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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO


PUC/SP

Vianey Mreis Lopes Junior

A Vítima no Processo Penal e a Reparação


do Dano pelo Juízo Criminal

MESTRADO EM DIREITO

São Paulo
2012
2

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO


PUC/SP

Vianey Mreis Lopes Junior

A Vítima no Processo Penal e a Reparação


do Dano pelo Juízo Criminal

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação de Mestrado apresentada à


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –
PUC/SP, como exigência parcial para
aprovação e obtenção do Título de Mestre em
Direito Processual Penal sob orientação do
Professor Doutor Cláudio José Langroiva
Pereira.

São Paulo
2012
3

Banca examinadora

________________________________________

________________________________________

________________________________________
4

Dedicatória

Dedico este trabalho a Silmara, minha amada


esposa, mãe dos meus filhos, colega de escritório,
que tornou possível a realização deste sonho.

Também à memória de meu pai, pelo exemplo


de combatividade e determinação e a minha mãe por
seu afeto e exemplo.
5

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, por ter me conduzido até aqui e colocado pessoas


maravilhosas em meu caminho, que me abriram portas inimagináveis.

Agradeço profundamente ao meu orientador Professor Cláudio José


Langroiva Pereira, pela paciência e sabedoria.

Agradeço aos Professores da Pós-Graduação da PUC-SP, pelo muito que


me ensinaram, em especial aos Professores: Claudio de Cicco, Álvaro de Azevedo
Gonzaga, Márcia Alvim, Gabriel Chalita, Marco Antonio Marques da Silva e Oswaldo
Henrique Duek Marques.

Agradeço ao Professor Benedito Roberto Garcia Pozzer, por sua amizade,


por suas palavras, rogando a Deus que o proteja no cumprimento de sua missão.

Agradeço ao Professor Roberto Ferreira Archanjo da Silva, por sua amizade,


seu inestimável incentivo e por ter me levado para a Pós-Graduação.

Agradeço ao inesquecível Professor Hermínio Alberto Marques Porto (in


memorian), por sua confiança, rogando a Deus que o ilumine.
6

“Vinde a mim todos os que estais cansados sob


o peso do vosso fardo e vos darei descanso.
Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de
mim, porque sou manso e humilde de coração,
e encontrareis descanso para vossas almas,
pois meu jugo é suave e meu fardo é leve.”

Jesus Cristo
Mateus, capitulo IV, 11-12
7

RESUMO

O presente trabalho analisa a posição da vítima ao longo da história, ora como


principal protagonista do processo, ora afastada e substituída pelo Estado Juiz.

A Constituição Federal de 1988, ao eleger o Estado Democrático de Direito sob a luz


do Princípio da Dignidade Humana após estabelecer inúmeras garantias, revalorizou
a vítima da criminalidade violenta, trazendo explicitamente a obrigação de amparo e
assistência.

A vítima foi revalorizada por extensa legislação ordinária posterior à Constituição e


finalmente com a Lei 11.719/2008 de 11/06 de 2008 que tratou de sua indenização
em sede do Juízo Criminal, na busca por reparação de danos sofridos em virtude do
crime.

A reparação agora determinada pelo Juízo Criminal com evidente intenção de


celeridade e eficiência, aferindo o dano e estipulando a indenização, com evidente
alargamento de sua competência. Neste diapasão ainda estuda-se a forte corrente
que gradativamente propõe ser o Estado concorrente e solidário na responsabilidade
pela reparação dos danos decorrentes dos danos sofridos pela vítima oriundos da
criminalidade violenta.

Palavras-chave: Vítima; Reparação; Juízo Criminal, Estado Democrático de Direito e


Princípio da Dignidade Humana.
8

ABSTRACT

The present paper intends to demonstrate the victim´s historical position in the penal
process and their evolution as a character in the penal process, starting at the time of
their greatest protagonism, with the revenge, up to their present situation at the time
of the State´s monopoly, where the victim must be supported by the State and
compensated by the delinquent for the crime.

We intend to demonstrate that the victim, under the protection of the Rule of Law
and the Principle of the Dignity of the Human Being, which are eternity clauses in the
federal Constitution of 1988 and guiding lines of this study, in face of the moral and
material damages suffered as a result of the crime needs to have those damages,
both moral and material, repaired, the delinquent being required to do so as well as
the State, which must provide the conditions for their total rehabilitation.

The study of the legislative reform introduced by Law 11.719/2008, interpreted under
the constitutional realm, supported by principles and jurisprudence, still incipient,
proves those aspects with their clear re-valuation, in this context.

Furthermore, we point out the need for extensive action by the Criminal Court, which
had added to its scope of actions the ascertainment of the defendant´s responsibility
as related to the victim´s damages, with no offense to the already accomplished
constitutional principles of the penal process, and the need for the consequent
determination of an effective compensation so that the victim´s claims can be
satisfied, so that the international treaties can be validated, and so that the civil court
can be released of the extra burden of unnecessary filing for new requests of
compensation.

Key-words: victim, Rule of Law, Principle of the Dignity of the Human, repaired.
9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 11

1. A VÍTIMA NO PROCESSO PENAL E SUA REPARAÇÃO PELO


JUÍZO CRIMINAL ............................................................................................ 12
1.1. A Vítima, conceito .................................................................................... 12
1.2. Contexto histórico .................................................................................... 18
1.2.1 Civilizações da antiguidade posteriores à ordem tribal ................. 23
1.2.2 Código de Hammurabi ................................................................... 26
1.2.3 Direito hebreu ................................................................................ 28
1.2.4 Direito Romano .............................................................................. 30
1.2.5 Antigo Direito Penal Germânico .................................................... 32
1.2.6 Direito canônico ............................................................................. 35
1.2.7 Estado Moderno ............................................................................ 37
1.3. Tendências de revalorização da vítima na legislação ............................. 40

2. A VÍTIMA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO ............................. 52


2.1. A vítima na Constituição Federal Brasileira de 1988 ............................... 55
2.2. Do Princípio da Dignidade humana, um retrospecto histórico
filosófico do conceito ............................................................................... 58
2.3. Do Princípio da Dignidade humana, conceito atual, vigência na ordem
Constitucional e sua aplicabilidade em face das vítimas de delitos ........ 64

3. A REPARAÇÃO DO DANO CAUSADO PELO DELITO ............................ 70


3.1. Uma visão constitucional sobre a reparação de danos ............................ 70
3.2. A reparação dos danos com a atuação do Juízo Criminal em face
da Lei nº 11.719/2008 de 11/06/2008 ...................................................... 74
3.3. A apuração dos danos e a fixação do quantum indenizatório sob o crivo
do contraditório e a ampla defesa ........................................................... 84
10

4. A QUESTÃO DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO E A FIXAÇÃO DA


INDENIZAÇÃO ................................................................................................ 89
4.1. A responsabilidade concorrente do Estado pelo ato criminoso ............... 89

CONCLUSÃO .................................................................................................. 98

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................. 102


11

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por escopo demonstrar a posição histórica da


vítima no processo penal e sua evolução como personagem do processo penal,
iniciando na era de seu maior protagonismo, com a vingança propriamente até sua
posição atual diante da era do monopólio Estatal na aplicação e distribuição da
Justiça, em que a vítima deve ser amparada pelo Estado e indenizada pelo
delinquente em face do crime.

Pretendemos demonstrar que a vítima, sob a égide do Estado


Democrático de Direito e do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, cláusulas
pétreas da Constituição Federal de 1988 e linhas mestras deste estudo, em face dos
danos materiais e morais que sofreu em virtude do crime, necessita ver reparados os
danos não somente materiais como também morais, obrigando-se o delinquente a
reparar e de forma concorrente e solidária o Estado, que deve prover condições para
sua perfeita reabilitação.

O estudo da reforma legislativa introduzida pela Lei nº 11.719/2008, com


interpretação sob a égide constitucional, amparado pela doutrina e pela
jurisprudência, ainda incipiente, demonstram esses aspectos com a clara
revalorização da vítima neste contexto.

Observamos ainda a necessidade de ampla atuação do Juízo Criminal


que teve sua competência acrescida na apuração da responsabilidade do réu no que
toca ao prejuízo da vítima, sem nenhuma ofensa aos princípios constitucionais do
processo penal já conquistados e consequente fixação de efetiva reparação para
que se atenda aos reclamos da vítima, para que se de efetividade aos tratados
internacionais e desafogue a esfera civil, tornando desnecessária a vítima
reingressar com novos pedidos indenizatórios nessa esfera.
12

1. A VÍTIMA NO PROCESSO PENAL E SUA REPARAÇÃO PELO


JUÌZO CRIMINAL

1.1. A vítima, conceito

Paulatinamente, com o progresso e a evolução dos Estados modernos e


com a consolidação do monopólio estatal na aplicação da Justiça, o criminoso
transformou-se no personagem central do processo penal, a vítima, por sua vez, foi
quase que esquecida no cenário processual, sendo utilizada durante muito tempo
como meio de prova meramente. No entanto, nos últimos tempos, vem sendo
redescoberta em todo o mundo, sendo que a revalorização da vítima inicia sua
vigorosa caminhada com o fim da Segunda Guerra Mundial, com a atuação dos
organismos internacionais e com o desenvolvimento da vitimologia propriamente,
como ciência autônoma.

Foram feitos intensos estudos sobre a vítima no direito e em outros ramos


do conhecimento humano, como a sociologia, filosofia, psicologia, psiquiatria, dentre
outros, motivando movimentos em inúmeros países, levando à criação de
associações internacionais e nacionais preocupadas em assegurar os direitos da
vítima, sendo inclusive aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas – ONU,
em 29 de novembro de 1985, a Declaração dos Direitos Fundamentais da Vítima.1

Etimologicamente a palavra vítima vem do latim2, contudo há diferentes


explicações sobre seus significados, posto que se prendem às variações culturais de
acordo com uma determinada época, influência religiosa, inicialmente pagã e
posteriormente cristã.

Este trabalho não mergulha no universo da vitimologia, pois não busca a


análise da vítima em amplo aspecto, mas utiliza-se de alguns conceitos desta
ciência para discutir a sua reparação.

1
FERNANDES, Antonio Scarance.O papel da vítima no processo criminal. São Paulo: Malheiros
Editores, 1995, p. 11.
2
KOSOVSKI, Éster et al. Vitimologia em debate. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990. p. 192.
13

Para Plácido e Silva, a palavra vítima derivaria de victima, do latim, em


que geralmente se entende que é toda pessoa sacrificada em seus interesses, que
sofre um dano ou é atingida por qualquer mal3.

