadas as circunstâncias.


— Eu só queria colocar um ponto final nessa história, um término

por mensagem não é certo, gente. Agora estamos bem resolvidos.

— Vocês voltaram? — Lore estreita os olhos.


— Não! Acabou de vez! Não quero nem falar com ele nunca mais.

— Ótimo!

— E como vocês ficaram por aqui? Tá tudo bem?

— Sim, ficamos todas comportadas — Gal diz, olhando as outras de


uma maneira bem suspeita.

— Querem saber? Melhor não me falarem nada. Vamos só seguir

em frente e todo mundo finge que esse fim de semana não aconteceu.
Como Jay e eu teremos de nos esforçar para fazer parecer.

— Meu irmão mandou mensagem — Lisa conta, olhando para o


celular —, também volta hoje, já está chegando.

— Jura? Que bom, deve ter dado certo o que ele foi fazer então —

falo, colocando um sorriso no rosto.

Ela aquiesce, empolgada.


— A gente podia fazer alguma coisa. O que acham? Tô morrendo de

saudades dele… — continua, toda feliz.

Jay tem razão em uma coisa, seja o que for que ele tem, vai devastar
a família.

— É uma ótima ideia. O que estão pensando?

— Uma festa? — Gal sugere, se empolgando.


— Pouco tempo pra isso — Lore rebate a ideia. — Melhor amanhã

então.

— Filme hoje, festa amanhã à tarde — Lisa decide, começando a

digitar uma mensagem.


— O que tá fazendo? — Lore se inclina sobre o ombro dela, para

enxergar.

— Avisando o Kyle.
— Credo! Desgrudem vocês dois! Logo nós vamos pra faculdade,

só falta querer ir para Princeford para ficar grudada nele por lá também.
Gal bufa, reclamando como sempre.
— E o que tem? Kyle já conhece tudo no campus, iria me mostrar as

coisas, me apresentar os amigos dele…

— Você tem que curtir, Lisa! E ficar perto dele o tempo todo só vai
atrapalhar.

— Gal, deixa ela — Lore chama a atenção, mas já é tarde.

Lisa bate o pé e sai andando emburrada na direção do quarto, nos


deixando para trás.

Meu Deus do céu. Como eu sou burra, como foi que não percebi que

ela gostava dele esse tempo todo?

— Não acredito nisso…


Gal não parece notar o que está acontecendo aqui. Pelo jeito eu não

sou a única lerda, mas pelo modo como Lore me fita, ela também sabe. Só

resta saber se Kyle já entendeu.


— Meninas, vou tomar um banho e guardar minhas coisas. Se

precisarem de mim, estou no quarto — falo, ainda surpresa com minha


descoberta. — Que horas combinamos o filme?
— Umas oito? — Lore sugere. — Pedimos sanduíches e refri?

— Pode ser — Gal concorda.


— Combinado.
Despeço-me delas e arrasto minha mala até meu quarto. No closet,
guardo minhas roupas de volta nos cabides e nas gavetas e tento não pensar
muito em tudo que aconteceu nos últimos dias, mas é quase impossível.

Jay tomou conta de tudo, até mesmo minhas roupas têm o cheiro
dele agora. Antes, quando pensava nele, meus sentimentos eram muito bem
definidos. Raiva, irritação, talvez uma leve atração.

Agora é tudo caos. O que sinto por ele, como parte dessa família, se
mistura com o que vivemos juntos nos últimos dias e não sei até que ponto
me manter próxima a ele é o melhor para nós, se estamos decidimos a não

levar um relacionamento adiante.


Preciso saber separar as coisas. Mas quando tudo se mistura, fica
complicado saber o que é novo e o que faz parte do antigo. Não que isso

importe. Colocando meu coração em risco ou não, eu jamais iria abandonar


Jay em um momento como esse. Se eu cometer a estupidez de me apaixonar
no processo, que seja.

Pedaços de um coração estilhaçado podem ser colados novamente.


Desde que o coração dele esteja batendo, vou dar um jeito no meu.

Tomo um banho demorado e troco de roupa. Coloco uma calça justa


e botas de cano alto, visto minha jaqueta preta e escovo meus cabelos.
Estou borrifando um pouco de perfume quando recebo uma mensagem dele.
“Estou em frente à guarita, vou te esperar aqui fora pra que as
minhas irmãs não vejam.”
Sorrio com a preocupação. De um jeito ou de outro, ao menos a

nossa amizade recente vai ter que se tornar pública, esse segredo não vai
durar muito, mas podemos ir com calma.

“Indo.”
Saio de casa, mas levo alguns minutos para chegar até ele. A
mansão foi construída no fundo e antes dela há uma longa estrada cheia de

árvores altas e pavimentada em pedras. Na entrada, uma guarita que oferece


a nós um pouco de privacidade, já que fãs e paparazzis vivem acampando
por aqui.

Ítalo, o guarda responsável pelos portões, me cumprimenta e libera


minha saída quando me vê.
Jay está maravilhoso como sempre, mas esse estilo bad-boy ainda é

meu preferido. Encostado na moto vermelha, com a jaqueta preta e o


semblante sério, ele exala perigo. Mas agora sua expressão está também
carregada de preocupação.

— Vamos?
Ele me entrega um capacete preto e eu o coloco sobre meus cabelos.

Jay aperta o fecho embaixo do meu queixo, o ajustando pra mim, e só


depois coloca o próprio capacete.
Ele sobe na moto e eu monto atrás, segurando firme em sua cintura.
Diferente da primeira vez, não tenho mais nenhum problema com essa

proximidade, então me agarro a ele enquanto cortamos as ruas de Seattle.


Quando chegamos ao consultório médico, ele está vazio, assim
como me prometeram ao telefone. Eu reservei o horário exclusivamente

para que Jay pudesse ser atendido e em seguida fazer seus exames sem o
risco de parar em alguma página de fofoca.

Após a consulta e depois de explicar os sintomas e narrar seu


histórico médico, o neurologista pede uma ressonância com contraste.
Esperamos na recepção, enquanto preparam a sala e seguro a mão dele na

minha, oferecendo apoio. É um pouco estranho, porque não somos um casal


e não sei bem o que nós somos, mas estou aqui por ele, e Jay sabe disso. Ele
não está muito falante, balança a perna vezes seguidas e olha no relógio o

tempo todo, ansioso.


Depois de alguns minutos, finalmente o chamam para dentro da
sala, ele deixa as chaves e o telefone comigo, que também sou deixada do

lado de fora, com minhas neuras e preocupações.


Observo o descanso de tela do celular dele, uma foto de família.
Tia Jas está sentada no sofá, Lisa e Gal, uma de cada lado, sorrindo.

Jay está de pé atrás da mãe, a abraçando, enquanto tio Tray está deitado no
chão, com a língua para fora e com um dos saltos da tia Jas sobre ele. É
uma foto engraçada e linda, e retrata exatamente como eles são, uma

família amorosa, hilária e unida, eles são tudo uns para os outros e eu
entendo por que Jay não quer que saibam. Mas também sei que eles não
gostariam de ser deixados de fora.

A tela pisca com uma notificação e mesmo sem querer acabo lendo
a mensagem.
Pink: Quando a gente vai se ver, gato? Saudades do seu pau. E de

você, mas mais dele…


Caramba! Acho que não era pra eu ter visto isso.

Sinto um negócio ruim no peito, uma sensação de sufocamento e


algo que se parece com um… um soco na boca do estômago. Isso que dá ler
as coisas dos outros.

Coloco o celular na cadeira ao lado e tento não pensar nisso. Jay e


eu ficamos juntos e foi fantástico, e a tal Pink tem toda razão em sentir falta
do pau dele, eu já estou sentindo! Além disso combinamos que quando

voltássemos não ia mais acontecer, o que significa que ele vai sair com
outras pessoas, porque se tem algo que Jay Anders não é, é celibatário. Eu
também não, tudo está em seu devido lugar.

Então por que essa sensação sufocante no peito?


Os minutos se arrastam e eu me levanto, caminho de um lado para o
outro tentando me acalmar. Não sei mais se estou tão tensa apenas pelos
exames ou se a mensagem também me desestruturou.
Quando Jay sai de lá, finalmente, estou um poço de nervosismo.
Como pagamos bem e pedimos agilidade, o médico disse que os resultados

sairiam logo, mas que podiam ser necessários mais exames depois disso.
Deixamos o consultório mais tensos do que quando chegamos, mas
não há muito que possa ser feito, a não ser esperar por um resultado

positivo, ou negativo para coisas ruins, no caso.


 
 

 
 

Oh, hush, my dear, it's been a difficult year


And terrors don't prey on innocent victims

Trust me, darlin', trust me darlin'


It's been a loveless year
I'm a man of three fears

Integrity, faith and crocodile tears


Trust me, darlin', trust me, darlin
(Oh, calma, minha querida, tem sido um ano difícil

E terrores não atacam vítimas inocentes


Acredite em mim, querida, acredite em mim, querida
Tem sido um ano sem amor

Sou um homem de três receios

Integridade, fé e lágrimas de crocodilo


Acredite em mim, querida, acredite em mim, querida)

Bad Liar – Imagine Dragons

 
 
ASHLEY

 
Kyle está agitado, não para de andar de um lado para o outro,
observando os freezers, como se as bebidas fossem de repente desaparecer

sozinhas.
— Vai ser uma festa insana! — comemora, sem acreditar na sorte
que deu.

Vamos dar uma festa na casa e a ideia nem teve que partir dele. O

pior é que com certeza Jay não está no clima, mas não posso falar isso para
ninguém sem levantar suspeitas.

— Se você destruir a casa, já sabe. — Lembro a ele os avisos do

meu pai.
— Fica de boa, Ashley. Quem vai infartar teu velho é você, não eu

— fala, com ironia.


Gal e Lisa me encaram sem entender, e sou obrigada a fingir que

também não faço a mínima ideia do que o babaca do meu primo está
falando, mesmo tendo plena consciência de que está me dando uma indireta

com relação a Jay e eu.

— Só precisamos alertar as pessoas pra tomarem cuidado com os


instrumentos — Lore fala.

Desde que me lembro, os primeiros instrumentos que a banda usou

ficam em uma sala, suspensos e em caixas de vidro, tipo relíquias.


Não apenas os que eles usaram, mas também alguns que já

pertenceram a outras lendas do rock. Como a guitarra do Jimi Hendrix, que

acabou caindo no chão no meio da gravação de um reality show, que


ocorreu aqui na mansão. A comoção foi tanta, que tia Jas, grávida, entrou

em trabalho de parto e Gal e Lisa chegaram mais cedo.


— É, esses são sagrados, não podem encostar ou estaremos fritos —

Kyle concorda, fazendo um gesto como se cortasse o próprio pescoço.

Tento ocupar a cabeça com a ideia da festa, mas a verdade é que só

uma coisa toma conta dos meus pensamentos: Jay. Os resultados dos

exames, que saem mais tarde e a maldita mensagem daquela garota, que

não sei se ele respondeu.


Apenas para ajudar no meu tormento, procuro pelo vídeo que foi ao

ar enquanto estávamos fora, em que testamos a moto e leio todos os


comentários. Várias pessoas estão curiosas a meu respeito, querendo saber
quem eu sou, incluindo alguns conhecidos, mas ninguém parece ter

percebido.

A própria plataforma me recomenda vídeos semelhantes e caio em

um outro vídeo dele, testando uma moto com uma garota na garupa, e é o

bastante pra estragar meu dia.

Ao contrário de mim, a tal Pink não tem motivo para esconder o


rosto, então ela fala com os inscritos e aparece bastante.  Jay a apresenta

como amiga, mas a mão dele repousando na coxa dela não deixa dúvidas de

que fizeram coisas que amigos não fazem.

Leio os comentários e vejo que a maioria é bem malicioso, muitos

elogiam a garota e falam sobre como ela é bonita. Algumas meninas

xingam e reclamam, alegando que também queriam uma chance e eu fico

obcecada, lendo tudo.


— Vai bancar a ciumenta agora?

Levo um susto ao ouvir a voz de Kyle atrás de mim.

— Ah, desgraçado! Me assustou!

— Porque estava fazendo o que não devia — ele fala, rindo. —

Pensou que fosse o Jay?

— Não sou ciumenta. Jay e eu não temos nada, só fiquei curiosa.


— Se cuida, Ashley — ele fala, repentinamente sério. — Vocês já

fizeram a merda, não adianta agora falar, mas se você se machucar nisso, a
coisa vai ficar feia, o Jay não está atrás de um amor.

— Nem eu.
— E se o Ashton…
— Ele não vai — corto meu primo. — Só se você contar. Além

disso, já acabou, a gente combinou que seria só esse fim de semana e que
voltando pra casa não ia acontecer mais.

— Ótimo, fico aliviado em ouvir isso. Você pode pegar outros caras,
ele sai com outras garotas, e tudo fica em paz.

— Por falar nisso, me tira uma curiosidade aqui. Você e a Lisa não
desgrudam, não rola nada?
Kyle arregala os olhos e então começa a rir, como se eu tivesse

enlouquecido.
— Você pirou? A Lili é minha irmã — fala, e parece bem sincero.

— Sabe céu e inferno? Um demônio e um anjo? É isso, eu nunca tocaria


nela.

— Sei… Ela pensa assim também?


— Lógico que pensa. Ashley, a Lisa é a garota mais incrível desse
mundo, por que ela iria querer um cara fodido como eu?

Franzo o cenho com sua escolha de palavras.


— Você não é fodido. Você é um cara bom, tem uma família bacana,

é leal, divertido…
— Babaca, pegador, rodado.

— Isso não faz de você uma pessoa ruim, você é solteiro. Sei lá, foi
só uma curiosidade. Mas você tem razão, ela vai pra faculdade logo, vai

conhecer alguém legal, se for estudar onde você está, tem seus colegas do
futebol — digo, sondando a reação dele.
Kyle joga futebol americano e Lisa comentou antes sobre ele a

apresentar aos amigos.


— Mas o caralho que vai! Nem por cima do meu cadáver que algum

escroto vai se engraçar com ela.


— Não tô te entendendo — falo, cruzando os braços. — Depois a
ciumenta sou eu.

— Não tem homem naquela faculdade pra ela, os caras do time não
valem nada. Quando alguém for digno dela eu vou reconhecer isso e apoiar.

— Entendi…
Mas não entendi foi nada, a não ser que Kyle morre de ciúmes e não

reconhece isso.
A festa tem início um pouco depois do almoço e não consigo ficar
muito tempo no mesmo lugar. Acabo conversando com todo mundo que
chega, verificando as bebidas e me mantendo de olho nos instrumentos
sagrados, ainda que a maior parte do pessoal fique na área da piscina.
Jay está nas espreguiçadeiras, no mesmo canto que estava na minha

festa de boas-vindas. A diferença é que dessa vez eu queria estar lá com ele.
— Oi, Ashley. Tudo bem? — Um rapaz de cabelos avermelhados se

aproxima, com um sorriso bonito direcionado a mim.


Demoro alguns segundos para o reconhecer.
— Peter?

Ele aquiesce.
— No dia que você voltou não conseguimos conversar, só te vi de

longe — fala, me entregando um drink.


— Verdade? Como estão as coisas?

Peter é filho de um amigo dos meus pais, acabamos convivendo


bastante quando éramos crianças, mas já fazia um bom tempo que não o
via.

— Bem, você sabe exatamente como é viver com uma banda. Uma
loucura, mas bom — ele comenta.

— Sei. O Chade e a Lara estão bem?


— Ótimos, nada abala aqueles dois.
Chade também é músico e Peter, assim como eu, cresceu no meio da

baderna que é conviver com uma banda, as esposas e famílias se


misturando.
— Ah, que bom que estão conversando. — Kyle aparece do nada.
— Ashley, o Peter te acha linda, sabia disso? — pergunta, sem aviso prévio.

Noto que Peter fica um pouco constrangido, ele não esperava por
essa revelação, muito menos eu.

— Kyle!
— Você não acha que ele é um gostoso? Olha esses braços? E ainda
é ruivo! Um gato!

— O que você está fazendo? — sibilo para o meu primo.

Mas ele parece decidido a me ignorar.


— Aqui, pombinhos… — Ele entrega um copo de cerveja nas

minhas mãos e um para Peter, sem se importar com o fato de que já

estejamos bebendo.

— Eu…
Mas Kyle já está muito louco, e se afasta, rebolando em uma dança

que só ele entende.

— Desculpa, Peter. Acho que o Kyle já bebeu muito…


— Parece que sim, mas ele não está errado, eu te acho linda mesmo.

Sorrio, agradecendo o elogio, mas ainda de olho no meu primo.

Kyle agora está arrastando uma garota que não reconheço, até onde Jay
está.
Ele ergue os olhos e parece um pouco nervoso, analiso a cena de

longe, tentando compreender. Onde foi que vi aquele cabelo bonito? Ai meu
Deus do céu… É a tal da Pink.

Kyle empurra a menina no colo de Jay, que reage a segurando para

que não caia. Ela gargalha, achando o máximo, e começo a perceber que
Kyle está se esforçando para nos entreter com outras pessoas.

Esse idiota…

— E quando seus pais voltam? — Peter chama minha atenção

novamente.
— Ainda demora um pouco. — Estou tentando muito ignorar o

casal ao fundo. — A turnê é bem grande dessa vez.

— A gente podia sair qualquer dia desses.


Pelo canto do olho, noto que a garota agora está tentando beijar o

pescoço dele. Jay não parece muito confortável com tudo isso, mas também

não está fazendo nada para evitar.


— Vamos combinar. Peter, pode me dar licença? Preciso resolver

uma coisa lá dentro.

Deixo os convidados na beirada da piscina e torço para que não

façam nenhuma besteira. Ciente de que com Gal já tirando o vestido e


entrando na água, as minhas chances não são nada boas.
O som fica para trás e caminho para o meu quarto. No corredor

passo por um casal se pegando e encontro Kyle entrando no quarto com

uma garota e um rapaz, prefiro não saber o que planejam e torço muito para
que Lisa também não veja essa cena.

— Um bando de idiotas que não guardam os paus dentro das calças

— resmungo, reclamando comigo mesma.

Entro no quarto e faço menção de fechar a porta, mas me deparo


com um obstáculo, Jay a segura antes e passa por ela, a fechando atrás de si.

— Precisa de alguma coisa, Jay?

— O que o Peter tanto falava com você?


Como se isso fosse da conta dele!

— Nada demais, disse que eu sou linda e me chamou pra sair —

respondo, dando de ombros.

— E você disse que não vai.


— Eu disse? — Abro um sorriso cínico.

— Caralho, Ashley. Você vai sair com ele?

— Não estou entendendo o problema aqui, Jay. Você faz o tipo


ciumento?

— Claro que não, porra! Mas a gente voltou hoje, temos coisas mais

sérias agora pra nos preocupar, não acha? Pensei que fosse me apoiar.
Cruzo os braços sob os seios e noto que os olhos dele se desviam

para o meu decote, mas caminho sem me deter, na direção dele.


— Mas se você tem tempo pra ver aquela garota que está… Como

era mesmo? Sentindo muito a falta do seu pau, eu também posso fazer o

que eu quiser.
Ele pisca os olhos umas três vezes, como se tentasse entender

minhas palavras.

— A Pink me mandou uma mensagem falando isso. Você leu? —

pergunta, com um sorrisinho idiota de canto.


— Pode ser que tenha chegado uma notificação quando estava com

o seu celular.

— E estava de papo com o Peter pra me fazer ciúmes? — Ele se


aproxima mais de mim, sorrateiro.

E agora sou eu que me afasto, de costas.

— Não. Além do mais, eu não estava no colo do Peter, nem

beijando o pescoço dele.


— Princesa, o Kyle empurrou a garota em cima de mim, você viu

muito bem.

— E você não fez nada.


— Eu estava fazendo, mas com jeito. Não podia ser um escroto e

maltratar a menina também, até a outra semana eu saía com ela.


— Não sei por que estamos nos dando satisfações.

— Também não sei — ele admite, parecendo confuso. —, mas você

fica linda com essa carinha de ciumenta.

Jay me puxa pela cintura e de repente sua boca está sobre a minha,
em um beijo desesperado. Nossas línguas se tocam e ele comprime o corpo

contra o meu, suas mãos passeiam pelo meu corpo, pelas minhas pernas

expostas pela saia curta, e sobem até minha bunda.


Seus dedos se afundam em minha carne e eu exploro seu corpo com

minhas mãos também. Gemo, entregue, enlouquecida de desejo de estar

com ele outra vez.

— Ashley? — A voz de Lisa e os três toques na porta nos separam


de repente.

Jay me encara horrorizado e corre para barrar a entrada.

— Oi! — respondo.
— Posso entrar?

— Não! Eu tô pelada!

Ela ri, eu acho.

— Tá bom, senhora puritana. Eu só estou procurando o Kyle…


Você viu ele por aí?

Merda. Ela não pode encontrar o Kyle agora.

— Acho que ele foi buscar mais bebidas, já vai voltar.


— Tá bom, se veste logo então, vou te esperar aqui fora…

Droga… Faço sinal para que Jay se esconda no closet e arrumo


minha roupa no lugar, confiro meus cabelos no espelho e meu batom,

depois coloco um casaco por cima da blusa, para fingir que me troquei e

saio para o corredor, voltando para a festa.

Jay não demora muito a chegar e logo Pink vai embora. Não sei o
que foi que ele disse para ela, mas acabou a dispensando. Peter também

percebeu que eu não estava a fim, porque não tentou uma reaproximação

depois que sumi.


No entanto, depois de algumas horas, Jay desapareceu. Procurei por

ele com os olhos em todo canto e não o encontrei, fiquei preocupada e outra

vez enciumada, porque não consegui evitar, mas não o achei. Enviei
mensagens e ele não respondeu e perguntei para o Kyle que também não o

viu.

Perto das duas da manhã os convidados começaram a ir embora,

mas a casa ficou uma zona. Decidi que isso é um problema para a Ashley
de amanhã, hoje eu só quero minha cama e ficar sozinha.

Lisa bebeu mais do que devia, com certeza deve ter visto o que o

imbecil do meu primo aprontou e ele nem mesmo se tocou do quanto a


estava magoando, Gal saiu da piscina seminua, que tio Tray jamais
descubra isso. Lore foi a única que se salvou nessa, ficou com um carinha a
noite toda, mas não o levou para o quarto, nada demais.

E eu… Eu só quero sumir daqui.

Fecho a porta do quarto e sigo para o closet, já tirando a saia que


usei na festa e pegando um pijama curto de cetim, estou pronta para ir para

a cama, mas paraliso ao notar a imagem estática no canto do meu banheiro,

no chão.
Ele parece um quadro assim, imóvel e lindo, sombrio, triste…

— Jay? Está se sentindo mal?

— Eu vou morrer, Ashley — fala, a voz embargada.

Não sei se está chorando ou bêbado demais, ou as duas coisas.


— Não fala besteira.

Paro diante dele e ergo seu queixo, noto o rosto molhado pelas

lágrimas.
— Os exames…

Não, não, não.


— Cadê, Jay? O que deu?
Ele me puxa em um abraço apertado, que em parte me sufoca e seu

corpo convulsiona em um choro que me dói na alma.


Eu o seguro o mais firme que consigo, mas é inútil. Em segundos
estamos os dois deitados no tapete do banheiro, ainda abraçados, enquanto
ele verte toda dor em um pranto cortante.
— Calma… Me conta o que aconteceu.
Mas ele não consegue falar. Ele não deveria ter bebido tanto, mas

dadas as circunstâncias seria impossível controlar algo assim.


— O que eu faço, Ashley?
— Agora você não vai fazer nada. Amanhã a gente cuida disso, tá

bom? Você não vai morrer, não vai! Tá me ouvindo?


Ele aquiesce, e é como se eu visse um garotinho no corpo de um
homem adulto.

— Vem, vamos tomar um banho.


— Você vai comigo? — pergunta, agarrando minha cintura.
— Incrível que você me peça isso em uma hora como essa.

— Te ver pelada vai me ajudar — fala, com a voz toda enrolada.


Com certeza vai…
Coloco a banheira para encher, jogo os sais e a espuma na água e

então me volto para ele.


— Vem, me ajuda a tirar sua roupa.

Jay ergue os braços e passo a camiseta justa pelo tronco forte. Abro
o zíper da calça e a desço até seus pés, mas ele precisa se apoiar na parede
para terminar de tirar.

— Agora a cueca.
Ele ergue o indicador para mim e faz um gesto de negativo.
— Eu já vi tudo que tem aí embaixo — falo, tentando o fazer
raciocinar.

— Mas se eu tirar você não vai entrar comigo…


— Eu não vou entrar de qualquer forma.

— Fica comigo — ele pede, unindo as duas mãos, como se fizesse


uma prece, como se implorasse.
Como resistir a um pedido como esse? Tiro o pijama e fico só de

lingerie também.
Entro na banheira e me sento, faço com que Jay entre e se sente
entre as minhas pernas e então, começo a ensaboar suas costas devagar, seu

peito, os braços.
Aos poucos, ele parece se acalmar.
— Consegue me falar agora, Jay?

— Metástase, Ashley, na porra da minha cabeça.


Fecho os olhos, me esforçando para não demonstrar o pavor que
toma conta de mim.

— Isso significa…
— Que eu estou com câncer de novo, em alguma outra parte do

corpo e ele já se espalhou e chegou na minha cabeça.


— A gente vai dar um jeito, Jay. Sempre…
— Não tem como saber. Se chegou no meu cérebro, já deve estar
por toda parte, eu vou morrer e meus pais vão morrer também...

— Não vai ser assim. O médico disse alguma outra coisa?


— Me encaminhou para um oncologista, amanhã porque é urgente,
preciso fazer uma montanha de exames pra descobrir onde é o tumor

primário...
— Amanhã vamos fazer os outros exames então e descobrir onde

está essa doença maldita e aí vamos lutar contra ela.


— Eu não sei se teremos tempo...
Mas me nego a cogitar essa possibilidade agora.

— Você consegue. Hoje você chora comigo, dorme aqui, te


empresto meu ombro, tá bom? Mas amanhã você vai voltar a lutar e
enfrentar isso. Não vamos aceitar.

Ele aquiesce.
— Amanhã eu volto a ser forte.
Beijo sua nuca, seu pescoço e faço com que vire o rosto para mim.

— E vai ficar tudo bem aqui. — Beijo suas têmporas, e o topo da


sua cabeça.
Terminamos o banho e sinto que ele está melhor que antes, mais

lúcido. Jay se deita ao meu lado na cama e empresto uma das minhas outras
máscaras de dormir para ele, que agora não dorme mais sem, mas ao invés

de a colocar, ele se aproxima de mim e segura minhas mãos.


— Você vai comigo amanhã?
— Sempre que precisar de mim.

— E se eu precisar por muito tempo? — pergunta, os olhos azuis


fixos nos meus.
— Então será por muito tempo.

Jay fecha os olhos por um momento e me puxa para si, me


aninhando em seu peito.

— Pode cantar pra mim, Princesa? — pede em um sussurro.


— Que música?
— A que você está compondo…

E eu canto.
 

 
Os exames mais elaborados levaram algum tempo. O oncologista
responsável pediu tomografias de várias partes do corpo, mas a princípio

não encontrou nada, também foram feitos exames físicos e neles também
não conseguiram discernir o cerne da doença. A cada negativa, ficava mais
dividida entre preocupada por não acharem o sítio primário como chamam,
e aliviada por ver que a maior parte dos órgãos de Jay estavam intactos, ao
contrário do que ele mesmo supôs.

A ecografia, no entanto, apresentou uma alteração testicular


minúscula, que foi encaminhada para que um urologista a examinasse e
agora, aqui estamos nós, na sala de espera, aguardando sermos chamados

para ouvirmos o parecer do médico sobre o exame.


Enquanto isso, Jay rabisca alguns detalhes no desenho que está
fazendo para mim.

— Vai ficar linda… — comento, sondando sobre seu ombro.


— E enorme. Não sei se você vai ter coragem de fazer essa
tatuagem desse tamanho — ele comenta, erguendo a sobrancelha.

Jay parece bem melhor agora, mais disposto a enfrentar os


problemas e menos propenso a desmoronar. Isso não vai ser o fim, porque

se ele cair, eu irei o amparar e o ajudar a se reerguer.


— Claro que vou, um dia — comento, mostrando língua pra ele.
— Jay Anders? — O médico aparece na porta do consultório, com a

prancheta nas mãos.


Nem me preocupo a princípio em decorar o nome dele, já deve ser o
quarto especialista que vemos em poucos dias.
Jay se levanta e eu me coloco de pé também. Como ninguém se
opõe, entro com ele na sala do médico.

— Podem se sentar.
— E então, doutor? O que eu tenho? Sem rodeios, por favor.
— Jay, você tem um nódulo em um dos testículos — o médico fala,

apoiando a pasta sobre a mesa. — Com a retirada, vamos analisar e ter


certeza de que é um tumor, mas olhei seus exames de sangue e os
marcadores também apontam para isso.

Jay e eu o encaramos incrédulos, não era isso que estávamos


imaginando. Como não encontramos palavras para responder, ele continua.
— É um dos cânceres mais comuns na sua idade, e geralmente ele

não tem sintomas, então pode demorar a ser descoberto. As chances de


tratamento são promissoras, mas no seu caso, ele se espalhou e você tem
metástase no cérebro, o que complica bastante as coisas.

Jay aquiesce, o maxilar trincado e os olhos frios. Ele não parece


triste agora, parece furioso.

— Eu vou morrer?
O médico não responde de imediato, o que só serve para nos deixar
mais nervosos.

— É cedo para saber como as coisas irão evoluir, eu sou urologista,


meu papel é te instruir quanto a orquiectomia. Depois disso, com um
oncologista clínico você vai iniciar seu tratamento para lidar com a
metástase e tentar reverter o quadro...

— Certo, então ele tem chances de cura e pode lutar contra isso.
— Claro, é o que deve ser feito.

O modo como ele diz isso deixa muito claro que não acredita em
uma remissão para Jay, mas não entendo o porquê se disse que as chances
de tratamento são promissoras. Jay se mantém calado por um tempo e não

consigo entender o que se passa em sua cabeça, mas o médico parece


compreender melhor do que eu.
— Esse tipo de câncer normalmente não compromete sua

capacidade sexual, Jay. Como deve ter percebido, tudo continua como
antes, a menos que você sinta muita dor.
— E para quando é indicado que ele faça a... cirurgia? — pergunto,

ciente de que Jay não consegue falar a respeito.


— O quanto antes, só então ele poderá ser examinado para a partir
daí, iniciar o tratamento adequado e quando se trata dessa doença, cada

segundo conta.
— Obrigado doutor, vamos entrar em contato. — Jay se levanta e

sai da sala e eu pisco, aturdida.


— Ele não quer agendar? Podemos fazer amanhã... — O homem
encara a porta por onde Jay saiu, mas sei que ele precisa de mais tempo que
isso para aceitar a nova situação.

— Vou ligar e marcar, tudo bem?


Ele aquiesce e abre um sorriso meio triste.
— Eu adoro os seus pais, sabe? Fique com o meu cartão, qualquer

coisa pode me ligar e nós resolvemos isso o mais rápido possível.


Despeço-me do médico, com a promessa de ligar em breve e o sigo

para fora, pelo corredor. Não sei o que dizer ou fazer, a única certeza que
tenho, é que não vou me afastar e nem permitir que ele esmoreça.
— Jay! Espera — Eu o alcanço na rua.

Ele se vira para me encarar, puxa os cabelos em um acesso de


desespero.
— Ashley, eu… Não sei nem o que falar, acho que quero ficar

sozinho um pouco, pensar nisso tudo, vou te deixar em casa antes.


— Não quero que você fique sozinho, quero ficar com você.
Seus olhos são um tom de azul escuro agora, como se uma

tempestade houvesse se formado neles.


— Porque agora nós somos amigos.
— Isso…

— Nós sempre vamos ser apenas amigos, Ashley. Não é? Porra,


esse câncer vai me castrar! Que merda de homem eu vou ser agora?
— Jay, eu sei que é difícil, mas…
— Difícil? E se eu não conseguir mais ter a porra de uma ereção? E
se eu não… Eu nem sei se eu quero ter filhos! Mas e se eu não puder?
— JAY! RESPIRA! — chamo e seguro o rosto dele nas mãos. —

Primeiro, o médico disse que não atrapalha em nada sua vida sexual, não
disse? Atrapalhou até agora? Porque você descobriu hoje, mas a gente
transou o fim de semana todo!

Ele parece pensar um pouco melhor, mas não responde.


— Sobre os filhos, cada coisa no seu tempo. Não sabemos se
prejudica, mas se for o caso, quando for a hora você vai achar uma solução.

— E você acha que alguém vai…


— Eu quero ficar com você, seu idiota! Acha mesmo que isso faz

alguma diferença? Não viu que eu quase infartei de ciúmes de você ontem?
Se seu medo é ser menos homem por causa de uma doença que nem tem
como controlar, então pode esquecer isso!  Não passa uma mulher sequer

por nós sem quase quebrar o pescoço pra ficar te secando. Você não vê
isso? — questiono, apontando duas que agora mesmo o estão olhando.
Essas descaradas.

— Não tem nada a ver uma coisa com a outra… — Ele coça a
cabeça meio desconcertado com meu acesso de fúria. — Você disse que
quer ficar comigo? E aquele papo de que era só no chalé?

— Parece que já era.


— Mesmo com isso tudo acontecendo?
— Se você quiser… — Por um momento percebo que falei demais,

eu deveria ter ficado quieta.


Mas Jay não parece se importar, não quando me puxa para perto e
rouba todo meu ar com um dos seus beijos capazes de acender meu corpo

inteiro.
 