Do ponto de vista histórico, chamava-se vítima, entre os povos da


antiguidade de modo geral, o animal a ser sacrificado para aplacar a ira divina ou
ainda oferecido em ação de graças por benefícios recebidos. No primeiro caso em
latim empregava-se a palavra hóstia e diferenciava-se no segundo caso com a
palavra victima4.

Edgard de Moura Bittencourt aduz, já com base numa visão religiosa


cristã calcada na Bíblia, que a palavra vítima tem origem no verbo latino vincere,
sendo o ser vivo que se imola em sacrifício. Esse autor ainda afirma que há o
sentido jurídico genérico representando aquele que é atingido diretamente pela
ofensa ou ameaça ao bem jurídico tutelado pelo direito. Num sentido jurídico penal
estrito, a palavra designa o indivíduo que sofre diretamente as consequências da
violação da norma penal e em sentido penal amplo abrange o indivíduo e a
comunidade que suportam diretamente as consequências do crime.5

Ainda, com forte influência religiosa cristã, o vocábulo ganhou significado


amplo em nossos dias, pois vítima não significa somente o animal abatido em
sacrifício, mas todo ser vivo que sofre qualquer espécie de dano, que pode resultar
por ação de outrem ou por fatos da natureza, sendo este o significado literário ou
gramatical da palavra vítima.6

José Frederico Marques, referindo-se à vítima, fala em ”sujeitos principais


do processo e em sujeitos secundários”, considerando o ofendido e o prejudicado
como terceiros “que funcionam no processo penal como interessados em questões

3
SILVA, De Plácido e Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Cia Editora Forense, 2000, p. 870.
4
MASON, Sean F. História da Ciência.Trad. de José Vellinho de Lacerda. Porto Alegre: Editora
Globo, 1957 apud em OLIVEIRA, Edmundo.Vitimologia e direito penal: o crime precipitado ou
programado pela vítima. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005, p. 7.
5
BITTENCOURT, Edgard de Moura. Vitimologia como Ciência. Revista Brasileira de Criminologia e
Direito Penal, ano 1, nº 1, p. 480, abril/maio de 1963.
6
FERNANDES, Antonio Scarance. O papel da vítima no processo criminal. São Paulo: Malheiros
Editores, 1995, pp. 31-32.
14

acessórias que se contêm na relação processual penal. Tais são o ofendido ou a


pessoa prejudicada pelo crime”.7

É evidente o caráter acessório que tais personagens processuais


possuem na visão de José Frederico Marques retratando de certa forma a visão
doutrinaria de uma época acerca da vítima.

Os estudos da vitimologia, ciência nascida com o fim da Segunda Guerra


Mundial, são relevantes e influenciam na definição jurídica de vítima, sendo
considerado “vítima penal quem sofre as consequências de violação de uma norma
penal, podendo, no processo, contudo, defender interesses criminais e não
criminais, o primeiro objeto de indagação consiste em saber se essa vítima penal se
identifica com a figura do sujeito passivo da infração penal.”8

Fernando da Costa Tourinho Filho define vítima ou ofendido como ”o


sujeito passivo da infração penal. E sujeito passivo é o titular do direito lesado ou
posto em perigo pelo crime”.9

Antonio Scarance Fernandes complementa o conceito:

A vítima criminal é, assim, o sujeito passivo da infração penal, principal


ou secundário. Contudo, importa salientar que, assim como o réu não
poder ser considerado objeto do processo e sim um sujeito dotado de
direitos, também a vítima deve ser vista no processo não apenas
abstratamente como sujeito passivo do delito, mas como alguém
concretamente dotado de direitos. Sujeito prejudicado. Não corresponde
ele ao sujeito passivo do delito. Este é o titular do direito protegido pela
norma penal. O sujeito prejudicado é o titular do direito à indenização
civil, ou seja, aquele que, em razão de um ilícito civil, tem direito a
pleitear a reparação do dano sofrido.

Pode, contudo, a mesma pessoa ser sujeito passivo e sujeito


prejudicado. Isso acontece quando, em decorrência de um fato
criminoso, o sujeito passivo tenha sofrido lesão e, pelos termos da lei
civil, possa pleitear a reparação do dano. Em conclusão, sem avançar
para o extenso conceito vitimológico, considera-se vítima o sujeito

7
MARQUES, José Frederico.Elementos de direito processual penal, v. I, Campinas, SP: Editora
Bookseller, 2000.
8
FERNANDES, Antonio Scarance.O papel da vítima no processo criminal. São Paulo: Malheiros
Editores, 1995, pp. 40-43.
9
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa.Processo penal, v.2, 20ª edição, São Paulo: Editora
Saraiva, 1998, p. 438.
15

passivo, principal ou secundário. O prejudicado só será vítima quando


ostente também a qualidade de sujeito passivo. Assim, todo sujeito
passivo será vítima, mas não todo prejudicado.10

O conceito de prejudicado foi extraído das normas de direito civil e, como


sustentado por Antonio Scarance Fernandes, nem todo sujeito passivo é prejudicado
e se a lei processual penal permitir que o simples prejudicado possa no juízo criminal
defender seus interesses civis estará admitindo a participação de outras pessoas,
além da vítima, mas se limitar essa intervenção à vítima criminal será legitimado
somente o prejudicado que tenha ao mesmo tempo a posição jurídica de sujeito
passivo de infração penal.11O Código de Processo Penal usa as palavras vítima,
ofendido, pessoa ofendida e lesado, sem rigor terminológico, mas, para Antonio
Scarance Fernandes, é possível extrair algumas conclusões:

O vocábulo vítima aparece com o significado de vítima penal, ou seja, de


sujeito passivo da infração penal. Assim no artigo 187, § 2º, inciso V, consta que o
“réu será interrogado sobre se conhece a vítima”; no artigo 240, § 1º, letra ‘g’,
admite-se busca domiciliar para apreender pessoas vítimas de crimes. Não é a
palavra usada para se referir à vítima como sujeito da relação jurídica
processual.Lesado corresponde no Código ao que sofreu prejuízo em decorrência
do crime. Está referido nos diversos artigos em que são previstas formas de
reparação do dano ao prejudicado: restituição de coisa apreendida no artigo 119,
ressarcimento com o dinheiro arrecadado na venda em leilão público das coisas
apreendidas, artigo 122, parágrafo único, ressarcimento com o dinheiro arrecadado
na venda de bens sequestrados em leilão público, artigo 133, parágrafo único.

É como ofendido ou pessoa ofendida que o Código se refere à vítima no


sentido processual: artigos 5º, II e ‘caput’; 6º, IV; 14; 19; 24, ‘caput’ e parágrafo
único; 30; 31; 32, § 2º; 33; 34; 38; 39, § 1º; 45; 50, ‘caput’; 63; 127; 134; 140; 142;
201 e parágrafo único; 229, ‘caput’; 268; 373; 526; 529, ‘caput’ e parágrafo único;
598.”12

10
FERNANDES, Antonio Scarance. O papel da vítima no processo criminal. São Paulo: Malheiros
Editores, 1995, pp. 48-50.
11
Ibidem, p. 50.
12
Ibidem, p. 51. (Artigos do Código de Processo Penal da época da obra do autor citado, anteriores
as reformas, atualmente renumerados e modificados em sua redação).
16

José Frederico Marques faz uma distinção entre vítima e prejudicado


propriamente destacando a diferença com o exemplo do crime de homicídio em que
a vítima seria a pessoa assassinada e os prejudicados seriam seus familiares que
tinham uma dependência financeira em relação ao falecido, ou seja, a primeira sofre
as consequências diretas do ato criminoso em si mesmo e as segundas sofrem as
consequências patrimoniais e morais.13

As expressões sujeito passivo e titular do bem jurídico não compõem a


nossa legislação penal e são efetivamente uma criação doutrinaria quando se
referem à expressão vítima. Há quem entenda incabível a expressão sujeito passivo,
pois, numa visão vitimológica, a vítima interage com o agente e com o meio, não
estando desta forma passiva.14 Para se identificar o sujeito passivo principal e
secundário,faz-se necessário analisar a norma que define o crime e se sobrevier
dúvida, deve se optar por orientações mais abrangentes, desde que seja para fins
processuais, pois o Código de Processo Penal não adotou posição restritiva sobre
quem é ofendido.15

Os diversos sistemas processuais não adotaram o mesmo conceito de


ofendido, o nosso Código não define especificamente o que seja ofendido, não
acolheu uma posição restritiva que só considere ofendido o sujeito passivo principal,
sendo o vocábulo usado para se referir ao titular do direito de ação penal privada, ao
titular do direito de representação, ao assistente do Ministério Público ou ao
legitimado para requerer providências cautelares civis.

Com a finalidade de finalizarmos o conceito de vítima se faz ainda


necessário abordar o conceito do instituto da autocolocação da vítima em risco,
consoante a lição de Alessandra Orcesi Pedro Greco fixando as distinções
relevantes classificando as vítimas em dois grupos:

13
MARQUES, José Frederico. Curso de Processo Penal. São Paulo: Editora Saraiva, 1956, volume II,
p. 56.
14
GRECO, Alessandra Orcesi Pedro. A autocolocação da vítima em risco. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2004, p. 24.
15
FERNANDES, Antonio Scarance. O papel da vítima no processo criminal. São Paulo: Malheiros
Editores, 1995, p. 52.
17

Aquelas vítimas que criaram o risco para si, ou que consentiram para
que outro a criasse; e aquelas que não tiveram nenhuma colaboração
no risco para si próprias.16

Ao tratarmos de reparação da vítima em face do delito, a aplicação do


conceito mencionado anteriormente se torna importante para fixação do valor a ser
pago a título de indenização, pois é evidente que o comportamento da vítima no
cenário delitivo terá o condão de tornar maior ou menor a responsabilidade do réu
no que tange à indenização. Importa salientarmos que o artigo 59 do Código Penal
pátrio já faz menção ao comportamento da vítima para dosimetria da pena a ser
aplicada,adiante desenvolveremos melhor essa questão.

16
GRECO, Alessandra Orcesi Pedro. A autocolocação da vítima em risco. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2004, p. 27.
18

1.2. Conceito histórico

O estudo histórico não tem por escopo abordar toda a matéria referente à
evolução do papel da vítima, mas trazer uma visão dos principais momentos
históricos da vítima em face do processo penal.