 

 
 

 
 

Seasons, they will change


Life will make you grow
Dreams will make you cry, cry, cry

Everything is temporary
Everything will slide
Love will never die, die, die

 
(Estações, elas vão mudar
A vida vai fazer você crescer

Os sonhos vão fazer você chorar, chorar, chorar

Tudo é temporário
Tudo vai deslizar

O amor nunca morrerá, morrerá, morrerá)

Birds – Imagine Dragons


 
 
ASHLEY

 
E então ele me solta e lentamente o ar volta a penetrar meus
pulmões, meu coração retoma devagar o seu compasso natural.

— Eu vou ligar pro Kyle pra ver se as meninas estão em casa —


falo, pegando o celular.
Mas Jay segura minha mão, meneando a cabeça.

— Mas se ligar pra ele, vai dar na cara que a gente estava junto, ele

pode desconfiar sobre nós…


Levo alguns segundos para perceber que é uma das confusões dele.

Jay demora mais tempo que eu para compreender o que está havendo, e é

nítido quando sua expressão muda. É como levar um soco no estômago, ele
fica visivelmente arrasado, porque obviamente Kyle já sabe sobre nós.

— Merda. Esquece que eu falei isso.


Prefiro agir como se não tivesse acontecido e, ao invés de ligar,

digito uma mensagem para Kyle, que informa que as meninas ainda estão
em casa.

— Bom, a gente entra junto e inventa alguma coisa.

— Vamos dizer que nós nos encontramos no caminho — sugere,


ainda cabisbaixo com o que acaba de acontecer.

— Vai ter que servir… — concordo com ele.

Quando chegamos na casa, Gal e Lisa se penduram no pescoço do


irmão e, por mais distraído com as recentes notícias que ele esteja, Jay se

esforça para dar atenção às duas e não demonstrar o quanto as revelações o

afetaram.
— Então vocês se encontraram no caminho? — Kyle me fita com

ironia.
— Não enche o saco — respondo, seca.

— Pensei que não fosse acontecer mais nada.

Ele me fita com desdém, como se eu tivesse mentido de propósito e

não foi bem assim que aconteceu.

— Não é da sua conta, priminho querido — rebato.

— Mas vai ser da conta do papai. — Sorri, me provocando.


Às vezes os primos sabem ser irritantes, mas Kyle se esquece de que

nesse jogo, a mestra sou eu.


— Seu pai também vai achar o máximo o que você fez ontem, com
aquele casal no seu quarto.

Ele estreita os olhos para mim.

— Jogou baixo, Princesa.

— Então não me provoque.

— Eu estava só tentando ajudar vocês a não ferrarem nossa relação,

nossa irmandade aqui, entendeu? — fala, gesticulando para incluir aos


outros na frase. — Mas vocês dois querem literalmente foder com tudo!

Então bora, gente, é isso aí!

Reviro os olhos para o drama que está fazendo, se Kyle soubesse

que essa é a menor das nossas preocupações no momento…

— Para de exagero, não tá rolando mais nada — minto, apenas para

tirar ele do meu pé.

— Não mesmo? Por que já pensou se der errado?


— Se o que der errado? — Lore pergunta.

Ela aparece do nada e já chega me oferecendo um morango de uma

bandeja.

— O Kyle e as surubas que ele faz.

— Ah, isso não tem como dar certo!

— Não é? — Dou um tapa na cabeça do meu primo e sigo para o


meu quarto, mas antes me viro para onde o trio Anders se encontra. — Jay,
qualquer coisa me chama!

Ele aquiesce, entendendo. Já Lisa e Gal me olham como se eu


tivesse chifres agora. Realmente as coisas mudam.

Eu me deito na cama, em frente ao meu notebook e pesquiso muito


a respeito de tudo que o médico nos disse, mas também leio e releio os
exames do Jay e as anotações que nos foram entregues. As melhores

chances de Jay agora começam com a remoção do testículo, goste ele ou


não a cirurgia é sua melhor opção, e precisa ser feita o quanto antes.

Consigo compreender o que levou o urologista a parecer tão


incrédulo quanto a uma melhora em poucos minutos pesquisando. Como

Jay me disse na outra noite, quando há metástase no cérebro, é comum que


haja também em várias outras partes do corpo, o que torna uma resposta
positiva ao tratamento quase impossível, porque a doença já progrediu

muito. A questão é que até agora não encontraram outras metástases, então
me recuso a perder as esperanças.

— Princesa? — Ele coloca a cabeça para dentro do quarto. — Posso


entrar?

Eu fecho o computador assim que o vejo, não quero que ele também
leia a respeito dessas coisas.
— Vem cá… — Bato na cama para que ele venha até mim e Jay

fecha a porta e gira a chave.


— E agora? — pergunta, bagunçando os próprios cabelos. — Acho

que vou ter que começar a quimio…


— Jay, você sabe que antes vai ter que fazer outra coisa.

— O quê? A cirurgia? Queria que tivesse outro jeito...


Jay se senta ao meu lado, cabisbaixo.

— O médico disse que precisa ser retirado, assim não vai mais se
espalhar. E então você começa o tratamento para a metástase, uma coisa de
cada vez.

— Ashley, eu sei que você não entende, mas isso é tão foda pra
mim, pensar em tirar.

— Eu entendo. — Me viro na cama e seguro suas mãos nas minhas.


— Tenho meus seios, muitas mulheres têm câncer de mama e precisam
retirar. Imagino que seja uma sensação parecida, mas estamos falando de

uma coisa que está colocando sua vida em risco, Jay. O que importa é você
estar bem e ficar aqui.

— Porra, eu não quero fazer isso… — Ele balança a cabeça,


frustrado e meu coração se aperta.

Por mais que a cirurgia em si seja rápida e o melhor método,


consigo compreender seus receios. E ainda tenho outro assunto delicado a
tratar.
— Tem outra questão, é uma cirurgia. Não acha que devemos falar
com seus pais? Ou sei lá, ao menos com as suas irmãs?
— Não quero que eles saibam ainda — nega, sem hesitar.

Seus cabelos castanhos estão bagunçados e caem um pouco sobre os


olhos azuis, que parecem amedrontados. Jay é todo forte e durão, mas

parece um menino pequeno e assustado agora, e o que mais me impressiona


é perceber que seu maior receio não é por si mesmo, mas por causar dor
naqueles que ama.

— Jay, quando eles descobrirem…


— Não, Princesa. Vamos deixar nossos pais felizes lá, com a turnê,

sem terem ideia dessa merda toda. É assim que eu quero.


Aquiesço, mesmo sem concordar. Gostaria de insistir no assunto,

mas ele não dá margem. Não me sinto confortável sabendo que Tray e
Jasmim não fazem a menor ideia do que está havendo aqui, mesmo
compreendendo os motivos dele.

— Então precisamos ligar e agendar a cirurgia para o quanto antes,


tudo bem?

— E eu tenho opção?
Beijo seu rosto e ele fecha os olhos, recebendo meu gesto.
— Quer fazer o que hoje? Vai tentar trabalhar um pouco?
— Ainda não. Vou malhar, passar um tempo com as minhas irmãs e
depois vou dormir com você — fala, se aproximando para me devolver o
beijo.

Abro um sorriso.
— De novo? Vai me acostumar mal assim.

— Eu é que estou me acostumando mal, primeiro aquela máscara,


agora esse seu cheiro, seu corpo gostoso… Caralho, acho que não sei
dormir sozinho mais, desaprendi.

— Pois reaprenda, nossos pais vão voltar uma hora e essa vida

mansa vai acabar.


— Não fala esse tipo de coisa, fica atraindo coisa ruim, sua maldosa.

— Não é isso, só que… O que vamos fazer quando voltarem? —

pergunto por preocupação mesmo.

Não quero pressionar Jay em um momento assim, mas não sei se


vamos saber como agir com todo mundo por perto, principalmente meu pai,

que é como um cão de guarda.

— Você não vai sair de perto de mim, não foi o que me falou? Seu
pai que aceite isso.

— Jay… Não vai ser fácil assim.

— Eu sei que não, mas ele não vai bater em um homem que pode
morrer, vai? Nem o Ashton seria tão doido assim.
Fecho a cara ao ouvir o comentário dele e aponto o dedo para o seu

rosto.
— Não repita mais isso.

— Ei! Eu gosto do seu velho, só estou brincando — responde,

erguendo as mãos para o alto.


— Não tô falando disso e você sabe, ele é doido mesmo, ainda que o

seu seja muito mais. Não quero que fale em morrer, você não vai e não

quero ouvir essa bobagem.

— Princesa, tem que saber que essa é uma possibilidade.


Coloco o indicador sobre os lábios dele, o impedindo de continuar

com isso.

— Não é! A ciência está muito avançada, você sobreviveu tantos


anos atrás e…

— Eu sei, Ashley. — Ele afasta minha mão. — Mas não é algo

exato, entende? Não dá pra prever o que vai acontecer, como meu
organismo vai reagir, não são milagres, são procedimentos.

— Não quero saber, e não quero ouvir.

Levanto-me e caminho até a porta, a abrindo em seguida.

— Você deveria ir malhar agora, vamos aproveitar que hoje não está
com dor e fazer outra noite do pijama igual fizemos aquele dia, curtir todo

mundo junto. Que tal?


— Ótima ideia. Mas está me expulsando?

— Estou, volte quando não for falar mais coisas idiotas.

Ele se levanta com um sorrisinho torto nos lábios.


— Sabe que você é incrível?

Jay enlaça minha cintura e afunda o rosto na curva do meu pescoço.

Eu só queria que pudéssemos ficar assim para sempre, e que enfrentar a

raiva do meu pai fosse nosso maior problema.


— Sei sim, você que perdeu tempo me detestando.

— Você também perdeu, porque eu sou gostoso.

Eu o afasto, rindo de como seu ego pode ser admirável.


— Vai pra academia então, porque isso não pode ser mantido sem

esforço — falo, apontando para o seu corpo.

Jay segura meu rosto entre as mãos e me dá um beijo estalado na

boca, sem o cuidado de olhar no corredor antes, por sorte ninguém nos vê.
Esse inconsequente…

 
JAY

 
Seria uma puta de uma mentira dizer que essa doença não está

fodendo com a minha cabeça. Por alguma razão, sobre a qual prefiro não
pensar, a única coisa que me mantém ligado à sanidade agora é Ashley.

A doença por si só é uma merda, que chega destruindo tudo e

quebrando qualquer espécie de ordem. Já não me importa mais minha


rotina, meu trabalho, a empresa, nada disso tem relevância quando cada

segundo poderia ser o último, quando sei que preciso registrar cada

momento com as pessoas que eu amo.

Ressignificar a vida. Tudo que tem preço não tem valor, e o que tem
valor, não está à venda.

São os sorrisos doces que Lisa me oferece quando chego em casa.

As gargalhadas que Gal dá quando conto alguma coisa engraçada, as piadas


idiotas do meu pai, com intuito de me distrair dos problemas, o abraço

apertado da minha mãe e o cheiro do perfume que ela usa nas roupas.

São as mensagens que Kyle me manda, me chamando pra treinar, o

café que Elijah me oferece porque sabe que eu não tenho o melhor dos
humores de manhã, os smoothies que Ashley aprendeu a fazer para cuidar

de mim, o toque suave dos dedos dela na minha pele e mais centenas de

coisas que ela faz. Sua voz cantando pra que eu durma, sua boca na minha,
sua pele arrepiada…
Lore pedindo pra tirarem a cebola da pizza porque sabe que eu

odeio, Josh mandando enfeitar nossa casa para o Natal, porque no fundo

sabe que a gente se amarra também.

É o Ashton cuidando de todos nós, a Ane nos obrigando a usar


roupas horríveis, mas que ela acha maravilhosas. São os momentos em

família, os sentimentos, os sorrisos e o afeto, cada segundo importa, porque

pode não haver outro dia, pode não ter outro Natal pra mim, posso não ver
outra festa do Azal, posso não viver pra falar pro Ashton que estou louco

pela filha dele, e quem sabe, levar um soco bem-merecido no olho.

— E aí, cara? — Kyle arranca os fones dos meus ouvidos, afastando

o devaneio e me trazendo de volta à realidade.


Levo alguns segundos para me situar, estamos na academia e ele

está com cara de quem está de ressaca.

— O que você aprontou ontem?


— Eu? Você sumiu, Anders! Bebeu metade da vodca e desapareceu.

Com quem, hein?

— Não é da sua conta, Nicols.

Levanto-me para mudar de aparelho, mas Kyle me segue, teimoso


como sempre.

— Claro que é. Eu fiz tudo pra jogar a tal da Pink pra você.

Literalmente atirei a menina no seu colo! E você me faz o que? Some com a
Ashley!

— Se você sabia que eu estava com ela por que perguntou? Além
disso, não está podendo julgar ninguém, porque estava numa suruba,

comendo uma galera de novo.

— Nem me fala nisso, tô morto.

— Vai dizer que não deu conta?


Kyle me olha como se eu o tivesse ofendido.

— Não sabe com quem tá falando? Lógico que dei conta! Mas era

um casal, depois chegaram mais duas garotas e o outro cara não fazia nada!
Eu sou atleta, mas não sou de ferro. Tive que tomar três xícaras de café pra

acordar hoje.

— Acho que não quero detalhes…


— É, mas pelo menos não estava com as minhas primas.

Mostro o dedo do meio para ele, ainda que eu esteja rindo.

— Ashley não é minha prima, é sua.

— Não importa, é quase como se fosse.


— Não é, não.

— Ela me disse que tinham acabado com isso, Jay.

— Era verdade, mas aí você ficou de joguinho, babaca. Eu fiquei


puto com o Peter dando em cima dela e mudei de ideia.
Kyle solta uma risada de quem não está acreditando no que está
ouvindo.

— Puta que pariu, Jay. Tá me dizendo que ficou com ciúmes?

— Fiquei, e daí?
— Você sabe que tá ferrado? O Ashton vai arrancar suas bolas!

O comentário é feito sem malícia nenhuma, mas sinto como um

soco na boca do estômago. Tento não demonstrar o quanto me afeta, porque


ele não tem culpa.

— Acho que ele não vai precisar…

— O quê? Por quê? Ele vai te matar.

— Depois penso nisso, quando voltarem.


— Você que sabe, cara. Não vou mais me intrometer.

— Por favor. Não fica mais tentando arrumar ninguém pra ela, ou

pra mim.
— Então vão ser exclusivos? — pergunta, em tom de piada.

Mas dou de ombros. O que Ashley e eu estamos compartilhando não


abre espaço para outras pessoas, é íntimo demais, somos só nós.
— É por aí…

— Caralho, quem diria que isso ia começar com você colando goma
no cabelo da menina!
Isso me faz sorrir, eu também não imaginaria.
— É, quem diria.
— Vai trabalhar hoje?
— Não, mandei mensagem pro Elijah dizendo que vou passar lá

amanhã. A Ashley quer fazer outra noite do pijama, igual fez naquele dia.
— Cara, ela colocou uma coleira em você. Porra… Não tô
acreditando nisso!

— Ah, vai se ferrar, Kyle. Você estava lá aquele dia e curtiu porque
eu vi. Quem não aproveitou fui eu que estava passando mal.
— Eu curti mesmo, fiquei agarradinho com a sua irmã, vendo filme

— provoca.
— Depois eu solto essa barra de ferro na sua cabeça, dizendo por aí
que foi acidente e vão dizer que foi uma atitude cruel.

— Ciumento — ele ri —, sabe que eu amo a Lili como uma irmã.


Aquiesço, baixando a cabeça.
— Por falar nisso, quero te dizer uma coisa, que vai soar esquisita.

— Ishi, lá vem…
Eu me preparo para enfrentar as desconfianças dele, porque não sou

geralmente um cara muito sentimental.


— Você ama minhas irmãs da mesma forma que eu, não é?
— Claro, Jay. Que pergunta idiota.
— Se um dia eu sei lá, sofresse um acidente de moto, essas coisas
acontecem o tempo todo… Você cuidaria delas por mim?
— Para de falar bobagem! Que boca demoníaca! Eu, hein?

— Fala, Kyle. Cuidaria?


— Lógico que cuidaria, eu já cuido da Lisa assim. Só não cuido

muito da Gal porque ela é pirada, mas eu me esforçaria mais com ela
também, só que isso nunca vai acontecer porque… Bom, porque seu anjo
da guarda é ágil e atento, porque você é inconsequente pra caralho — ele

diz, fazendo uma careta.


— Eu sei — respondo, meneando a cabeça. — E sabe que eu te amo
pra cacete, não sabe, irmão?

— Porra… Isso aqui tá parecendo aqueles lances de premonição e


eu não tô curtindo não. Vira essa boca pra lá.
Ele sai da academia me mostrando o dedo do meio e me deixa rindo

da sua expressão de pavor, mas três segundos depois Kyle volta correndo e
me dá um abraço desajeitado.
— Também te amo pra caralho. Nunca se sabe…

 
Ashley arrumou a sala da mesma forma que na outra vez, a
diferença é que hoje estou me sentindo fisicamente bem, então fico

acordado. Kyle tentou roubar minha irmã de novo, mas ela não parece
muito disposta a falar com ele, então me aproveito disso e pego minhas
gêmeas para mim.

As duas se deitam no meu peito, uma de cada lado. Ashley e Lore se


juntam em um colchão e Kyle fica no sofá, reclamando o tempo todo de

estar sozinho.
— Lili, por que está me ignorando? Vai me deixar aqui, sem
ninguém?

— Pede pra um dos seus amigos de suruba te esquentar — Lore é


quem responde.
Lisa fica quieta, mas por sua expressão percebo que concorda com a

resposta da amiga.
Então é isso. Elas estão bravas com ele por conta da farra de ontem
à noite. Isso me arranca uma risada, nunca pensei que fossem tão

ciumentas.
— Isso não é justo, uma coisa não tem nada a ver com a outra!
— Você nos deixou sozinhas, nem se preocupou se estávamos vivas

ou mortas! Agora fica aí sem ninguém também — Gal é quem retruca.


Continuo rindo do trouxa, abraçando minhas meninas vingativas.
Fito Ashley de lado. Queria poder a abraçar aqui, mas cada coisa a

seu tempo.
— Vou soltar o filme — ela diz, erguendo o controle na mão. —
Assim que a comida ficar pronta a Tícia vem avisar e aí eu pauso.

— Não entendi por que não pedimos pizza de novo — Gal reclama,
com expressão de desagrado.
— Porque a senhora Jasmim Florzinha Peste, vulgo sua mãe, pediu

pra Ashley me obrigar a comer coisas saudáveis — conto, segurando uma


risada e brincando com os vários apelidos da nossa mãe —, e parece que ela

está levando a missão muito a sério.


— Tá brincando que a mamãe fez isso?
— Não — Ashley meneia a cabeça —, ela disse que ele não pode

pular refeições, e adivinhem? Ele pula. Não pode ficar comendo só


besteiras e imaginem só? Ele come! E precisa comer coisas saudáveis, que
o excelentíssimo não estava comendo. Então fui obrigada pela senhora

Jasmim Florzinha Peste a assumir essa missão, e ela fiscaliza viu? Me liga e
pergunta se ele comeu!
— Santo Deus… Ainda bem que ela não pediu pra mim — Lisa

resmunga.
— Porque você não sabe cozinhar — Gal responde, rindo também.
— E eu sei? Só estou coordenando as coisas.
Ashley se faz de desentendida, mas na verdade se saiu muito bem
quando precisou fazer as refeições no chalé.
— Que menina prendada essa minha prima, parece ser a nora que tia

Jas pediu a Deus — Kyle provoca, rindo.


É o suficiente para que Ashley atire uma almofada na cabeça dele.
Ele não perde tempo e a atira de volta, mas o forro de pano se rasga e as

penas se espalham na cabeça de Ashley, e a zona está instaurada.


Todos se colocam de pé e as almofadas começam a voar para todo
lado, sendo atiradas nas cabeças uns dos outros. Demoro a entender que é

uma guerra, mas logo tomo meu lugar atrás das trincheiras, no caso, atrás
da minha irmã, Gal.
— Ei! Está me fazendo de escudo humano!

— Nas batalhas vence o mais esperto, não o mais forte — respondo,


explicando a ela a estratégia.

— Seu covarde!
Atiro meu travesseiro na cabeça da Ashley e ela cambaleia. Quando
percebe a direção de onde veio o tiro, dirige a nós um de seus olhares

furiosos e atira seus cobertores na pobre da minha irmã.


— Ashley! Não fui eu, sua imbecil! Você me paga…
As penas começam a voar à medida que os travesseiros se rasgam e

as gargalhadas ecoam pela sala, de onde estou, alcanço meu celular e tiro
fotos de todos eles, sem que percebam.
São os momentos. Aqueles que não podem ser comprados.

Ashley se aproxima de mim, com os braços erguidos, pronta para


atirar uma almofada, e eu cerco suas pernas com as minhas, fazendo com
que caia sobre mim.

Abraço seu corpo enquanto o travesseiro se rasga e as penas voam


sobre nós, registro esse instante enquanto ela ri de forma espontânea e beijo
seu rosto, saboreando um segundo de valor imensurável.

 
 

 
 

 
 

I brought you down to your knees


'Cause they say that misery loves company
It's not your fault I ruin everything

And it's not your fault I can't be what you need


Baby, angels like you can't fly down hell with me
(Eu lhe deixei de joelhos

Porque dizem que o sofrimento ama companhia


Não é culpa sua eu ter arruinado tudo
E não é culpa sua eu não poder ser o que você precisa

Amor, anjos como você não podem voar para o inferno comigo)

Angels Like You – Miley Cyrus


 
 
ASHLEY

 
Eu me levanto do colchão, ainda meio sonolenta, e esfrego os olhos,
analisando a cena ao meu redor. Gal e Lisa estão dormindo uma ao lado da

outra, mas o lugar de Jay está vazio e seu cobertor está embolado no chão,
como se tivesse sido chutado para longe.
Lore está dormindo de bruços, com as pernas abertas igual a uma

estrela do mar, ocupando um colchão e meio, e Kyle ressona baixinho no

sofá, com um braço cobrindo o rosto, e os cabelos claros bagunçados.


Eu me equilibro nos vãos entre os colchões para não pisar em

ninguém, pulo sobre as pernas compridas de Lore e sigo para a cozinha.

Jay deve ter saído cedo, ele disse que queria ir até a concessionária o
quanto antes ver como estavam as coisas depois dos dias que passou fora,

só não imaginei que fosse acordar antes de todos e sair assim, sem avisar

ninguém.
Tícia e as outras funcionárias estão conversando enquanto preparam

o café da manhã, e devem estar querendo nos matar pela bagunça que
fizemos com os travesseiros, as penas estão por todo lado, grudadas até

mesmo nas cortinas da sala, mas sorriem de volta e respondem ao meu

cumprimento de bom dia quando passo por elas.


Sigo pelo corredor principal e noto o chaveiro laranja sobre o

aparador de vidro da mamãe, o que indica que Jay ainda não saiu e deve

estar tomando banho, antes de ir. Caminho na direção do quarto dele,


pisando na pontinha dos pés para não ser descoberta por nenhum dos

outros, pensando que talvez nós possamos aproveitar o tempinho em que

estão todos dormindo para matar a saudade. Ficar perto dele sem poder me
aproximar de verdade é uma tortura.

Passo pela minha porta, pela de Kyle e quando chego diante da dele,
noto que está entreaberta e meu coração dispara no peito. Por um instante

eu não consigo me mover enquanto olho para Jay ali, caído no chão.

— Jay!

Obrigo minhas pernas a se mexerem e corro, me ajoelhando ao lado

dele e tocando seu rosto com a mão trêmula.

— Jay, fala comigo!


Ele abre os olhos, mas parece não entender o que está havendo, seu

rosto se move de um lado para o outro e sua expressão vai de confusa para
assustada.
— Caralho… Acho que eu caí no chão.

— Você acha? Foi um desmaio.

— Ashley, me ajuda a levantar, eu preciso ir pra loja… — fala, me

oferecendo a mão.

Meneio a cabeça, sentindo as lágrimas nublarem minha visão.

— Para com isso, Jay, você precisa ir pro hospital, agora.


Ele se senta e apoia as costas na parede, eu me sento ao lado dele.

De jeito nenhum que vou deixar que saia daqui agora, principalmente

pilotando uma moto.

— Calma, eu não desmaiei… Só me senti muito fraco, minha visão

ficou meio turva e acho que perdi as forças.

— É a mesma coisa!

— Não... Eu estava consciente...


— Você veio se arrumar porque pretendia sair?

— Eu vomitei enquanto me vestia — conta, desviando os olhos dos

meus —, foi bem bizarro. Não senti enjoo, nem nada, simplesmente vomitei

e aí precisei tomar um banho. Depois me senti assim. — Ele balança a

cabeça de um lado para o outro e isso parece piorar o modo como se sente,

porque Jay segura a cabeça com as duas mãos. — Mas preciso mesmo ir até
a concessionária, o Elijah deve estar puto com o meu sumiço já.
— Jay, por favor, você não pode mais perder tempo, sabe melhor do

que eu como essa coisa funciona.


Ele faz um gesto discreto com o indicador nos lábios me pedindo

para fazer silêncio. Ouço os passos e em questão de segundos Lore aparece


do outro lado do corredor coçando os olhos e andando descalça.
— O que vocês estão fazendo aí?

Começo a pensar em uma desculpa, mas Lore se aproxima de nós e


olha fixamente para o rosto do Jay antes que eu possa dizer qualquer coisa.

— O que aconteceu? O que você tem?


— Nada.

Jay tenta se levantar, mas acaba se desequilibrando e precisa se


apoiar em mim.
— Eu vou chamar o Kyle… — ela diz.

— Não! — Jay fecha os olhos, agora apoiando uma mão na cabeça e


uma em mim. Me levanto também e faço o possível para mantê-lo de pé,

mas segurar um homem desse tamanho não é uma tarefa fácil. — Por favor!
Eu só preciso de um minuto…

— Lore, me ajuda a descer com ele, vou pedir para um motorista


nos levar até o hospital.
Lore desperta imediatamente. Ela passa o braço esquerdo de Jay por

sobre seus ombros e eu faço o mesmo do outro lado.


— Ashley… — Ele balança a cabeça, contrariado, mas não desaba,

ao invés disso parece usar de todas as suas forças para se manter de pé.
Lore e eu o levamos até o elevador e descemos para a garagem,

apesar de não saber exatamente o que está acontecendo, ela não faz
perguntas.

O motorista nos vê e vem até onde estamos para ajudar. Eles são
muitos, trocam de turno para ficar na casa, mas Jay o reconhece porque vejo
quando ele o cumprimenta chamando pelo nome.

Liam toma o lugar da Lore e percebo que dá conta do trabalho


sozinho, o levando para o carro enquanto eu tomo minha amiga pelas mãos.

— Lore, não fala sobre isso pra ninguém.


— O que ele tem?
— Não sei — minto. — Nossos pais estão em turnê e as meninas

vão surtar, então é melhor esperar saber o que é antes de alarmar a todos.
— Tá bom, mas me dê notícias.

Beijo sua bochecha antes de correr para o carro. Jay está com a
cabeça apoiada no banco e mantém os olhos fechados.

— Isso está saindo do controle — fala, apontando com o dedo para


onde Lore está.
— Ela não vai dizer nada, mas não é com isso que temos que nos

preocupar agora.
Ele finalmente me encara e quando abre os olhos azuis é como se
abrissem as janelas do céu, mas o brilho dos olhos são lágrimas que ele está
segurando enquanto aperta a minha mão.

— Eu só queria desaparecer. O medo…


— É normal ter medo, eu também tenho.

Jay aquiesce.
— Não quero morrer e também não quero ser a porra de um eunuco.
— Eunuco?

— É. Um castrado — ele explica, fazendo uma careta, como se só


pronunciar a palavra fosse o suficiente para o desagradar.

— Eu sei o que é um eunuco, mas não tem nada a ver com essa
situação…

— Inferno!
— Ei… Você é o Jay Anders, um cara que nunca aceitou perder,
nem mesmo para uma garotinha magricela e melequenta.

Ele sorri de canto, mas continua franzindo a testa.


— Então você assume que era melequenta?

— Se isso for manter esse sorriso no seu rosto, sim.


— Mas depois de um tempo você também começou a meter medo.
Eu me aproximo dele. Só agora percebo que estou indo para o

hospital de pijama, não que isso importe.


— Se não pode fazer isso por você, faça pelas pessoas que te amam.
Ele assente e acho que isso é um sim.
 

Ligo para o urologista ainda no carro, e como ele disse que seria,

não mede esforços para nos atender, mexendo em sua agenda e alterando
tudo para operar Jay ainda hoje. O primeiro passo para nos livrarmos dessa

doença.

Jay não precisou esperar um segundo sequer quando chegamos ao


hospital e as recepcionistas foram muito gentis me oferecendo uma sala

privada para que eu não fosse incomodada com perguntas e intromissões

em um momento como esse.

Por sorte, acho que ninguém o viu, Liam entrou com Jay pelos
fundos, mas não duvido que amanhã mesmo minha cara amassada e meu

pijama do Mickey estejam em todos os sites de fofoca, especulando o

motivo da minha vinda repentina ao hospital. Estudei fora por anos e


consegui me manter fora da mídia, mas aqui, na cidade da Dominium, isso

é muito mais difícil, todos conhecem meus pais e a minha família. O que
me coloca em uma situação muito delicada, porque nossos pais não podem

saber assim, através da televisão.


Lore me ligou duas vezes enquanto eu esperava por notícias, o que

não demorou muito. Uma enfermeira veio me informar que Jay entraria em

cirurgia e que o procedimento não seria muito demorado.


No final das contas, acho que ele precisava de um tempo para

aceitar o problema e talvez para conversar a sós com o médico, de homem

para homem, tirar suas dúvidas, assinar a autorização e encarar a realidade.

Ainda assim, é péssimo saber que tia Jas e tio Tray estão do outro
lado do país sem saber que o próprio filho está passando por uma cirurgia

nesse exato momento. Me sinto como uma traidora. Isso não é coisa para

ser escondida, por mais que seja essa a vontade dele. Eles merecem saber.
Quando terminam a orquiectomia, uma enfermeira aparece para me

informar que tudo correu bem.

— Posso vê-lo? — pergunto a ela, ansiosa.


Sua expressão é de pesar e seus lábios se tornam uma linha fina, é

quase como se a mulher sentisse pena de mim.

— Olha, querida, sei que você está esperando desde que a cirurgia

teve início, mas infelizmente não vai ser possível.


Não entendo o motivo, já que ela mesma disse que tudo correu bem.

— Por quê?
— Ele disse que não quer receber visitas agora, quer ficar sozinho.

Ainda está sob efeito da anestesia e, por mais que a operação em si seja

pequena, talvez para ele seja algo maior, entende? Acho que você deveria ir
para casa descansar e voltar depois.

Mas de jeito nenhum!

— Sem chance, eu vou entrar e ficar com ele.

Mas a mulher se coloca entre mim e a porta.


Não acredito que isso esteja mesmo acontecendo!

— Senhorita Ray, eu não posso permitir e acredite em mim quando

digo que sinto muito por isso. Dê só um tempinho para ele, não é uma
situação fácil para um homem e precisamos respeitar a vontade do paciente.

— Mas… Não posso deixar o Jay sozinho!

— Eu entendo que se sinta assim, mas pense que é o que ele quer

agora e faça o que eu disse. Vá para casa, dê um tempo e volte mais tarde.
Tenho certeza de que ele vai estar mais tranquilo quanto a cirurgia e sua

visita vai ser bem recebida.

Assinto em silêncio, pensando que talvez ela tenha razão.


Jay é orgulhoso e deve estar se preparando para me encarar agora.

Como se alguma coisa entre nós fosse mudar…

Sinceramente, não sei como pode pensar que uma coisa assim possa

fazer diferença de verdade, mas me esforço para ser compreensiva e dar


algum tempo a ele. Trocar o pijama por uma roupa decente não vai me fazer

mal.
— Tudo bem. Pode dizer a ele que eu fiquei aqui até o fim?

Ela sorri.

— Ele já sabe, meu bem, foi a primeira coisa que perguntou quando
terminou.

O médico é quem se aproxima agora. Ele me cumprimenta com um

aperto de mão firme, mas não sorri.

— Está tudo bem com ele?


— Sim, está se recuperando.

— Ele não deveria ter alta hoje ainda? — Pelo menos foi o que eu li

na internet.
— Vou segurar o Jay aqui por mais alguns dias, não pela cirurgia,

mas porque estava se sentindo mal quando chegou e porque vamos fazer

alguns exames adicionais. Será feita uma biópsia do material que foi

coletado na cirurgia para nos dar um diagnóstico conclusivo de que o câncer


vem mesmo daí. Um neurocirurgião também vai consultá-lo por causa dos

sintomas que o Jay vem apresentando.

Fecho os olhos, querendo apagar da minha mente o que acabo de


ouvir.
— Cirurgião? Por causa da metástase? Ele tem tido muitas dores de

cabeça…

— Lamento. Como eu disse, o caso é delicado, mas fique tranquila.

Por enquanto ele vem apenas para analisar a situação, geralmente em casos
como o dele, o tratamento é feito com quimioterapia. Um especialista vai

saber avaliar melhor e nos dizer exatamente como proceder.

— Então outra intervenção cirúrgica não vai ser necessária, não no


cérebro dele?

— Eu sou urologista, senhorita Ray. Não posso garantir nada, mas

amanhã poderemos falar a respeito com o especialista.

Seco uma lágrima no rosto e tento me recompor. Por enquanto,


estou segurando a barra sozinha e preciso saber de tudo. Alguém precisa

saber.

— Pode ser sincero comigo, doutor? — O homem aquiesce, sério.


— Acha que ele tem boas chances?

O médico vacila, olha de um lado para o outro como se procurasse

as melhores palavras para dizer o que precisa e eu prendo a respiração.

— Não posso te dar garantias, infelizmente. Estamos lidando com


uma doença grave, mas posso dizer que, com o tratamento certo, ele tem

chances.
Saio do hospital sem enxergar nada. Liam está me esperando e não

faz perguntas, mas choro como uma criança no banco de trás.


E se ele não conseguir?

E se essa doença maldita já tiver se espalhado de um jeito

irreparável?

A família não vai resistir.


A Dominium não vai resistir.

Eu não vou.

Entro pelo estacionamento, tentando não ser vista, mas Lore já está
na porta do meu quarto, me esperando. Minha vontade é a de me jogar nos

braços dela e chorar tudo o que tenho guardado, mas não posso ainda.

— E então? — ela pergunta, nervosa.


Abro a porta do quarto e a levo para dentro, não é seguro conversar

sobre isso nos corredores.

— Eu não sei, Lore. Ele vai ficar internado para fazer exames.

Lore se senta na minha cama, pensativa.


— Você acha que é o quê?

— Não sei, Lore, precisamos esperar — digo, me sentindo ainda

pior por mentir.


— Você quer esperar para contar aos pais dele o que aconteceu? —

questiona, com as sobrancelhas arqueadas. — As coisas não funcionam


assim, Ashley. Principalmente com o Jay.
— Eu sei, Lore! Mas ele quer esperar, disse que não é nada, que não

quer preocupar os pais sem saber o que tem…

Ela levanta as mãos em sua defesa.


— Eu não concordo com isso.

— Também não concordo, mas prometi e preciso esperar até

amanhã, então é isso.


Meu celular vibra sobre a cama e um arrepio percorre meu corpo

quando vejo quem está ligando. Lore se vira de costas, acho que não quer

nem assistir enquanto falo com meu pai.

— Cacete! Não quero atender.


— Se você não atender vai ser pior — ela fala, ainda de costas.

Deslizo meu dedo na tela e o rosto do meu pai aparece do outro

lado. Ele está almoçando e já são quase três horas da tarde. Imagino que
tenha acordado há pouco.

— Bom dia, Princesa! — Isso confirma minhas suspeitas.


— Oi, pai.
— Se eu ou sua mãe não ligarmos, você não liga. Nem lembra da

gente, hein?
Forço um sorriso, para não parecer nervosa ou triste.
— Que senhorzinho dramático! — brinco, tentando fingir
naturalidade.
— Senhorzinho o caralho! Me respeita, garota!

— Cadê a minha mãe?


— Foram fazer compras, o clube da Luluzinha todo. Elas e mais uns
doze seguranças. O Tray queria ir, mas iam ter que fechar o shopping e as

bonecas queriam a experiência completa.


— Que delícia!
Ele aquiesce, mas para um pouco de falar para mastigar e eu espero

que volte a conversar.


— E como estão os pirralhos? Se comportando?
— Sim, todos tranquilos.

Tio Tray aparece ao lado do meu pai e rouba um pedaço de carne do


prato dele.
— Oi, Princesinha!

Santo Deus! Ele vai ficar arrasado quando souber. Tio Tray é o tipo
de pessoa que não deveria nunca passar por coisas assim, acho que ninguém

deveria, porque é triste demais.


— Oi, tio Tray!
— Você sabe do Jay? O moleque sumiu! Não apareceu na

concessionária hoje e as meninas também não sabem dele.


Lore se vira de frente agora e apoia as mãos na cintura, me
encarando. Seus lábios se movem me instigando a contar, mas respiro fundo
antes de mentir.

Mesmo se eu pudesse falar, não sei se conseguiria.


— O Jay? Deve estar com alguma mulher. Tem uma tal de Pink, ela

deve saber.
Ele balança a cabeça, como se isso fosse um absurdo.
— Aquele filho da puta, não pode ver um rabo de saia! E olha que

mandei ficar de olho nas irmãs dele! Acho que lembro dessa Pink aí,
apareceu no canal dele… Você tem o número dessa mina?
Meu pai revira os olhos e dá um peteleco na orelha dele.

— Claro que não, Tray, se liga!


— Não tenho — respondo, com um sorrisinho sem jeito.
— Porra… Valeu, pirralha.

Meu pai se aproxima da câmera, estreitando os olhos. Eu já disse


mil vezes que ele precisa de óculos, só que o eterno garoto não aceita que
está envelhecendo, mas pela primeira vez isso vem a calhar.

— Você estava chorando? Por que essa carinha triste? Aconteceu


alguma coisa? Seu nariz tá com a pontinha vermelha…

— É só… Saudade — minto.


Não tenho como negar que chorei, ele sabe que a ponta do meu
nariz sempre fica assim quando eu choro e só quando eu choro, então não

tenho muita escapatória.


— Princesa, não faz isso com seu pai, não, eu não aguento. Quer
que eu cancele a porra toda? Eu cancelo, você sabe!

Isso me arranca uma risada, porque ele cancelaria mesmo. Hoje em


dia eles fazem as turnês pelos fãs e porque são apaixonados pelos palcos,

mas não é como se ainda precisassem disso.


— Não, pai, para com isso…
— Então me dá um sorriso, e dos grandes.

Mostro os dentes pela câmera.


— Aí sim. Já está acabando, amor. Qualquer coisa me liga, tá? Te
amo!

— Tá bom. Também te amo.


Encerro a chamada e encaro Lore. Nenhuma de nós tem coragem de
comentar sobre o que acaba de acontecer. Eu deveria ter dito a verdade, mas

não sei se estou preparada para lidar com a reação que isso vai causar em
todos.
Ela meneia a cabeça e sai do quarto sem dizer mais nada, mas Lore

não entende. Sinto que quando eu disser, quando todos souberem o que está
havendo, vai ser real.
O problema é que o fato de não contarmos a ninguém, não torna o

câncer menos perigoso ou mortal. Jay ainda está doente, mesmo que mais
ninguém saiba.
E com isso, ele também está sozinho naquele hospital…

 
 

 
 

 
 

And I've been wrong, I've been down,


Been to the bottom of every bottle
These five words in my head

Scream "are we having fun yet?"


(E eu estive errado, eu estive mal
Estava no fundo do poço

Essas cinco palavras na minha cabeça


Gritam "ainda estamos nos divertindo?")
How You Remind Me - Nickelback

 
 
JAY

 
A anestesia ajuda com a dor física, mas não diminui a ferida
excruciante que atormenta minha alma. Passei por uma cirurgia simples,

mas que por si só vai mudar a minha vida para sempre, e o pior ainda está
por vir. Não sei se vou suportar tudo que vai ser preciso.
A enfermeira vem avisar que Ashley voltou e quer me ver. Me sinto

estranho com isso, é como se não fosse mais o mesmo, como se já não fosse

bom o suficiente para ela e ao mesmo tempo sei o quanto isso é idiota, deve
ser… Ainda sou a mesma pessoa, sei que ela me diria isso.

De todo modo, não vou conseguir a evitar por muito tempo e no

fundo não quero isso. Não quero ficar sozinho, por mais que me esconder
seja a opção mais fácil e atrativa.

Ashley entra no quarto com um sorriso no rosto, ela está vestindo

uma jardineira rosa que combina com sua delicadeza, faz com que se pareça
ainda mais com a Princesinha Ray.

— Oi, Jay!
Noto que traz consigo um buquê de flores amarelas, e ela o deixa

sobre a mesinha ao lado da cama.

— Oi, Princesa.
— Como você está? — Ela fica ao meu lado e repousa sua mão

sobre a minha, em um gesto de carinho.

Dou de ombros, porque infelizmente não consigo nem mesmo fingir


bom humor, as coisas vão de mal a pior.

— O médico disse que correu tudo bem na cirurgia…

Ashley coloca uma mecha dos cabelos atrás da orelha, me testando.


Sei que está tentando puxar assunto, se esforçando para que as coisas sigam

pelo mesmo caminho que antes, mas não sei se isso será mesmo possível.
Não por nós dois, mas porque não consigo ter muitas expectativas.

— Sim, fizeram o que tinha que ser feito — respondo apenas.

A verdade é que nunca dei tanta importância para essa parte do meu

corpo, meu pau fazia sua parte e o resto sempre foi apenas um

complemento. Mas jamais imaginei que fosse me ver obrigado a abrir mão

de um testículo, seminoma testicular, foi como chamaram e isso não parece


nada certo. O problema não é unicamente esse e sim tudo que virá. Se fosse
apenas retirar e me livrar do câncer, eu o teria feito sem tanta hesitação, mas
não. Isso está bem longe de terminar.

— Vai ficar tudo bem — Ashley diz, tentando ser positiva.

Não consigo evitar uma risada de escárnio. Sou um cara bem

realista e sei que dificilmente isso vai acontecer. Não vai ficar tudo bem, as

coisas só vão piorar agora.

— Você tem que ter fé, Jay — ela insiste, apertando meus dedos
entre os seus —, com sorte o foco da doença era mesmo esse e agora tudo

vai ficar bem, vamos esperar os resultados saírem…

Meneio a cabeça, encarando a janela do outro lado e evitando seus

olhos esperançosos.

— Como vou ter fé? É melhor viver esperando pelo dia em que vou

morrer, do que ficar acreditando nessa ladainha de que as coisas vão dar

certo, de que vou ficar bem e ser surpreendido com uma derrota. O caralho
que tudo vai ficar bem…

— Para com isso.

— Mesmo que o tratamento funcione, Ashley — finalmente eu a

encaro —, o medo vai continuar existindo comigo, porque sempre vai haver

a possibilidade dessa desgraça de doença voltar.

— Você não pode pensar assim e isso não é verdade. O que te


aconteceu agora foi uma fatalidade, mas se você estiver bem, as chances de
adoecer novamente são as mesmas que eu tenho de ficar doente.

— E aqui estou eu, com câncer pela segunda vez! Vai começar tudo
de novo, Ashley, a quimioterapia e aquele maldito olhar de piedade que eu

não suporto. — Aponto o dedo para o rosto dela, sem conseguir me conter.
— Esse mesmo olhar que está na sua cara agora.
Ashley arqueia as sobrancelhas, como se eu estivesse dizendo

alguma bobagem.
— Jay, para com isso. Eu estou aqui por você.

— Mas eu não pedi que viesse — solto, me sentindo um babaca no


exato instante que as palavras deixam a minha boca.

Ashley engole a seco e se afasta. Meu coração bate acelerado, sei


que estou sendo um idiota com ela, mas, porra, eu sinto tanta raiva!
Raiva da vida, dessa doença maldita, ódio por saber que não posso

mais ser o homem que ela merece ter.


— Você está sendo cruel comigo.

— Sinto muito por as coisas não serem do jeito que você esperava,
eu também não queria nada disso.

Ashley assente em silêncio, ela levanta a alça da bolsa e caminha de


costas na direção da porta.
— Tudo bem então. — Ela para e se vira para me encarar. — Não

me importo com sua raiva, Jay. Eu volto amanhã.


Mentirosa. Pude ver nos olhos dela o quanto minha reação a

magoou, mas não consegui evitar. Talvez seja melhor assim, mas depois que
ela sai, me afundo nos travesseiros e seguro o choro preso na garganta.

Ashley e eu fazemos parte do mesmo mundo, mas isso não torna as


coisas mais fáceis para nós. Fecho meus olhos e me imagino sobre a minha

moto, acelerando sem intenção de parar, mirando em algum ponto


específico, seguindo naquela direção.
O fim se aproximando rápido, inevitável.

É o que eu deveria fazer, acabar com tudo de uma vez por todas.
Aparentemente até para isso é preciso uma coragem que está acima da que

eu possuo. Me tornei autodestrutivo de uma forma diferente, me isolando e


afastando as pessoas que eu amo, e quando o momento chegar, outras
pessoas morrerão comigo.

Talvez seja melhor amenizar os danos e manter Ashley longe, pode


ser um dos meus gestos mais altruístas.

 
ASHLEY

 
Jay está me afastando e eu não sei o que fazer para mudar isso.
Passo praticamente uma semana indo e vindo do hospital, mas ele mal me
olha. Jay chega a ter alta e aparece em casa, unicamente para tranquilizar as

irmãs, mas some outra vez no dia seguinte.


Depois que os resultados ficam prontos e confirmam o diagnóstico

de seminoma testicular, o oncologista que será responsável pelo tratamento


dele, que se chama Dr. Alonzo, analisa os exames para ver se Jay está apto
para iniciar a quimioterapia e aparentemente sim, tudo está em ordem.

Menos na mente dele, que está uma bagunça.


Pensei que as coisas já estavam definidas entre nós, que ele

soubesse que tem o meu apoio e fosse lidar com isso de um outro jeito, mas
me enganei. Ele está confuso, triste e com medo e eu estou de mãos atadas.

O médico explicou que o tratamento será feito em ciclos, mas


definiu junto com Jay que ele deverá ficar internado, tanto por possíveis
reações, quanto por comodidade. Ele também fez com que assinasse um

termo de consentimento, por causa dos efeitos colaterais. E eu tive que


deixá-lo lá, sozinho agora e é tudo tão estranho.

Menos de duas semanas atrás estávamos vivendo como em um


romance e hoje, é como se eu houvesse me tornado uma estranha para ele.
Mesmo assim eu insisto, porque sei que não sou eu o problema.
O motorista atravessa os portões e sobe a rampa principal, ele
estaciona na garagem porque começou a chover de novo, e eu entro pela
porta lateral.

Kyle fica de pé assim que me vê no hall de entrada. Estava sentado


no sofá, como se estivesse me esperando, ele cruza os braços, me

encarando, e eu me rendo. Não posso mais suportar o peso de carregar isso


tudo sozinha.
— O que está acontecendo? — ele pergunta de uma vez. — Não sou

idiota, Ashley. O Jay sumiu de novo, não atende minhas ligações e você

vem e vai, evitando todo mundo, além disso, essa carinha triste não me
engana. O que foi? Vocês brigaram?

Deixo minha bolsa sobre o sofá e caio sentada nele, apoiando a

cabeça nas almofadas macias.

— Quem dera fosse isso…


Kyle se senta ao meu lado.

— Me conta, Ashley.

— Melhor irmos lá pra cima e conversarmos em particular.


Olho para os dois lados, procurando pelas meninas, mas não as vejo

por perto.

— Não tem ninguém aqui. A Lore foi ver a Rosa e as gêmeas foram
procurar o Jay na concessionária, porque o tio Tray está pirando.
— O Jay está no hospital, Kyle — falo de uma vez, e é o bastante

para que meus olhos se encham de água novamente. — Ele está doente de
novo.

Kyle engole a seco, aturdido, passa as mãos pelos cabelos e balança

a cabeça, tentando negar o que acabou de ouvir.


— Doente? O que ele tem?

Começo a chorar, finalmente libertando a dor que estava guardando

desde que descobri a verdade, e Kyle me abraça forte, chorando comigo.

Ele também não quer acreditar nisso.


— Porra… Mas que merda. — Kyle fica de pé, seca o rosto com as

costas das mãos e levanta a cabeça, o nariz vermelho o incriminando.

Ergo as mãos em um pedido de desculpas e, quando volto a falar,


minha voz sai embargada.

— Eu sinto muito por não ter contado, queria muito ter falado, mas

ele não deixava, ficou me pedindo para guardar segredo… Só que eu não
consigo mais, não dá, Kyle.

Os olhos dele se voltam para mim, amedrontados.

— Então quer dizer que mais ninguém sabe disso?

Meneio a cabeça.
— A Lore me ajudou a levar o Jay para o carro quando ele passou

mal, mas ela não sabe toda a verdade.


— E qual é toda a verdade? — Ele se aproxima outra vez, atento. —

É a leucemia de novo?

Nego com um gesto.


— Não é no sangue, mas é câncer. Jay fez os exames, descobriram a

metástase no cérebro e por isso foram investigar, encontraram um tumor no

testículo.

— Porra! O Jay deve estar péssimo! Isso é pesado demais… Por que
aquele filho da puta não me contou? Eu poderia ajudar, ficar ao lado dele.

Claro que poderia, mas Jay é teimoso e orgulhoso.

— Ele fez a cirurgia, Kyle, orquiectomia.


— Que caralho é isso? Eu não entendo de termos médicos, Ashley.

— A retirada do testículo. — Seco meu rosto também, tentando me

recompor para continuar. — Ficamos esperando o resultado e o tumor

realmente estava lá, o que é um avanço, mas o Jay está arrasado, parece
estar com raiva de tudo. Fala comigo, mas nem me olha direito.

Kyle esfrega as mãos no rosto, em um gesto de desespero.

— Puta merda! Não é pra menos, nem posso imaginar o que ele está
sentindo… Isso… Você sabe se atrapalha em alguma coisa…

Como homem, claro que seria sua primeira preocupação nesse

quesito.
— Não atrapalha, mas eu imagino que mesmo assim deve ser

complicado. O médico disse que a vida sexual continua ativa como antes e
eu não sei mais como ajudar. Ele não me quer por perto. Quer se isolar —

conto.

Kyle se senta ao meu lado outra vez e segura minha mão com
carinho.

— Vamos encontrar um meio. Ele precisa de nós, agora mais do que

nunca.

Deito minha cabeça em seu ombro e nós ficamos em silêncio por


um tempo. Muita coisa ainda está por vir, mas depois de dividir isso com o

Kyle, me sinto mais forte.

— E tem mais uma coisa, Ashley — ele diz.


— Eu sei… — Suspiro, em rendição.

Não há mais como carregar esse segredo nos ombros.

— Não dá para esconder isso deles. O Jay precisa de todo apoio, são

a família dele e merecem saber.


— Ele vai me odiar, de novo.

Isso arranca uma risada do meu primo, que meneia a cabeça.

— Não vai, não. Pode até reclamar um pouco, mas isso é para o bem
dele, porque você se importa.
Respiro fundo e aquiesço. Não costumo falar sobre sentimentos com

ninguém, ainda mais quando o dono desses sentimentos é o Jay, mas Kyle

já sabe sobre nós e eu sei que posso confiar nele.

— Na verdade eu mais que me importo com ele…


Kyle faz um barulho de desdém e balança cabeça de um lado para o

outro, em negação.

— Eu sabia que isso ia dar merda. Não quero nem ver quando seu
pai descobrir. — Ele levanta as mãos em sua defesa. — Eu nunca soube de

nada, hein? Vocês dois fizeram tudo escondido e não tenho nada a ver com

essa loucura.

— Mas foi mesmo, e no começo a ideia era só ficar. Acho que essa
coisa toda de câncer fez tudo tomar proporções muito maiores, fomos

criando intimidade…

Kyle me olha com cara de deboche, como se duvidasse


descaradamente do que estou dizendo.

— Sendo sincero, priminha, isso só fez vocês enxergarem mais

rápido o que já estava na cara há muito tempo. Me surpreende que eu,

esperto como sou, tenha caído naquela historinha de inimigos declarados.


— Esperto e convencido também — acrescento.

— É que aquela rixa não era normal, não acha? E todo mundo sabe

que amor e ódio caminham lado a lado. Arrisco o palpite de que vocês se
gostam desde crianças, e era exatamente por isso que se incomodavam

tanto.
— Nunca havia pensado por esse ângulo — respondo, rindo do

comentário dele.

— Eu disse que sou esperto.

Nós nos abraçamos de novo, é muito bom ter o apoio dele,


independentemente do que acontecer, nós estaremos juntos.

JAY

A enfermeira chega para me buscar para a primeira sessão de


quimioterapia e é impossível não me lembrar das histórias que minha mãe

conta, sobre como era antes, quando eu era criança. Eu pensava que aqueles

dias tinham ficado para trás, ela sempre fez o possível para evitar as
memórias dolorosas e agora, em breve, será obrigada a reviver cada uma

delas.

A mulher baixinha me ajuda a ficar de pé e me surpreende pela

força que tem nos braços. Ela me acompanha vagarosamente até a sala onde
a medicação será administrada. Me sento em uma das confortáveis cadeiras
e observo enquanto ela prepara tudo. A enfermeira sorri o tempo todo,

tentando me tranquilizar.

— Apoie o braço aqui, por favor.


Faço o que ela pede. A enfermeira amarra meu braço com o garrote

e pressiona as veias saltadas com a ponta dos dedos, depois fura a veia e

encaixa o acesso.
— Prontinho, Jay.

— Obrigado.

Fico ali sozinho por algumas horas e perco a noção do tempo. As

enfermeiras sempre passam por mim e conferem se tudo está certo, depois
vão embora.

Exceto pela náusea, tudo é absurdamente chato e entediante — e

essa é só a primeira sessão. Mas quando termina, me deixam sair para ver
um pouco de televisão na sala coletiva, reservada aos pacientes internados.

Não é que no quarto eu não disponha de um televisor, mas estou cansado de


ficar fechado já.
Estão passando um filme desses de super-herói, não é meu tipo

preferido, mas esse até que é bom. Noto quando um garotinho entra na sala,
acompanhado de uma das enfermeiras.
Ele se senta na poltrona à minha direita e nem se encosta, erguendo
o pescoço para conferir o que está passando na televisão. Acho que também
não faz o estilo dele, porque logo se vira para falar com a enfermeira.

— Há quanto tempo você trabalha aqui, Dulce? — ele pergunta,


curioso.
— Há uns quinze anos, Max — responde, sem dar muita confiança

para o garoto.
— Nossa! Muito tempo, né? Igual a idade do meu irmão.
— Sim.

Max já não tem mais cabelo e está bem magrinho. Como conhece as
enfermeiras pelo nome, deduzo que já esteja nessa há algum tempo. Ele
olha para o lado e me vê encarando, e já estica o braço se apresentando.

— Oi, eu sou o Max. Qual seu nome?


— Jay.
— Muito prazer.

Assinto em concordância, não é como se eu quisesse ter uma


conversa com o pirralho agora.

— Nunca te vi por aqui… — ele insiste, não parece ser do tipo que
desiste fácil.
A enfermeira me deixa sozinho com o garoto.

— Comecei meu tratamento hoje, não estava internado aqui antes.


— Entendi. O começo é ruim, porque você vomita suas tripas
algumas vezes, sabe? E tem o cabelo, né? O seu é bonitão — diz, olhando
para meus fios com pesar. —, mas depois até que você se acostuma.

Assinto outra vez. Prefiro não dizer a ele que já tive câncer e já
passei por sessões de quimioterapia quando era mais novo que ele, mesmo

porque, não tenho lembranças dessa idade.


— Agora querem me deixar aqui no hospital de vez, Jay — ele
conta —, mas eu não quero ficar. Meu pai tem uma fazenda, sabe? E eu

gosto de ficar lá, cuidando das criações.


É difícil acompanhar o menino.
— Sei…

— Você gosta de cavalos?


A pergunta vem do nada e me pega de surpresa. Demoro um tempo
para responder, não me lembro a última vez em que andei a cavalo, acho

que foi na fazenda da avó da Ashley.


Olho para os lados para ver se estamos incomodando os outros, mas
ninguém parece prestar muita atenção ao filme. Duas senhoras na fileira da

frente estão até roncando alto.


— Gosto.

— Eu também, principalmente do Xerife. Ganhei ele quando


descobriram a leucemia, meu pai queria me animar.
Então ele tem leucemia, sei bem como é, porque também já conheci
de perto.

— E conseguiu? — questiono, começando a simpatizar com o


menino.
— Demais da conta.

Gosto do sotaque do interior e da paixão que ele expressa quando


fala das coisas que ama.

— E do que você gosta, Jay? — ele pergunta.


Da Ashley…
— Gosto de motos, e de tatuagens — falo, mostrando os desenhos

nos meus braços para ele.


— Eu também! Nossa! A gente é muito parecido!
Max não deve ter mais que dez anos, teria uma vida inteira pela

frente se não fosse por essa doença maldita e não dá para saber se ele vai ter
a mesma sorte que eu tive. A julgar pelo que disse, sobre quererem o deixar
internado, eu diria que não.

Ver o garoto conversar e dar detalhes sobre suas experiências na


fazenda me faz pensar que eu gostaria de poder ter um filho um dia. Ensinar
o moleque a tocar, e no futuro, quem sabe, pilotar. Lisa e Gal seriam tias

corujas, minha mãe seria uma avó maravilhosa e meu pai e o Ashton seriam
dois avôs caducos e barulhentos disputando a criança.
De repente percebo que imaginei o Ashton como avô do meu filho e

a Ashley como mãe. Puta que pariu, quando foi que caí de quatro desse
jeito por essa garota? Há uns dois meses atrás eu tinha pavor dela e agora
estou imaginando como seria ter a chance de viver uma vida ao lado dela.

Seria incrível se fosse possível, mas se minhas chances de viver são


mínimas, as de ser pai são menores ainda. É uma das coisas que me foi
tirada e o tratamento mal começou. A minha taxa de fertilidade caiu pela

metade, foi o que o médico disse, e ainda que eu possa fazer reposição
hormonal, não existem garantias.

Ashley merece o poder de escolha. Nem sei se ser mãe é um sonho


dela, mas ela deve estar com alguém com quem possa decidir se quer isso, e
não com um cara que ofereça a ela um futuro já definido pelo destino

maldito.
Meus pais terão os netos da Lisa e da Gal e a Ashley terá uma vida
linda com algum idiota decente, pomposo feito aquele tal de Timoty, mas

com mais persistência.


E se eu sobreviver, terei que lidar com isso.
— Também acho, Max.

— Talvez algum dia você possa me levar pra dar uma volta, e eu
possa te levar na fazenda pra andar a cavalo.
Ele fala como se tivesse todo tempo do mundo. Provavelmente pela
idade, não entenda a gravidade da sua doença, ou talvez seja apenas muito
positivo.

— Combinado.
 
 

 
 

 
 

Ma la strada è più dura quando stai puntando al cielo


 Quindi scegli le cose che son davvero importanti
 Scegli amore o diamanti, demoni o santi

(Mas a estrada é mais difícil quando você está mirando o céu


Portanto escolha as coisas que são realmente importantes
Escolha amor ou diamantes, demônios ou santos)

Vent'anni – Maneskin
 
 
ASHLEY

 
Não suporto mais a culpa de manter tudo em segredo, é um
sentimento que já vinha me corroendo a cada vez que recebia uma ligação

de um deles ou que perguntavam por Jay.


Depois de conversar com Kyle, coloquei Lore a par dos fatos
também e os dois concordam comigo. Isso não pode mais ficar oculto, e

mesmo que Jay não queira mais falar comigo depois disso, vou trazer seus

pais pra perto, ele não pode passar pela quimio sozinho.
Então primeiro ligo para a minha mãe.

— Oi, filhota! Bom dia! — Ela olha para o corredor do ônibus e

atira a cabeleira escura para o lado. — Rockstar, sua filha tá ligando, vem
ver esse milagre!

Queria eu que estivesse ligando com boas notícias, mas quando seus

olhos se voltam para a tela outra vez, lentamente seu sorriso morre.
— Que foi? Aconteceu algum problema?

— É que… aconteceu, mãe. Mas não sei como falar…


— Fala logo, Ashley! Tá me deixando nervosa. Você tá bem?

— Eu vou ligar sem ser por vídeo — falo, segurando o choro —,

porque assim todo mundo vai ouvir.


Minha mãe olha novamente ao redor, como se procurasse pelos

outros e então se vira para mim outra vez, agora muito mais séria que antes.

— Não tem ninguém escutando nada, não… Só o seu pai.


— Princesa? — Ele se senta ao lado dela, o cenho franzido em

preocupação. — O que houve?

— É o Jay… — falo, o mais baixo que posso, para que apenas eles
escutem.

Os dois fitam a tela do celular por alguns instantes, confusos, mas


devagar a compreensão chega, seus semblantes se enchem de pesar.

— O que tem ele?

— Como eu falo pra tia Jas que ele não tá bem? — pergunto,

tentando me conter para não desmoronar.

— Filha…

— Quem não está bem?


Meu coração para por um instante ao ouvir a voz do tio Tray.

Primeiro minha mãe desvia os olhos da tela para ele e em seguida meu pai
se levanta, o telefone é arrancado das mãos da minha mãe e o rosto
preocupado dele aparece.

É o suficiente para que as lágrimas rolem pelo meu rosto, porque eu

não consigo fazer isso.

— O que foi, Ashley? O que aconteceu com ele?

— É que…

— Foi a moto, não foi? — pergunta, esfregando o rosto em


desespero. — Ele caiu? Machucou muito? Eu falo pra não ficar correndo

como se fosse tirar a mãe da forca! Estou ligando e ele não atende, as

meninas não sabem onde ele está...

Seus olhos procuram os meus e percebo que estão marejados. Ele

sabe que não foi algo assim.

— Cadê meu Jay, Ashley?

— No hospital… Ele estava se sentindo mal, e…


— E o quê?

— O câncer…

— Porra!

O telefone cai, e percebo que ele está se sentando no chão.

— Praga? Que foi, amor? — É tia Jas que está chamando agora.

Pelo som angustiante que escuto, ele está chorando e gritando, o


som dilacera meu peito, mal posso imaginar o que faz com ela, ouvindo de
perto.

— Tray? Amor? O que você tem?


— Vem cá, Jas… — Minha mãe chama.

Ela pega o telefone do chão e o segura para olhar para mim.


— Mãe, vocês precisam vir, eu não dou conta sozinha.
— Vamos cancelar os shows, querida. Segure as pontas que estamos

voltando pra casa hoje ainda, fica com ele…


— Com ele?

Não ouço a resposta que minha mãe oferece a ela, porque a ligação
é encerrada, mas quando me volto para Kyle e Lore, os dois também estão

chorando. Nada nos preparou para esse momento, nenhum de nós imaginou
que um dia passaria por algo assim. Jay foi curado um dia, muitos anos
atrás e nunca pensamos que isso voltaria a nos assombrar.

— O que foi que aconteceu aqui? Quem morreu?


Gal entra no quarto e se joga na cama, sem se preocupar com a saia

preta que sobe, expondo toda a meia arrastão. Ela abraça meu travesseiro e
sorri, os dentes muito brancos contrastando com o batom preto de sempre.

— Vocês estão com caras de velório.


— É que… — Lore ensaia uma resposta, mas não chega a dizer.
Lisa passa pela porta em seguida e nos fita também, curiosa. Ao

contrário da irmã, ela parece saída de um conto de fadas, usando um vestido


cor-de-rosa e sapatilhas de boneca.

— O que houve? Por que estão chorando?


Gal se senta ereta na cama, percebendo tarde que a coisa é séria. Ela

olha para todo mundo, como se fizesse uma contagem silenciosa e


constatasse que ele é o único que não está aqui.

— Jay. Cadê meu irmão?


— Gal… — Me viro para a encarar.
— O que foi? O que tem o Jay? — Lisa leva a mão ao peito,

parecendo nervosa.
Kyle se aproxima dela e a envolve em um abraço, antes mesmo de

qualquer um de nós contar o que está acontecendo.


— Falem logo, porra! — Gal grita, os olhos cheios d’água agora.
— Ele está bem agora, tá? No momento, ao menos… — falo,

tentando não me desesperar. — Jay está doente de novo.


— Não está — ela fala, meneando a cabeça e secando os olhos —,

meu irmão é saudável, ele malha todo dia e é… Não, Ashley! Ele não tá
doente, que droga!

— Por que vocês estão falando essas coisas? — Lisa agarra a


camisa de Kyle, afundando o rosto molhado nela. — Parem de falar essas
coisas… Cadê o Jay?
— No hospital, eu sei que é horrível, mas ele vai ficar bem. Eu sei
que vai.
— E por que você se importa? Você nem gosta dele!

Nunca imaginei que as palavras de alguém pudessem me ferir tão


profundamente. Gal as atira contra mim em uma tentativa de se defender da

própria dor e não tenho como negar isso a ela, que está sofrendo. Tudo bem.
Ela não sabe…
— Não fala assim, Gal — Kyle pede, balançando a cabeça —, a

Ashley e o Jay se aproximaram muito e foi ela que ficou com ele esse
tempo todo e o levou até o hospital, ele nem teria ido se não fosse por ela.

Gal me olha de lado, mas não pede desculpas.


— Eu quero ver o Jay — ela fala.

E sai do quarto sem olhar para trás. Lisa se solta de Kyle e corre
atrás da irmã e nós três também as seguimos, cientes de que agora que tudo
veio à tona, enquanto Jay estiver naquele hospital, também estaremos.

 
JAY

 
Não me lembro de muita coisa sobre meu tratamento quando era
criança, afinal eu tinha três anos de idade e não tenho recordações antes dos
cinco ou seis anos. Talvez seja melhor assim, porque pulei toda a fase ruim.

Pelo que entendi, perguntando ao médico e também pesquisando um


pouco na internet, a quimioterapia em si não causa mesmo dor física. Nada

além da picada da agulha e, porra, isso não é um problema para mim.


A questão são os possíveis efeitos colaterais que ela traz e quanto a
isso não me sinto nada confortável. A queda de cabelo, diarreia, feridas na

boca, vômito, entre outros.

Ou seja, o tratamento primeiro te humilha, pra depois te salvar e,


mesmo ciente de que é necessário, não posso dizer que estou feliz com isso.

Principalmente porque certos efeitos são difíceis e até impossíveis de serem

escondidos. Não vou conseguir manter em segredo por muito tempo e tão

logo a turnê acabe, vou ter que falar com meus pais e, como fiz a primeira
sessão ontem, a próxima deve acontecer em quatro ou cinco dias.

— Jay!

Franzo o cenho, me questionando por um momento sobre minhas


capacidades auditivas, porque penso ter ouvido a voz de minha irmã Gal,

mas não faria sentido.

A menos que ela…


A bruxinha passa pela porta do quarto correndo, a aparência

excêntrica, as roupas pretas, a maquiagem pesada e o visual gótico, nada


disso assusta, mas o olhar que ela dirige a mim, esse sim eu faria tudo para

não ver outra vez.

Gal me abraça desajeitadamente, e tento retribuir sem arrancar o


cobertor sobre minhas pernas, porque estou usando a porra de uma camisola

que me deixa com a bunda de fora. Ela beija meu rosto e chora sem parar.

Lisa, Lore e Kyle entram logo depois, seguidos por Ashley, que não

consegue me olhar. O motivo é bem óbvio, ela fez o que pedi que não
fizesse e contou tudo a eles. Lisa me envolve também em seu abraço e

seguro minhas irmãs, que choram, soluçando.