A vítima nos primórdios da civilização teve relevante papel, como


protagonista da relação processual na punição dos autores dos crimes atuando até
mesmo em causa própria com legitimidade para punir o infrator, pois a própria vítima
ou suas famílias tinham o direito de prosseguir com a vingança, inicialmente privada
e depois, regulamentada e pública ou posteriormente obter uma compensação
financeira com a composição. Nos sistemas de justiça da antiguidade a
compensação era uma das medidas mais comuns na reparação da vítima ou de
seus familiares.

A princípio é preciso reafirmar que a fase cunhada como “Idade de Ouro”


da vítima não é expressão que indique período histórico determinado e circunscrito
no tempo, pois não há historicamente comprovado um termo inicial ou um final
preciso do período em questão. Pode-se apenas estabelecer um marco temporal ao
final desta fase, mais ou menos preciso, considerando-se o início de sua decadência
com a formação dos estados e sua exclusividade no exercício da jurisdição e
consequente diminuição do papel da vítima.

A importância de estabelecer as características principais desse período é


evidenciada quando se vislumbra atualmente a já citada revalorização da vítima, que
significa uma retomada de um conceito de valor que já existira no passado e depois
sofreu uma mudança drástica de paradigma levando a vítima ao esquecimento como
personagem processual e sujeito de direito, bem como enquanto ser humano.

É comum na doutrina a afirmação de que a vítima viveu, nos primórdios


da civilização, sua “Idade de Ouro”, identificando-se esta fase com o período da
vingança e posteriormente vingança pública, em que se entende que a vítima
vingava-se com fulcro exclusivo na sua dor. Entretanto, não é possível afirmar que a
vítima tinha a exclusividade do interesse do direito penal à época, Giuseppe Bettiol
alerta para o risco de se fazer uma afirmação peremptória e precipitada nesse
sentido, ao dizer que, embora se afirme com frequência acerca da natureza privada
19

do direito penal na fase histórica, que antecedeu à constituição do Estado que


conhecemos, o poder punitivo do pater famílias repousava numa justificação de
natureza pública,17 pois este não agia como depositário de um poder privado, mas
era uma autoridade política, de natureza pública, sendo a família a primeira forma de
organização política, quando o estado não existia ou era ainda muito rudimentar.

A vingança privada era de fato a prática utilizada pelos povos primitivos,


entretanto, como afirma Alexandra Orcesi Pedro Greco, tal prática consistia num
poder dever que o ofendido ou seus familiares deveriam exercer, com fundamento
em bases morais, mágicas e religiosas, possuindo esta atuação o caráter divino, na
busca da reparação e restabelecimento da paz social, abalada pelo delito.18

Erich Fromm, por sua vez, descreve a vingança como uma instituição
social aceita e organizada, tendo-a observado entre diversas etnias da Índia,
Polinésia, Córsega e dos índios americanos que a definem como um dever sagrado
que recai sobre um membro de determinada família, clã ou de uma tribo que tem
que matar um membro de uma unidade familiar correspondente, se um de seus
companheiros tiver sido morto.19

Tal revide, sem guardar qualquer proporcionalidade, era pessoal, de


indivíduo para indivíduo, de grupo para grupo, sem qualquer regulação, pois quando
a vingança passa ser regulada por qualquer tradição, costume ou lei, com a
supervisão de um líder político ou religioso, passa à categoria de vingança pública.

Por sua vez, Edgar Magalhães Noronha aduz que o caráter


preponderantemente privado ou público das regras de natureza penal de um
determinado povo não segue uma rigorosa evolução cronológica no sentido da
transmudação do privado para o público.20Tais observações norteiam a necessidade
de especial cuidado para não se adotar categorias e períodos históricos estanques e
definidos em algumas noções que efetivamente transcendem limites culturais e
temporais estritos.

17
BETTIOL, Giuseppe. Direito penal. Tradução e notas de Paulo José da Costa Junior e de Alberto
Silva Franco. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1977, volume I.
18
GRECO, Alessandra Orcesi Pedro. A autocolocação da vítima em risco. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2004, p. 28.
19
FROMM, Erich. Anatomia da destrutividade humana. Tradução de Marco Aurélio de Moura Matos,
Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 1975, p. 364.
20
NORONHA, Edgar Magalhães. Direito penal. São Paulo: Editora Saraiva, 1968. v.1, p. 20.
20

É importante salientar que os estudos da evolução histórica do direito


penal tratam, com frequência, de quatro fases distintas:vingança privada, identificada
com o período primitivo da humanidade; vingança pública, quando o Estado ou a
organização social existente passa a regular os casos de vingança e aplicar a pena;
fase da humanização, a partir do século XVIII; e a etapa atual, em que há diversas
correntes com seus próprios pontos de vista.

Nesse sentido, há vários exemplos históricos demonstrando que a


evolução não obedece a um sentido linear cronológico e que tendências
humanitárias, bem como a vingança pública ou privada, são marcas que estiveram
presentes em diversas épocas, com avanços e retrocessos ao longo da história.21

Edgar Magalhães Noronha também assevera no mesmo diapasão que


esses períodos não se sucedem integralmente, ou melhor, advindo um, nem por isso
o outro desaparece logo, ocorrendo, então, a existência concomitante dos princípios
característicos de cada um, uma fase interpenetra a outra, havendo verdadeira
intersecção, e durante tempos esta ainda permanece ao seu lado.22

Com o estabelecimento dessa premissa, pode-se, então, falar do período


identificado como a “Idade de Ouro” da vítima, como sendo aquele que compreende
desde os primórdios da civilização até o fim da Alta Idade Média. Com o início da
Baixa Idade Média (século XII), período este marcado pela crise do feudalismo,
pelas cruzadas e surgimento do processo inquisitivo na igreja católica, sendo que
neste período a vítima inicia seu caminho rumo ao ostracismo, sendo substituída, no
conflito de natureza criminal, pelo soberano e mais adiante pelo Estado.

Como podemos inferir, trata-se de um período histórico muito amplo, o


que torna temerária qualquer classificação taxativa e dificulta a exata compreensão
da evolução do direito penal no que tange ao tratamento à vítima se buscarmos um
sentido linear, tanto de forma cronológica, como também axiológica.

Ana Sofia Schmidt de Oliveira23 lembra ainda no sentido de desmistificar a


fase da idade de ouro da vítima, no que tange à crença de que a vítima agia

21
ZAFFARONI, Eugenio Raúl, PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte
geral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, volume I, p. 181.
22
NORONHA, Edgar Magalhães. Direito penal. São Paulo: Editora Saraiva, 1968. p. 21.
23
OLIVEIRA, Ana Sofia Schmidt de. A vítima e o direito penal. Uma abordagem do movimento
vitimológico e de seu impacto no direito penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 20.
21

livremente e sem quaisquer parâmetros, afirmando que se o direito penal adquiriu


definitivamente seu caráter publicístico com surgimento dos métodos inquisitivos por
volta do século XII, não é correto afirmar que até então a justiça penal esteve nas
mãos da vítima, pois as práticas penais das civilizações mais remotas guardavam
uma forte marca mágica e teocrática, que implicava nítida identificação entre crime e
pecado, o que de per si transcende o interesse exclusivo das partes de pura
vingança, substituído pela necessidade em apaziguar os deuses, que sobrepunham.

Nesses períodos mais remotos da humanidade, a vítima agia por suas


próprias forças ou com o apoio do clã familiar, com forte componente de caráter
mágico e religioso sempre presente como já dito. As consequências do crime não
ficavam, normalmente, adstritas aos indivíduos envolvidos na ação delituosa,
alcançando suas famílias e seu clã, pois a ofensa a um membro da tribo repercutia
em todos, o que gerava lutas sangrentas e infindáveis, responsáveis pelo extermínio
de clãs e comunidades inteiras. Nesse ambiente, onde não havia ainda sistemas
sociais mais organizados política e juridicamente, cabia à vítima e sua tribo punir o
ofensor e seu clã. Tudo dependia da força pessoal da vítima ou de seu grupo para
se impor sobre o criminoso e puni-lo.

A vingança de sangue de forma mágica e simbólica tinha o poder de


desfazer o mal praticado pelo criminoso, por meio de sua própria destruição ou
banimento do grupo. Tal ato vinculado a um poder dever expressava a repulsa ao
agressor, gerada pela ofensa.24

Apesar do todo trazido sobre as vinganças e práticas nas sociedades


primitivas e nas sociedades tribais, o crime não era e ainda hoje não é fenômeno
comum, pois há um alto grau de coesão social, com o ajustamento do homem
comum às tradições da tribo e do clã, também as normas do grupo fixadas há
tempos e de caráter consuetudinário, e a quase ausência de competição social,as
poucas tensões da vida consistentes no suprir das necessidades básicas da
subsistência contribuem para a quase total ausência de delitos. Ademais as
sociedades tribais possuíam formas diversas de esvaziamento das tensões antes da
eclosão da prática de qualquer violência que delas pudessem decorrer, tais como

24
FROMM, Erich. Anatomia da destrutividade humana. Tradução de Marco Aurélio de Moura Matos,
Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 1975, pp. 365-366.
22

rituais de sacrifícios e ritualizações da guerra com jogos e lutas corporais,tudo


contribuindo para a quase ausência de conflitos internos.25

A punição do homem, autor efetivamente do crime, só era exigida quando


a agressão fosse mais grave e tinha por finalidade purgar o clã da indignidade do
ato. Recaía sobre o culpado ou, na sua falta, sobre quem viesse a ser apontado pela
vítima ou até por seus parentes, por reconhecimento ou procedimentos mágicos
realizados em cerimônias de julgamento, é a responsabilidade flutuante que busca
um responsável para a pena, que libertará o clã da impureza com que o crime o
contaminou.26

Portanto, ainda que a vítima participasse dos rituais punitivos e pudesse


até mesmo golpear pessoalmente o criminoso, a finalidade maior de tais práticas era
restabelecer a coesão social abalada pela prática do crime e da harmonização do
clã em face das divindades. O interesse do grupo na manutenção da coesão social,
especialmente por suas raízes religiosas, sobrepunha-se ao interesse individual da
pura vingança, que terminava por ser alcançada, mas possuía um significado cultural
muito diferente daquela que o homem moderno pode ter hoje.

Assim, nesse mundo mágico e simbólico do paganismo tribal, em que


imperava a ausência de leis causais, em que a contradição não só era possível
como aceitável, é mais importante saber que a ofensa foi dissipada sem provocar a
ira divina, do que propriamente determinar a exata e pessoal responsabilidade pela
infração, ou sua motivação.