— Vocês vão machucar seu irmão — a enfermeira chama a atenção


das duas, apoiando as mãos na cintura.

Gal e Lisa percebem o que estão fazendo e se afastam um pouco,

mas se mantêm uma de cada lado, como duas soldadas prontas para a
batalha.

— Você não nos disse nada! — a bruxinha reclama.

— Não queria preocupar vocês…

— Isso não é justo, temos o direito de saber e de nos preocupar


também. Somos suas irmãs — é a vez de Lisa reclamar.
— Eu sei, mesmo assim. Sou o irmão mais velho, queria proteger

vocês do sofrimento, assim como quero proteger nossos pais. Não quero

que saibam até a turnê terminar.


As duas desviam os olhos para onde Ashley está e ela dá de ombros.

Não acredito que ela fez isso.

— Você não me deixou escolha. As coisas não podem ser assim, são

seus pais, merecem saber…


— Não era uma decisão sua — retruco, sério.

— Não, foi uma decisão nossa — Kyle fala, se colocando ao lado

dela. — Ashley, eu e Lore decidimos contar e você vai encarar isso. Sabe
por quê? Não está sozinho e é assim que lidamos com as coisas nessa

família. Juntos.

— Porra! Eu não queria que eles sofressem, vocês não entendem?

— E você não sabe que se soubessem pelos jornais seria pior? Ou


acha que não iriam noticiar que o filho de Tray Anders estava internado há

dias, sendo visitado pela filha de Ray? Ashley saiu de pijama num jornal de

fofoca, só não chegou aos seus pais antes porque ela deu um jeito de
subornar o repórter.

Aquiesço, contrariado, mas não consigo concordar. Eu não queria

isso, não queria Gal, sempre espevitada e alegre chorando toda destruída,
ou Lisa, minha menina doce e inocente, reconhecendo que a vida pode sim

ser uma merda, com os olhos vermelhos e inchados.


Minha primeira sessão foi ontem e, ainda que o médico que iniciou

o tratamento tenha sido bacana, não deixo de pensar que agora que todos

sabem, talvez eu devesse chamar o Adam. Ashley se senta na poltrona ao


lado da minha cama e chega a ser engraçada a sua reação. É como se

dissesse que não importa que eu esteja bravo, ela não vai arredar o pé daqui.

Meu almoço chega cerca de uma hora depois, mas estou enjoado e

não sinto fome. Lisa e Gal se juntaram na outra poltrona, espremidas e


abraçadas. Lore e Kyle continuam de pé, encostados na parede, o olhar

distante. Era isso tudo que eu queria evitar.

— Hora de almoçar, Jay. — Ashley pega meu almoço e começa a


bisbilhotar.

Franzo o cenho e percebo os olhares intrigados dos outros sobre ela.

— Não quero.

Lore me olha de lado, com expressão de crítica, mas não me deixo


abalar.

— É normal se sentir enjoado, já que começou a quimioterapia —

Ashley fala, com bastante propriedade para alguém que nunca fez.
Ela coloca os talheres no prato e põe a bandeja diante de mim.

— Ah, é mesmo?
Ashley nota os olhares das minhas irmãs e o sorrisinho de Kyle.

— Que foi? Eu li, tá bom? E também perguntei tudo para o médico.

Melhor não comer pelo menos uma hora antes das sessões para não vomitar,

porque pode ter náuseas, e uma hora depois. Mas você não teve quimio hoje
e precisa se manter saudável, então agora vamos almoçar.

— Meu Deus do céu… A mamãe ensinou direitinho a Ashley —

Lisa comenta, com expressão de surpresa.


Ashley aponta para o prato e cruza os braços.

— Pode ficar bravo comigo, lindão. Já lidei com a sua raiva por

anos, tô acostumada, desde que fique bem, eu aguento.

Com ela mandona assim não tenho como evitar e me vejo pegando o
garfo para levar um pouco de comida à boca. Kyle abafa uma risada e Gal

observa a cena atônita. Ashley não se importa, ela fica de pé ao meu lado,

observando e esperando que eu coma tudo.


Quando termino, ela retira o prato e o leva de volta para a mesa no

canto. Seu celular vibra e Ashley o retira do bolso, o atendendo diante de

nós.

— Oi… Ah, tá bom… Vamos descer.


Ela encerra a ligação e volta os olhos para mim, a expressão de

culpa outra vez no rosto bonito.


— Eles chegaram, temos que sair para que possam entrar. Temos

algumas concessões no hospital, mas ainda assim é muita gente pra ficar
aqui com você.

— Vão entrar todos? — questiono, me preparando para o que vai

acontecer agora.

— Acho que de quatro em quatro, talvez.


Ashley segura Kyle e Lore pelo braço, os arrastando para fora, e

minhas irmãs se despedem de mim, prometendo voltar depois.

Fico sozinho no quarto, mas é apenas por alguns minutos. Nem de


longe o bastante para me preparar para a expressão de desespero no rosto

dos meus pais, quando passam pela porta.

Minha mãe corre até a cama, onde estou sentado, tentando parecer o
melhor possível, e me abraça forte. Suas lágrimas molham a minha roupa

na mesma hora. Meu pai também me agarra pelo outro lado e ficamos os

três assim, juntos, abraçados e chorando. Não consigo ser forte o bastante

por eles.
Porra, eu senti tanta falta dos dois.

— Meu moleque, caralho! O que essa doença maldita fez com você

enquanto a gente tava fora?


Eu não me lembro de ter visto meu pai chorar, ele é um cara que

está sempre rindo e fazendo piadas, seu relacionamento com a minha mãe é
como um forte e quase nada o abala. Por isso, ver o jeito como seus ombros
se sacodem com o pranto, e ouvir a sua voz entrecortada me quebra.

Minha mãe acaricia meus cabelos e beija meu rosto, sem acreditar

que isso esteja acontecendo. Por meio dos meus olhos nublados vejo sua
expressão de pavor.

— Calma, mãe… Eu vou ficar bem. — Seguro sua mão na minha e

desvio os olhos para o meu pai. Ashton está logo atrás dele, com os olhos
marejados também, e a mão em seu ombro, oferecendo apoio. — Pai, a

gente já ganhou uma vez, vamos ganhar quantas forem precisas.

Não é bem verdade que eu me sinta assim, mas por eles, digo o que

é necessário.
— Nem brinca com isso. É só mais essa, pelo amor de Deus, meu

coração não aguenta, cacete…

— Tray — Julia chama, é a única que não está chorando. Ela


estende as mãos para meu pai e noto que as suas estão tremendo, é como se

fizesse um esforço enorme para ser a rocha dos outros. Ashley tem a quem
puxar —, não fica assim. Escuta uma coisa, o Jay está passando por um
momento bem difícil, nós temos que ser fortes para ajudar ao Jay, certo?

Meu pai aquiesce, enxugando as lágrimas e segurando as mãos dela.


— A sua Florzinha também precisa de você, assim como suas
meninas. Não desmorona, cara.
— Isso, porra… Você é Tray Anders, as situações não te afetam,
você as atropela, ouviu? — Ashton também fala. — Escutou, Jas? Nós é
que vamos matar esse câncer. De novo.

Minha mãe assente, e me libera do abraço. Ela me encara, secando


as lágrimas e respirando fundo.
— Desculpe, filho. Eu não deveria te assustar mais, só que fui pega

de surpresa e fiquei sem chão…


— Tudo bem, mãe. Eu não queria que soubessem por causa disso, a
Ashley não devia ter falado nada.

— Tá doidão, moleque? — Ashton pergunta, tomando o lugar do


meu pai e segurando minha mão. — Você é tão esperto pra umas coisas,
mas as vezes é meio lento pra outras. Então saca só… Nós somos a sua

família e precisamos passar por esse tipo de coisa juntos. Pirou é? Lógico
que tinha que falar.
— Devia ter falado antes, na verdade — Julia diz, se inclinando e

dando um beijo na minha testa.


— Nós vamos sair para os outros entrarem, todos estão ansiosos

para te ver.
Eu me despeço de Ashton e Julia e logo depois Anelyse e Josh
entram no quarto. Eles se aproximam de onde estou e Ane abre a boca para

dizer alguma coisa, mas cai no choro antes disso. Josh abraça a esposa e
pede desculpa com os lábios, e aquiesço, ciente de que é isso que vou
enfrentar o dia todo. Vão chorar o dia inteiro quando me virem, como se eu
já tivesse morrido.

— Desculpa, Jayjay… É que eu amo tanto você, não consigo


imaginar o que passou aqui, sem a gente. Teve que fazer uma cirurgia! —

ela fala, em meio as fungadas.


Então eles já sabem.
Meu pai meneia a cabeça, discreto, mas eu percebo. Ainda assim

fico grato por não estenderem o assunto, não quero falar sobre isso com
eles.
— Tá tudo bem. Vocês chegaram no momento mais... complicado.

Comecei a quimioterapia ontem.


— E onde está o médico? Quero falar com ele e saber dos detalhes,
já que o senhor achou por bem me esconder tudo, vou perguntar

diretamente a ele — minha mãe se levanta, preparada para a guerra.


— Mãe… Acha que a gente pode chamar o Adam? Eu não falei com
ele porque não queria que contasse pra vocês, mas acho que vou me sentir

melhor se ele for o responsável pelo tratamento.


— Ah, querido... — Ela meneia a cabeça. — O Adam trabalha aqui,

mas é na pediatria, você é um homem agora. Acho que não tem como ele
cuidar do seu caso.
— Mas a gente liga, pra ver se ele pode ajudar com qualquer coisa
— meu pai fala—, vou pedir pra ele ficar de olho em você aqui.

— E eu vou falar com o atual médico então, doutor Alonzo, não é?


O Ethan e a Majô também querem ver você.
Os dois deixam o quarto e os pais da Lore entram pouco depois.

Ethan se aproxima de onde estou e me cumprimenta da mesma forma de


sempre, com um toque das mãos e um tapa nas costas.

— E aí, Jay? Se sentindo muito mal, cara?


— Até que não, só um pouco enjoado.
— A Lore disse que não contou nem para as suas irmãs — Majô

fala, com o cenho franzido. —, não precisa ficar segurando essa barra
sozinho.
— Eu sei... Só...

— Eu entendo, cara. Mas sua mãe é uma leoa, seu pai é forte pra
caralho. Eles dão conta e vão te apoiar até essa merda acabar, assim como
nós vamos — Ethan fala, interrompendo a desculpa que ele sabe que eu iria

usar.
Aquiesço, ciente de que tem razão.
— Sabe do que mais? —  Josh se aproxima de mim, agora com um

sorriso no rosto. — Seu pai falou com o Azal e a Andy, quando essa
desgraça acabar, vamos comemorar com uma festa daquelas.
— Tá brincando? — Não acredito que até o Patel já está sabendo

disso.
— Amor, isso é hora de falar em festa? — Ane reclama, baixinho.
— Lógico. É um incentivo, Anjo. Vai ter tudo que você quiser,

Jayjay… Então agiliza essa melhora aí que o Aladim vai vir logo, direto de
Abu-Dhabi.
 

 
 

 
 

 
 

Não compreendo os teus caminhos


Mas te darei a minha canção
Doces palavras te darei, me sustentas em minha dor

E isso me leva mais perto de ti...


Vai Valer A Pena – Livres Para Adorar
 
 
JAY

 
Quase um mês depois de iniciar o tratamento, as falhas no cabelo
começaram a aparecer. Eu me incomodo com isso, mas ainda mais com os

quilos que perdi. É difícil ver tudo o que conquistei na academia indo
embora sem poder fazer nada a respeito.
Ashley vem me ver todos os dias, mas conversamos apenas o

necessário. Ainda não falamos sobre nós, não tivemos oportunidade porque

sempre tem alguém junto, mas minha decisão já foi tomada para quando a
oportunidade surgir.

Meu pai e minhas irmãs também passam muito tempo no hospital,

até colocaram uma outra cama no quarto, mesmo que não durmam aqui.
Minha mãe está alisando meu braço enquanto fala sobre as cartas de

aceitação que Gal e Lisa receberam das universidades, cheia de orgulho. Ela
me conta absolutamente tudo o que acontece fora daqui, não permite que eu

perca nada.
— Então, é isso, não tenho mais novidades. Vou deixar você

descansar agora e volto mais tarde, preciso receber os visitantes. — Ela

beija meu rosto.


— Mãe, quando voltar, pode trazer a máquina para raspar o meu

cabelo? — Tento fazer com que pareça uma pergunta despretensiosa, mas

minha mãe anda muito emotiva esses dias.


— Tá bom, amor, eu trago. — Ela funga, tentando disfarçar a voz

embargada.

Ouvimos batidas na porta e, em seguida, Ashley coloca a cabeleira


para dentro.

— Oi!
Minha mãe sorri, animada, já eu preciso me esforçar para fingir

desinteresse quando tudo o que eu queria era comemorar. Em breve isso

também vai acabar, Ashley vai se cansar de tentar.

— Oi, Ashley! Que bom que você chegou, assim pode fazer

companhia para o Jay porque estou de saída.

— Tudo bem — ela diz, com um sorriso.


— Até mais tarde, meu bem.

— Até mais, mãe.


Minha mãe sai do quarto, nos deixando a sós.
Estamos sozinhos pela primeira vez em muitos dias. Desde que as

sessões de quimioterapia começaram, e meus pais voltaram da turnê,

Ashley e eu não nos falamos a sós mais, ainda que tenhamos trocado

algumas mensagens.

Como minha mãe foi em casa receber Andy e Azal que acabam de

chegar de viagem, fiquei sozinho e acho que ela aproveitou o momento para
conseguir falar comigo. É uma pena que seja a hora ideal também para

fazer o que venho adiando desde que soube o que tinha de ser feito.

Ashley e eu não podemos ficar juntos. Eu não vou ferrar a vida de

mais alguém além da minha e da minha família, que já não tenho como

evitar. Ela merece uma oportunidade.

— Jay, como está se sentindo? De verdade… — pergunta, olhando

no fundo dos meus olhos.


Ashley está perfeita, como sempre. Usando calça jeans e uma blusa

colada e branca, que molda seus seios com perfeição. Sinto uma fisgada na

virilha, que me lembra que, apesar de tudo, todo meu corpo reage a ela com

desejo, com tesão.

— Não sei. É uma merda… — respondo, simplesmente. — Só

quero que termine logo, de um jeito ou de outro.


Ela crispa os lábios, mas por sua expressão consigo ver que está

irritada.
— Que foi?

— Podia parar de falar assim. Todo mundo está se esforçando, te


apoiando aqui e sendo otimista. Sei que não é fácil e que você é que fica
com a pior parte, Jay. Mas não acredita nos avanços da ciência?

— Sério? Quer que eu confie em pessoas, sabendo que tem algo


dentro de mim que pode se alastrar sem que ninguém possa impedir? Eu

nem sei se realmente não se espalhou por mais lugares, ou se é tão


agressivo e minúsculo que não encontram, talvez na merda dos meus ossos!

Agora a porra do meu cabelo está indo todo pelo ralo e eu não consigo
comer porque quero vomitar o tempo todo. Então não, não boto muita fé na
ciência.

— Eu só queria te apoiar, queria que a gente ficasse junto e passasse


por isso…

— Eu sei, mas não vai acontecer assim, Ashley — falo, desviando


os olhos —, você e eu…

— Então finalmente vai terminar comigo? — ela questiona, abrindo


um sorriso triste.
— Não sei se é bem essa a palavra.
— É essa sim, porque você disse que enfrentaria o meu pai e que

íamos ficar juntos. Mas pode seguir seu discurso, Jay — fala, cruzando os
braços. — Me deixa adivinhar, algo do tipo, não é você, sou eu? Acho que

combina bem.
Dou de ombros, porque é a realidade.

— E como ficamos? Inimigos de novo? — questiona, me


enfrentando.
— Não. Eu sei que fui meio idiota com você recentemente, mas

espero que saiba que sou grato por tudo que fez por mim. Mesmo que tenha
feito mais do que pedi, não quero ser seu inimigo, eu só não posso ser mais

que um amigo.
— Tudo bem — ela concorda, aquiescendo.
Uma parte de mim esperava que insistisse, que recusasse minha

proposta. Que talvez ela gostasse de mim o bastante para querer ir a fundo e
saber meus motivos, mas Ashley apenas aceita minha decisão, sem

questionar.
— Certo…

— Se estamos resolvidos sobre isso, eu vou para casa. Preciso de


um banho e vou trabalhar mais um pouco na minha música hoje.
— Está terminando? — Isso me surpreende, ela não chegou a

mencionar mais a canção que me mostrou antes.


— Quase — conta, sorrindo —, faltam poucos versos…
— Eu quero ouvir.
— Quem sabe um dia? — Ashley acena se despedindo e sai pela

porta.
Sinto uma pontada no peito no lugar onde com certeza deve estar

meu coração. Ainda que eu saiba que fiz o melhor por ela, é doloroso
assistir enquanto Ashley caminha para fora da minha vida, com um sorriso
nos lábios.

— Merda…
Abro a gaveta ao lado da cama e pego a prancheta com a folha que

venho rascunhando. O desenho que comecei lá no chalé está quase pronto.


As rosas se entrelaçam com as notas musicais, em uma imagem

clara da devoção dela pela música. Em cima, desenhei uma coroa para
minha princesa, um detalhe que partiu de mim, mas que acho que ela vai
curtir. Não sei se Ashley vai realmente tatuar essa arte algum dia, mas

mesmo que seja a última coisa que eu faça por ela, vou concluir. Assim
como espero que ela finalize sua canção.

 
Acho que acabo adormecendo. É quase noite quando acordo com a
porta se abrindo outra vez.
— Jay? — Elijah coloca a cabeça para dentro do quarto e sorri. —

Posso entrar?
— E aí, cara? Entra!

Ele e Sean seguem até a cama, ambos com as mãos nos bolsos e
usando bonés. Os dois vieram me ver algumas vezes e continuam tocando
as coisas na concessionária sem mim, até que eu possa voltar ao trabalho.

— Viemos em uma missão hoje — Sean fala, sorrindo.

— Mesmo? Que que tá pegando?


Kyle aparece em seguida, ele ergue uma maquininha de cortar

cabelo na mão e engulo em seco. Eu mesmo pedi que minha mãe a

trouxesse, mas não posso dizer que estava ansioso por isso.

— Você quer fazer isso? — pergunto, apontando o dedo para ele,


que não parece tão apto a cortar nada. — Pedi que minha mãe viesse…

— Eu sei, ela foi quem nos mandou. E também, que segredo pode

ter? Vamos raspar tudo mesmo.


— É cara — Elijah incentiva —, seu pai estava contando um lance

pra gente, sobre quando você era pequeno.

— Quando foi que vocês falaram com meu pai? — questiono,


curioso.
Ele olha para Sean e os dois arrancam os bonés das cabeças juntos,

me surpreendo ao ver que não há um único fio de cabelo mais em nenhum


deles.

— Quando fizemos isso, porque se o chefinho fica careca, nós

ficamos também. É tipo um uniforme agora.


Tento não me emocionar com o gesto, mas quando Kyle, sorri

arrancando o gorro da própria cabeça, meus olhos se enchem de água.

— Porra… Assim vocês acabam comigo.

— Seu pai, o Ashton, meu pai, o Ethan e até o Azal que acabou de
chegar — Kyle fala, alargando o sorriso. — Ninguém tem cabelo mais

naquela casa, então chegou sua vez.

— Não acredito que vocês fizeram mesmo isso.


— A gente queria fazer aqui, ia ser uma verdadeira zona. Mas a

direção do hospital não concordou, falaram que o ambiente não era

apropriado — ele conta, como se fosse um absurdo.


Nesse instante meu pai e os outros aparecem na porta, estão rindo e

completamente carecas. Eles se posicionam lado a lado e me olham,

aguardando minha reação.

— Clube dos carecas, então? — pergunto, quando Kyle se aproxima


com a máquina já ligada. — O que houve com seu cabelo, pai?
Ele me olha emocionado, relembrando um momento sobre o qual já

me contou dezenas de vezes.

— É Jay…  A moça fez zuuum, e levou o cabelo do pai embora…


 

ASHLEY
 

Meus pais foram jantar na casa do tio Tray, porque Azal e Andy

chegaram hoje e tinham muita conversa para colocar em dia. Kyle, Gal,

Lisa e Lore acabaram aparecendo e pedimos uma pizza, comemos juntos e


conversamos sobre tudo e nada. Eu não estava muito no clima, mas fiz o

possível para que não percebessem e torci para que se acontecesse,

deduzissem que apenas estava triste por causa da doença do Jay e não por
algo mais pessoal.

Infelizmente Kyle gosta de se vangloriar de sua percepção e não é à

toa.

Estou enchendo um copo com água na cozinha quando ouço seus


passos e o vejo entrar logo em seguida.
— Desembucha, Princesa — fala, coçando a cabeça que agora é lisa

e despida de cabelos.
Achei o gesto deles incrível, não posso negar.

— Não é nada.

— O Jay estava todo esquisito, mais que o normal. O que rolou?


— Ele disse que não quer nada comigo — falo, respirando fundo. —

Eu entendo, sabe? O timing é péssimo mesmo, o Jay está doente e não é

hora de se preocupar com isso, mas queria ficar ao lado dele. Eu não estava

pedindo nada.
— E por acaso ele disse que você não pode ficar ao lado dele?

— Não, disse que não podemos ser mais que amigos agora.

— Ele gosta de você, Ashley. Acha mesmo que ele iria correr o
risco de ferrar tudo com o tio Ashton se não gostasse? Só que o momento é

foda. Ele está mal, a quimio complica tudo, não dá pra manter um namoro

normal e seus pais não podem saber… Sei lá, fica por perto como amiga por

enquanto, quando ele sair do hospital vocês se encontram de novo.


— Caramba… Pra um amante de surubas você é bem sábio, Kyle!

— Seu sogro também era surubeiro e olha o pai de família que se

tornou.
— Não fala isso, Kyle. Se a tia Jas escutar algo assim ela te mata!
O barulho do vidro se quebrando é o primeiro indício de que fomos

ouvidos. Me viro na direção do som e vejo o copo espatifado em mil

pedaços.

— Sogro dela? — Gal está parada na entrada da cozinha com os


olhos muito abertos e a boca escancarada.

— Puta merda… — Kyle leva as mãos até os cabelos para os puxar.

— Eu arrancaria meus cabelos agora, mas não tenho.


— O que… Você e o Jay? — Ela aponta para mim, em choque.

Não sei o que responder e fico parada, atônita. Lisa vem correndo da

sala e Kyle ergue a mão para que ela não continue.

— Você está descalça, tem vidro pra todo lado!


— Sabia que o Jay está pegando a Ashley? — Gal se vira para a

irmã.

Lisa abre a boca e me encara como se fosse desmaiar.


— Pelo jeito não sabia.

— Calma, gente. Ninguém disse isso — falo, tentando contornar a

situação, mas parece irreversível.

— Como não? O Kyle disse que meu pai é seu sogro. Eu gosto de
rapazes… Lisa?

A outra garota aquiesce, afirmando que também curte homens.

— Só sobrou o Jay — Gal fala, como em um ultimato.


— Eu sei, é que…

— Tá saindo com meu irmão ou não? — questiona, estreitando os


olhos.

— Isso é muito esquisito. — Lisa não parece saber o que fazer.

— Não estou…

— Mais — Kyle completa.


— E você sabia — Lisa acusa, apontando o dedo para o amigo. Ele

que se cuide.

— Gente, Jay e eu tivemos alguma coisa, ok? Mas já acabou. O


Kyle brincou com o negócio do sogro, mas não tem nada acontecendo

agora.

— Por quê? Porque deu pra ver que você se preocupa muito com ele
e, bom, vocês até que são bem bonitinhos juntos — Gal comenta, com uma

careta.

Talvez seja a forma dela de se desculpar por me acusar de não gostar

dele.
— Sei lá, ele não quer mais. Acho que por causa da doença…

— E você vai desistir assim? — Lisa me surpreende, arqueando a

sobrancelha, como se me desafiasse.


Lore chega de supetão, entrando na conversa. Pelo visto não existem

mais segredos nessa casa.


— Ashley e Jay? Assunto antigo já.
— Como é que é? Quem te contou?

Ela dá de ombros.

— Ninguém, mas eu tenho dois olhos, né? Aquela coisa de: Ai, não
conta pra ninguém… Eu vou com ele… — Lore imita minha voz. — Fala

sério, Ashley! Ele e o Kyle são unha e carne e elas são as irmãs. Por que

você? Eu sabia que tinha alguma coisa rolando desde que sumiram e
voltaram ao mesmo tempo.

O chalé…

— Na verdade, vou ser amiga dele — volto a falar, respondendo ao

que Lisa perguntou —, como estava falando com o Kyle, e quando tudo
isso terminar, a gente vê como fica.

— Depois que o tio Ashton der um socão na cara dele! — Gal

esfrega as mãos uma na outra.


Nós a encaramos em choque.

— O quê? O Jay precisa voltar a viver, adrenalina, meu povo!


 

 
Kyle tem toda razão.
Quem no meio de uma quimioterapia iria pensar em namoro? Nosso
foco agora é a saúde dele e é tudo o que me importa também. Jay não vai
ter forças ou energia para lutar contra a doença se tiver que se preocupar

comigo, com as paranoias relacionadas à vida sexual que devem passar por
sua cabeça e as preocupações com meu pai.
Então que seja, ninguém vence uma guerra de uma vez. É de batalha

em batalha que se chega à vitória. Isso não quer dizer que vou me afastar
dele. Não quando meu coração está naquele hospital.
Fecho meu caderno logo depois de concluir o último verso da minha

música, que finalmente está pronta e olho as horas. Meus pais já estão
dormindo. Chegaram bem tarde do jantar e Gal, Lisa, Kyle e Lore já foram
para casa.

Eu me levanto em silêncio e saio do quarto, seguindo pelo corredor


escuro até a sala de televisão. Não há o menor sinal de que alguém esteja
acordado e são quase duas horas. Saio de casa pela porta da frente e tiro

meu carro da garagem. Por sorte o quarto dos meus pais fica do outro lado e
não dá para ouvir a menos que alguém os alerte a respeito.

Cumprimento os guardas na guarita, afinal eu tenho vinte e três anos


e em teoria eles não precisam informar meus pais de todos os meus passos.
Torço para que minha atitude confiante sirva para que pensem que não há

razão para alarde.


Dirijo até o hospital e me preparo para a parte mais complexa do
plano, convencer a recepcionista a me deixar falar com Jay a essa hora da
madrugada.

No entanto, aparentemente estou com sorte, porque ela não está em


parte alguma. Aproveito o descuido e passo pelo corredor rapidamente,

seguindo na direção do elevador e entro nele.


Desço no andar do quarto em que Jay está e caminho até diante da
sua porta. Antes de entrar, sondo pelo vidro apenas para confirmar, mas,

como esperado, ele está dormindo sozinho.


Jay insistiu muito nisso. É muito tempo de tratamento, e ele não
aceitou que sua família se revezasse para dormir com ele aqui, apenas nos

horários diurnos de visitas.


Ele está com os olhos fechados e parece dormir profundamente.
Abro a porta devagar, para não fazer barulho e entro no quarto. Me

aproximo da cama e por um instante questiono a mim mesma sobre o que


vim fazer aqui, porque, se ele acordar, não terei explicação.
Mas quando observo seu semblante dormindo, o modo como seu

peito sobe e desce, tranquilamente, as olheiras profundas que estão sob seus
olhos, quando noto o quanto ele parece frágil, e como perdeu peso no

último mês, como parece abatido, eu sei que não dormiria em paz se não
pudesse passar um tempo com ele.
Penso em arrastar a poltrona para a colocar bem colada a cama, mas
em um momento de loucura, faço pior. Me deito ao lado dele, seguro sua

mão na minha e beijo seu dorso com cuidado para que ele não desperte.
— Vou dormir aqui com você hoje, meu amor… — sussurro. —
Você não me deve nada, eu sei que não somos um casal, talvez você nem

goste de mim assim. Mas eu te amo, Jay… Seja forte, tá bom?


Ele resmunga alguma coisa no sono, e entrelaça os dedos nos meus.

TRAY
 
A vida é uma grandessíssima filha da puta e quando você menos

espera, te dá um socão no meio da cara e é nocaute na certa. Cabe a você o


que fazer depois disso. Alguns aceitam a derrota, afinal, porra, foi nocaute.
Outros pensam: na próxima eu vou lutar melhor e essa merda não vai

acontecer de novo.
Levamos um soco bem dado com a notícia sobre o Jay. Meu
moleque doente de novo, sendo sugado por essa doença parasita, é de foder
o psicológico de qualquer pai e mãe. Mas nós, Jasmim e eu, não somos do

tipo que aceita o nocaute.


— Aladim, eu já te dei um beijo hoje? Porque eu beijaria você na
boca se a Arco-íris não fosse ciumenta.

— Sai, Anders… Eu fiz pelo Jay, não preciso desse seu


agradecimento aí não.
Mesmo assim dou um beijo estalado na bochecha árabe dele e

encaro a tela do computador.


— O Jay vai pirar quando souber! Ele nem quis falar dessa cirurgia,

porra. Castraram meu moleque enquanto eu estava fora!


— Praga, já falei pra não falar desse jeito — a florzinha me corrige
—, o Jay não perdeu a capacidade de…

— Eu sei, amor! Mas arrancaram a bola do menino, de verdade!


Agora ele pode colocar outra.
— Quê? — Ela me olha, com a testa franzida, sem entender nada.

— Olha aqui, o Patel achou! Implante de testículo, e custa uma


pechincha.
— Não acredito… — Jasmim encara a tela do computador e depois

desvia os olhos para a amiga de cabelos coloridos. — Você viu isso, Andy?
Arco-íris solta uma risada e balança a cabeça.
— Eles se esforçam bastante quando o assunto é esse, não dá para
negar.
— Vou lá no hospital dar a notícia pra ele! Quando acabar essa

quimio ele vai poder fazer.


— Acabou de amanhecer, Tray. Não acredito que vocês estavam
aqui fora falando disso — Jasmim fala, colocando a travessa com o café da

manhã sobre a mesa.


— Florzinha, é uma coisa linda, você não vê?
Ela sorri.

— Eu entendo que ele vai gostar, Tray, mas pode esperar o menino
acordar.
— Não é o fato de não ter uma bola, amor. Caralho, não faz muita

diferença e no que faz, a prótese não vai resolver. Mas o fato de não estar
ali, a ausência, iria sempre lembrar a doença…

— Tem razão, pensando por esse lado — ela cede.


— Deixa ele, Jas. Enquanto isso, você consegue um pouco de carne
para o Malífer? O Azal inventou de trazer ele também e, se não comer, fico

com receio de que ele fique estressado.


A Peste me olha assustada.
— Uns dez quilos se for preciso, só mantenha esse tigre longe das

minhas pernas e braços.


Azal ri alto e balança a cabeça, como se ter medo de um tigre fosse
um absurdo.

Eu os deixo em casa, conversando animadamente sobre a festa que


pretendem fazer tão logo Jay se recupere, e sigo para o hospital.
Dispenso os seguranças. Pelo horário não acho que seja necessário,

entro pela porta dos fundos e sigo pelo corredor, me valendo do disfarce
usual de óculos e boné, mas encontro Adam diante da porta, observando Jay
pela vidraça.

Ele se vira quando me vê, a mão no queixo e o rosto carregando


uma expressão de pânico.
Meu coração já acelera. Porra… O que aconteceu agora?

— O que foi, doutor? Tá tudo bem com o Jay?


Adam e eu temos uma longa história. Por algum tempo ele
demonstrou interesse na minha mulher, muitos anos antes, e isso nos

colocou de lados opostos. Mas foi algo passageiro, ele foi o médico que
cuidou do Jay quando criança e depois, ele e Amber, assessora da

Dominium, se casaram e nos tornamos bons amigos. Ele é um cara gente


boa pra caralho.
O doutor faz sinal para que eu me aproxime e pede com um gesto

para que eu faça silêncio. Curioso, faço o que ele diz e caminho até a porta,
e a cena que vejo faz todo o sangue fugir do meu rosto.
Jay está deitado, dormindo, e Ashley está ao lado dele. Na cama. Os
dois estão abraçadinhos, como se fossem a porra de um casal.

— Puta que pariu, Adam! Eles estão de mãos dadas!


— Como diria seu amigo Ashton Ray… Parece que quando a

desgraça vem, o azar entra na fila, meu caro, porque agora fodeu bonito.
 
 

 
 

 
 

Every little thing that you have said and done


Feels like it's deep within me
Doesn't really matter if you're on the run

It seems like we're meant to be


(Cada pequena coisa que você tenha dito e feito
Parece ter ficado dentro de mim

Realmente não importa se você está só de passagem


Parece que fomos feitos um para o outro)
As Long As You Love Me – Backstreet Boys

 
 
 
TRAY

 
Espero na sala privativa até ter certeza de que a pirralha foi embora.
Por sorte, ela deve saber que está fazendo uma merda colossal, então não

demora muito e posso entrar no quarto. Jay ainda está dormindo e com uma
carinha de inocente que chego a ficar com pena da treta em que ele foi se
meter.

Em outras circunstâncias, eu apoiaria Ashton. Tenho duas meninas,

as razões diárias da minha gastrite e sei bem o tipo de preocupação que elas
causam, eu poderia aceitar que Ray desse uns sopapos no Jay por se meter

na barraca dos outros.

Mas não agora. Meu moleque está doente, se recuperando a passos


muito lentos, porra. Jay merece um pouco de felicidade e se — puta que

pariu, viu? — foi encontrar a felicidade com a Princesinha, que seja.

Ashton que lute, porque não vai bater no meu pivete. Ainda bem que Azal
chegou, posso ameaçar soltar o Malífer no Ray, que morre de pavor, ou

então solto a Jasmim, que pode ser bem pior.


— Pai? — Jay abre os olhos e me encara com o cenho franzido.

O moleque parece não dever nada nesse mundo, um perfeito

playboy vagabundo.
— E aí, seu cachorro? Orgulhoso de ficar fazendo merda pro seu

velho resolver?

— Eu tava dormindo. O que foi que eu fiz nos meus sonhos? —


pergunta, sorrindo.

Engraçado que ele não parece nada preocupado. Franzo o cenho, me

questionando pela primeira vez se ele não viu que Ashley dormiu aqui.
— Passou bem a noite?

Jay coça a cabeça e depois dá de ombros.


— Acho que sim, não acordei me sentindo mal, então já é um

progresso.

— Então sou o primeiro visitante do dia, filhote? Ponto pro papai!

Ele abre um sorriso, achando graça. Mas que coisa…

— Êêê… Temos um vencedor… — brinca. — Tray Anders, o deus

do rock!
— Isso aí. Escuta, o deus do rock veio falar de uma coisa que você

está evitando faz tempo, e vou chamar o titio Adam, porque ele entende
melhor que eu e já conversamos. Então agora você vai ouvir.
— Pai, se for sobre a cirurgia… — A expressão dele muda na

mesma hora.

— É isso, porra! Mas são coisas boas, me escuta.

Jay desvia os olhos dos meus, encarando as mãos. Consigo imaginar

como está se sentindo com essa merda toda, não é só o câncer, que é a pior

parte, mas o lugar escolhido pela doença não ajuda em nada.


— Adam! — chamo em voz alta, sabendo que ele está do lado de

fora, apenas esperando.

O doutor entra pela porta, com um sorriso no rosto, mas meneio a

cabeça, o alertando para não falar sobre o que nós vimos. Deixo o assunto

para outra hora.

— Bom, o Azal fez uma descoberta e tanto — começo, mas Adam

me olha com ceticismo.


— Ele não fez, o doutor Alonzo, que está cuidando do caso do Jay

poderia ter te falado sobre isso se tivesse perguntado.

— Devia ter dito então. O Alibabá precisou vir lá das arábias, com

os quarenta ladrões, pra me contar as boas novas.

— Do que vocês estão falando? — Jay questiona, olhando de Adam

para mim.
— Você pode ter uma bola novinha! — falo e em seguida faço uma

careta, notando que a frase saiu bizarra. — Pegou mal isso, mas tô falando
da que… Você sabe…

Jay franze o cenho e olha para Adam, aguardando uma confirmação.


— Implante, Jay. Eu sinto muito por não poder ajudar mais, estou
fazendo o possível, me informando, mas não entendo muito de seminoma,

eu cuido da oncologia pediátrica como sabe, mas como seu pai disse, se
você quiser, pode fazer. Esteticamente vai ser a mesma coisa que antes. Em

breve você vai terminar o tratamento e se tudo correr bem, vai poder seguir
com a vida como era.

— Sabe que não é a mesma coisa — ele rebate.


Não parece nem de longe tão feliz quanto imaginei.
— Olha só, visivelmente não teria diferença — o doutor insiste.

— O problema não está no que é visível, Adam — ele diz,


balançando a cabeça —, o doutor Alonzo me disse que ainda que não seja

impossível, eu dificilmente vou poder ser pai, minhas chances são mínimas.
Porra, eu nem sabia que queria ser pai e agora não posso. Meus hormônios,

o esperma. Enfim, não é igual.


Caralho. Então é esse o real problema. Jay ainda é um moleque para
mim, não me passou pela cabeça que estivesse se preocupando com coisas

tão sérias, mas pelo visto é muito mais homem do que minha mentalidade
de pai me permitiu enxergar. Ele tem vinte e cinco anos já, nessa idade eu

era louco pela Jasmim, e com certeza sabia o que eu queria, ainda que tenha
demorado um pouco mais para que as coisas de fato se concretizassem.

— Ele disse isso? — Adam questiona. — Tenho certeza de que


ouviu apenas as piores partes, com certeza ele te explicou que você tem um

testículo, Jay. O que significa que suas chances foram reduzidas, mas não
anuladas. Sobre a testosterona, você pode fazer reposição e nivelar, isso não
será um problema em hipótese alguma.

— É isso aí — concordo, mesmo sem entender direito.


Na verdade, Adam também está palpitando, ainda que entenda

melhor que eu sobre o assunto.


— Só um minuto...
Adam pede licença e deixa o quarto, mas retorna menos de um

minuto depois, acompanhado do doutor Alonzo. Os dois estão falando


sobre a mesma questão, discutindo e debatendo. Eu sabia que ter Adam por

perto nos ajudaria.


— Se no fim, biologicamente você não conseguir ser pai, ainda

existem inúmeras opções — o doutor Alonzo diz. —, mas eu posso fazer


uma lista de vários homens que tiveram filhos depois da orquiectomia —
conclui, com confiança.
— A regra número um com certeza é continuar metendo, meu filho,
e isso não parece ser um problema pra você… Mete até onde não deveria —
falo, sem me conter.

Jay estreita os olhos na minha direção, como se me sondasse, mas


abro um sorriso, tentando não me entregar. O pobre doutor Alonzo me fita

horrorizado, ainda não se acostumou comigo.


— Aquele ciclista lá, o Armstrong, não é? Tem até seriado sobre ele
— completo, desviando a atenção de Jay.

O doutor Alonzo concorda e Jay parece se interessar pelo assunto.


— Isso é sério? Esse cara teve o mesmo câncer que eu?

— Sim, se curou, voltou a correr e teve uma penca de filhos,


começou com os moleques congelados, mas acabou tendo mais um pelos

métodos naturais — confirmo. — Meter sempre é o segredo do sucesso.


Ironicamente não é a notícia que planejei dar que coloca um sorriso
no rosto de Jay e sim essa última. Ele passa a me ignorar a partir de então e

pega o notebook para pesquisar mais sobre o homem que mencionei.


Eu o deixo no hospital conversando com Adam e o doutor Alonzo a

respeito da possibilidade do transplante e volto para casa. Azal parece achar


uma ótima ideia colocar o tigre para descansar na grama do meu quintal, o
que faz com que minhas meninas estejam todas trancadas dentro de casa,

com medo.
Kyle também apareceu de surpresa, o moleque não desgruda. Ele, ao
contrário das garotas parece gostar bastante do tigre e só posso imaginar a
cara de pavor do Nicols se visse o filho acariciando a fera selvagem desse

jeito.
— Sabe que esse gatinho pode engolir seus dedos com uma dentada,

não sabe? — pergunto, mantendo uma distância razoável.


— Não tem nada a ver, Kyle. Ele só come frutas — Patel diz, com
sua mentirinha que não engana ninguém.

— Ele é manso, a tia Jas deu bastante carne pro Malífer. Não vai

atacar se não tiver fome, seu medroso — Kyle me responde, provocando.


— Medroso é teu... — Mostro o dedo do meio para o moleque, que

gargalha.

— Foi ver o Jay? — questiona, ainda brincando com o bicho.

— Fui. Não está cedo pra você estar aqui, não?


— Vim ver a Lisa, minha mãe disse que ela recebeu as respostas das

universidades e tá surtando porque não sabe pra onde ir.

Isso também está me tirando o sono. Não quero pensar nas minhas
garotas longe de casa, perto de marmanjos e conhecendo o mundo.

— Porra… O que eu faço, Kyle? A Gal é mais espertinha, mas a

Lisa eu criei para usar um cinto de castidade, cara. Como ela vai sobreviver
a faculdade? E se os putos forem para cima dela?
Ele se levanta, finalmente se afastando do tigre.

— Eu acho que elas deveriam ir pra Princeford — fala,


mencionando a faculdade que cursa e pela qual joga.

— As meninas foram aceitas em várias universidades da liga Ivy,

assim como a Ashley. Por que caralhos acha que vão querer ficar aqui por
perto?

— Porque o meu tio é muito esperto e sabe que eu vou ficar de olho

nelas o tempo inteiro…

Eu gosto pra cacete desse Nicols.


— Só preciso convencer a Florzinha e as duas. — Coço a nuca,

pensando em como fazer isso.

— A família vem em primeiro lugar, tio Tray. Elas não vão querer
deixar o irmão agora, só precisamos dar um toque e a Princeford é tão boa

quanto as outras, não é como se fossem perder alguma coisa. E a Lisa já

tem interesse, acho que só a Gal pode ser mais resistente.


Aquiesço, concordando com o moleque. Nunca pensei que esse

pivete fosse me dar um conselho bom algum dia.

— Valeu, Kyle. Conto com você pra atropelar os caras…

— Pode deixar, vai ser um prazer — ele responde, parecendo


ansioso por isso.
— Sabe, Nicols, tenho um filhote de leão lá em casa, seria um bom

aliado para espantar os abusados. — Ouço Azal dizendo. Era só o que me

faltava.
Entro em casa e encontro Jasmim sentada à mesa. Andy está de pé,

passando uma tinta azul em uma mecha dos cabelos escuros de Gal.

— Azul agora, filha?

— Só umas mechinhas pra combinar com a tia Andy.


— Não desmaiando igual ela, tá ótimo…

— Ela não desmaia, pai — Gal responde, rindo, mas encara Andy

com dúvida.
— Já faz tempo. Vocês eram mais gatos e eu era mais jovem e boba

— Arco-íris fala, me mostrando a língua. — Na verdade eu sou a fã número

um da Dominium para sempre, mas ele fica convencido demais se escuta

isso — sussurra para que apenas Gal escute, mas em um tom alto demais
para manter o segredo.

— Praguinha, podemos conversar um minuto?

Jas estreita os olhos na minha direção, curiosa, mas me segue para o


andar de cima da casa. Ela amarra os cabelos castanhos no alto da cabeça e

se senta na beirada da cama. Jasmim está se aproximando dos cinquenta

anos, mas continua sendo a praga mais linda que já habitou essa Terra
fodida. Os olhos ainda são os mesmos nos quais me perco toda noite e seu

corpo é o meu lugar preferido no mundo.


— Tá me olhando como se fosse me comer, Peste.

— E eu poderia, mas não agora — respondo, me sentando ao lado

dela. — Temos que falar de duas coisas importantes.


— O que foi?

— Primeiro, o que acha de manter nossas filhas por perto?

Princeford parece uma universidade do caralho, o Kyle adora aquele lugar e

várias pessoas… Sei lá, muita gente foda se formou ali.


Jas suspira, meneando a cabeça.

— A universidade é ótima, mas não cabe a nós decidir isso, amor.

As meninas têm que escolher para onde querem ir.


— É, mas assim podem ficar com a gente, com o Jay.

— E você pode vigiar as duas melhor — fala, sorrindo de canto.

A mulher me conhece como ninguém.

— Talvez seja um ponto a favor de Princeford.


— Lisa se inscreveu, vou falar com elas e ver se é uma das opções

que querem, vou dizer que nos faria feliz. — A Florzinha aponta o dedo

para mim. — Mas é só isso, pode ir se preparando porque não vou as


obrigar a ficar aqui porque você é ciumento, elas vão decidir.
— Tá bom, mas fala que elas podem escolher um carro, cada uma,

como presente de aniversário, já que não pudemos comemorar os dezoito

anos delas com esse lance do Jay.

— Sério? Pensei que só fosse deixar depois dos vinte, porque Gal
não tem juízo.

— Mudei de ideia, mas só se forem para Princeford.

— Isso não é presente, é suborno, Tray.


— É incentivo, Praga.

Jas meneia a cabeça, rindo, mas não se nega a fazer o que peço.

— Agora o outro assunto, esse é bem mais polêmico. E me faz

pensar em uma coisa… — Me viro para encarar a mulher da minha vida. —


Quem achou que seria bacana ter filhos? Porque olha só — aponto para

meus fios de cabelos brancos que teimam em aparecer nas laterais da minha

cabeça —, tá vendo o que eles fazem comigo?


— O que foi agora?

— É o Jay! Ele tá aprontando uma coisa, que vai fazer essa casa cair

em cima de nós, Florzinha. Sabe algo tipo o apocalipse? Pois se prepare

porque tá chegando o fim dos tempos!


— Que drama é esse? O menino tá no hospital, como pode ter feito

algo assim?
— Ele fez. — Me levanto e começo a andar de um lado para o

outro. O rosto do Ashton me vem à mente, as várias vezes em que pediu


para que Jay tomasse conta da Ashley. — Tomar conta da menina… Porra,

Jay! Não era metendo o pau onde não foi chamado! — resmungo para mim

mesmo.

— Mas do que é que você tá falando, Tray? Eu não estou


conseguindo acompanhar.

— Eu cheguei no hospital e a Ashley tava na cama, dormindo com o

Jay, Florzinha. Abraçados como dois namoradinhos! De MÃOS DADAS!


— O quê?

— Isso que você ouviu! O Ashton vai querer matar o Jay, mas eu

não posso deixar. Nosso filho tá doente, aí vou ter que dar um soco no Ash,
o Josh vai ter que separar, mas é um frango, vai acabar apanhando. Aí o

Azal vai cancelar a festa, e o Ethan com aquela pinta de açougueiro vai

inventar de intervir, o caos vai ser generalizado e a banda vai acabar. —

Paro e respiro fundo, tentando pensar. — Tá acompanhando a catástrofe? O


Jay acampou na barraca proibida, Jas!

Jasmim se levanta também, a mão na cabeça me diz tudo. Ela sabe

que isso vai dar uma merda colossal.


— Olha só, você está exagerando como sempre — fala, me

surpreendendo. — Fica aí conversando com o Azal e a Andy, não abre a


boca pra ninguém sobre isso e eu vou falar com o Jay e descobrir o que está
acontecendo.

— Eu disse o que é!

— Eles estavam se beijando?


Meneio a cabeça.

— Pelados?

— Não, mas…
— Então para de drama! Calma que pode não ser nada disso.

Talvez ela tenha razão, as amizades de hoje são esquisitas. Jasmim e

eu fomos amigos assim por muito tempo, antes que as coisas mudassem.

Lisa e Kyle são assim, como se fossem irmãos e não há segundas intenções.
Pode ser que eu esteja exagerando.

— Certo. Então fala com ele e me conta depois.

Jas segue para o closet para se trocar e eu respiro fundo mais uma
vez, antes de colocar um sorriso no rosto e sair do quarto.

ASHLEY
 
Não estava esperando que minha avó Eleanor fosse aparecer hoje,
mas quando recebo seu abraço apertado, me sinto bem instantaneamente.
Vovô Carter entra logo atrás, os dois se mudaram para uma casa afastada da

cidade já tem alguns anos, mas sempre aparecem para passar um tempo
aqui e na casa da tia Ane.
— Como está a Princesa da vovó?

— Bem, vó. E a senhora?


— Maravilhosa. O seu avô me paparica, você sabe, então não
poderia estar melhor. Onde estão seus pais?

— Mamãe foi resolver umas coisas do escritório e meu pai saiu com
o Ethan, mas disse que já volta.
— E eu não ganho um abraço?

Sorrio, abrindo os braços.


Na verdade, meu avô morreu e eu nunca o conheci, mas pelo que me
contaram a respeito, falta não faz. Vovô Carter era o agente da Dominium

quando meus pais se conheceram e por muitos anos depois disso. Foi assim
que ele e minha avó se conheceram e se apaixonaram.

Depois que se casaram, ele se aposentou e os dois vivem muito


felizes juntos. Eu sempre tive apenas ele como avô, então é natural e
perfeito. O abraço forte, matando a saudade e talvez um pouco da tristeza

que venho carregando nos últimos dias.


— Viemos ver vocês, mas principalmente o menino — fala, e sei
que está se referindo ao Jay —, será que podemos ir ao hospital?
— Com certeza, estão revezando nas visitas — conto —, mas posso

ligar e avisar a quem estiver lá que vocês estão indo.


— Ótimo, meu amor. Eu quero tomar um banho antes — ele diz. —

Sua avó achou que seria uma boa ideia trazer uma muda de flor para o
garoto, como presente. O resultado foi esse que você está vendo.
A camisa dele está coberta de terra, eu não havia notado.

— Pode tomar no quarto de vocês.


Como são uma visita frequente, eles já têm um cômodo reservado
para todas as vezes que aparecem.

— Tá bom, vão colocando o papo em dia enquanto me esperam…


Vovô se inclina para dar um beijo na testa da esposa e ela sorri. Eles
são muito fofos juntos, meu pai conta que quando eu era pequena, ele era

um homem de negócios, que corria de um lado para o outro resolvendo os


problemas da banda.
Mas agora, vinte anos depois e com mais de setenta anos, ele trocou

o terno pelos casacos de tricô e a vida agitada na cidade, pelo sossego do


campo.

— E essa carinha, meu amor? — Vó Eleanor pergunta, me puxando


para o sofá.
Ela sempre teve um faro para essas situações.
— É essa coisa com o Jay, estou triste, preocupada...

— Vai ficar tudo bem, pelo que soube ele está reagindo bem ao
tratamento, certo?
— Acho que fui contagiada pelo medo dele, porque nunca se sabe,

não é? E se isso se espalhar mais? E se não tiver mais cura? Jay acha que
não pode confiar na ciência porque o que está acontecendo foge ao controle.

Ela aquiesce, concordando.


— E ele tem razão. Eu prefiro acreditar em Deus…
Isso me surpreende. Não me lembro de ver minha avó ir à igreja, ou

de vê-la fazendo orações, nunca pensei que fosse do tipo religiosa.


— Mesmo?
— Sim, meu amor. A ciência vai até onde é possível e, veja bem, as

possibilidades são inúmeras, a inteligência do homem é imensa, mas finita.


— Sim…
— Deus vai além. Não existem impossíveis para a fé, os milagres

estão aí para nos provar isso e eles estão por toda parte, basta saber olhar,
você conhece a sua história, não conhece?
Franzo o cenho, analisando o que ela diz e começando a visualizar

as coisas de uma maneira diferente.


— A minha?
— Seus pais se conheceram, se apaixonaram e sua mãe já estava

grávida, havia feito uma inseminação… Não acha que aquilo tudo que
aconteceu, desde o incidente que colocou a sua vida e a dela em risco, até a
descoberta que fizeram depois, foram milagres?

— Sempre pensei em tudo isso como coincidências. Mas agora…


— Agora percebe o quanto isso soa estúpido? — pergunta, sorrindo.
— Não existem tantas coincidências assim, Princesinha. Sua vida por si já é

um milagre, o modo como sua família foi unida mostra o agir de Deus, o
modo como Jay veio até nós e fez com que Tray e Jasmim se

reencontrassem… Tudo é Deus, agindo em silêncio, de maneiras


misteriosas.
— Mas por que, vó? Por que um Deus de amor, que fez todos esses

milagres faria algo assim com o Jay? Ou com outras pessoas?


— Não podemos entender os caminhos d'Ele, querida, mas podemos
pedir, podemos ter fé e acreditar que uma coisa nova nos será ensinada e

que algo bom irá nascer do sofrimento.


Depois que meus avós saem para o hospital, sigo para o meu quarto
e fecho a porta. Eu caio de joelhos e pela primeira vez na minha vida, dirijo

a Deus uma oração. Nunca soube fazer isso, meus pais não são muito
religiosos, ainda que acreditem em Deus.
Peço a Ele que cure Jay, que permita a ele viver e ser feliz, sem
sequelas. Uma vida plena. Peço que essa doença nunca mais volte, imploro
por um milagre, peço que devolva a alegria aos dias dele e da sua família.

Não tenho nada a pedir por mim, não quero ser egoísta e pedir que
Jay me escolha depois de tudo. Se ele estiver bem, vivo e feliz, terá que ser
o bastante.

 
 
 

 
 

 
 

You feel defeated, falling on your knees and


Looking up for some hope tonight
You try to stand up, but you throw your hands up

Like you no longer have the strength to fight


(Você se sente derrotado, caindo de joelhos e
Procurando por um pouco de esperança hoje à noite

Você tenta ficar de pé, mas joga a toalha


Como se você não tivesse mais a força para lutar)
If You Believe – Strive To Be

 
 
JAY

 
São quatro ciclos de quimioterapia e estou encerrando o terceiro.
Cada ciclo é feito em um intervalo de mais ou menos vinte e um dias, o que

em teoria dá tempo para que o meu corpo se recupere, mas, honestamente,


não aguento mais.
Poderia ser pior, eu acho. Meu organismo não rejeitou as

medicações, meus órgãos estão bem e o tratamento pôde ser levado até o

fim, então daqui a mais ou menos um mês essa parte da minha vida terá fim
e, agora, depois de passar pela maior parte do processo, começo a enxergar

uma luz no fim do túnel.

Depois que meu pai falou sobre o tal ciclista, andei estudando sobre
ele e outros casos semelhantes e o futuro já não parece tão obscuro. Atirar a

moto em uma árvore qualquer não me soa mais tão atrativo e ver Ashley

entrar pela porta do quarto, me traz cada dia mais expectativa.


Ainda não sei se terei coragem de voltar atrás sobre nós em algum

momento, ou se ela me aceitaria se eu o fizesse, mas apenas estar com ela,


por hora parece o suficiente. Estou na cafeteria do hospital, tentando comer

alguma coisa, mas como vomitei todo o café da manhã, nada me parece

muito atrativo.
— Oi, Jay…

Max surge de repente, ao meu lado. Ele está em uma cadeira de

rodas e é Adam quem o empurra. Eu não havia pensado nisso, mas faz
muito sentido que seja ele a cuidar de Max.

— Como está hoje, Max?

Ele não parece muito bem hoje e, apenas de olhar para o seu rosto,
percebo que emagreceu bastante desde a última vez que nos vimos, Max

demora um pouco mais para responder também.


— Cansado. — O menino aponta para o outro lado do café, onde um

casal está sentado lado a lado, nos olhando.

— São seus pais?

Ele aquiesce, devagar.

— Os meus também vem aqui sempre, sabia? E minhas irmãs… E o

seu médico aí, é meu amigo.


Adam sorri para mim e trocamos um olhar de cumplicidade. Não

falo para Max que Adam cuidou de mim, porque acho que nossos
resultados não serão os mesmos, infelizmente.
— É mesmo? Ele também é meu amigo! Me trouxe um jogo muito

legal outro dia. u tenho um irmão também — ele diz, emendando uma coisa

na outra. —, e tenho o Xerife, eu não queria que ele ficasse sozinho.

— Seu irmão deve estar levando o Xerife pra passear muito.

Max fica calado um tempo e fecha os olhos, como se precisasse se

esforçar muito para falar.


— Ele tem o Panda, o cavalo dele.

— Entendi…

— Vou falar com seus pais rapidinho, Max — Adam diz, em um

tom carinhoso com o garoto. —, fique aí conversando com nosso amigo,

Jay.

Max assente e ainda me conta várias outras coisas, mas dessa vez

não consegue se animar tanto, percebo que está cansado. Depois que Adam
retorna e o leva de volta para o quarto e eu também volto para o meu, fico

pensando em Max e em sua situação. Ele está sendo tratado em um dos

melhores hospitais do país e sua família está fazendo tudo ao seu alcance

para o salvar. Gostaria de poder fazer algo pelo garoto, mas me vejo

impotente mais uma vez diante dessa doença.

— Oi, querido. — Minha mãe entra no quarto, falando baixo.


Ela sabe que nos dias de quimioterapia não fico muito disposto e faz

o possível para me deixar confortável.


— Oi, mãe.

— Pensando em alguém? — questiona, sugestiva.


Algumas semanas atrás, tivemos uma conversa estranha. De acordo
com ela, meu pai encontrou Ashley e eu na cama, dormindo juntos, e pirou.

Ainda que não duvide do meu pai, não foi uma situação premeditada
e até ela mencionar o ocorrido, eu tinha plena convicção de que havia

sonhado, afinal estava sentindo falta pra caralho dela.


Neguei tudo, disse que não me lembrava e que se tinha acontecido

não havia sido proposital, mas desde então dona Jasmim não tira os olhos
de mim, principalmente quando Ashley aparece. Fica cheia de indiretas,
como agora.

— Na verdade, sim — respondo, a surpreendendo.


— Jura? Ai, meu Deus…

— Não é ela, mãe. Já vai começar? É outra coisa, tem um garotinho


que está fazendo tratamento aqui, o Max.

— Sim, eu já o vi com o Adam — ela comenta, aquiescendo. — Um


fofo, fala pelos cotovelos.
— Ele mesmo, queria saber mais sobre sua situação. Acho que ele

não tem muito tempo…


Minha mãe encara as próprias mãos agora e balança a cabeça, triste.

— Por que, Jay? Vai se magoar com isso. É horrível, um menino


nessa idade e tão alegre.

— Quero fazer algo por ele.


— Mas meu filho… Isso não está nas nossas mãos, você acha que o

tratamento não está sendo satisfatório?


— Está, claro. É o Adam, mas não sei. Alguma coisa, mãe, a gente
tem que fazer alguma coisa… Por favor!

Ela me fita com pesar, mas acaba concordando.


— Tá. Você fica aqui, eu vou falar com a mãe dele e ver o que

descubro, se podemos ajudar.


E ela vai. Se tem alguém de quem não duvido nesse mundo, esse
alguém é minha mãe. Ela já passou por situações pesadas sozinha, se

reergueu e lutou pra cacete até chegar no ponto em que estamos hoje, não é
o tipo de pessoa que aceita um não com facilidade e não se dá por vencida

sem esgotar todas as tentativas. Quando ela retorna, sua expressão é um


pouco consternada.

— O que foi?
— Perguntei o que podíamos fazer pelo menino e a mãe disse que
ele não pode sair daqui, mas que não para de falar em um cavalo e o
hospital não vai permitir que entrem com o animal aqui, eles já tentaram e
foram taxados de caipiras.
Ergo as sobrancelhas, confuso, tentando assimilar.

— O Xerife?
— O próprio. Disseram que sabem quem é seu pai e que pra quem

montou camelos por aí, trazer um cavalo pra um hospital deve ser moleza.
Olha o que você fez!
Isso me faz sorrir, pode ser inusitado, mas realmente faria Max

muito feliz.
— Pode ser o último desejo dele, mãe.

Ela aquiesce, baixando os olhos.


— Eu sei, seu pai ligou e disseram que tem uma área gramada nos

fundos e que podem abrir uma exceção. Eles vão mandar buscar o cavalo.
— Obrigado por isso, mãe.
— Tudo por você, querido.

Ouço duas batidas fortes na porta e em seguida Gal aparece com a


cabeleira preta — agora com mechas azuis.

— Bom dia, família Anders! A mais gata do clã chegou!


— Eu — Lisa completa, passando pela irmã com um gingado de
modelo.
— Vejam só se não são as minhas doidinhas. — Sorrio ao ver que já
se empoleiraram na cama ao lado da minha.
— E não viemos sozinhas!

Tão logo Lisa fala, Kyle, Lore e Ashley entram. Engulo em seco,
perdendo o foco por um momento. Ela está perfeita. Faz alguns dias que

não nos vemos e é impossível evitar que meu coração traiçoeiro dispare no
peito com a sua presença.
Ashley sorri e acena, e eu apenas a encaro com a boca seca. Como

pode ser gostosa desse jeito? Estou nessa cama há tempo demais e isso está

começando a cobrar um preço, pareço um adolescente tarado, porque hoje


ela está usando um vestido rodado que mal se ajusta ao seu corpo. O

problema é que eu já sei tudo que tem embaixo.

— E parece que ele perdeu a língua — minha mãe fala, arqueando a

sobrancelha. — Depois sou eu que estou inventando coisas.


— Mãe! — Me viro para ela, sibilando e a praga sorri, me

mostrando a língua.

— Seu pai tinha razão, vai ser um caos.


— Vai mesmo — Gal grita de onde está —, deixa o tio Ashton pegar

você secando a Ashley desse jeito, soube que uma bicuda dele pode te

mandar para o Alabama.


— Deixa de ser inconveniente, Gal — Lisa repreende.
Ashley está vermelha, as bochechas coradas são um charme à parte.

Eu deveria parar de olhar, mas é muito difícil.


— Do que vocês estão falando? Parem de bobagem — ela diz,

sorrindo e se fazendo de desentendida.

— É, vocês não sabem que a Ashley tem um encontro hoje? — Lore


pergunta, sem erguer os olhos da página do livro que está lendo.

Mas que porra de encontro é esse?

— Lorena… — Ashley chama a atenção da outra, que se cala.

Kyle se aproxima de mim e o assunto morre, me deixando puto e


curioso, duas coisas que não tenho o direito.

— E então, cara? Terceiro ciclo no fim?

— Isso, mais vinte e um dias e aí começo o último — respondo,


embora agora eu só consiga pensar no tal encontro.

Minha mãe aproveita esse momento para se aproximar e se despede

de mim com um beijo na minha testa. Ela deixa o quarto e Gal se senta,
segurando uma de minhas mãos.

— Você tá legal hoje?

— Mais ou menos, esses dias são ruins, você sabe…

— Sei. Tenho uma notícia meio triste, mas é boa também.


Kyle e Lisa aquiescem e eu os encaro sem entender bem. Ashley se

senta na beirada da cama, perto dos meus pés e instintivamente eu os


aproximo dela, apenas para sentir o calor do seu corpo um pouco mais.

— As aulas começam na semana que vem, Lisa e eu vamos para a

faculdade… — ela fala, fazendo um beicinho triste.


Meneio a cabeça.

— Não precisa se preocupar comigo, bruxinha. Vocês precisam

estudar, seguir suas vidas, está tudo bem.

— Sim, mas agora vem a parte boa. Fomos aceitas em Princeford,


Lisa e eu e vamos ficar por perto. Sei que não é na cidade, mas fica a pouco

mais de quarenta minutos de carro, então vamos nos ver sempre aos fins de

semana, igual o Kyle e você.


Olho dela para Lisa, que está sorrindo e depois para Kyle.

— Mas… Vocês não queriam ir para Nova York?

— Na verdade a Lisa já queria ir para Prince, você sabe, ela e o

Kyle parecem que nasceram grudados. A Lore foi aceita e eu gosto


também, o Kyle me leva em umas baladas legais, então vamos nos juntar lá.

— Que Deus proteja Princeford de vocês então. E Kyle, por baladas

legais, espero que você nunca leve minha irmã em surubas, ou vou ter que
fazer uma orquiectomia em você.

Ashley ri do comentário e aproveito a deixa para falar com ela.

— Então na próxima semana todos eles vão para a faculdade,

Princesa. Seremos só nós dois…


Gal arqueia a sobrancelha e fita Ashley, esperando sua resposta.

— Nós dois, seus pais… Meu pai, o Malífer.


Kyle me olha debochado.

— Então tá se sentindo mal, mas pra ficar dando em cima da sua

prima você tá bem, né?


— Ela não é minha prima!

— Ele não é meu primo!

Falamos ao mesmo tempo, arrancando risadas dos outros.

— Sabe — Gal se levanta, arrumando a saia preta —, o Jayjay tá


cansado, se sentindo mal. Melhor deixarmos ele quieto, não acham? — Ela

faz com que Lisa também fique de pé.

— Mas acabamos de chegar — Lorena contesta.


— Verdade. — Ashley a encara sem entender nada.

— Tem razão, e você fez aquele negócio batido pra ele tomar, que

diz que é saudável. Jay precisa ficar saudável, então Ashley fica aqui e dá o

negócio de beber para o Jay, e nós vamos sair…


Kyle parece perceber as tentativas nada sutis dela de nos deixar

sozinhos e agarra o braço de Lisa, a arrastando para fora. Gal puxa Lore

também e em poucos segundos estamos apenas Ashley e eu.


Ela meneia a cabeça.
— Se fosse um elefante disfarçaria melhor — comenta, abrindo a

bolsa térmica que trouxe.

— Você fez mesmo aqueles smoothies? Faz tempo…

— Fiz, também trouxe torta de maçã. Acho que ficou melhor que
aquela vez que fiz no chalé.

— Não acredito em você, porque aquela vez eu descasquei as

maçãs. — Ela me entrega um copo com a bebida nas mãos e, como já


passou algum tempo desde a sessão, consigo bebericar e devagar ir

ingerindo o líquido espesso. — Quando eu sair daqui, quero tomar esse

smoothie todo dia — falo, fitando os olhos dela —, quem sabe eu consiga

recuperar meu peso mais rápido?


— Eu te passo a receita — ela diz, um sorriso no rosto. — E

também trouxe isso...

Não era a resposta que eu queria, mas esqueço isso quando vejo a
que ela está se referindo. Ashley trouxe a máscara para que eu durma, nem

consigo acreditar.

— Você trouxe! Não sabe como entra claridade por essas janelas...

— Ah! Eu sei.
Estreito os olhos, desconfiado, mas ela apenas dá de ombros e me

entrega a máscara.
— Fico feliz que esteja fazendo planos para quando sair daqui —

fala, depois de alguns segundos de silêncio —, parece que está se sentindo


melhor.

— Eu estou fazendo planos, muitos. Inclusive… — Abro a gaveta

ao lado da cama e pego o desenho que terminei. — Fiz esse plano pra você.

O que acha?
Ashley pega a folha das minhas mãos e analisa o desenho. Seus

olhos brilham com algo parecido com devoção, ela sorri e sinto alívio ao

perceber que ela gostou. Muito.


— É perfeita, Jay… E essa coroa…

— Porque você é minha Princesa.

Nós nos encaramos por alguns instantes, é como se o ar circulasse


apenas ao nosso redor, mas não mais entre nós. Se eu pudesse, se tivesse

forças, eu a beijaria agora.

— Que meu pai nunca te ouça dizer isso — ela fala, quebrando o

silêncio.
Eu sorrio.

— Vai tatuar? — Aponto para a folha.

Ashley considera e depois me fita, com os olhos carregados de um


desafio novo.
— Você vai tatuar em mim, quando terminar a quimioterapia e
estiver de volta ao trabalho. Vai ser nosso gesto de comemoração.

— É um desenho em homenagem ao amor que você tem pela

música — lembro a ela.