Todos como indivíduos, o clã e a comunidade como um todo eram


agredidos pelo delito e a situação anterior a prática do delito, de harmonia
social,deveria ser restabelecida em respeito às divindades ofendidas e não só em
face da vítima, muito embora esta tivesse atuação pessoal intensa como já exposto.

25
GONZAGA, João Bernardino. O direito penal indígena à época do descobrimento. São Paulo:
Editora Max Limonad, 1970, pp. 18-19.
26
BRUNO, Aníbal. Direito penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1984, volume 1, pp. 65-69.
23

1.2.1 Civilizações da antiguidade posteriores à ordem tribal

O mesmo forte sentimento comunitário que se apontou anteriormente nas


sociedades tribais encontra-se presente também na formação das antigas
civilizações, mais populosas, heterogêneas, complexas e organizadas cujas leis
escritas chegaram até nós. A elas, em regra, retrocede a análise histórica do direito
penal e processual e, por isso, merece citação.

Logo que surgiram as primeiras organizações sociais mais estruturadas,


percebeu-se que não interessava a ninguém a vingança sem medida, tampouco as
rixas infindáveis entre os clãs, seguidas também de uma resposta sempre
desproporcionada, pois, isso implicava o empobrecimento e dizimação dos clãs,com
grande desestruturação social. Diante da necessidade de se limitar a reação à
agressão, passou-se da chamada fase da vingança privada à fase da vingança
pública limitada e regulada, pela autoridade constituída.

Assim, quando a vítima e seus parentes pretendiam punir o autor do


crime, deviam se dirigir a um representante do clã, da comunidade ou autoridade
pública, incumbido de verificar se eram obedecidas determinadas regras formais e
se a vingança não ultrapassava os limites estabelecidos nas normas então em vigor,
fossem ela de índole religiosa ou de direito.

Entretanto, como assevera Osvaldo Henrique Duek Marques, a


transferência da vingança do particular para um poder central perdurava em algumas
sociedades ainda como vingança privada, porém regulamentada, pois mantinha
todas as características da vingança de sangue, como na aplicação do talião entre
os hebreus.Também nas sociedades primitivas em que o poder central assumia
integralmente o dever de punir, persistia o sentimento vingativo, embora abrandado,
como no caso do talião aplicado pelo código de Hammurabi.27

Nesse sentido, René Girard explica que os sistemas e organizações


judiciárias:

Não suprimem, mas apenas limitam a uma represália única, cujo


exercício é confiado a uma autoridade soberana e especializada em seu

27
MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena. 2 ed. São Paulo: Livraria Martins
Fontes, 2008, pp. 12-13.
24

domínio. Estas decisões da autoridade judiciária afirmam-se sempre


como a última palavra da vingança’.28

Portanto, como se pode inferir, mesmo quando há sistemas de justiça


retirando ou limitando ao particular o protagonismo da vingança, dando a esta uma
regulamentação e uma feição pública, ainda assim remanesce o sentimento da
prática de vingança.

A esse respeito, esclarece ainda Oswaldo Henrique Duek Marques que,


embora o sistema judiciário almeje racionalizar toda sede de vingança expressada
no contexto social, a experiência demonstra, nos casos concretos de crimes graves,
que muitas vezes os indivíduos não se satisfazem com a expectativa de punição
decorrente de um processo judicial e cita exemplo emprestado de Hans Von Hentig,
em que os parentes das vítimas requerem o direito de assistirem às execuções dos
criminosos, fato este corriqueiro nos Estados Unidos da América, ainda nos dias de
hoje.29

As antigas legislações das civilizações da antiguidade denotam este


aspecto claramente.Essas legislações e codificações que chegaram aos nossos dias
constituem importante fonte histórica de informações sobre o papel da vítima nos
primórdios da civilização. Entretanto, cabe ainda fazer mais uma ressalva. Tais
codificações não devem ser superestimadas, pois não se deve, por meio delas,
cunhar afirmações absolutas acerca das relações sociais e jurídicas em determinado
tempo e lugar. Isso ocorre porque, apesar da importância desses documentos, eles
não representam, por si só,integralmente, todo um sistema social efetivamente
vigente, pois havia inúmeras interações com o divino, com a natureza, com os
costumes e com a cultura de forma geral.

Nesse sentido, consoante Aníbal Bruno, o estudo dos sistemas de penas


e de castigos nas sociedades primitivas, faz-se necessário, além da análise jurídica
dos antigos documentos, um exame comparativo, de ordem antropológica do
homem arcaico com o homem atual, levando-se em conta a realidade simbólica,
mágica e primitiva para termos uma ideia mais acertada de como viviam tais homens
28
GIRARD, René. A violência e o Sagrado. 3. ed. Tradução de Martha Conceição Gambini. São
Paulo: Editora Paz e Terra, 2008, pp. 29-30.
29
MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena. 2. ed. São Paulo: Livraria Martins
Fontes, 2008, p. 14.
25

no que se refere à tutela social e a garantia de permanência da comunidade por


meio de imposição de penas as transgressões.30

Ana Sofia Schmidt de Oliveira exemplifica que para verificar a limitação da


relevância desses documentos, basta um exercício de imaginação, e que em alguns
milhares de anos, antropólogos de uma civilização futura venham achar a nossa Lei
de Execução Penal nº 7.210/84. Neste contexto histórico, se não contarem com
outras fontes de informações e consultas, é possível que escrevam tratados sobre o
alto grau de humanização vigente nos presídios brasileiros no final do século XX.31
Portanto, nesse sentido é necessária certa restrição na análise pura das legislações
arcaicas.

30
BRUNO, Aníbal. Direito Penal, parte geral. 3 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1967, tomo I, pp.
54-55.
31
OLIVEIRA, Ana Sofia Schmidt de. A vítima e o direito penal. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1999, pp. 22-23.
26

1.2.2 Código de Hammurabi

Com efeito, o Código de Hammurabi, uma das mais antigas codificações


conhecidas, vem da Babilônia, civilização da região da mesopotâmia e data,
aproximadamente, o século XVIII antes de Cristo. Hammurabi foi um dos primeiros
reis babilônicos e, de acordo com o prólogo da legislação, foi chamado pelos
principais deuses “para fazer surgir a justiça na terra”32, tendo, assim, recebido a
codificação que possuía evidente origem divina.

Neste código, gravado em placas cuneiformes, constam disposições


penais muito rigorosas. Além da previsão da pena de morte e penas de lesões
corporais ou mutilações (aplicadas segundo o princípio de Talião), que eram muito
frequentes, havia também a previsão da pena de composição para os crimes de
natureza simplesmente patrimonial.

Em alguns casos era prevista a pena de talião e a composição


cumulativamente para o mesmo delito. A utilização de uma ou outra dependia da
qualificação social do ofensor e do ofendido e nesse ponto observa-se o preconceito
de classes explicito no texto. A lei babilônica fazia evidente distinção entre o awilum
e o muskênum, sendo o primeiro aquele cidadão na plenitude de seus direitos,
aristocratas e nobres em geral e, o segundo, o integrante de uma classe
intermediária composta de homens livres e pobres, artesãos, agricultores, pequenos
comerciantes, enfim, sendo esta a classe social intermediária entre a nobreza e os
escravos, que não possuíam qualquer direito.

Nesse período, a lei de Talião foi considerada como um grande progresso


jurídico, pois era conhecida pelo povo pelos preceitos de igualdade e
proporcionalidade que impunha entre a ofensa praticada e a pena imposta, ou seja:
“olho por olho, dente por dente”, portanto impertinente qualquer assertiva sobre
eventual barbárie de tal método, posto que teve ampla aceitação social à época.

Notamos ainda que, embora fosse reconhecido o direito da vítima e de


sua família à aplicação do talião e ao recebimento do preço da composição, o

32
BOUZON, Emanuel. Código de Hammurabi. Introdução e tradução do texto cuneiforme e
comentários. 10 ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2003, p. 223.
27

exercício de tal direito encontrava limites legais, não podendo ser


indiscriminadamente exercido sem a intervenção do Estado teocrático.

Vejamos parte do Epílogo:

Que o homem oprimido, que está implicado em um processo, venha


diante de minha estátua de rei da justiça e leia atentamente minha
estela escrita e ouça minhas palavras preciosas. Que minha Estela
resolva sua questão, ele veja o seu direito, o seu coração se dilate!33

Nesse sentido, não há que se falar em vingança privada, mas aqui já há a


efetiva aplicação de um sistema de justiça organizado, de cunho teocrático, ainda
que ungido de um sentimento vingativo, mas que já buscava a recomposição do
dano patrimonial da vítima, além da punição do criminoso em que pese à punição ter
motivação religiosa, mágica e com grande carga simbólica.

33
BOUZON, Emanuel. Código de Hammurabi. Introdução e tradução do texto cuneiforme e
comentários. 10 ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2003, introdução.
28

1.2.3 Direito hebreu

No direito hebreu também são inúmeras as passagens do Antigo


Testamento que demonstram a aplicação do talião.Assim, como o sistema
Babilônico e no antiquíssimo sistema Indiano (Código de Manu), o direito penal
hebreu estava fundado em concepções religiosas e sua origem era divina. Os Dez
Mandamentos foram recebidos no Monte Sinai por Moisés diretamente de Deus,
como símbolo da aliança sagrada entre Deus e o homem e constituem a fonte do
direito penal mosaico até os dias de hoje. O direito hebreu nasce com Moisés, após
a libertação do povo hebreu do Egito, onde eram escravos e viviam em estado de
total desorganização social e religiosa.