— Sim, mas vai ser feita para comemorar o fato de que você venceu

o câncer, para sempre.

Eu a encaro de volta.
— Para sempre.

E não sei se nos referimos à mesma questão. Talvez exista mais de

um para sempre.

— Sobre minhas irmãs e a Lorena…


Ela faz um gesto de desdém com a mão, como se dispensasse a

situação.

— Escutaram uma conversa minha com o Kyle, mas eu disse a elas


que você me chutou, então só estão provocando.

— Não fala assim, Ashley. Não foi isso que aconteceu.


— Ah, não? Do meu ponto de vista foi bem por aí — ela responde,
mas está sorrindo, então não sei até que ponto está brincando. — E sua

mãe? Ela parecia saber de alguma coisa.


Semicerro os olhos para ela, me lembrando da situação incomum.
— Parece que meu pai veio me ver e nos encontrou na cama,
dormindo juntos.
Ashley arregala os olhos.

— O tio Tray pegou a gente?


— Depois que nós terminamos. Ele jura que você estava dormindo
comigo, eu disse que não, mas as desconfianças dos dois só aumentam…

— Isso é um absurdo! — ela fala, meneando a cabeça, mas suas


bochechas estão vermelhas de novo.
— Não é? Pior que até o Adam afirma que te viu, eles falam que

estávamos de mãos dadas e tudo, meu pai quase morreu do coração.


— Ai, meu Deus do céu!
Ashley cobre a boca com as mãos.

— Que loucura, não acha?


Ela aquiesce, freneticamente. Está apavorada por ter sido pega.
— E eu só me lembro de ter sonhado com você, mas até aí, eu

sempre sonho.
— O quê?

— É, na maioria das vezes você está pelada, mas podia ser apenas
uma exceção.
— Jay! Não pode ficar falando essas coisas, esse tipo de sonho você

tem e não conta.


— Por quê? Foi tão bom… — Fecho os olhos e abro um sorriso,
para ilustrar.
— Aposto que não tanto quanto a realidade, mas aí o problema é seu

— resmunga, começando a juntar suas coisas.


Percebo que a irritei.

— Não posso sonhar com você?


— Claro que pode, mas aí fica me fazendo lembrar das coisas que a
gente fez.

— E isso é ruim?
Ashley me olha, considerando e por fim dá de ombros.
— Acho que não pra nós, mas tenho um encontro hoje. Não vai ser

muito justo com o cara, ficar com ele, lembrando de outra pessoa.
Ela me dá as costas, se dirigindo a porta e sinto um gelo na boca do
estômago.

Por que eu não fui mais egoísta?


— Ashley! — chamo, praticamente aos berros quando ela sai do
quarto.

Respiro pesado, sentindo os efeitos do que parece uma crise de


ansiedade e alguns instantes depois ela reaparece.

— Chamou?
— Tá me provocando, né? Você não vai em um encontro enquanto
eu estou no hospital…

— Você terminou comigo — ela lembra, sorrindo feito uma diaba.


— Eu sei, mas eu vou piorar! Se ficar pensando em você com outro
cara… Não vou conseguir jantar hoje — chantageio, sem um pingo de

orgulho da minha imaturidade.


Ashley ri, balançando a cabeça de um lado para o outro.

— Pode jantar, seu bobo. A Lorena só estava te irritando, não tem


encontro nenhum.
Ela me manda um beijo antes de ir embora de vez, e enfim respiro

aliviado.
 

 
Há uma verdade universal sobre pessoas em estágio terminal. Antes
de chegar a esse ponto irreversível, muitas coisas são negadas, proibidas.

A alimentação é controlada, os ambientes em que se pode estar são


escolhidos e tudo é muito pensado e planejado para que nada venha a afetar
a qualidade de vida e a melhora do paciente. Quando o fim se aproxima de

maneira inevitável, isso acaba.


É quando os médicos liberam qualquer vontade do doente, quando

aquela guloseima antes proibida passa a ser aceita de bom grado e quando
os pedidos mais bizarros, são realizados sem muita burocracia.
Foi assim que eu tive certeza de que Max não iria sobreviver.

Quando meu pai pôde entrar no terreno do hospital com o Xerife e o


menino foi liberado, junto com seu amigo — eu —, para passear com o
animal pelo espaço.

— Você viu como ele é lindo, Jay? — Max pergunta, todo


sorridente.

A mãe o coloca sobre o cavalo selado e ele se agarra firme ao


pescoço do animal. Não como se temesse cair, mas como se o abraçasse.
— Muito lindo, eu adorei seu Xerife.

Max olha para mim e estende a mão para que eu me aproxime.


— Vem, você precisa subir também.
— Não monto um cavalo tem muitos anos, Max, só motos.

— É igualzinho, só que vivo…


Faz bastante sentindo o que ele diz e, para não o contrariar, aceito o
convite e monto atrás do pequeno. Max continua abraçado ao Xerife e eu

tomo as rédeas e nos conduzo devagar pelo gramado.


Xerife parece compreender que não deve se desesperar, ele segue
lentamente e Max e eu apreciamos o passeio e a companhia um do outro
pelo tempo que temos.
— Ficou feliz em ver o Xerife, Max?
— Muito, Jay. Você é o melhor amigo que eu já tive, obrigado! —

Ele fica calado por um momento. — Sabe, eu não queria morrer…


O comentário repentino e sincero faz com que meus olhos se
encham de lágrimas, mas me esforço muito para que minha voz soe firme,

para que ele não perceba o que faz comigo.


— Eu também não quero, vamos sair dessa.
— Eu não vou. Mas tudo bem, eu disse que não queria… Agora já

entendi que não vou morrer de verdade.


— Como assim?
— Minha mãe me contou que quando as pessoas boas morrem, vão

viver no céu. Lá vou fazer novos amigos, conhecer outros animais e até
coisas que não existem aqui. Então fico triste por deixar tudo que eu gosto,

mas estou bem curioso sobre o que vou encontrar por lá.
Uma lágrima escorre pelo meu rosto e eu a seco com as costas da
mão.

Porra… Uma lição de vida de um garotinho de dez anos.


— É só uma vida nova, não é Max?
— Isso, como se fosse uma mudança.

— Eu nunca tinha pensado assim.


— Nem eu, mas agora entendo. É uma pena que o Xerife precise
ficar, ele vai sentir saudades de mim…

Não consigo responder a isso. Ouvir Max dizendo tão calmamente


que sabe que está partindo, me quebra por dentro, então fico quieto.
Quando terminamos nosso passeio, voltamos para onde seus pais o

esperam e eles o recebem com abraços e sorrisos. Estão todos aproveitando


juntos os últimos momentos, é a coisa mais triste e bonita que eu já vi.
Nessa noite, penso em Max e sua sabedoria infantil por muito tempo

antes de conseguir dormir. Também penso em Ashley e no que a vida nos


reserva, no que pode vir depois.
 
 

 
 

 
 

If you believe, you can move the highest mountains


Cross the greatest oceans
Walk across the water, the water

(Se você acreditar, você pode mover as montanhas mais altas


Atravessar os maiores oceanos
Caminhar sobre a água, a água)

If You Believe – Strive To Be


 
 
JAY

 
Como pressentiu, Max se foi uma semana depois de se reencontrar
com Xerife. Ele não morreu, apenas se mudou para um lugar mais bonito e

muito distante. No entanto, o garoto tagarela me marcou profundamente,


mesmo que nosso encontro tenha sido rápido nessa Terra e senti muito por
não o encontrar mais pelos corredores do hospital e não poder ouvir suas

histórias alegres.

Hoje, três semanas depois, os ciclos de quimioterapia se encerraram


e os resultados dos meus exames estão nas mãos do doutor Alonzo, que os

encara, atônito. Meus pais, Adam e eu estamos no quarto, aguardando que

ele nos dê as notícias e do lado de fora estão todos os outros, tão ansiosos
quanto nós.

— Jay, eu não sei nem o que te dizer sobre isso…


— Fala de uma vez, eu prefiro do que ficar enrolando para me

poupar.
Meu pai e minha mãe apertam minhas mãos, um de cada lado,

ansiosos.

— A questão é que desde o início essa sua doença foi uma


incógnita. Geralmente quando há metástase cerebral, o câncer já se

espalhou para vários outros órgãos, por isso a taxa de mortalidade é tão alta.

— Sim, por isso eu fiquei… Bom, entrei em desespero, imaginei


que a doença tivesse tomado meu corpo todo.

— E, por mais improvável que fosse, você tinha apenas a metástase

no cérebro e como retiramos o tumor no testículo e demos início ao


tratamento, a doença não se alastrou. Tudo muito raro e improvável, mas

dentro das possibilidades científicas.


— Então? — o instigo a continuar.

— A questão é que olhando seus exames agora, você está ótimo.

Exceto pelo baixo nível de testosterona, que vamos suplementar, é quase…

— Doutor Alonzo ergue o rosto e nos encara, parecendo muito confuso. —

É quase como se a doença nunca tivesse existido.

Mas ela existiu. Fizemos todos os exames, tive todos os sintomas,


sofri muito por todo o processo e as chances de que eu morresse eram

imensas, mas por alguma razão estou aqui.


— Então é isso? Eu estou… em remissão?
Adam olha os papéis mais uma vez, antes de afirmar.

— É isso, Jay. Você está bem.

Nós nos abraçamos, e meus pais choram tão alto que imagino que

do lado de fora possam pensar que as notícias são ruins, mas sei que é um

choro de alívio, o mesmo sentimento que tenho agora. Adam também está

emocionado e ele segue até a porta e a abre. Sei que os outros estão lá fora,
esperando o resultado, torcendo por mim.

— O Jay pode ir para casa — ele diz e é o bastante.

De onde estou consigo ouvir o som da comemoração deles, os gritos

e aplausos. Minhas irmãs, Kyle e Lore não estão, porque as aulas

começaram, mas sei que vão ligar em breve para ter notícias. Acima de toda

a barulheira, eu escuto o choro dela e uma única palavra que Ashley não

para de repetir.
Obrigada. Obrigada. Obrigada. Obrigada. Obrigada.

Quando finalmente deixo o hospital e chego em casa, a sensação

que tenho é de que estou diante de uma página em branco e cheio de

possibilidades de cores para pintar. Tudo a seu tempo, devagar enquanto me

recupero, mas sei que vou aproveitar cada segundo dessa dádiva chamada

vida.
— E aí, rapaz? — Azal Patel aparece na sala da minha casa. O árabe

dessa vez está usando os trajes típicos do seu país e surge acompanhado do
seu fiel escudeiro, Malífer. — Pronto para recuperar o tempo perdido e tirar

o mofo?
— Prefiro fazer isso me mantendo inteiro, se não se importar. O
Malífer já comeu?

— Claro que já, Jay. Acha que eu visito as pessoas e levo meu filho
pra comer meus anfitriões? Cada uma…

Isso me faz sorrir.


— Cadê a tia Andy?

— No hotel, foi se arrumar e diz que aparece aqui mais tarde.


— Vocês não estão dormindo aqui?
— Menino, estamos te esperando há meses, se ficássemos

hospedados na sua casa esse tempo todo, sua mãe ia começar a desmaiar
igual a Andy, de tensão por causa do Malífer.

— Faz sentido. Sinto muito que tenham esperado tanto tempo…


— Agora vai pedir desculpas por ficar doente? Cada coisa que eu

escuto. Anders? — Ele grita por meu pai. — Seu filho é educado demais,
puxou pra quem, hein?
— Ah, a Florzinha estragou ele, me desculpa, Azal.

— Tudo bem. Ele ao menos sabe se divertir?


Franzo o cenho ao ver a cara de louco que ele faz. O coroa não

muda mesmo, passe o tempo que for, se falar em festa, ele vai se sentir na
obrigação de inovar.

— O menino saiu do hospital agora — minha mãe defende, a testa


formando um vinco de preocupação.

Mas quer saber? Eu quero mais é comemorar.


— O doutor Alonzo não disse que é como se eu nunca tivesse estado
doente? Acho que temos que celebrar, mãe.

— Tá bom, mas eles vão organizar tudo — ela fala, apontando para
os dois —, e nada de álcool para você.

— Lógico, fica tranquila.


E assim começam os preparativos para a noite mais insana do ano.
 

AVISO DA AUTORA
 

As cenas que verão, mostram o ser humano em seus momentos mais


aleatórios, ao melhor estilo besteirol americano. As festas do milionário
Azal Patel são regadas a coisas ilícitas e não são recomendadas para
menores de vinte e um anos.
No entanto, algumas concessões foram feitas por se tratar de uma

festa comemorativa. As coisas podem ter saído um pouco do controle e


espero que os eventos a seguir não contribuam para alterar a imagem

positiva que foi construída a despeito das pessoas aqui citadas. Ou da


autora.
 

ASHLEY
 

Uma festa de fraternidade.


Com toda certeza nossos pais não podem ser pessoas normais, ou,

ao menos, não adultos convencionais. Eu consigo compreender o apelo,


afinal, eles começaram com a banda aos quinze anos e nunca fizeram
faculdade, exceto pelo Azal, que só gosta de arruaça mesmo.

Kyle mora com outros três caras em uma construção moderna e bem
espaçosa perto da universidade e quando souberam que o árabe queria o

local para dar uma festa, foram logo oferecendo.


A ideia é comemorar o fim da quimioterapia do Jay, então, por mais
loucura que isso pareça, aqui estou, encarando minha imagem no espelho
do banheiro e reajustando a máscara de gatinha que coloquei sobre os olhos.

Minha mãe foi quem deu a ideia de que fosse um baile de máscaras,
ela fez parecer algo genial, mas acho que só não queria sua imagem de

advogada séria associada à zona que vai virar isso aqui.


Saio do banheiro e o som me alcança, muito alto. As pessoas estão
se agarrando por toda parte e os tonéis de cerveja espalhados pela casa.

Encontro uma loira com uma roupa minúscula de colegial e ela me agarra

pelo braço.
— Você viu o Kyle? Duas meninas vieram se apresentar me falando

que namoram com ele, Ashley. O que eu faço com esse moleque?

— Tia Ane?

Ela ergue a máscara.


— Quem mais?

— Sei lá… Tá uma baderna isso aqui.

— Tá mesmo! Seus pais tão dando maior amasso ali na sala, se não
quer se traumatizar, melhor não ir lá.

— Vou escapar e não, não vi o Kyle e ele não namora ninguém. Só

ignora…
— Tá bom.
— Viu a Gal?

— Acho que entrou naquele quarto com a Lisa. — Ela aponta para o
final do corredor e eu sigo na direção indicada, me esquivando dos corpos

suados.

Quando chego até o quarto, abro a porta e encontro as duas e Lorena


sentadas na cama. Elas tomam um susto e Gal esconde alguma coisa nas

costas, não estão usando máscaras e até seus sapatos já sumiram.

— Que isso?

— Nada!
Apoio as mãos na cintura.

— O que estão me escondendo?

Gal começa a rir descontrolada e as outras vão na onda. Até mesmo


Lorena está parecendo que viu o bobo da corte. Caminho até elas e pego das

mãos de Gal um pacote com vários pedaços de bolo.

— Tem maconha nisso, não tem? Vocês comeram? Quem deu isso
pra vocês.

— Um amigo do Kyle, ele é tããão legal — Lisa fala, a voz se

arrastando.

Lorena sobe na cama e então se joga no colchão de costas.


— Já percebeu como as cores são vivas, Ashley? A vida é colorida,

vibrante, cheia de… — Ela se senta e abre os braços. — CONTRASTE! —


grita.

Gal gargalha alto e aquiesce freneticamente.

— É mesmo, tão colorida! Deveria ser preta que seria mais bonita.
Meneio a cabeça e decido deixar as três ali, ao menos se ficarem

trancadas no quarto não vai acontecer nada a nenhuma delas e logo o efeito

desse bolo deve passar.

Saio e fecho com a chave pelo lado de fora, guardando no bolso.


Ainda não encontrei Kyle ou Jay e estou fugindo de ver meus pais se

agarrando, então abro a porta seguinte, na esperança de encontrar um canto

mais vazio, mas me deparo com meu primo.


Kyle está de pé olhando para a cama e no centro dela…

— Deus de misericórdia! Isso é um leão?

Ele se vira ao ouvir minha voz e faz sinal para que eu entre e feche a

porta.
— É um leãozinho, Ashley — fala, e realmente é um filhote.

Não deve ser maior que um gato.

— Mas vai crescer…


— Um dia, mas aí ele já vai me amar.

— Não é possível que você acredite mesmo nisso. O Azal fez sua

cabeça!
— Nós fomos feitos um para o outro, Ashley. Azal me mostrou o

Bichano e foi amor à primeira vista.


— E seu pai sabe disso? Porque ele vai ter uma morte abrupta.

Kyle desvia os olhos para mim, me fitando com cinismo.

— Seu pai também teria se soubesse de coisas que eu sei.


— Ok! Não está mais aqui quem falou. O leão é seu, o braço e a

perna também. Você não vai voltar para a festa? — pergunto o observando.

— Depois, estou com medo de que ele fuja e isso aqui vire um caos.

— Tem um tigre enorme na festa, não pode piorar.


— Mas meu pai não pode ver…

— Tá bom… Eu vou tentar sobreviver a essa noite.

Kyle ri.
— Boa sorte, só não entra no banheiro do terraço. Tá rolando

suruba.

Nem sei por que me surpreendo.

Quando saio de volta para o corredor, percebo que o som diminuiu


um pouco e agora gritos de torcida se fazem ouvir. Me debruço sobre o

corrimão, tentando entender que tipo de disputa está havendo e percebo que

as pessoas estão divididas em duas turmas.


De um lado…

Aquilo é um hambúrguer gigante?


Tio Josh e um rapaz que deve pesar uns cinquenta quilos devoram

um hambúrguer enorme e, pelas torcidas, acho que quem terminar sua parte

primeiro vence. Como ótima estrategista, tia Ane fica atirando tampinhas de

cerveja no rosto do menino e estranhamente ninguém desclassificou o


marido dela por isso.

Aproveito que estou perto do tonel de cerveja e encho meu copo,

melhor beber do que ficar sã, assistindo a certas coisas.


Do outro lado está pior, ou mais esquisito.

Uma turma de garotos marombeiros está fazendo flexões e eles

competem com ninguém menos que Ethan, que reconheço mesmo

mascarado por causa das tatuagens e Andy, pelos cabelos coloridos. Eu não
sei em que mundo esses dois acharam que teriam alguma chance, porque de

onde estou consigo ver que mal estão conseguindo respirar, e as máscaras

que estão usando pioram tudo. Só podem ter bebido muito. Na verdade tia
Andy está roubando, porque seus joelhos estão apoiados no chão, mas

ninguém parece ter notado. Por alguma razão, o mais estranho de tudo é tia

Majô cortando o cabelo de um garoto no canto da sala, ainda que esteja

mesmo precisando.
Meu pai e minha mãe continuam se devorando no canto da sala.

Procurem um quarto! As máscaras que escolheram são péssimas, só cobrem

os olhos, estou já imaginando os dois em algum site de fofoca amanhã,


desses que exaltam ou criticam a paixão eterna. Isso já é demais para a

minha noite, e estou com fome. Desço para a cozinha e pego alguns dos
salgadinhos que foram servidos, os devorando rapidamente, para fugir

daqui o quanto antes, também tomo mais um copo de cerveja e planejo meu

retorno para o andar de cima.

Talvez eu possa ficar no quarto com as meninas, filmando as duas


enquanto falam bobagem… Vai ser divertido rir disso depois.

Olho para o lado e por um momento penso ter visto o Kalel, da

Shower Singers, mas não vi o Chade e os outros, então acho que não
vieram. Quando tento passar pela sala novamente, sou interceptada por um

garoto alto, usando uma máscara de aviador.

— Oi, Ashley!
— Oi! Com licença — peço, tentando me esquivar.

— Sou eu, o Elijah — fala, erguendo a máscara e então o reconheço.

Claro que sendo a festa para comemorar o retorno do Jay, Elijah e

Sean seriam convidados de honra.


— Que bom que você veio! Já está assustado?

— É meio insano, não é? Quando o Jay disse, pensei que fosse por

causa da putaria, mas não é só isso, as pessoas parecem loucas mesmo.


— Completamente! Tia Majô está cortando cabelo de um rapaz e eu

aposto que ela não conhece o cara.


Elijah ri, olhando para o lugar que aponto. Sinto algo estranho
acontecer, minha cabeça parece ficar mais leve e o som um pouco mais

baixo, não estou muito bem e é meio repentino.

— Será que teremos que ficar aqui na cozinha esperando? — ele


pergunta, alarmado.

— Esperando o que? Eu já vou subir.

— É que agora você vai atrapalhar a coreografia, tem que esperar.


— Que coreografia?

Ele aponta para o centro da sala e então eu vejo. Tudo que havia

antes, já não existe mais. Agora Azal está no meio do cômodo, com os

braços erguidos, ensinando passos de uma dança típica do seu país para
umas quarenta pessoas que o imitam.

Tio Josh terminou o hambúrguer e com certeza está bêbado, porque

está segurando tia Ane por uma mão e o Malífer pela outra. Até meus pais
pararam a sessão de amassos e estão dançando, mas quando penso que já vi

de tudo, alguém troca a música de Azal por uma que está fazendo sucesso
no tiktok, um funk brasileiro.
Eu furaria meus olhos para não ter que assistir ao tio Josh descendo

até o chão de mãos dadas — ou patas — com Malífer, mas já é tarde, então
filmo tudo porque sei que posso precisar disso em algum momento e depois
tento me mover no meio da loucura que virou isso aqui.
O problema é que já não tenho mais tanta destreza, meus passos são
desordenados e minha cabeça começa a girar. O que Lorena disse passa a
fazer sentido, realmente a vida é vibrante e colorida e enquanto tento subir

para o andar de cima, penso ver tio Tray escorregando pelo corrimão da
escada, seguido pela esposa.
Tropeço um pouco em meu caminho, porque os degraus estão altos

e eu não bebi tanto. Foram apenas dois copos, não posso estar bêbada.
Preciso jogar uma água no rosto e melhorar.
Abro a porta do banheiro e vejo Jay, mas ele não está sozinho. Tem

uma menina com ele, uma que nunca vi. Os dois me olham, mas ela
rapidamente desvia o olhar e se volta para ele, suas mãos estão nos ombros
dele.

Droga…
E ele ainda escolheu usar a minha máscara de dormir como
apetrecho da festa, presa em cima da testa

— Ashley, vem cá.


Mas já estou saindo.

Sigo até o quarto onde sei que Kyle está e entro, ele ainda está
brincando com o leão.
— O que você tem? — pergunta, mas sua voz está esquisita, longe.

— Me deixa com ela, vai… — Jay está aqui. — E leva o leão.


Jogo-me na cama de Kyle e fecho os olhos. Talvez se eu ficar quieta
isso passe logo, essa bebedeira, esse mal-estar, essa raiva que estou sentindo
dele, a tristeza.

Sinto algumas lágrimas caírem e tento as enxugar, mas outras vem e


continuam vindo e não consigo impedir que ele veja.

— Não chora, Princesa. — Jay se deita ao meu lado na cama, eu


queria mandar ele sair.
Mas Jay é meu milagre, eu disse que me contentaria se ele se

curasse, só que agora não me sinto contente.


— Não quero falar com você.
— Ashley, eu só entrei pra usar o banheiro e aquela garota entrou,

acho que está bêbada, mas não rolou nada, eu juro pra você.
Fungo, tentando me controlar, porque não posso ser a pessoa que
tem um ataque de ciúmes como esse, sendo que nem sou a namorada dele.

— Eu quero te xingar, mas estou embriagada.


Ele ri, o safado tem a audácia.
— Quanto você bebeu?

— Dois copos, não sei como isso aconteceu. Eu comi salgados e de


repente nossos pais estavam dançando funk e fazendo flexão.

— Deus me livre de assistir a essas coisas.


— E aí eu fiquei assim.
— Deve ser por ter visto esse tipo de coisa — ele fala.
Por um momento penso que é sério, mas ele ri de novo.

— São os salgados, tá tudo batizado. O Kyle falou que o colega dele


colocou maconha na comida toda.
Agora faz sentido, por isso Gal e as meninas tinham aqueles

bolinhos.
—E aí você estava fazendo xixi na menina…

— Ishiii! A coisa já está tomando um rumo bem diferente agora,


Princesa. — Jay acaricia meus cabelos, eu gosto quando ele faz isso. — Eu
não beijei a menina, tá bom? A última que eu beijei foi você, não precisa

ficar com ciúmes.


— Eu não sinto isso… Só uma coisa ruim no meu estômago, parece
que você me deu um soco e fica tudo retorcido. Igual me senti quando disse

que não queria mais ficar comigo.


— Disse não foi? Me desculpa por te fazer se sentir assim, não era
verdade. Eu só não sei se sou o suficiente pra você…

Jay respira fundo e meneia a cabeça.


— Por quê?
— Será que você está chapada o suficiente para não se lembrar disso

amanhã?
Aquiesço, apenas para que ele fale. Torcendo para que não seja o

caso.
— É uma conversa meio bad pra ter agora, deixa pra lá.
— Pensei que você gostasse de mim, Jay.

— Gostar? — Ele ri e coloca minha mão sobre seu peito. — Gostar


não chega nem perto do que eu sinto por você, Ashley, é muito, muito
maior.

Abro um sorriso, satisfeita, e fecho meus olhos.


— Então você me ama também…

— Também? — ele sussurra, e eu apenas aquiesço.


Em seguida abro os olhos novamente, me lembrando que a festa está
rolando e eu deveria sair daqui.

— Tá bom, Jayjay. Agora eu vou falar com meu pai, quero ir


embora.
— Acho melhor ficar aqui — ele diz, meio inquieto. — Seu pai tá

muito louco e acho que não vai ser bom ele te encontrar chapada.
— Mas…
— Eu fico com você, e depois a gente desce, tá?

Aquiesço, um tanto quanto sonolenta.


Depois disso acho que durmo por umas duas horas, sobre o braço
dele. Jay fica comigo, mas não sei se chega a dormir, porque quando abro
os meus olhos, os dele estão fixos em mim.
— Melhorou, Princesa?
— Tio Josh desceu até o chão com um tigre e a tia Majô podia ser

cabelereira, acho que nunca vou me recuperar dessa — falo, esfregando o


rosto.
Estou comentando sobre as coisas que vi, mas acho que Jay entende

que ainda não estou bem, porque ele meneia a cabeça e desliza os dedos
pela minha face.
— Não podemos ficar mais por aqui, ou seu pai vai pegar a gente.

Vai ter que descer e botar a culpa nos salgados do moleque…


— Tá tudo bem.
— Você ainda está com raiva de mim?

— Não.
Olho para o rosto dele, tão perto do meu e não resisto a me

aproximar um pouco. Passo a mão pelo seu queixo, pela pontinha do seu
nariz, pelos seus lábios.
— Ashley…

— Finge que está sonhando de novo.


Ele sorri, ciente de que me refiro a quando dormi com ele no
hospital e se inclina, tomando minha boca na sua, em um beijo que é um

misto de saudade, de sentimentos e de desespero.


Jay segura minha nuca e aprofunda o beijo, nossos corpos se colam
e toco seus ombros, seu peito, suas costas, afoita por sentir ele todo, ao

menos mais uma vez, mais um beijo. Nossas línguas se encontram e


dançam em um ritmo envolvente, único. Nós somos imperfeitos, mas o que
construímos quando estamos juntos é o paraíso.

Com muito esforço, consigo me conter e o afastar, e Jay geme,


tomado de frustração, assim como eu.
— Se fosse um sonho eu não ficaria de pau duro — fala, cobrindo o

rosto.
Abro a porta e dirijo um último olhar a ele.
— Se fosse meu sonho, não teria fim.

 
 

 
 

 
 

Your smile is a miracle


Your breath is a miracle
Looking at you is a miracle

Loving you is my miracle


(Seu sorriso é um milagre
Sua respiração é um milagre

Te olhar é um milagre
Te amar é meu milagre)
My Miracle – Ashley F. Ray

 
 
ASHLEY

 
Acordo sentindo a boca seca e procuro instintivamente por uma
garrafa de água no frigobar, mas não encontro nenhuma. É bem raro eu o

utilizar, já que geralmente tomo café da manhã e faço minhas refeições na


cozinha, então quando as coisas acabam, demoro a perceber e geralmente
não sou eu quem o reabasteço.

Saio do quarto e já no corredor encontro meu pai. Ele parece bem

pior que eu, o que é óbvio, afinal eu mal bebi e se não estou completamente
bem é só porque algum idiota achou que seria uma ótima ideia batizar a

comida toda da festa.

— Bom dia, Princesinha do papai. — Ele se inclina, beijando o topo


da minha cabeça.

Meu pai está usando apenas uma sunga e ela é cor-de-rosa. Não faço

ideia do motivo, já que nem havia piscina na festa de ontem, mas acho
melhor não perguntar.

— Bom dia, pai. Cadê a mamãe?


— Diz que foi preparar um antirressaca, mas tá enfiando até couve

no liquidificador. Vai ficar intragável — ele fala, com uma careta.

— Quem mandou tomar um caminhão de cerveja?


— A senhorita não parece muito melhor. — Ele aponta o dedo, me

julgando ainda por cima.

— Só que no meu caso, não foi por vontade própria, algum imbecil
colocou maconha nos salgados e eu estava com fome! Comi como se não

houvesse amanhã e só me dei conta quando comecei a ficar chapada. O que

aliás foi bem esquisito.


A expressão dele agora é de pavor.

— Tá brincando comigo, Ashley?


Nego, afinal, não foi proposital, ele não pode brigar por uma coisa

da qual não tive culpa.

— Não, a Gal e as meninas também comeram, sem saber de nada.

— Puta que pariu, Ashley! Isso é muito sério, elas têm dezoito anos!

Cadê as garotas?

Arregalo os olhos ao me lembrar de ontem à noite, quando as deixei


trancadas no quarto. Abro a boca para contar a ele o que fiz, quando noto
tio Tray entrando pelo outro lado, bem tranquilo. Ele nem parece de ressaca
e está até assoviando.

— Tray, cadê suas meninas? — meu pai pergunta, sério.

De sunga cor-de-rosa, devo lembrar.

— Em casa, ainda estão dormindo depois de ontem. Por quê?

— Ashley estava dizendo que um moleque batizou a comida e as

garotas comeram.
Tio Tray parece assustado agora. Ele meneia a cabeça e franze o

cenho, olhando para o meu pai sem acreditar no que está ouvindo.

— E elas estão naquele hospício de faculdade sozinhas, Ray. O que

eu faço? O que vai ser das minhas bebezinhas sem o pai para as proteger? O

Kyle arrumou um leão de estimação, eu não posso confiar naquele moleque

com minhas meninas, ele é pior que a sua irmã e ela já era uma pirralha

perseguidora de Joshs e velhinhos do Peace.


Eles são inacreditáveis.

— Eu fui e voltei da universidade inteira, tio Tray. Relaxa — falo,

colocando a mão no ombro dele.

— Você é uma menina ajuizada, graças a sua mãe — ele responde,

desolado.

Seria trágico, se não fosse cômico.


— Amor? — Minha mãe surge na outra ponta do corredor. Ela está

usando um macacão preto, já tomou banho e está maquiada, impecável e


elegante como sempre. — Está pronto.

— Vem Tray, ela fez cura-ressaca — meu pai chama, oferecendo


apoio ao amigo, que até poucos instantes parecia bem e agora foi atropelado
pela realidade de ser pai de garotas.

Penso que um copo dessa bebida me faria bem. Tio Josh e tio Ethan
também já estão por aqui, pelo horário e o fato de estarem os quatro

reunidos, só pode significar que pretendem ensaiar, então decido que esse é
o momento perfeito para mostrar a eles a minha música, uma decisão que

tomei depois de tudo que aconteceu com Jay. Não quero mais seguir
vivendo algo que não é o meu sonho.
— Vão para o estúdio? De ressaca?

Ethan aquiesce, com evidente tristeza.


— Ontem à noite parecia uma ótima ideia. Seu pai disse que não

podíamos perder mais tempo, que estávamos ficando velhos e todos


concordamos que cada porra de segundo contava… E aqui estamos nós.

Quatro idiotas.
— Mas que agora estão sãos — meu pai diz, tomando sua bebida,
com cara de nojo —, e podiam desistir desse ensaio e voltar para a cama.
— Não podiam, não. Vamos descer que eu quero mostrar uma coisa

para vocês — falo, determinada a ir até o fim.


Minha mãe é quem me encara agora, com o cenho franzido,

enquanto toma seu smoothie, porque influenciei até ela nas receitinhas para
o café da manhã.

— Posso saber também o que é, ou vai ficar de segredinho com a


banda?
— Claro que pode, dona Julia. — Eu a abraço pelo pescoço e beijo

seu rosto com carinho. — Eu compus uma música e quero que ouçam.
Eles serão os primeiros, quem sabe um dia outros também escutem,

talvez Jay ouça e reconheça como a mesma canção que cantei para ele lá no
chalé. Só que hoje, eu não odeio amá-lo, como dizia a estrofe original, que
foi alterada.

Meu pai e os outros me encaram parecendo surpresos, ninguém diz


nada por quase um minuto inteiro e então, ele quebra o silêncio.

— Está dizendo que escreveu uma música? Pensei que… Que não
gostasse mais…

— Eu sei. — Dou de ombros, sem jeito. Não sei como dizer a ele e
aos outros o monte de besteira que já pensei, quanta coisa permiti que
barrasse meu sonho por todos esses anos. — Estava com medo.
— Medo? Do que, filha? Você tem a mim, tem a banda, tem o apoio
que precisar. Sempre achei que iria cantar, mas você quis estudar, como a
sua mãe e nós nos orgulhamos da profissão que escolheu, porque pensamos

que era isso que você queria.


Ter todos eles me olhando assim não ajuda. Mas sempre foi dessa

forma, a Dominium é uma família e não existem assuntos privados.


— Tive medo da comparação, de não ser boa o bastante e preferi
recuar.

— Mas que porr…


— É muito compreensível — tio Josh interrompe o palavrão do meu

pai, me dando apoio —, você conquistou muitas coisas com seu nome, Ash.
Eu acho louvável que a Ashley tenha se preocupado com isso, ela não

queria ser só um rosto bonito na mídia, cantando qualquer besteira.


— Ela tem o cérebro da mãe dela — meu pai aponta para mim —, é
lógico que não ia cantar besteira.

— Então levantem as bundas dessas cadeiras e bora ouvir o que


nossa Princesa escreveu. — Tio Tray esfrega as mãos, ansioso.

— Bora! Vamos, Julia — tio Josh chama.


Descemos todos para o estúdio, que fica no andar de baixo, perto da
academia e então entramos. Meu pai fica encostado na parede, no canto e os

outros assumem seus lugares atrás dos instrumentos e só então percebo que
pretendem me acompanhar, enquanto eu canto. Minha mãe se senta à nossa
frente e me faz um gesto de incentivo com o polegar, mas eu simplesmente
travo.

E se eles não gostarem?


Ethan é quem percebe primeiro e deixa o baixo de lado, seguindo

até onde estou. Ele apoia as duas mãos nos meus ombros.
— Saca só, finge que não tem ninguém ouvindo. Fecha os olhos e só
canta, a gente toca e fica quieto, você segue em frente e só para no final,

beleza?

Aquiesço, concordando com a sugestão, mas me viro para encarar


aos outros.

— Eu já escrevi várias músicas, mas é a primeira que tenho coragem

de mostrar, as letras não são baseadas em nada real, é só arte, ok? E nada de

comentários enquanto eu canto, só no final.


— Claro, filha. — Meu pai parece acreditar.

Mas tio Josh nem olha para mim. Como compositor oficial da

banda, ele sempre se inspirou na esposa para escrever suas músicas e


provavelmente já sabe de antemão que estou mentindo.

Pego meu celular e encaminho a cifra para todos eles, depois ajusto

o microfone e fecho os meus olhos.


Estou novamente em Turquoise Lake, com Jay. Somos apenas nós,

as águas calmas a nossa frente e a neve muito branca. Nada mais para tirar
nosso sossego, uma vida inteira pela frente e a minha música…

Eu canto.

I once I hated loving you


One day I loved to hate you

But today my feelings mix

In a canvas full of collors

(Um dia eu odiei amar você


Um dia eu amei odiar você

Mas hoje, meus sentimentos se misturam

Em uma tela cheia de cores)


 

If we're together or not, it doesn't matter

As long as you are here


If you love me or not, it doesn't matter

As long as you stay here

(Se estamos juntos ou não, não importa

Desde que você esteja aqui


Se você me ama ou não, não importa

Desde que você permaneça aqui)


 

Respiro fundo e penso nos momentos que passamos juntos, em tudo

que nos trouxe até aqui. Talvez Kyle tivesse razão quando disse que o
destino havia nos escolhido desde sempre e que toda aquela implicância já

era algo mais.

Esteja comigo ou não, desde que Jay permaneça…

 
Because the moment you smiled

What was obscure, colored

One a screen of many colors


Painting the word miracle

(Porque no instante em que você sorriu

O que era obscuro, coloriu

Em uma tela de várias cores


Pintando a palavra milagre)

Lembro-me do dia em que estivemos no parque, comemos juntos e


subi na moto com ele pela primeira vez. Jay sorriu naquele dia e tudo

ganhou cor. Eu deveria saber que o coração que batia em meu peito não era

mais meu…

 
Your smile is a miracle

Your breath is a miracle


Looking at you is a miracle

Loving you is my miracle

(Seu sorriso é um milagre


Sua respiração é um milagre

Te olhar é um milagre

Te amar é meu milagre)

 
Para alguém que sempre se bastou, alguém cuja família representa o

mais puro afeto, se doar a outra pessoa sem egoísmo ou jogos, isso é o que

faz sentido.
Uma lágrima escorre pelo meu rosto enquanto penso nele. Não de

tristeza, porque eu sei que de um jeito ou de outro, nós vamos encontrar o

caminho um para o outro, mas de gratidão, porque essa música é sobre isso,

sobre ele, que é meu milagre. Sobre um garoto que me fez acreditar que
existe algo além do céu, que existe um Deus que ouve as orações

desesperadas dos nossos corações.

 
Your smile is a miracle

Your breath is a miracle


Looking at you is a miracle

Loving you is my miracle

(Seu sorriso é um milagre

Sua respiração é um milagre


Te olhar é um milagre

Te amar é meu milagre)

 
Repito a última estrofe com a minha alma, quase como se fosse uma

prece. Pela ciência só teremos certeza de que ele está livre da doença em

alguns anos, mas eu agora creio em algo maior, que traz o impossível para a

realidade.
Quando a nota final deixa meus lábios e abro meus olhos, percebo

que minha mãe está cabisbaixa e talvez um pouco emocionada. Ela ergue o

rosto quando coloco o microfone no pedestal e sorri para mim.


— É perfeita, minha filha. A coisa mais linda que já ouvi.

Seco o canto dos olhos com as pontas dos dedos, disfarçando o

choro, e noto que tio Tray deixa o estúdio sem olhar para trás, pedindo

licença. Quando me viro para os outros, eles me fitam com expressões


bastante parecidas, um pouco desligados da realidade, mas tio Josh está

com o celular nas mãos, me filmando.

— Dá um oi, Ashley…
Meio sem jeito, aceno para a câmera e ele encerra o vídeo,

guardando o aparelho no bolso. Meu pai é o primeiro a se aproximar, ele


estava de lado, acho que para não aparecer no vídeo do tio Josh usando

apenas a sunguinha

— Você é foda pra caralho, Princesa. Sua voz me deixou todo

arrepiado e me fez lembrar de quando ouvi o Chade pela primeira vez.


Lembra disso, Ethan?

Ethan aquiesce, com os olhos muito abertos.

— Não tem noção, Ashley. A Shower Singers é gigante e você


também vai ser, não porque eu sou seu pai, mas porque sua voz, assim

como essa canção, vieram do além.

Eu o abraço e recebo os cumprimentos dos outros, mas os deixo no


estúdio comentando sobre a música e subo para o meu quarto para me

trocar. Estou decidida a ir falar com Kyle hoje e tirar uma dúvida a respeito

de algo que Jay me falou ontem e que ele com certeza vai saber. Mas

quando abro a porta, encontro tio Tray sentado na minha cama, o rosto todo
molhado e a cabeça baixa.

— Oi.

Ele abre um sorriso meio sem graça quando me vê.


— Desculpa, pirralha, por entrar aqui e te esperar feito uma

assombração, mas precisava falar com você e não tinha como ser perto do
seu pai.
Como ele saiu no final da música, isso me dá uma ideia do que está

acontecendo aqui.

— Tudo bem, o que…


Em um momento ele está lá sentado e no outro está me abraçando e

chorando de soluçar. Eu o abraço de volta, sentindo o nó na garganta

retornar e suas próximas palavras me mostram que ele entendeu tudo o que
eu escrevi e cantei.

— Eu também falei com Deus, sabe? Nunca soube fazer isso,

Ashley, não me lembro de ter feito na primeira vez que aconteceu, mas

quando Jay melhorou eu pensei… Deus existe e é gigante — ele fala, com a
voz embargada. — Eu não tive pai e mãe, mas ganhei a Dominium como

família e a Jas e nossos filhos. Eu não podia aceitar que Ele ia levar meu

Jay. Então dessa vez, do meu jeito errado e torto, eu orei e pedi muito que
Deus o salvasse, porque eu não ia suportar, mas mesmo agora que meu filho

está em casa eu morro de medo, ainda não consigo dormir de pavor de que
isso volte.
Nós nos confortamos aqui, porque compartilhamos esse sentimento

de pavor por muito tempo, mas eu não sinto mais isso e é o que digo a ele.
— Nunca pensei muito em Deus, tio, até precisar. E eu sei que… —
Respiro fundo, porque sei que a partir do momento em que essas palavras
saírem da minha boca, estarei declarando o que eu sinto, mesmo sem dizer
as palavras exatas.
Ele me fita e seus olhos carregam um peso enorme. Como pai, sei

que ele precisa ter a fé e a segurança que eu tenho agora.


— Não precisa ter medo, o Jay é o meu milagre, eu sei no meu
coração.

Tio Tray beija minha testa com carinho.


— Acredita mesmo nisso? Que estamos livres pra sempre?
Aquiesço.

— Sim, eu não entendo os motivos. Mas seja qual for o propósito


disso ter acontecido com ele, já foi cumprido.
Ele assente, me fitando. Noto o brilho de esperança retornar,

devagar e progressivo, e desejo que tenhamos esse brilho sempre.


— Porra, seu milagre tem um jeitinho sorrateiro de tomar a barraca
das pessoas — fala, e a princípio não entendo nada. — Agora, a gente que

se foda pra explicar isso pro seu pai, porque ele vai matar todo mundo!
Isso me arranca um sorriso, ele sempre consegue dizer coisas

impróprias em momentos em que elas não cabem, acho que a barraca sou
eu.
— Jay e eu não temos nada.
— Como não tem? E essa música? Eu saí de lá parecendo um
maricas, chorando mais que com cebola! Não disse que seu milagre é amar
o meu moleque?

— Isso não quer dizer que a gente esteja junto, só quer dizer que ele
está vivo, e bem.

Mas sua cabeça se balança de um lado para o outro, enquanto se


recusa a concordar comigo.
— Não, seu pai que tome um remedinho pra ficar calmo, a gente

bota ele numa camisa de força se for preciso, porque agora eu quero! Você
não tá entendendo, Princesa. Já visualizei, sacou? Você é minha nora, o Jay
é seu milagre, a música nas paradas de sucesso… — fala, abrindo os braços

para exemplificar. — Porra, que coisa linda! Não, isso vai rolar e o
apocalipse vai ter que ficar pra depois.
— Que apocalipse? — Franzo o cenho, confusa.

— O que seu pai vai querer promover. — Ele abre um sorriso


matreiro. — Fiquei apavorado quando peguei vocês dois no hospital, mas
agora que tem esse lance de Deus fazendo milagre aí no meio, mudei de

ideia. Porque nem o Ashton pode se meter nisso aí, coisa divina a gente tem
que aceitar e pronto.

— Eu não disse isso…


— Mas é o script que tô montando pro Ash. Acompanha, pirralha.
— Tio, mesmo que a gente falasse e ele entendesse, porque uma
hora eu sei que meu pai iria aceitar, a questão é o Jay. Foi ele quem

terminou comigo.
Ele balança a cabeça em negação.
— Não terminou.

— Claro que terminou, eu tava lá!


— Mas a Florzinha disse que o Jay fica esperando você aparecer e

perguntando sobre você, fez um desenho de uma tatuagem ou um negócio


assim… Por que ele faria isso?
Dou de ombros, porque também não o entendo bem. Eu sei que ele

sente algo por mim, não é essa a questão.


— Ontem ele disse alguma coisa sobre não ser o suficiente pra mim
— respondo, me lembrando do que pretendia perguntar ao Kyle.

Jay pode pensar que não me lembro, mas cada palavra e cada cena
da noite de ontem ficaram gravadas na minha mente.
— Ahá! — Tio Tray bate palmas e salta no lugar. É incrível como

tem ânimo. — É o papo de ser pai!


— Que papo? Ele vai ser pai? — Meu coração falta saltar pela boca.
É difícil acompanhar, sempre foi, porque ele fala muito rápido e liga

um assunto ao outro sem avisar sobre as mudanças, mas me esforço para


compreender ao máximo.
— Não! É que com a cirurgia que foi feita, ele acha que tem

cinquenta por cento menos chances de ser pai, em teoria tem mesmo. Mas
ele ficou falando nisso e percebi que o incomodou bastante.
— Mas… Não pode ser isso. Ele nem sabe se eu quero filhos! Além

do mais, a gente estava só começando, era muito cedo para que se


preocupasse.
Mas tio Tray parece ter certeza.

— Ele ficou obcecado quando mencionei um cara que foi pai depois
da retirada do testículo, então, se quer meu palpite, é isso sim. Pode parecer

precipitado, mas o Jay não é o tipo de cara que pensa só no agora, ele pensa
no depois. Além disso, estamos falando de você, ele não ia entrar nessa sem
pesar tudo, incluindo o futuro, por causa do que envolve, como seu pai, a

banda e toda a questão familiar.


— Isso é bem ridículo, porque existem várias opções se esse for um
problema futuramente.

— Aí você vai lá então e chama ele de ridículo na cara. Eu apoio.


— Será? — Mordo o lábio, já planejando meus próximos passos.
Se for isso mesmo, Jay não me escapa.

— Vai, Princesa! Eu te ajudo com seu pai depois…


A porta do quarto está entreaberta e tomo outro susto enorme
quando minha mãe termina de abri-la.
— Também ajudo, amor.
— Mãe!
Ela sorri, como quem sabe das coisas.

— Filha, se seu pai não percebeu que a música era sobre o Jay,
sinceramente, vou ter que rever o casamento. Não consigo acreditar que
possa ser tão lerdo! Ou inocente… Não sei.

— É, tava bem na cara mesmo — tio Tray concorda.


Estreito os olhos para os dois, mas não brigo, afinal acabo de ganhar
dois aliados e não é como se pudesse desperdiçar. Pego meu celular no

bolso da calça e disco o número dele, que atende logo no primeiro toque.
— Oi…
— Oi, será que consegue começar aquela tatuagem?

 
 
 

 
 

 
 

We were both young


When I first saw you
I close my eyes

And the flashback starts


I'm standing there
On a balcony in summer air

(Nós éramos jovens


Quando eu te vi pela primeira vez
Eu fecho meus olhos

E começo a lembrar

Eu estou parada
Em uma varanda, no ar do verão)

Taylor Swift – Love Story

 
 
JAY

 
Desde que éramos crianças, Ashley sempre foi como minha versão
feminina. Minha arqui-inimiga, que era páreo para mim porque usava

métodos astutos e que surtiam um efeito devastador. Ela continua assim e


seu poder de destruição agora é ainda maior.
Josh publicou um vídeo cerca de meia hora atrás, no Instagram da

Dominium. Ashley estava cantando uma música, eu pude reconhecer a

melodia e dessa vez ouvir a letra completa, entoada por aquela voz
angelical. Foi como ter meu coração arrancado de dentro do peito e

massacrado pelos seus sapatos de salto quinze. Agora estou no sofá da

concessionária, lendo os comentários no vídeo, preso a ele como em um


looping infinito.

— Cara, a nossa Ashley tem a voz doce! — Sean fala, com um

sorriso que mostra todos os dentes. — Você viu o que estão falando dela?
Deixou a todos apaixonados.

— Nossa Ashley o caralho — respondo, o encarando com o cenho


franzido.

Volto os olhos para os comentários masculinos no vídeo.

Vem cantar no meu ouvido, gata.


Me chama de milagre que eu te faço ir ao céu…

Como essa Ashley é gostosa, nem percebi que estava cantando.

— Bando de arrombados.
— Tá com ciúmes, Jay? — Elijah pergunta, achando graça na minha

raiva.

— Vocês estão tentando me irritar? Eu nem sei por que vim até aqui,
devia ter ficado em casa descansando.

— Isso porque eram inimigos mortais, Sean. Agora a gente nem


pode ser amigo da Ashley que ele fica bravinho…

Atiro a almofada do sofá na cabeça dele, que não dá a mínima.

— Eu fiquei pensando uma coisa enquanto ouvia a música — Sean

fala, agora mais sério.

— Espero que não seja outra bobagem — resmungo.

— Essa letra não te parece meio… pessoal?


— Eu disse que era bobagem — falo, ciente de que ainda que eu

tente, não consigo disfarçar a verdade.


Nem que eu quisesse eu poderia, ela não tentou fingir que não
escreveu por mim. Tudo que eu queria agora era esquecer qualquer

preocupação futura e buscar minha garota, assumir meus problemas com o

pai dela e seguir em frente. Mas é por ela, pela menina que consegue mexer

comigo dessa maneira, que decidi abrir mão do que eu quero, que resolvi

não pensar apenas em mim.

Estou visualizando o rosto dela com tantos detalhes na minha mente,


que sinto como se a tivesse invocado quando meu telefone toca e seu nome

pisca na tela.

— Oi… — Atendo rápido, antes que por alguma razão, Ashley

desligue.

— Oi, será que consegue começar aquela tatuagem?

— Pensei que faríamos no futuro, quando tivéssemos certeza.

Foi o combinado, quando eu me curasse do câncer, mas ela não


hesita nem por um momento.

— Eu tenho certeza, Jay.

— Tá bom, então. Quando?

— Hoje, estou indo para o seu estúdio, pode me encontrar lá?

Aquiesço freneticamente, até me lembrar que ela não pode me ver.

Porra, eu pareço um idiota de quatro por essa menina!


— Em uns vinte minutos.
Encerro a chamada e pego meu capacete, me lembrando de pegar

um para Ashley também, apenas para caso precise dar uma carona a ela.
Quando chego ao shopping, sigo até o estúdio que está fechado, já que é

domingo. Eu abro a porta e entro, a deixando encostada para não correr o


risco de que outras pessoas se sintam convidadas a entrar.
Arrumo o decalque com o desenho da tatuagem e preparo as

máquinas com as tintas. Deixo tudo esterilizado e pronto para uso.


Ashley não demora a chegar e ela parece mesmo disposta a destruir

minha sanidade. A mulher achou que seria prudente colocar um vestido


justo, vermelho, que deixa suas pernas torneadas expostas e sapateia no

meu orgulho com as sandálias pretas de salto alto. O batom vinho é a minha
ruína.
— Oi, Jayjay…

— Porra, assim não vale.


— Que foi? — pergunta, com um sorriso de quem sabe exatamente

o que está fazendo.


Coloco minha jaqueta pendurada atrás da porta e depois a tranco,

nos isolando aqui. A descarada ainda passeia os olhos pelos meus braços e
brinca com a língua na ponta dos lábios pintados. Ela veio com a intenção
de me foder.
— Princesa, eu não como ninguém faz meses. Precisa fazer isso

comigo?
— Nossa, Jay! Quanto drama, só vim me tatuar, como combinamos.

— E é o que nós vamos fazer — falo, mais para mim mesmo,


tentando me concentrar em reunir forças para resistir a ela.

Ashley segue até a maca e observa meu material de trabalho com


atenção.
— Tudo pronto?

— Sim, vou colocar o decalque e depois começamos. Vai fazer


pegando da cintura até a coxa, como tinha falado?

Ela sorri, e percebo meu erro, acabei de assinar minha sentença.


— Exatamente.
— Ashley, você sabe que se tivesse vindo de calça e blusa poderia

tirar a calça e a gente só subia um pouco a blusa se fosse preciso, não sabe?
Ela não parece se importar nenhum pouco com isso quando ergue

lentamente o vestido, passando a peça pelas pernas e subindo bem devagar.


Minha boca fica seca e perco a voz, meu pau fica duro na mesma hora,

avisto a calcinha pequena e vermelha, da mesma cor do vestido e depois sua


cintura fina, os seios cheios envoltos em um sutiã meia taça que parece feito
para os deixar saltando para fora.

— Puta que pariu.


— Assim fica mais fácil pra você fazer.
Fácil para quem?
Ashley ainda faz questão de subir na maca de quatro, com a bunda

empinada para o meu lado e eu perco o rumo. Não tenho mais a menor
noção do que deveria fazer agora.

Ela me fita, esperando que me mova.


— Você não vem?
Sigo até onde ela está, a boca cheia d'água.

Que caralho de mulher gostosa, eu poderia me afundar nela por dias


seguidos, por anos.

— Princesa, o que você quer de mim?


— Acha que pode deixar a tatuagem pra depois? — pergunta,

sugestiva, a mão tocando o cós da calcinha.


— Porra, Ashley! Que tatuagem? Minha mão tá tremendo e meu
pau duro igual pedra, mas eu vou pro céu direto, porque minha resistência

aqui deve ser de um santo! A gente já conversou e…


Ela se senta na maca e abre o botão da minha calça e eu perco o

resto de sanidade que me sobrou. Puxo Ashley pela nuca e beijo sua boca,
engolindo seu gemido quando minha língua encontra a sua. Minha mão
entra pelo cós da calcinha que ela antes insinuava e deslizo o dedo até
encontrar a entrada da boceta molhada. Porra! É meu paraíso, como ela é
gostosa.
Toco seu clitóris e brinco com ele na ponta dos dedos, enquanto

Ashley me puxa para cima da maca, arrancando minha camiseta pela


cabeça. Tiro os sapatos também e subo com ela, deixando para pensar nas

consequências disso depois.


Não há gentilezas agora. Eu a amo de um jeito insano, mas não
estamos fazendo amor. Meu corpo sente sua falta de um jeito bruto, intenso

e a vontade de me enterrar nela faz com que cada gesto meu seja movido

pelo desespero. Ashley corresponde com a mesma fúria, ela morde minha
boca e arranha minhas costas, lambe meu pescoço e fala sobre o quanto me

quer dentro dela, me deixando ainda mais louco.

Minha calça vai para o chão em segundos e arrebento o fecho do seu

sutiã, libertando os seios dela e afundando a boca neles. Sugo os bicos


durinhos, com vontade, me perdendo neles enquanto ela os segura e oferece

para mim.

É só quando Ashley toca o cós da minha cueca que o meu momento


de loucura se quebra e me lembro da cirurgia, de tudo que mudou ali

embaixo e de que essa é a primeira vez que avanço até aqui, desde então.

Eu não preciso dizer nada, porque ela entende perfeitamente o que se passa
pela minha cabeça.
— Para de pensar besteira, isso não faz a menor diferença. Se você

não meter esse pau agora em mim, eu não me responsabilizo pelos meus
atos.

Só Ashley para transformar um momento tenso como esse em algo

engraçado. Abaixo a cueca e brinco com a cabeça do meu pau em sua


entrada, e estranhamente não estou preocupado com o uso do preservativo,

os riscos são mínimos mesmo, não nos relacionamos com outras pessoas há

muito tempo e a vontade é tão grande que não consigo sequer raciocinar

direito.
— Quer meu pau tanto assim?

— Você, Jay. Eu quero você tanto assim…

— Também quero você.


Penetro seu corpo devagar, fechando meus olhos para apreciar o

momento. O aperto em volta de mim, o modo como ela se comprime e

solta, me recebendo, o jeito como nossas respirações se mesclam, se


tornando uma só.

— Jay…

Começo a me mover dentro dela, primeiro lento, e em seguida

aumento meu ritmo, gradualmente, até estar metendo forte e duro. Qualquer
pessoa que passe do lado de fora do estúdio vai saber o que está

acontecendo aqui.
Ashley geme e grita, ela chama meu nome e, caralho, é como uma

canção pra mim.

— Como você é gostosa, linda…


As mãos dela tocam meu rosto e sua boca busca a minha, ela fala

contra meus lábios.

— Você também.

— Que saudade, Ashley. Eu amo estar dentro de você… — Ela


aquiesce, ainda me beijando. — Eu amo você.

Travo por um instante, me dando conta do que eu disse, percebendo

que falei em voz alta e que possivelmente estraguei tudo, mas ela apenas
sorri e rebola, me incentivando a continuar, como se não fosse nada demais.

Toco seu corpo e a beijo em todos os lugares ao meu alcance, ela se

entrega de uma forma tão profunda que quando goza seu corpo se contorce

todo e leva um minuto inteiro para que sua respiração comece a voltar ao
normal e os gemidos diminuam. Intensifico meus movimentos, meus dedos

se afundam em sua carne enquanto sinto seu cheiro maravilhoso e me

apaixono de novo por cada pedacinho dela.


Eu me afasto pretendendo gozar fora, mas Ashley me puxa para

mais fundo e fita meus olhos de um jeito que acho que nunca vou esquecer.

— Não tira, Jay. Eu também te amo…


Não era para essa declaração fazer sentido, mas por algum motivo

ela faz, é como se ela entendesse o que se passa na minha cabeça e mesmo
assim quisesse ficar, mas não tem como ser isso. Como poderia?

Eu me derramo nela e a abraço forte, inalando o aroma do seu

perfume. Sinto seu corpo nas minhas mãos, me preparando para voltar à
dura realidade, na qual Ashley não pode ser minha.

— Se for esse o problema, melhor começar a tentar agora — ela

fala, baixinho.

Demoro alguns segundos para compreender a que ela se refere.


Ergo meu corpo, me apoiando nos braços e a encaro.

— Pode não ser uma questão de tentativas e, mesmo que fosse,

talvez seja cedo demais para essa conversa.


— Se fosse cedo, você não teria terminado comigo por isso. Não foi

esse o motivo?

— Você não entende, Ashley. Hoje pode parecer besteira, não está

pensando em ter filhos, em ser mãe, mas um dia vai pensar e aí quando for
a hora e se eu não puder, vai se ressentir.

— E você está deduzindo isso por mim? — Ela segura meu queixo e

me faz olhar em seus olhos. — Não faz ideia do que eu sinto por você, Jay.
— Acho que faço sim, eu ouvi você cantando hoje.
— Então sabe que você é o meu milagre, se isso te preocupa,

podemos adotar um bebê se quisermos ter filhos e não conseguirmos. Mas

não acho que seja razão para não ficarmos juntos, a menos que você não

sinta a mesma coisa que eu.


— Não duvida disso, porra. Eu amo você, me dói pra caralho pensar

em te deixar ir e é por te amar tanto que decidi abrir mão, pra que você

possa ter tudo, Ashley. Nem sabemos o que vai ser de mim, essa doença…
— Você é meu milagre, Jay. Não entendeu ainda?

— Eu tenho que acreditar assim também? — pergunto, sorrindo por

fim.

Ela alcançou um estado de fé tão grande nesse milagre que ele


parece ser incontestável.

— Não, eu tenho fé o bastante por nós dois, mas você vai ver, isso

eu garanto. E quando chegar a hora, eu vou te lembrar desse momento.


— Deus sabe que eu tentei ser bom, me esforcei pra ser altruísta,

mas você é persistente. Eu não aguento… Se você tem certeza de que quer

ficar comigo mesmo assim, então tudo bem, não consigo ficar rejeitando a

felicidade, quando ela chega de lingerie vermelha.


Ela sorri, me beijando com carinho.

— Então agora vamos nos levantar e nos limpar, temos uma

tatuagem para fazer.


 

Uma das melhores sensações do mundo, depois de ouvir Ashley

dizer que me ama independentemente de qualquer coisa e de transar com

ela é ter essa mulher na minha garupa. Sentir o vento no rosto enquanto
corto a cidade na minha moto, tendo os braços dela ao redor da minha

cintura, é indescritível.

Quando chegamos na casa dela, Ashley segue para o quarto para se


trocar. O vestido estava pegando sobre a tatuagem nova e incomodando um

pouco, e decido ir até a cozinha para comer alguma coisa enquanto espero

por ela.

Estou sentado diante da mesa, comendo um pão com ovos que Tícia
pediu que preparassem e tomando suco de laranja, quando Ashton aparece.

Sua expressão demonstra claramente o quanto está preocupado com alguma

coisa.
— E aí, Jay? Tudo bem?

— Ótimo, na verdade. Faz um bom tempo que não me sinto assim.

Ele aquiesce e abre um sorriso e imediatamente me sinto culpado.

Como é que eu vou resolver isso?


— Viu meu pai? — pergunto, porque vi o carro dele na entrada.
— Tá por aí, os outros também. Estávamos ensaiando mais cedo…

Meu celular vibra com uma mensagem de Ashley, avisando para a

encontrar do lado de fora, perto de onde deixei a moto estacionada.


— Sei… Eu já vou embora — falo, me levantando.

Mas não dou sorte, porque Ashton decide me seguir.

— Jay, acho que preciso da sua ajuda, cara. Hoje aconteceu um


lance e fiquei pensativo, depois a Julia falou umas coisas. Acha que aquele

frango pode ter voltado a andar atrás da Ashley?

A pergunta me pega desprevenido.

— O tal do Timoty? Não, certeza que não.


— Então é outro cara.

— Por que acha isso? — Estou começando a ficar nervoso com o

rumo da conversa.
Saio para o corredor e sigo para a sala de entrada, com Ashton ainda

ao meu lado. Preciso disfarçar e fazer com que ele volte, ou vai ver Ashley
me esperando do lado de fora.
— A Ashley fez uma música, linda pra cacete e fiquei até

emocionado. Mas depois fiquei pensando, sabe? Era romântica demais pra
uma garota que não está apaixonada, não tem como.
— Sei…
— E aí a Ju veio com um papo sobre ela estar crescida, que eu
precisava me tocar de que a menina não ia ser só minha pra sempre e acho
que ela sabe de alguma coisa.

— Bom, ela tem razão nisso, não tem? A Ashley tem vinte e três
anos.
— Claro, eu não sou um doido, porra. Se o cara for decente, tudo

bem. Eu só não gosto de gente mentirosa! Pra que iam ficar se escondendo
se não tivesse nada errado? Ficar pegando a filha dos outros escondido é
coisa de quem não tem boa intenção.

— Nem sempre, às vezes a pessoa está esperando o momento certo,


pode estar esperando resolver algum problema.
A família pode estar em turnê, ou você pode estar internado no

hospital.
Ashton abre a porta, parecendo considerar o que eu digo. Não era
pra abrir, era pra ele voltar para a porra da cozinha! Ele sai caminhando

para a grama em silêncio, cabisbaixo e não vejo outra alternativa a não ser o
seguir.

Não avisto Ashley de primeira, então digito uma mensagem para ela
rapidamente, avisando que seu pai está aqui fora e clico em enviar. Ashton
se encosta no carro do meu pai, que está estacionado ao lado da minha

moto.
— Você não faria isso se quisesse namorar com uma garota, com
certeza iria falar com a família dela.
— Isso depende das…

— Você demorou! — Ouço a voz dela ao meu lado, antes de vê-la.


— Se meu pai te vê não ia ter escapatória — ela fala e, antes que eu possa

pensar em qualquer justificativa para isso, Ashley me tasca um beijo na


boca.
É isso. A doença não me levou, mas meu fim chegará em breve.

— QUE PORRA É ESSA? — ele grita tão alto que se ouviria do


outro lado da cidade.
Ashley dá um pulo ao ouvir a voz do pai e arregala os olhos,

enquanto eu dou uns cinco passos para trás, já erguendo as mãos em minha
defesa.
— Calma, Ashton! Eu juro que tem uma explicação muito razoável!

— Seu filho da puta, mentiroso!


Queria defender minha mãe, mas sei que nesse momento ele nem
está se referindo a ela de verdade. Ashton avança na minha direção, com os

punhos erguidos e eu dou a volta no carro, tentando me esquivar.


— Calma, pai! Eu… Eu não te vi aí — Ashley diz.

Excelente justificativa, porque se visse não tinha feito na frente dele,


claro.
— Comendo minha filha debaixo do meu teto! Enquanto ficava me
enrolando com um monte de historinha, Jay? Eu não vou te matar em

respeito ao seu pai, mas vou te dar uns bons tapas, seu desgraçado!
Por falar em meu pai, ele sai correndo pela porta da frente, seguido
por Josh e Ethan. Apesar da situação tensa, os três parecem estar achando

muita graça.
— Vai dar tapa em quem, Ray? Não vai bater no meu moleque, não.

Pode esquecer.
— Ele tá pegando a Ashley, Tray! Um safado, mentiroso! — Ashton
está com o rosto vermelho, parece que vai explodir. — Ficou com um papo

de que um frango tava rondando aqui e era ele o tempo todo!


— Não! Eu não menti sobre isso, tinha mesmo um frango… —
grito, tentando me defender das acusações.

Ashley dá a volta no carro, se colocando ao meu lado.


— Além disso, quem tá pegando ele sou eu, pai. Então tio Tray que
tem que ficar bravo!

— Ahá! Menina safada! Desvirtuando o Jay — meu pai fala,


segurando a risada.
Eu aqui quase apanhando e eles se divertindo. Sinceramente, com

uma família dessas, quem precisa de inimigos?


— Sai daí, Ashley! Eu vou…
— Para de palhaçada, Ray. Vai acabar socando a Ashley — Josh

fala, também se colocando ao meu lado —, lembra que quando foi me bater
quem tomou foi a coitada da Rosa? Ela nunca mais esqueceu.
— Isso é verdade — Ethan concorda —, todo Natal ela conta a

história pra família.


Ashton me encara, furioso. Está respirando como um touro. Mas
então, sua expressão muda repentinamente, ele esboça um sorriso, antes de

mudar de direção.
— Você acha que minha filha é brinquedo, moleque? Vou quebra o

seu brinquedinho agora!


Solto um grito quando o vejo derrubar minha moto no chão e
começar a chutar, sem parar. Alguém deveria ser são nessa família, mas

meu pai e Josh se sentam no gramado e começam a rir, Ethan apoia as mãos
nos joelhos e meneia a cabeça, como se fosse a coisa mais hilária do
mundo, e eu encaro a cena com horror crescente.

— Não fica triste, amor. Quando ele terminar de descontar a raiva,


vai te dar outra… — Ashley fala, também sem acreditar na cena que está
vendo.

Devagar, para não provocar a fera, me aproximo de onde ele está.


— Tio Ashton — falo, sendo que nunca o chamei de tio, mas agora
estou tentando agradar —, será que tudo bem se eu namorar com a Ashley?
Eu juro que quero me casar com ela, não sou mal-intencionado, não. Eu só
achei que fosse morrer e aí não fazia sentido começar um namoro — falo,
usando o drama a meu favor.

Deus deve perdoar dessa vez.


Ele me olha de lado, desconfiado, mas acho que o lance da doença e
da morte serviram para abrandar a fera, porque Ashton para de chutar

minha moto, que já está toda quebrada.