Não obstante a regra fosse o talião, existiam exceções, distinguindo-se


entre dolo e culpa34, e cedendo, em alguns casos, lugar para uma pena de caráter
indenizatório, cuja finalidade era compensar a vítima.Esta característica fica clara em
algumas passagens do Antigo Testamento como, por exemplo:

Se dois homens travarem de razões, e um ferir o outro com pedra, ou


punhada, e o ferido não morrer, mas ficar precisado a estar de cama; se
depois ele se levanta, e anda por fora firmando-se no seu bordão:
aquele, que o feriu, será dado por inocente; mas ficará obrigado a lhe
pagar perdas e danos à medida do tempo que o ferido não pôde
trabalhar, e a dar-lhe tudo o que ele despendeu com os médicos.35

Se alguém furtar um boi, ou uma ovelha, e os matar, ou vender,


restituirá cinco bois por um boi, e quatro ovelhas por uma ovelha. Se um
ladrão for achado arrombando a porta duma casa, ou escavando a
parede para entrar, e sendo ferido, morreu da ferida: aquele, que o feriu,
não será culpado da sua morte. Se ele matou o ladrão já de dia,
cometeu homicídio, e será punido de morte. Se o ladrão não tiver por
donde pagar o furto, será vendido. Se aquilo, que ele roubou, se achar
ainda vivo em sua casa, quer seja boi, quer seja jumento, quer seja
ovelha, restituirá em dobro.36

34
Bíblia Sagrada, Livro do Êxodo, 21, 12-13. Bíblia de Jerusalém. Tradução em língua portuguesa
diretamente dos originais. São Paulo: Editora Paulus, 2002.
35
Bíblia Sagrada, Livro do Êxodo, 21, 18-19. Bíblia de Jerusalém. Tradução em língua portuguesa
diretamente dos originais. São Paulo: Editora Paulus, 2002.
36
Bíblia Sagrada, Livro do Êxodo, 22, 1-4. Bíblia de Jerusalém. Tradução em língua portuguesa
diretamente dos originais. São Paulo: Editora Paulus, 2002.
29

Percebe-se no texto sagrado do antigo testamento a evidente


preocupação com o ressarcimento da vítima indo além da simples punição do
delinquente.
30

1.2.4 Direito Romano

Em Roma ocorreu algo raro entre os povos da antiguidade consistente na


secularização do direito penal com a fundação da república.A fundação da
República (509 A.C.) é o marco da separação entre a religião e o Estado. A marca
da laicização do direito romano está na lei das XII Tábuas que, promulgada em 453-
451 antes de Cristo, contém diversas disposições penais. Difere a legislação
tabulária daquelas já mencionadas porque não foi outorgada pelos deuses, ou seja,
não tem origem divina, tampouco fundamentam penas em face da ira dos deuses,
tampouco seu procedimento jurídico se consubstanciasse numa liturgia religiosa.

A lei das XII Tábuas limita a vingança privada, distingue os delitos


privados dos públicos, sendo os primeiros sempre sujeitos a penas patrimoniais,
visando à reparação da vítima, prevê a possibilidade da composição como forma de
evitar a vingança e determina a pena de talião. Essa última característica fica
evidente no inciso II da Tábua VII – Dei delitti:

Contra aquele que destruiu o membro de outrem e não transigiu com o


mutilado, seja aplicada a pena de talião.37

A lei tabulária teve o grande mérito de estabelecer uma inédita e ao


menos formal igualdade social, excluindo do direito penal qualquer distinção de
classes sociais e de ordem religiosa, além de estabelecer proporcionalidade entre o
delito e a pena e a possibilidade da reparação pecuniária da vítima. Ressalta ainda
Heleno Cláudio Fragoso que, em alguns casos menos graves, a vítima era mesmo
compelida a aceitar a compensação financeira oferecida pelo culpado.38

A lei tabulária significou também o marco inicial da primazia que se


estabeleceria do direito escrito nos sistemas jurídicos de origem latina.

Diversas leis foram substituindo a lei XII Tábuas, dentre as quais se


destacam as leis Corneliae e Juliae. A repressão dos delitos privados dependia da
iniciativa do ofendido e era realizada por um tribunal civil com imposição da pena
37
CRETELLA, Junior José. Curso de direito romano. 10 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1986,
pp. 43 e seguintes.
38
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: a nova parte geral. Rio de Janeiro: Forense,
1985, p. 26.
31

pecuniária. Ao Estado, representado pelo magistrado, cabia à repressão dos delitos


públicos. Os delitos privados eram considerados fonte de obrigação e ao particular
cabia sua persecução, regulada, porém, também pelo Estado. A indenização fixada
pelo magistrado e paga ao particular era chamada de damnum.

Para certos delitos, o montante da prestação indenizatória era fixado


previamente pelo Estado.39 Interessante à distinção que se fazia entre o furto e o
roubo. O autor do furto só seria punido se a vítima o trouxesse a juízo, ao passo que
o assaltante ficava sujeito à persecução pública, em razão da perturbação que
causava à ordem pública e ao perigo comum gerado.

Para os delitos públicos as sanções previstas eram a morte ou o desterro,


relacionando-se a gravidade da pena com a gravidade da ofensa.

Já no período do baixo império entre 284 e 565 depois de Cristo, o direito


penal romano passa a assumir um papel de instrumento a serviço da manutenção e
do reconhecimento da autoridade do Estado. Nesse diapasão, notamos a forte
perseguição aos cristãos, que se recusavam a adorar o imperador, que possuía
caráter divino, a realizar sacrifícios e ainda ousavam em considerar todos os homens
iguais, fossem escravos ou patrícios, sendo todos filhos do mesmo pai.

Nesta fase, os interesses particulares não são mais tutelados


publicamente, tendo os delitos privados sido praticamente absorvidos pela nova
categoria dos delitos chamados de extraordinários, destacando-se, entre eles, várias
espécies de furtos, o estelionato, o rapto e o aborto, entretanto a composição do
dano da vítima com a compensação pecuniária nos delitos patrimoniais e em alguns
outros delitos fixados previamente pelo Estado sempre estiveram presentes no
ornamento romano.40

39
MOREIRA Alves, José Carlos. Direito Romano. 13 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001.
40
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: a nova parte geral. Rio de Janeiro: Editora
Forense, 1985, p. 28.
32

1.2.5 Antigo Direito Penal Germânico

O período entre os séculos V e X foi marcado por encontros e conflitos de


dois sistemas. Enquanto o direito romano decaía, com a própria decadência de
Roma, que terminaria conquistada, firmava-se o direito germânico, que se tornou a
base do direito feudal.

Não há como negar que a assunção do direito germânico substituindo em


grande parte o direito romano foi um retrocesso de grandes proporções, posto que
trazia de volta as práticas mágicas, a responsabilidade objetiva sem maiores apuros
técnicos já outrora conquistados pelo direito romano, mas no que tange
especificamente ao atendimento da vítima, este ordenamento buscou também a
reparação, ainda que por motivos religiosos e místicos.

O direito bárbaro era baseado na vingança de sangue e na noção da


perda da paz em face da prática criminosa. A paz era a ordem imperante no âmbito
de uma tríplice relação: casa, família e comunidade. O direito identificava-se com a
ordem, com a paz; daí ser o crime identificado como a quebra da paz. A pena
conhecida como perda da paz era, portanto, consequência inevitável do princípio de
talião: quem quebrasse a paz, merecia perder a paz.

Como sistema de direito propriamente houve um retrocesso em relação


ao direito romano, que era escrito e laico e trazia uma igualdade ao menos formal
das partes, mas, a vítima voltaria ao papel de protagonista neste sistema.

Daí a concepção individualista do direito germânico, pois o delito dava


início a uma relação entre delinquente e vítima. O instrumento para a punição não
era o povo ou o estado, mas apenas o ofendido ou, se fosse o caso, de seus
parentes. Assim, embora a comunidade não tomasse diretamente parte da resposta
ao crime, permitia a agressão da vítima ao autor do delito41.

À medida que foi se fortalecendo o poder estatal, esta concepção


individualista foi sendo gradativamente mitigada, até alcançar a composição
obrigatória (compositio) num evidente retorno aos ideais romanos. Nela, ao invés da

41
HASSEMER, Winfried. Direito Penal, fundamentos estrutura, política. Organização e tradução de
Carlos Eduardo de Oliveira Vasconcelos e Adriana Beckman Meirelles. Porto Alegre: Sérgio Antonio
Fabris Editores, 2008, p. 74.
33

aplicação do talião, o agressor era obrigado a compensar o dano com uma quantia
em dinheiro, gado ou outros bens.

Louis Assier-Andrieu com fulcro em Tácito, historiador romano das tribos


bárbaras, assevera que as leis bárbaras nos primórdios da idade média são “tarifas
de composição” literalmente, pois havia listas com preços a serem pagos pelos
crimes cometidos. Tácito ainda relata que nelas se resgatava o homicida entregando
um certo número de cabeças de gado a família da vítima. A lei dos Burgúndios
estipulava que quem arrancasse os marcos de delimitação de um campo de plantio
teria uma de suas mãos cortadas, mas que o culpado poderia “resgatar a sua mão”
pagando a metade do que valia a sua própria pessoa. Já a lei lombarda preceituava
que um copista que alterasse uma escritura por ignorância seria condenado a pagar
pelo preço de sua própria pessoa para evitar a morte e que o homicídio era
resgatado em múltiplos do valor da vítima, sendo três vezes o valor entre os francos
e nove vezes o valor entre os alamanos.42

Evidente o caráter reparatório das penas mencionadas, ainda que se


argumente que possuíam discriminação em relação à posição social da vítima e do
agressor, o que influenciava de fato na definição do resgate a ser pago, ou mesmo
que tais medidas eram opções políticas a vingança de sangue desenfreada que se
instalara com o fim do império romano, não há como negar que as vítimas eram de
fato indenizadas evitando-se um problema de cunho social posterior ao delito.

Inobstante seja mesmo a composição a marca do direito germânico na


Alta Idade Média, existiam também outras penas, de caráter sacramental, impostas
aos delinquentes que afetavam a comunidade como um todo. Exemplos desses
delitos eram a traição e os delitos contra o culto. Observa-se, entretanto, que a
execução do criminoso não possuía caráter de pena, mas sim de sacrifício humano,
com grande conteúdo mágico e simbólico para toda a comunidade.

O predomínio do direito germânico estendeu-se até o final do século XI


em grande parte da Europa, ou seja, durante a Alta Idade Média. Algumas práticas
judiciárias desse período devem ser referidas pela forte marca que deixaram no
sistema penal.

42
ASSIER-ANDRIEU, Louis. O direito nas sociedades humanas. Tradução de Maria Ermantina
Galvão. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2000, p. 139.
34

Ainda nesta fase de vingança, os litígios eram resolvidos também na base


do jogo de provas. Não havia ninguém, nenhum representante do poder,
encarregado de formular as acusações contra o suposto autor de um dano. Quem se
apresentasse como vítima de um dano, ou algum familiar da vítima, deveria apontar
seu adversário e reclamar dele a reparação.

O procedimento era a ritualização da guerra particular entre os dois


contendores, que encontrou seu ápice com as ordálias ou duelos de Deus, mas
havia sempre a possibilidade de um acordo com fins a reparação, para impedir a
guerra ritualizada.

São vários os aspectos interessantes que merecem destaque neste


sistema judicial, dentre eles o fato de que não há qualquer preocupação com a
busca da verdade. O árbitro neste sistema não tem por função verificar quem tem
razão, mas apenas fazer observar o pacto estabelecido. A prova é a expressão de
força, o julgador reconhece o direito do mais forte.43

Ademais, o pagamento do preço do “resgate”, para fazer cessar a disputa,


apesar do nítido caráter indenizatório, tinha como foco principal ser uma forma do
“culpado” não pagar com seu próprio sangue pelo que supostamente causou à
vítima, sendo uma verdadeira “compra” do direito alheio de vingança.

As realização das provas, assim chamadas, não tinham como objetivo a


reconstituição dos fatos, mas sim verificar dentre os adversários quem possuía mais
força, mais peso e podiam ser de três ordens: testemunhais, em que as testemunhas
não depunham sobre os fatos, mas sobre a importância da pessoa, orais em que
cada um dos adversários tinha de recitar uma determinada fórmula corretamente
para vencer e, por último, as ordálias em que as partes combatiam até a morte.
Quanto a esta última espécie, eram provas de caráter mágico-religiosas. Como
exemplo, citamos o famoso exemplo de Michel Foucault quando foi realizada uma
prova no Império Carolíngio, no norte da França, onde o acusado de homicídio
deveria andar sobre fogo em brasa e, dois dias depois, se tivesse cicatrizes, seria
considerado culpado, pois Deus protegia sempre os inocentes.44

43
BRUNO, Aníbal. Direito penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1984.
44
FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. In: OLIVEIRA, Ana Sofia Schmidt de. A vítima
e o direito penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 30.
35

1.2.6 Direito canônico

No período compreendido entre o fim do século IX e o século XIII, o direito


canônico constituiu se na principal fonte normativa escrita do mundo ocidental.

Inicialmente de ordem interna e com o objetivo de resolver apenas os


conflitos que surgissem entre os católicos, à jurisdição episcopal foi se afirmando e
conquistando espaço, a ponto de chegar a ser reconhecida oficialmente, a partir do
ano de 313, pelo Imperador Constantino. Com esse fortalecimento, a competência
da Igreja foi sendo alargada, até alcançar todas as infrações religiosas, mais as
matérias consideradas a elas conexas.

Os tribunais eclesiásticos atuavam em matéria penal, inicialmente, sob


provocação. O procedimento era o acusatório. Entretanto, a partir do final do século
XII, surgiu o processo oficioso, ordenado pelo juiz sempre que a prática de uma
infração chegasse a seu conhecimento por meio de qualquer pessoa. Passa então a
ser inquisitorial o procedimento, não tendo a vítima relevância alguma nele, sendo
mero meio de prova.

Com o direito canônico, a vingança de sangue do direito germânico foi


muito limitada, sendo ele uma das principais causas históricas da transmutação do
papel da vítima, que, de sujeito central do conflito penal, passa a ser vista sob um
enfoque utilitário. A vítima passou a servir apenas como um repositório de
informações na perseguição daquele que “pecava”.

O mecanismo que gerou tal afastamento da vítima não teve caminho de


volta. No fim da Idade Média o que se vê é o desenvolvimento dos Tribunais da
Inquisição. Os procedimentos dos Tribunais do Santo Ofício da Inquisição e a
adoção do método do inquérito, aproveitado pela justiça secular, confirmaram o
afastamento da vítima da solução do conflito penal. Confiscos e multas em favor do
estado passaram a ser importantes e cada vez mais comuns como medidas
penais.45

Sem entrar em maiores investigações referentes às Escolas Penais, no


iluminismo, cumpre apenas relembrar que a Escola Clássica e a Escola Positivista

45
BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Tradução de Torrieri Magalhães. São Paulo: Editora
Hemus, 1983, p . 20.
36

centraram suas atenções, respectivamente, no crime e no criminoso, e a vítima não


ocupou, nelas, nenhum papel de destaque, sendo mero meio de prova.

A finalidade atribuída à pena pela Escola Clássica, dominada pela


influência iluminista, era, inicialmente, a prevenção do crime, evoluindo-se, mais
tarde, para uma metafísica jus naturalista, em que a pena assentou sua justificativa
na exigência ética da retribuição.46

Compreende-se, portanto, a ausência da preocupação com a vítima do


crime, na mediada em que o crime era essencialmente uma ofensa à ordem pública
e não a uma pessoa em especial.

Assim, nasce o conceito jurídico do delito, sem a necessidade de


referência à vítima, em seu maior ostracismo.

46
BRUNO, Aníbal. Direito penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1984, v. I, p. 97.
37

1.2.7 Estado Moderno

Com o fortalecimento das Monarquias e do Estado Moderno, a vítima foi


relegada, definitivamente a plano secundário. O direito penal passou a ser
considerando de ordem pública, sendo o crime visto como ofensa à boa ordem
social, cabendo ao soberano ou ao Estado reprimi-lo. Essa marginalização da vítima
deu-se em sincronia com a progressiva afirmação de que o direito penal e o
processual penal eram de interesse público.

Assim, o processo penal, fosse acusatório, inquisitório ou misto,


neutralizava a vítima, reduzindo seu papel a meio de prova. A relação jurídica que se
forma é entre juiz, réu e acusador. De regra, o acusador era um órgão do Estado,
despontando o Ministério Público como órgão encarregado de promover a ação
penal em quase todos os crimes.

Na França há a figura do Juiz em pé, ou seja, aquele que fica sob o


‘parquet’, referindo-se ao piso, de madeira envernizada da época, portanto daí
advém a figura do Juiz acusador que não tinha assento e mais tarde foi conhecido
como membro do ‘parquet’ ou promotor de justiça.

Até hoje há sistemas jurídicos, como o português que nomeia o órgão de


acusação não como promotores ou membros do ministério público, mas como
magistrados do ministério público em evidente identificação com o conceito Francês
do juiz em pé.

Importa, portanto, na administração da justiça penal, o interesse público e


não mais o privado, devendo a acusação ao acusado advir de um órgão marcado
pela imparcialidade e isento de paixões, voltado para a defesa da sociedade.

Observa-se, no que toca a este momento histórico, que enquanto


anteriormente o litígio era resolvido entre as partes, os métodos utilizados eram as
provas de força, os duelos verbais e as ordálias, no momento em que o
representante do ministério público substitui a vítima, aqueles métodos não mais
podem ser utilizados.

É preciso que se descubra outro método para alcançar a verdade e


desponta como único modelo existente daquele utilizado pelos tribunais
38

eclesiásticos, a ‘inquisitio’. Foi esse o modelo inspirador do inquérito, método de


buscar a verdade, empregado para a reconstrução dos fatos sempre que o criminoso
não era flagrado no cometimento do crime.

Nessa evolução que tende a acabar com a justiça privada, fica bastante
restrito o papel da vítima que apenas pode acusar em um pequeno número de
casos, cabendo-lhe, nos demais, somente noticiar o fato e testemunhá-lo perante o
tribunal.

Chega-se, então, àquilo que parte da doutrina denomina de período de


ostracismo da vítima, quando ela ocupa posição periférica no sistema penal,
limitando-se a servir na produção da prova.

Três dispositivos do Código Penal pátrio ilustram bem o ponto a que


chegou a evolução desta concepção. Trata-se, a título de exemplo, do artigo 25, que
prevê a hipótese em que à vítima é lícito reagir por si, a uma agressão injusta;
regulando e delimitando a legitima defesa, nos seguintes termos:

Artigo 25 – Entende-se em legítima defesa quem, usando


moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual
ou iminente, a direito seu ou de outrem. (Redação dada pela Lei nº
7.209 , de 11.7.1984).47

No mesmo sentido restritivo da atuação da vítima, temos o artigo 100, que


estabelece a excepcionalidade da ação promovida pelo ofendido nos seguintes
termos:

Artigo 100 – A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente


a declara privativa do ofendido. (Redação dada pela Lei nº 7.209 , de
11.7.1984).

§ 1º – A ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo,


quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do
Ministro da Justiça. (Redação dada pela Lei nº 7.209 , de 11.7.1984).

§ 2º – A ação de iniciativa privada é promovida mediante queixa do


ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo. (Redação
dada pela Lei nº 7.209 , de 11.7.1984).48

47
Código Penal Brasileiro, artigo 25.
48
Ibidem, artigo 100.
39

Também fazem parte do regramento da atuação da vítima os artigos 19 e


24 ambos do Código de Processo Penal, nos seguintes termos:

Artigo 19. Nos crimes em que não couber ação pública, os autos do
inquérito serão remetidos ao juízo competente, onde aguardarão a
iniciativa do ofendido ou de seu representante legal, ou serão entregues
ao requerente, se o pedir, mediante traslado.

Artigo 24. Nos crimes de ação pública, esta será promovida por
denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir,
de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido
ou de quem tiver qualidade para representá-lo.

Parágrafo único. No caso de morte do ofendido ou quando declarado


ausente por decisão judicial, o direito de representação passará ao
cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.

§ 1º No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por


decisão judicial, o direito de representação passará ao cônjuge,
ascendente, descendente ou irmão. (Parágrafo único renumerado pela
Lei nº 8.699 , de 27.8.1993).49

No mesmo sentido de regrar e limitar a atuação da vítima, ainda mais


paradigmático temos o artigo 345 do Código Penal, que estabelece o crime de
exercício arbitrário das próprias razões para aquele que faz justiça pelas próprias
mãos, nos seguintes termos:

Artigo 345 – Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer


pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite:

Pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena


correspondente à violência.

Parágrafo único – Se não há emprego de violência, somente se procede


mediante queixa.50

Essa criminalização da atuação da vítima quando venha a agir ainda que


tenha razão, hoje, demonstra da forma mais cabal a referida evolução.51

49
Código de Processo Penal. Artigos 19 e 24.
50
Código Penal Brasileiro, artigo 345.
40

1.3. Tendências de revalorização da vítima na legislação

A Constituição Federal brasileira de 1988, em seu artigo 245, ordena o


amparo aos herdeiros e familiares das vítimas de crimes dolosos, sendo este o
primeiro comando constitucional específico voltado para as vítimas de criminalidade,
desse artigo se originaram diversas iniciativas legislativas e medidas do poder
executivo, incluindo as próprias reformas do Código de Processo Penal.

O referido preceito será objeto de pormenorizado estudo mais adiante,


porém insta salientar alguns efeitos de sua prolação na legislação
infraconstitucional.