— Você mentiu pra mim, Jay.
— Um pouco, talvez. Mas sobre o frango era verdade, e antes da

turnê eu nunca tinha olhado pra Ashley diferente, juro. Foi só depois do
frango, além disso a maior parte do tempo eu fiquei internado, então me dá
um desconto, vai?

— Você é espertinho, tá usando isso de que podia ter morrido pra


me comprar, moleque. E o pior é que eu tô caindo, eu raspei meu cabelo pra

combinar com você e eu adoro meu cabelo, Jay!


Não entendo o que tem a ver com o assunto e já está crescendo de
novo, então apenas ignoro e sigo com a cartada certa.

— Mas eu amo a Ashley.


— Eu amo a Ashley. — Ele estreita os olhos, tentando copiar minha
voz com uma imitação esganiçada. — Ama, é? Quero ver seu amor resistir

a mim, porque eu vou ser teu pesadelo nessa casa, aqui ninguém acampa na
barraca no meu turno, rapaz. Vai dormir na sua casa e a barraca vai ficar
fechada atééééééé você se casar com ela — conclui, com um sorriso

vitorioso.
Mal sabe ele que abri a barraca pouco mais cedo, mas é melhor não
saber.

— É só eu me casar rápido — respondo, com minha melhor cara de


bom moço.
Ele ameaça me dar um soco, mas se contém e eu sei que se fosse

qualquer outro no meu lugar, estaria no chão igual à minha moto, então vou
relevar o que fez com a Ducati.
— Vai me dar outra moto?

— Não me testa, Jay. — Ele solta uma risada de escárnio. — Você


tem uma concessionária, cria vergonha nessa sua cara lavada. Tão ouvindo
isso? Pega minha filha, mente pra mim e acha que tem direito de pedir outra

moto! Você criou um folgado, Tray.


Meu pai me olha, meneando a cabeça, como se o errado da história

fosse eu.
— Sinto muito por você, Ray. Essa coisa de ser fornecedor é
difícil…

— Sente, é? Abre teu olho que você tem duas barracas em casa,
logo os campistas abusados começam a aparecer.
— Bobagem, andei estudando e tem uma nova onda entre as
blogueiras. Voto de castidade.

Mas de que merda ele está falando agora?


— Quê? — Ethan pergunta e não sei se está assustado ou

interessado por causa da Lorena.


— Dizem que ficam com a pele mais bonita, preservam mais a
juventude, tem uns benefícios lá. Vou convencer as meninas…

— Nem você acredita nisso — Josh fala, gargalhando.


— Não, mas vai que cola? Já comecei a corromper os celulares
delas pra ficar aparecendo matérias sobre isso, vídeos. Vocês vão ver, logo

vão sentir que é um sinal divino!


— E como é que se corrompe o celular? — Ethan se inclina para
ouvir melhor.

— Você fala perto do microfone dele, sabe aquela parada que fica
escutando as nossas conversas, vendendo nossas informações e você fala
assim: Porra, preciso de um tênis novo! E aí aparece propaganda de tênis

toda hora? É isso! Fica falando perto dele, cinto de castidade, ser uma
menina de Jesus, honrar meu pai e minha mãe... Essas coisas.

Ethan aquiesce, parecendo disposto a tentar.


Era só o que me faltava.
Ashton meneia a cabeça, sem acreditar no ponto em que meu pai

chegou, eu também não acredito. E então ele volta para dentro de casa, mas
não sem antes dar uma última bicuda na roda torta.
 
 

 
 

 
 

I'd drive through the night


Just to be near you baby
Heart open and testify

Tell me that I'm not crazy


(Eu dirigiria a noite toda
Só para estar ao seu lado, querida

Meu coração já está acostumado


Me diga que não estou louco)
Mercy – Shawn Mendes

 
 
JAY

 
Faz duas semanas desde que Ashley e eu assumimos que estamos
juntos para a nossa família e hoje é o dia em que decidi apresentar ela

também para o MotorJay, já que as pessoas no canal ainda estão


comentando e querendo saber sobre o meu sumiço, sobre a doença e tudo
que aconteceu durante o período do meu tratamento.

Mas quando chego de carro na casa dela para buscá-la, estão todos

perto da porta de entrada me esperando, isso inclui os nossos pais, Josh e


Ane, Ethan e Majô e até a Tícia, o que me deixa com a pulga atrás da

orelha.

— Que isso? Uma intervenção? — pergunto, franzindo o cenho.


— Vem cá, seu ordinário. — Ashton passa o braço pelo meu

pescoço e me arrasta na direção da garagem.


Olho por sobre o ombro para Ashley, mas ela apenas sorri. Todos

nos seguem, e pareço ser o único que não sabe que porra está acontecendo
aqui.

— Bom, moleque. Eu pirei quando descobri sobre você e a Ashley,

mas sabe que eu te amo pra cacete, não sabe?


Esse papo, depois de ter pegado Ashton nos sondando enquanto

assistíamos filmes, nos vigiando em nossa primeira saída para jantar, me

parece bem esquisito.


— Sei, né?

— Claro que sabe, porra. E quebrei sua moto porque não podia

quebrar sua cara, porque eu amo você. E os seus pais.


— Humm…

Meu pai faz sinal de joia para mim, me incentivando, e decido entrar
no jogo.

— Eu também te amo, Ash. De verdade.

— Claro, eu sei disso. Então decidi te dar um presente, mas alguém

teve a mesma ideia — ele diz e aponta para algo no fundo da garagem.

Estreito os olhos e noto que o automóvel se mexe. Porra… É um

cavalo?
— Que doideira é essa? É o Xerife?
Minha mãe se aproxima de mim e segura minha mão, me olhando
com carinho.

— Acho que você também não esperava por essa. A mãe do Max

me procurou, disse que o filho queria que você cuidasse dele, querido.

Então parece que além de pilotar motos, agora você também cavalga…

Caminho até o animal, e é impossível não me lembrar do garotinho

tagarela. Ainda há algo que quero fazer, se não por Max, por outras crianças
que possam vir a sofrer o que ele sofreu. Acaricio o pelo do Xerife, que

relincha, contente.

— E aí, amigão? Eu não faço a mínima ideia do que fazer com você,

mas a gente vai descobrir, certo? Vamos dar altos rolês por aí e deixar o

Maxinho feliz, vendo a gente lá de cima.

Volto para onde os outros estão agrupados, ainda assimilando a

novidade.
— Posso deixar o cavalo aqui por enquanto? Vou na concessionária,

mas mais tarde dou um jeito de levar o Xerife lá pra casa.

— Lógico. Agora vamos ao meu presente — ele diz, apontando para

o outro canto e acompanho seu gesto. — Minha moto, não ia comprar uma

igual à sua, porque caralho, ainda tá pegando a minha filha e eu também

não sou um monge, né? Mas pode ficar com a Kawasaki ZX10, acabei de
comprar.
Ele comprou para mim. Realmente é um pouco mais barata que a

minha, mas não muito e está…


Puta que pariu, que moto linda da porra!

Toda verde e carenada, já posso me ver em cima dela, com Ashley


na minha garupa, cortando a cidade. Ashton vai se arrepender disso em dois
minutos. Ele me entrega o capacete preto nas mãos e olho para seu rosto,

antes de encarar aos outros, que observam tudo com expectativa.


— Isso é sério mesmo? Vai me deixar ficar com a sua filha e com a

moto?
— Some, antes que eu mude de ideia, pivete.

Eu o abraço pela cintura e tasco um beijão na sua bochecha,


agradecendo, mas Ashton limpa e me empurra para longe.
Ashley coloca o outro capacete sobre os cabelos castanhos e me

segue até a moto. Eu monto e aciono o motor, ouvindo o ronco forte do


robozão dominar a garagem toda. Ashley sobe atrás de mim e enlaça minha

cintura com as duas mãos.


Mas agora Ashton está falando alguma coisa, apontando para a filha

e por sua expressão, ele não parece mais tão contente, mas com o barulho
da moto não consigo entender nada.
Olho para minha Princesa e noto que ela está de saia e, como se

sentou, o tecido ergueu e está mostrando a tatuagem, ao menos a parte em


sua coxa. A coroa está escondida mais acima, mas é possível ver parte das

rosas e das notas musicais, a tatuagem ficou linda.


— Ele viu! Vai, vai, vai… — Ashley batuca os dedos no meu

abdômen, me apressando.
Ashton mira um chute na minha perna e eu saio cantando pneu, sem

olhar para trás, essa foi por pouco! Começo a rir quando tomamos as ruas
de Seattle. Posso imaginar a cara que ele está fazendo agora, porque sabe
muito bem que ela precisou tirar a roupa pra fazer aquela tatuagem, ele vai

ficar puto comigo até o casamento.


Que, por mim, não vai demorar muito para acontecer, ou não vamos

ter privacidade nunca.


Chegamos à concessionária e subimos para o andar superior. Elijah
está sentado em sua cadeira usual, mas se levanta para cumprimentar

Ashley quando nos vê chegar. Apesar dos meus ciúmes bobos, eu sei
reconhecer os amigos que tenho, e esses caras ficaram felizes de verdade

por mim, pela minha recuperação e por me ver bem com ela, eles torcem
por nós.

Sean posiciona as câmeras à frente ao sofá e o computador,


preparando tudo para que possamos começar a live de hoje. Estamos
testando um formato diferente. Não é exatamente sobre motos, mas sobre a
vida, sobre o amor e sobre milagres, além de ser ao vivo, com interação
direta das pessoas.
Começo a falar, contando aos meus seguidores toda a minha

história, o que inclui o romance dos meus pais e como ele descobriu sobre
mim. Conto sobre a leucemia e o transplante e falo sobre os anos bons que

tive ao lado da minha família, apresento Ashley a eles, mesmo sabendo que
muitos já a conhecem por causa da Dominium.
Falo sobre nossa infância e sobre o quanto implicava com a

Melequenta, que apenas sorri ao me ouvir. Ela me deixa contar minha


versão dos fatos e apenas segura minha mão, como fez durante todo o

tempo que precisei.


— Só que então Ashley voltou da universidade, e ela era tudo isso

que vocês estão vendo. Foi impossível tirar os olhos dela — conto,
segurando o riso —, mas ao mesmo tempo comecei a me sentir mal, ter
fortes dores de cabeça, uma confusão mental estranha, vômito… E percebi

que as coisas não iam bem. Eu sabia que estava doente, mas não tinha
coragem de investigar e descobrir o que era. Eu tive medo pra caralho.

Como travo diante das câmeras, Ashley decide assumir o controle e


continua a narrativa do que foram as nossas vidas nos últimos meses.
— Jay tentou se isolar, mas eu percebi que as coisas não iam muito

bem e, como ele disse, sou boa em atazanar a vida dele, nós nos
envolvemos nesse período, eu não conseguia resistir a esses músculos todos
e às tatuagens, mas era tudo escondido. Não sei se vocês sabem, mas meu
pai é muito bravo. — Ela sorri, me transmitindo calma. — E depois fiz com

que ele fosse ao médico. Foi quando descobrimos o câncer…


Ashley se cala. Ela não sabe se quero compartilhar a respeito,

porque foi algo vergonhoso e doloroso para mim, mas não é mais. Se os
homens não tivessem tantos problemas de ego nesse sentido, provavelmente
se examinariam com mais frequência e esse tipo de tumor não teria tanto

sucesso em avançar para outras partes do nosso corpo.

— Um seminoma testicular, pessoal. Nome feio, né? Mas é isso —


falo, aquiescendo. — Câncer de testículo, mas com metástase no cérebro.

Não encontraram outras metástases, o que é bem raro de acontecer, porque

geralmente quando chega até aqui — bato na cabeça para elucidar —, já

tomou conta do resto.


— Mas o Jay é o meu milagre — Ashley completa, se emocionando

—, ele fez a cirurgia para retirada do tumor, e começou o tratamento com

quimioterapia, que terminou recentemente. E depois de muitos


desencontros, nós começamos a namorar! — fala, abrindo um sorriso para a

câmera.

O chat está uma loucura, as pessoas comentam e nos parabenizam,


mas vários também mencionam nossos pais e se questionam sobre as
reações deles.

— O Ashton ficou bravo no começo — digo, respondendo o que


querem saber —, mas hoje até disse que me ama, então está tudo bem.

Além disso, ele sabe que nosso lance é sério… Eu até vou me casar com a

Ashley.
— Quê? — ela pergunta, achando graça no meu comentário. — Vai

se casar, é?

— Princesa, eu não aguento mais seu velho seguindo a gente por

todo canto. E só tem quinze dias! — Tiro a caixinha rosa, com laço preto do
bolso e ela arregala os olhos.

Bingo, essa nem Ashton Ray previa.

— Jay! — Ashley olha para a câmera e fita o chat, que congestionou


agora.

— Eu quase morri, duas vezes. Não tenho tempo pra perder com

incertezas ou joguinhos, você disse que eu sou seu milagre, mas você,
Ashley, é minha razão. É a razão pela qual estou aqui, porque sem você, não

sei o que teria sido de mim… Mas o que eu sinto não é gratidão, ainda que

eu também sinta. É um amor tão profundo, que eu não duvidaria da

capacidade dele de regerar tudo dentro de mim, minha mente, minha alma,
meu físico e transbordar, te envolvendo.
— Mas meu amor… Eu estou mais que envolvida — ela responde,

secando o canto dos olhos —, eu amo você, Jay. E quero me casar com

você. — Ashley me beija, com um sorriso nos lábios e depois se volta para
o computador.

Ela meneia a cabeça.

— Sai do chat, pai! Eu disse que vou me casar, mas daqui um ano,

por aí… Calma que vamos organizar muita coisa ainda.


Eu me aproximo para ler o comentário e noto que o usuário se

chama Ashlindapraele123, não poderia ser mais óbvio.

— Não queria que eu levasse sua filha a sério, Ashton? — Abro a


caixinha e mostro o anel para a câmera, antes de deslizar pelo dedo dela. —

Agora vai me xingar como?

Ashlindapraele123 disse: Não sou o pai dela, mas acho muito cedo,

vocês namoram tem quinze dias, porra! E não vem me falar que se
conhecem a vida toda, ou que venceram a morte e essa ladainha aí. E a

gente ainda vai falar sobre essa tatuagem.

ASHLEY
 

Estamos todas em volta da piscina, mas hoje trocamos a minha casa


pela da minha sogra. Eu sei, muito estranho usar esse termo, mas melhor ir

me acostumando porque é o que tia Jas vai ser muito em breve, já que o

anel da Gracy's que Jay me deu repousa no meu dedo placidamente.


As meninas vieram da universidade para passar o fim de semana,

assim como Kyle, mas ele e Jay estão malhando há horas na academia, e

nós decidimos tomar um pouco de sol e conversar.

— Sabem uma curiosidade que eu tenho? — Gal levanta os óculos


escuros para me encarar. — Como foi que o tio Ash descobriu sobre vocês?

Ela está deitada em uma espreguiçadeira, assim como Lorena e eu.

Apenas Lisa está de pé, de frente para nós.


— Eu saí de casa toda empolgada e não vi que ele estava falando

com o Jay.

— Ai meu Deus! Apertou a bunda dele?

Essa menina tem cada ideia esquisita.


— Lógico que não, sua doida! Mas dei um beijo nele e meu pai

começou a gritar.

— Cara, eu queria ter visto a cena que ele fez com a moto — Lisa
comenta, pensativa.
— Já eu queria saber como foi que vocês escaparam aquele dia na

festa na fraternidade. Eu tranquei a porta e esqueci vocês três lá, mas depois

apareceram dormindo bem tranquilas nas caminhas de vocês. — Aponto

para cada uma delas, mas Lore cobre o rosto com as mãos se negando a
entrar na conversa.

— O Kyle conseguiu uma chave extra — Gal conta, e ela e Lisa se

entreolham de um jeito bastante suspeito.


Não insisto no assunto porque percebo que elas não querem dizer

tudo que aconteceu. Eu respeito isso, já estive nessa posição e a verdade

uma hora ou outra acaba aparecendo.

— E por falar no meu primo, me digam uma coisa, como ele está se
virando com o leãozinho na universidade? Porque imagino que não tenham

aprovado que fique por aí andando com um animal selvagem.

— A Lisa ajuda — Lorena fala, sem esconder a risada. — Acredita


que ela guarda o leão na mochila pra esconder dos professores? A

esquisitona aí rouba bife da nossa geladeira pra dar pro Bichano.

— Não acredito que você está fazendo isso, Lisa! Nunca entendi

essa coisa do Azal com esses animais selvagens, eles podem arrancar a
cabeça de uma pessoa em uma mordida e agora você e o Kyle entrando

nessa, sinceramente…
— O quê? — ela pergunta, como se não fosse nada demais, Lisa

está prendendo os cabelos escuros em um coque. — Ele é fofo! E é tão


pequenininho, não faz mal pra ninguém.

— Ainda, mas vai crescer e arrancar sua cabeça — Gal comenta,

mórbida como sempre e concordando comigo.

— Assim como esse seu lance com o Kyle — Lore resmunga, mas
todas nós ouvimos.

— Não tem lance nenhum, larga de falar besteira. Sabe muito bem

que somos amigos…


— Eu sei, ele sabe, você, já não tenho tanta certeza se sabe — falo,

me intrometendo.

Lisa abre a boca, chocada com a minha audácia, ao mesmo tempo


em que vejo um vulto correndo na direção dela. Não dá tempo de avisar,

Kyle a segura pela cintura e a puxa para dentro da piscina, atirando água

para todo lado.

Os dois emergem instantes depois e Lisa cospe água, ela esmurra o


peito dele, que gargalha a mantendo por perto.

— Tira a mão, seu troglodita! Tá apalpando meu peito.

De repente Kyle se afasta, como se tivesse levado um choque. Nós


assistimos a tudo de camarote e chego a retirar os óculos escuros para

acompanhar o desenrolar da novela. Ele se apoia na escada e sobe,


deixando Lisa na água. Não nos dirige uma só palavra e some dentro da
casa, o rosto parecendo um pimentão, Lisa observa o amigo atônita,

enquanto Gal me olha de lado, prendendo o riso.

— É, eu deveria ter estourado pipoca…


— O que foi que deu nele? — Lisa sobe as escadas devagar, tirando

a água do cabelo.

— Acho que ele não tinha percebido que estava com a mão no lugar
errado até você mencionar — comento, me divertindo mais com essa

história do que esperava.

— Mas que exagero! Nem parece que vive dormindo comigo.

— E, quando vocês dormem, é comum segurarem as partes íntimas


um do outro? — Lorena questiona, arqueando a sobrancelha.

— Claro que não! Só que não foi de propósito, não precisava sair

correndo como se tivesse sido eletrocutado.


— Eu entendo, Lili… — comento, oferecendo meu apoio. — Você

queria que ele segurasse por mais tempo.


— Você é uma pervertida! Por isso que deu certo com o Jay.
— E se você quiser dar certo com o Kyle, vai ter que fazer alguma

coisa, porque ele é um safado e você merece mais do que ficar assistindo às
noitadas dele.
— É o que eu sempre digo — Lorena concorda, me fazendo sinal de
positivo.
— Então parece que todo mundo sabia da paixonite dela e só eu

demorei a perceber. — Gal nos encara, indignada.


— Isso porque você é meio narcisista — respondo, sabendo que ela
vai revidar.

Gal atira o vidro de protetor solar na minha cabeça, mas consigo me


esquivar.
— Desculpe, cunhadinha! — ela grita, com a voz mais falsa do

mundo.
— Bruxa.
Sou recompensada quando ela me mostra o dedo do meio, com um

sorriso nos lábios.


— E então, Lisa? O que vai ser?
— Eu já estou fazendo alguma coisa a respeito, tá bom? Não

precisam se preocupar ou se intrometer, só aguardem — ela diz, dando meia


volta e desfilando no biquíni branco para dentro da casa.

Sinto-me ansiosa para o desenrolar dessa história, sempre adorei


romances entre melhores amigos. Assistir os surtos do tio Tray e ver Jay
querendo matar Kyle, serão apenas prazeres adicionais. Afinal de contas, se
na minha vez teve que ser com emoção, não espero menos que isso nas dos
outros.
Jay aparece pouco depois, ele me vê e abre um sorriso, antes de

caminhar até a espreguiçadeira em que estou deitada. Se ajoelhando ao meu


lado, ele me dá um beijo rápido na boca.

— Que tal se a gente sair pra dar uma volta de moto?


— Preciso ensaiar, amor — respondo, passando a mão pelos cabelos
dele que estão começando a crescer —, minha estreia está se aproximando e

não acho que a música esteja pronta.


— Ela está perfeita — ele fala, e se aproxima do meu ouvido para
completar baixinho. —, mas eu te deixo cantar pra mim quantas vezes

quiser. Você ensaia, eu te alimento e depois te como… Um fim de semana


perfeito.
— Hum… Parece muito bom. E onde faremos isso?

— No lago, será que conseguimos fugir do papai, Ash? —


questiona, arqueando as sobrancelhas.
— A gente suborna uma das meninas pra dizer que eu dormi aqui —

respondo, já me levantando. — Vou me trocar e volto já.


Não demoramos muito para sair e logo depois estamos Jay e eu

sobre a Kawasaki, subindo a montanha que leva ao chalé do lago. Dessa vez
somos apenas nós, sem as preocupações e tristezas, sem os problemas que
nos acompanhavam na última vinda.

Aperto meus braços ao redor da cintura dele e elevo meus olhos


para o céu, quando um raio de sol incide por entre as nuvens. Não é um dia
atípico, um momento excepcional ou extraordinário, é apenas mais um dia

de outono e o fato de estarmos aqui e podermos viver instantes comuns é o


que os torna tão especiais para nós.

Fecho os olhos, agradecendo a Deus pela milésima vez.


 
 

 
 

I could make you happy


Make your dreams come true

Nothing that I wouldn't do


Go to the ends
Of the Earth for you

To make you feel my love


(Eu poderia fazer você feliz
Fazer os seus sonhos se tornarem realidade

Não há nada que eu não faria


Iria até o fim
Da Terra por você

Para fazer você sentir o meu amor)

Make You Feel My Love - Adele


 
 
JAY
 
SEIS ANOS DEPOIS

 
Deixo as chaves da moto penduradas perto da porta logo que entro

em casa e retiro os sapatos e o capacete. Sigo devagar até a cozinha,


procurando por ela, me esforçando para não fazer barulho e mantendo o
buquê gigante de flores nas costas, como se meu corpo fosse o bastante para

esconder essa coisa enorme.


Hoje completamos cinco anos de casados e é um dia muito especial

para Ashley e eu. Não apenas porque é o nosso dia, mas por várias outras
razões. A vida era boa antes de ficarmos juntos, mas ela é ótima desde que

nos apaixonamos.

Ela está de costas, na pia, mexendo em alguma coisa, e se vira


quando percebe minha presença.
— Ah! Você chegou! — Ashley leva a mão ao coração, assustada.

— Que lindas flores, amor.


Ela estende os braços para mim e eu entrego o buquê, antes de

roubar um beijo da mulher mais gostosa desse mundo.

— Feliz aniversário, Princesa. Vamos sair pra jantar?


Ela meneia a cabeça, abrindo um sorriso malicioso.

— Preparei uma surpresa pra você, porque hoje é um dia especial

demais para apenas um jantar de aniversário de casamento.


— É mesmo?

— Sim, vem comigo…

Ashley me puxa na direção do quintal, as luzes estão apagadas, mas


ela colocou velas por toda parte e montou uma mesa digna de filme. O

cenário está bonito pra cacete e sei que sua intenção foi fazer algo
romântico, eu entendo o que estamos comemorando aqui.

— Pode se sentar, Princeso — ela fala, puxando a cadeira para mim.

— Acho que isso está meio esquisito, hein, amor?

Sento-me e observo enquanto ela toma o lugar à minha frente.

Ashley pega o champanhe já aberto no balde e serve as nossas taças. Não

consumo álcool há mais de três anos, a princípio apenas evitava, em uma


tentativa de me manter mais saudável, mas depois decidi cortar de vez e me

esforçar para levar um estilo de vida que pudesse barrar qualquer problema
de saúde, e Ashley me acompanhou, então nossa bebida está mais para um
suco frisante, disfarçado de champanhe, mas serve ao propósito.

— Um brinde, porque hoje também comemoramos seis anos do fim

da quimioterapia e a certeza de que você está livre. Certeza essa que eu

sempre tive, por isso posso dizer: eu te avisei, Milagre.

Bato com minha taça na dela, sorrindo ao ouvir suas palavras.

— Também comemoramos minha bola nova, já tem cinco anos…


— Ai, amor! Isso também. — Ashley faz um gesto de desdém com

a mão e sinto vontade de rir. — Vamos comer agora…

Sirvo a massa que ela preparou nos dois pratos e jantamos enquanto

conversamos sobre nosso dia. Ashley me conta sobre as gravações do novo

single e o show que irá acontecer em Seul, na Coreia, na outra semana. Falo

com ela sobre a concessionária e as vendas e nos divertimos fofocando

sobre as nossas famílias.


Quando terminamos, ela me oferece a mão e me leva para o outro

lado do gramado.

— O que acontece agora, Princesa? Ficamos pelados?

— Ainda não! Primeiro o romantismo, vamos passear a cavalo.

— Cacete! Até o Xerife faz parte do rolê de hoje?

Ela cruza os braços, esperando que eu faça as honras, então entro na


baia e o puxo pelas rédeas até onde Ashley está, monto no cavalo e a ajudo
a subir, a colocando entre as minhas pernas. Como um casal desses filmes

de antigamente, nós passeamos de um lado para o outro no jardim e começo


a rir porque isso é muito bizarro.

— Para, Jay! Não estraga o momento.


— Estamos andando a cavalo no quintal, Ashley. De um lado para o
outro! Não tem como não rir.

— Fala sério, cadê o romantismo no seu sangue? Fala alguma coisa


bonita, sobre as estrelas, sei lá!

— Elas não brilham tanto quanto seus olhos.


Ashley assente, satisfeita e remexe em alguma coisa no bolso lateral

do vestido. Ela se vira para me encarar e noto que agora está usando a coroa
que dei a ela de presente de boas-vindas, quando retornou da universidade
para a minha vida, tanto tempo atrás.

— Nem tanto quanto minha tiara.


— Jamais.

Ashley fica quieta quando chegamos ao outro lado do jardim, e


aponta para uma manta estirada no chão, com várias almofadas sobre ela.

— Então é aqui que eu vou me dar bem?


— Com certeza, você não faz ideia do quanto.
A promessa me deixa animado, já estou ansioso para arrancar a

roupa dela aqui, ao ar livre.


— Amarra o Xerife em algum lugar…

Desço do cavalo e a ajudo a descer também, e enquanto Ashley se


recosta nas almofadas no chão, levo Xerife de volta para sua baia, o

presenteando com uma maçã vermelhinha, do jeito que ele gosta.


— Bom garoto… Amanhã a gente te leva para a roça da vó Eleanor,

tá bom? As crianças da Lisa vão e você vai se divertir bastante por lá.
Meus sobrinhos pintam e bordam com Xerife e ele adora. Isso
sempre me faz pensar em Max e no quanto deve estar feliz com a vida que

seu cavalo leva, sempre cercado por crianças que o adoram. É uma pena
que Ashley e eu não tenhamos os nossos filhos, mas somos apaixonados

nos pequenos que minhas irmãs nos deram.


Volto para junto da minha esposa e a encontro fitando as estrelas.
Acho que alguém levou muito a sério o lance de romantismo hoje. Me deito

ao seu lado e puxo sua cabeça para que a apoie no meu peito.
— Obrigado por ficar comigo, Princesa. Você me faz feliz pra

caralho.
— Não mais do que você me faz, Jay. Não é incrível como as coisas

acontecem da maneira como devem acontecer e no tempo certo?


— Acho que sim…
— Por exemplo, talvez se eu não tivesse te falado sobre minha

vontade de fazer uma tatuagem, não tivesse desculpa para te procurar


naquele dia e nós nunca tivéssemos nos acertado.
— Pode ser, não dá pra saber como as coisas teriam sido.
— Eu sei, se você não tivesse ficado doente, não teria conhecido o

Max e jamais teríamos fundado a Max Thompson — fala, se referindo a


fundação destinada a gerenciar fundos para crianças em tratamento contra o

câncer —, que já salvou dezenas de vidas.


— Se você não me seguisse até o chalé, não teríamos transado e
talvez não nos apaixonássemos — falo, compreendendo seu raciocínio.

— Sim! Muitos casais não passam pelo que a gente passou, a


maioria dos homens não faz a cirurgia que você fez e as pessoas

engravidam por acidente o tempo todo! O que significa que muitos não
entendem que gerar uma vida é um milagre, que é difícil e mágico e que por

mais que pareça natural, é divino.


— Isso é… Por que falar sobre isso hoje, amor? Vamos comemorar
e pensar em coisas boas.

— Estamos comemorando, Milagre. — Ela se vira ao meu lado,


ficando de frente para mim e seus olhos escuros escrutinam os meus. —

Estamos celebrando a vida. A minha, a sua e a que nós fizemos, que tem
exatas oito semanas e está crescendo… — Ashley pega minha mão, que
está tremendo agora e a posiciona sobre seu ventre plano. — Bem aqui

dentro, papai.
Por um momento me falta o ar e meu coração parece parar, apenas
para disparar em seguida.
— Princesa, não brinca com uma coisa dessas.

— Acha que eu brincaria com um sonho nosso, Jay? Acha que não
fiz vinte e oito testes antes de ter coragem de te contar?

— Mas é… São seis anos, Ashley.


— E esse é o tempo certo, o momento do nosso milagrezinho
chegar.

— Put… Não! Não vou falar palavrão! — Olho para o mesmo céu

que ela encarava minutos antes. — Obrigado, Deus! Muito obrigado por
ouvir minha esposa e fazer milagres. Eu sou meio idiota, mas ela sempre

acreditou e pediu, então obrigado por dar ouvidos a ela.

Ashley ri, percebendo minha expressão abobalhada e eu fito sua

barriga, sem conseguir assimilar. Eu a beijo várias vezes nos lábios, no


rosto, na testa e por fim na barriga.

— Obrigado, Princesa. Por ser você, por não desistir de mim, por

me amar, por tudo.


— Não agradeça por nada disso, Jay, não são favores.

— Eu sei, mas mesmo assim. Não consigo não ser grato por ter você

na minha vida.
Encosto meu ouvido em seu ventre, como se fosse conseguir escutar

alguma coisa. Estou tão feliz que não consigo me controlar, mesmo sabendo
que oito semanas é pouco tempo para isso.

— Oito semanas são dois meses, certo? Então temos mais sete! Será

que se eu pedir pra Deus durante sete meses ele manda gêmeos, igual fez
com meu pai? — pergunto, me virando para a encarar.

— Gêmeos? — Ashley abre a boca, meio assustada.

— Pode ser que a gente não consiga outra vez, então podiam vir

dois em uma tacada só.


— Jay, se controla! Já temos o Xerife…

— Tá bom, tá bom! Um tá ótimo, Deus, não quero parecer ingrato,

viu? Mas um bem gordinho.


— Nunca pediu nada pra Deus na vida, agora vai começar a

azucrinar por causa de tudo? — ela questiona, rindo do meu comentário.

— O que tem? Aquelas dobrinhas são fofas! Eu adoro morder


pernas gordas de bebês, você não?

Ashley passa os dedos pelos meus cabelos, aquiescendo e se inclina

para me dar um beijo.

— Amo você, meu Milagre.


— E eu te amo, Melequenta…

 
 
 

Em primeiro lugar, agradeço a Deus, como sempre, pelo dom da


escrita e por me proporcionar a oportunidade de viver meu sonho.

Agradeço aos meus pais, por sempre apoiarem meu trabalho e me


acharem genial — mesmo quando não sou!

Gustavo: com certeza não existe marido melhor que você! Obrigada
por me apoiar, por me amar descabelada e de pijama, ou de salto e

lingerie. Obrigada por vestir a camisa na hora de me ajudar a divulgar


minhas histórias, e muitas vezes tirar também... Obrigada acima de tudo

por ser meu referencial de amor e minha melhor escolha. Te amo pra
sempre!

Meus filhos: agradeço por me darem boletos para pagar e com isso,

me incentivarem a escrever. Não existe maior estímulo!

Agradeço a minha agência Increasy, especialmente a Grazi, que leu


este livro antes, revisou e acompanhou meu ritmo louco, como sempre faz.

Você é perfeita! Obrigada Maria Vitória, minha assessora linda, que cuidou
dessa capa maravilhosa, e que trabalhou e fez seu possível para que o

material de divulgação ficasse perfeito, só as artes desse livro já fazem com


que as pessoas o julguem e queiram ler. Você é demais!

Rose e Lidiane, obrigada por me apoiarem tanto, por lerem e se


apaixonarem por esse casal comigo, por chorarem bastante e sofrerem, mas

também darem altas gargalhadas. Por serem meu termômetro de emoções!

Obrigada Michelle, pelas consultas médicas gratuitas e as

correções. Por me ajudar a adoecer nosso garoto, mas também a cuidar do


Jay e salvá-lo. Você é ótima!

Fernanda Santana, obrigada pelas longas conversas, pela amizade


de milhões e por estar ao meu lado sempre. Obrigada Sil Zafia pela

diagramação linda, arrasou, como sempre! Kevin, Jussara e Juliana, pelo

apoio de sempre, obrigada!

Agradeço minhas parceiras e amigas, por estarem comigo em cada

lançamento, vocês são tudo na minha carreira e ainda trazem as melhores


fofocas. Anny, Anna Bia, Duda, Emilly, Hayane, Lih, Rose, Thálita e Vivi.

E claro, obrigada as minhas queridas leitoras — e leitores —, sem

vocês esse livro não existiria e possivelmente, nem eu como autora. Vocês
tornam o processo mais especial e o resultado único. Amo cada Sarete do
fundo do meu coração.

Se ficou curioso, conheça a série que deu origem a essa:

BOX AMOR E RITMO - SÉRIE COMPLETA

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