Nota-se, em face da longa caminhada da humanidade no que concerne à


humanização das penas, um afastamento gradativo da pessoa da vítima,
inicialmente pelo desejo de afastar-se a ideia de vingança. Com a feição pública e
impessoal do processo gerou-se uma despreocupação estatal com as vítimas dos
delitos de modo geral, entretanto a doutrina vem preconizando o atendimento às
vítimas da criminalidade, do abuso de poder, da violência de modo amplo.

Do imenso sofrimento deixado pela segunda guerra mundial propriamente


surge com maior ênfase na revalorização das vítimas, a própria ciência chamada
vitimologia, surgida do martírio do povo judeu nos campos de concentração de Adolf
Hitler, sendo reconhecido como fundador da doutrina vitimológica o advogado
israelita Binyamin Mendelsohn, professor emérito da universidade Hebraica de
Jerusalém, tendo como marco inicial histórico, sua conferência proferida na
universidade de Bucarest, em 1947, com o tema “Um Horizonte Novo na Ciência
Biopsicossocial: A Vitimologia”.52

A partir desse evento, com o desenvolvimento dos estudos da vitimologia


e com a participação dos organismos internacionais do pós-guerra, podemos dizer
que a surge o impulso maior na direção da revalorização da vítima na sociedades
democráticas ocidentais.

51
OLIVEIRA, Ana Sofia Schmidt de. A vítima e o direito penal. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1999, pp. 32-33.
52
OLIVEIRA, Edmundo. Vitimologia e direito penal: O crime precipitado ou programado pela vítima.
Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005, p. 9.
41

Entretanto, vale lembrar que historicamente a reparação do dano


decorrente de crime já esteve mais presente no Direito Brasileiro e foi
gradativamente perdendo seu espaço nas legislações mais contemporâneas.

Inicialmente, citando o Código Criminal do Império, temos em seu artigo


21, onde se ordenava peremptoriamente que o delinquente satisfará o dano que
causar com o delito. O artigo 22, por sua vez, previa que “a satisfação será sempre a
mais completa possível”. Note-se que em seu parágrafo único o referido artigo 22
discorria sobre a necessidade de instrução para aquilatar-se o dano causado à
pessoa e bens do ofendido nos seguintes termos:

Para este fim o mal que resultar à pessoa e bens do ofendido será
avaliado em todas as suas partes e consequências.53

A Lei nº 261, de 3.12.1841, por sua vez, que reformou o código criminal
do império, revogou estes dispositivos, estabelecendo uma distinção clara entre a
matéria de jurisdição criminal da jurisdição civil, remetendo a indenização para ser
discutida no Juízo cível54. É interessante notar que este dispositivo legal, com pouca
alteração, foi implantado no Código Civil Brasileiro de 1916, em seu artigo 1.525 e
ratificado no artigo 935 do novo código de 2002, vigente.55

O Código Penal brasileiro de 1890 não alterou a sistemática, pois, em seu


artigo 69, alínea b, onde fixava a obrigação de indenizar o dano, como um dos
efeitos da condenação com trânsito em julgado, mas não estabelecia qualquer
instrução do feito no sentido de efetivamente apurar-se o dano em Juízo, como no
vetusto Código Criminal do Império que determinava em seu artigo 22 anteriormente
citado.

A partir do novo Código Penal de 1940, as legislações se sucedem


afastado sempre a presença da vítima no que tange à indenização, preconizando, a
rigor, desde a reforma de 1841 a busca da jurisdição cível para a reparação do

53
PIERANGELI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil, evolução histórica. 2. ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 240.
54
Art. 68. A indenização em todos os casos será pedida por ação cível, ficando revogado o art. 31 do
Código Criminal, e o § 5º do art. 269 do Código do Processo. Não se poderá, porém, questionar mais
sobre a existência do fato, e sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem
decididas no crime. Idem obra citada.
55
Idem, obra citada.
42

dano. No entanto, remanesce a atuação da vítima como assistente da acusação,


que tem previsão legal desde o Código Penal de 1890, em seu artigo 408,porém à
época buscava-se nitidamente a vingança com a aplicação da lei penal em seu rigor
maior, embora se alegue também que o assistente zela pelos interesses patrimoniais
da vítima.56

Evidentemente que nas legislações passadas, como citado, a vítima,


mediante sua habilitação na ação penal, na condição de assistente, ou não,
representada por advogado, sempre lhe foi facultado à busca da reparação cível,
uma vez que com a posse da sentença penal transitada em julgado, mas, a rigor, a
atuação do assistente da acusação não tinha este escopo e as vítimas pobres
também não contavam com esta possibilidade.

O Código Penal Brasileiro de 1940, também silenciou no que se refere à


reparação da vítima, tampouco o Ministério Público atuava neste sentido, liquidando
as sentenças penais transitadas.

Sobreveio a nova parte geral do Código Penal, modificado pela Lei nº


7.209/84, com nova redação para diversos artigos no sentido de estimular a
indenização da vítima.

Com a reforma de 1984, foi introduzido no artigo 59 do estatuto penal a


finalidade preventiva da pena; é adotado um modelo de justiça reabilitadora ou
ressocializadora, que visa a uma prevenção especial, mesmo ao aplicar uma pena
privativa de liberdade, sendo que nessa concepção a pena não é uma vingança e
sim um meio de reinserção do criminoso. Por fim, existe ainda o sistema reparador
que visa principalmente à reparação do dano sofrido pela vítima que tem posição
preponderante.57

Após as reformas de 1984 e de 1998 do nosso Código Penal, que


ampliou profundamente o artigo 44 do Código Penal e possibilitou a aplicação de
penas restritivas de direitos ao réu condenado à pena privativa de liberdade não
superior a quatro anos, nas hipóteses em que o crime não tenha sido cometido
mediante violência ou grave ameaça à pessoa, adotou um sistema misto,

56
PATENTE, Antonio Francisco. O assistente de acusação. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2002,
p. 3.
57
JESUS, Damásio Evangelista de. Penas alternativas. 2. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2000. pp.
25-27.
43

denominada teoria eclética (é retributivo – preventivo), conforme se observa nos


artigos 5958 e 44, ambos do Código Penal e artigo 1º da Lei de Execução Penal –
LEP.

Além de todas as mudanças, também se faz imperiosa a observação de


Edmundo Oliveira no que tange ao artigo 59 do Código Penal, pois, além do que já
foi exposto, o citado artigo incluiu de modo explícito na análise das circunstâncias
judiciais, que influem na dosagem da pena, o comportamento da vítima no momento
do delito, que passa a ser levado em conta.59

É o início de uma mudança de paradigma.

Verificamos, por fim, que a Lei nº 9.714/98, com a reforma citada, trouxe
inúmeras inovações no que tange à aplicação de penas substitutivas e também em
amparo à vítima e tem por mérito segundo Damásio Evangelista de Jesus:

Atender aos princípios do Estado Democrático de Direito: retribuir a


culpabilidade do condenado de acordo com o grau de reprovabilidade
da conduta, reparar o dano e procurar prevenir o crime.60

Frise-se a observação feita por Damásio Evangelista de Jesus, no que


tange ao ajustamento do sistema ao Estado Democrático de Direito:

Estado Democrático de Direito, o sistema que mais se ajusta à sua


natureza é o do direito penal que visa a ressocializar o delinquente,
reparar o dano sofrido pela vítima e prevenir o delito.61

Voltando ao Código Penal, temos o inciso I, do artigo 91, em que se


verifica que é efeito da condenação tornar certa a obrigação de indenizar o dano
causado pelo crime, efeito genérico da condenação.

58
JESUS, Damásio Evangelista de. Penas alternativas. 2. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2000,
p. 27.
59
OLIVEIRA, Edmundo. Vitimologia e direito penal: O crime precipitado ou programado pela vítima.
Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005, p. 220.
60
JESUS, Damásio Evangelista de. Penas alternativas. 2. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2000,
p. 28.
61
JESUS, Damásio Evangelista de. Penas alternativas. 2. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2000,
p. 27.
44

Da mesma forma, o artigo 16 prevê a título de arrependimento posterior


que nos delitos sem violência com a efetiva reparação do dano se dará a redução da
pena de um terço a dois terços e no caso da referida reparação ocorra depois da
denúncia, mas anteriormente à sentença, se dará a ocorrência da atenuante
genérica prevista no artigo 65, inciso III, letra b, ambos os artigos do Código Penal.

Também há o incentivo aos acusados de delitos com previsão de penas


de até dois anos de reclusão para que procedam à reparação dos danos para obter
a substituição das condições genéricas do artigo 78, § 1º pelas condições
específicas do § 2ª, letras a,b e c, todos do Código Penal.

Ainda é importante citar o artigo 83, inciso IV do mesmo Código que


estabelece as condições do livramento condicional, elencando no inciso citado a
reparação da vítima como uma das condições para a concessão, salvo a inequívoca
impossibilidade de pagar.

No mesmo sentido há o artigo 94, inciso III do Código Penal que também
elenca como requisito para o deferimento da reabilitação, a reparação da vítima,
salvo novamente a inequívoca demonstração da impossibilidade de fazê-lo.

Finalmente, ainda o artigo 312, § 3º62do Código Penal que permite a


extinção da punibilidade no caso de peculato culposo cujo dano é devidamente
ressarcido ao Estado.

O Código de Processo Penal também no capítulo VI, das medidas


assecuratórias, em seus artigos 125 ao 144, prevê a futura reparação do dano com
medidas constritivas e assecuratórias em face do patrimônio do acusado, que
efetivamente se prove terem sido adquiridos com os proventos do crime.

Mas ainda assim, apesar da legislação vigente citada, que preconiza a


reparação, a sentença penal condenatória permanece como mera sentença
declaratória relativa à indenização civil da vítima, já que não há ordem expressa e
imperativa, ou seja, um comando judicial para que o condenado repare o dano
resultante do crime.

62
NUCCI, Guilherme de Souza.Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2002 , p. 153.
45

Nesse diapasão a sentença penal é declaratória que faz coisa julgada no


juízo cível no que tange à obrigação da reparação do dano, discutindo-se,
exclusivamente, o quantum debeatur, que deverá ainda ser liquidado.63

Ainda nesse sentido, José Frederico Marques aduz que:

A condenação penal é assim um fato jurídico que traz imanente a


obrigação de indenizar.64

Já em legislações esparsas mais modernas que nosso vetusto Código


penal, temos, como grande avanço, a Lei nº 9.099/95 (projeto de Michel Temer,
Nelson Jobim e Abi Ackel) que trouxe de volta o protagonismo da vítima e
posteriormente a Lei nº 10.259/2001 (Juizados Especiais Cíveis e Criminais no
âmbito da Justiça Federal) com mesmo foco, eles introduziram o modelo
consensual, pactuado, negociado, de justiça criminal significando grande avanço no
que tange à despenalização, que não se confunde com descriminalização e
reparação de danos à vítima. Com previsão em seus artigos 62 a 72 e seguintes e,
por fim, o artigo 89 § 1º, inciso I onde se elenca como condição da suspensão
condicional do processo, a reparação do dano como primeira premissa, salvo
impossibilidade absoluta e vale dizer que o não cumprimento desse requisito importa
em sua revogação conforme § 3º do mesmo artigo.65

Inovou também a Lei nº 9.503/1997, que instituiu o Código de Trânsito


Brasileiro e demonstrou a mesma tendência de revalorização, diga-se, de forma
ainda mais direta, instituindo a figura da multa reparatória estabelecida no artigo
297, onde preceitua que essa penalidade consiste no pagamento por depósito
judicial em favor da vítima ou de seus sucessores de quantia calculada com fulcro no

63
BALTAZAR Junior, Paulo José. A sentença penal de acordo com as leis da reforma. In: NUCCI,
Guilherme de Souza (org.). Reformas do Processo Penal. Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico, 2008,
p. 255.
64
MARQUES, José Frederico. Curso de Processo Penal. São Paulo: Editora Saraiva, 1956, volume II,
p. 83.
65
GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais criminais:Comentários à Lei 9.099/95 de
26/09/1995. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.
46

artigo 49 § 1º do Código Penal, artigo este que estabelece os parâmetros da pena


de multa, sempre que o crime gerar prejuízo material.66

Por sua vez, visando ao combate ao crime organizado, mas trazendo de


forma oblíqua um benefício real às vítimas, temos a Lei nº 9.807, de 13 de julho de
1999, que dispôs sobre a organização e a manutenção de programas especiais de
proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas, bem como a proteção de acusado
ou condenados que tenham prestado voluntariamente a efetiva colaboração para
investigação criminal e para o processo penal.

A legislação brasileira adotou a política criminal de proteger os direitos da


vítima e visando à efetiva persecução penal na prevenção e repressão de crimes
graves, especialmente oriundo do crime organizado, cujo deslinde depende da
efetiva colaboração da vítima, do destemor das testemunhas e ainda da eficaz e
eficiente colaboração dos coautores ou partícipes.67

O artigo 2º, § 1º, da referida Lei nº 9.807/99, deve ser interpretado de


modo ampliativo, uma vez que o réu não teria incentivo para colaborar com a polícia
ou com a justiça, sabendo que sua família não estaria protegida. Ademais, a lei visa
proteger, sem distinção, a pessoa humana e tratar a vítima, testemunha e acusado
de maneira igual, caso contrário, estaríamos infringindo o princípio da constitucional
da isonomia.

A integridade física da vítima a ser preservada está prevista no inciso II,


do artigo 13, da Lei nº 9.807/99 como forma de os réus obterem o perdão judicial ou
significativa diminuição de pena. O perdão judicial previsto na Lei nº 9.807/99 foi
incorporado ao nosso sistema legal e se aplica somente na hipótese em que o
delator for coautor ou partícipe, sendo uma causa de extinção de punibilidade
(artigos 107, IX, e 120 do Código Penal), sendo uma circunstância de caráter
pessoal e incomunicável.

No que tange aos direitos difusos e coletivos, também temos o exemplo


da lei nº 9.605/1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas

66
DIAS, Gilberto Antonio Farias. Manual Faria de Trânsito: as infrações de trânsito e suas
consequências para a aplicação do Código de Trânsito Brasileiro. 10. ed. São Paulo: Editora Juarez
de Oliveira, 2007.
67
AZEVEDO, David Teixeira de. A colaboração premiada num direito ético. In: Revista dos Tribunais,
vol. 771. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, jan./2000, p. 449.
47

derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras


providências, apropriou-se a lei dos conceitos contidos na linha reparatória do
princípio do Poluidor-Pagador68, em que se exige a reparação conforme preceitua o
artigo 17 que estabelece como condição do sursis especial o laudo comprobatório
da reparação do dano ambiental e o artigo 27 que também prevê a recomposição do
dano como condição a efetivar-se a transação penal. No artigo 9º da mesma lei,
estabelece-se a restauração da coisa no caso de dano ao particular. Finalmente no
artigo 20, determina-se a fixação dos danos sempre que possível para eventual
liquidação após o trânsito em julgado.

Como se pode verificar a legislação pátria vem produzindo verdadeiros


incentivos aos acusados e também obrigações no que tange à reparação dos danos,
como forma também de extinção, diminuição ou atenuação de pena, bem como
requisito para obtenção de benefício legal e progressão de regime prisional em sede
de execução penal.

Portanto, as reformas do Código de Processo Penal brasileiro, ocorridas


em 2008, recolocaram a vítima em evidência com sua revalorização. Instituiu-se, por
exemplo, mediante a lei nº 11.690 de 09/06/2008, as modificações do capítulo V,
Título VII, Do Ofendido, artigo 201, renumerando o primitivo parágrafo único e
criando outros estabelecendo a sua participação processual (§§ 2º, 3º e 4º do artigo
201), medidas de atendimento assistencial psicossocial, jurídica e de saúde (§ 5º) e
o resguardo dos direitos da personalidade (§ 6º).

Dessa forma a vítima passa a participar efetivamente do andamento do


processo judicial não mais como mero meio de prova, sendo informada de seu
andamento e tendo uma série de direitos à assistência tanto por parte do Estado,
quanto do acusado.

Em respeito aos direitos do acusado, entende Antonio Magalhães Gomes


Filho69 que especificamente as medidas de assistência à vítima, por ora, só podem
correr as expensas do ofensor após o trânsito em julgado da sentença condenatória,

68
BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcelos. O princípio do poluidor-pagador e a reparação do
dano ambiental. In. Antonio Herman de Vasconcelos BENJAMIM (org.). Dano Ambiental: prevenção,
reparação e repressão. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 223.
69
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Provas, Lei 11.690, de 09.06.2008. In: Maria Thereza Rocha
de Assis Moura (coord.). As Reformas do Processo Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2008, pp. 281-282.
48

inserindo-se nos efeitos civis da sentença penal, entretanto nada impede que o
Estado venha a prestar esta assistência por seus vários órgãos.

Portanto, importa frisar que todas as reformas anteriores à reforma de


2008 do Código de processo Penal não tinham por foco específico a pessoa da
vítima, mas buscavam a reparação como efeito de análoga barganha da pena,
oferecida ao réu, com alguma influência do pensamento vitimológico nascente.

Mas com base na Constituição como já mencionado anteriormente, vários


estados e órgãos do executivo federal passam a buscar a criação de mecanismos
visando ao atendimento das vítimas de violência.

Nesse sentido o Estado de São Paulo possui interessante experiência


nascida de sua constituição estadual, que serviu de inspiração a diversos estados da
federação.

O Estado de São Paulo, em 05 de outubro de 1989, promulgou a sua


Constituição, e em face do comando constitucional do artigo 245 da Constituição
Federal, prevê o ordenamento estadual paulista, de modo pioneiro, em seu artigo
278, incisos V e VI, o atendimento da vítima e a implantação de uma política de
atendimento multidisciplinar de amparo.

Em 1º de novembro de 1995, sob o governo paulista de Mário Covas,


mediante ação conjunta de suas secretarias de estado da Justiça e cidadania, da
administração penitenciária, da segurança pública e da procuradoria geral do estado
constituiu-se um grupo especial de trabalho com enfoque específico na “proteção à
vítima”. O referido grupo fora presidido por Antonio Scarance Fernandes e visava dar
eficácia ao artigo 278, incisos V e VI da constituição bandeirante já em vigor.

O referido grupo de trabalho fez uma série de recomendações, colhidas


junto a toda sociedade civil e órgãos da administração, magistratura, ministério
público e procuradoria do estado, todos devidamente representados. As
recomendações visavam serem efetivadas em sede administrativa do estado e dos
municípios, além de sugerirem também alterações legislativas no âmbito estadual e
federal.

Dentre essas iniciativas, merece destaque a criação do Centro de


referência e apoio à vítima – CRAVI, criado em julho de 1998 pelo Governo do
49

Estado de São Paulo dando eficácia ao artigo 245 da Constituição Federal e ao


artigo 278 da Constituição Estadual.

Além disso, houve a criação do CRAVI com fulcro nas diretrizes do


Programa Nacional de Direitos Humanos e do Programa Estadual de Direitos
Humanos (Decreto Estadual n.º 42.209/1997), a Lei Federal nº 9.807/1999, e a Lei
Estadual nº 10.354/1999.

Fundamentaram também a iniciativa bandeirante, as seguintes resoluções


de âmbito internacional: As Resoluções n.º40/34 (Princípios fundamentais de justiça
para vítimas de crime e de abuso de poder) e de n.º60/147 (Princípios básicos e
guias sobre o direito à reparação às vítimas de evidentes violações de direitos
humanos) da Assembleia Geral das Nações Unidas, que procuram reconhecer,
consolidar, preencher lacunas e guiar o direito à reparação para as vítimas de
violações de direitos humanos desde a perspectiva da vítima.

O referido órgão estatal trabalha com as vítimas em sentido amplo, com


atendimento multidisciplinar e coligado a diversos órgãos do Estado, podendo ofertar
um leque de atendimentos às vítimas de violência, desde uma consulta com
psicólogo ou assistente social até acolhimento em abrigos e inclusão no programa
nacional de proteção à testemunha e tratamentos completos.

Após a criação do CRAVI em São Paulo, a iniciativa prosperou e hoje há


órgãos idênticos em quase todos os estados da federação com a mesma
denominação e o mesmo foco de atendimento.

Não somente o Poder Executivo ou Poder Legislativo paulista, mas


também o Poder Judiciário do Estado de São Paulo trouxe a lume algumas decisões
no que tange à prolação de Acórdãos com fixação de penas com nítido caráter
reparatório em cristalina consonância com a ideia de reparação dos danos da vítima.
As Decisões trazidas são todas anteriores à reforma de 2008, demonstrando como a
Jurisprudência e a doutrina sempre se antecipam à lei.

A prestação pecuniária constitui modalidade de pena restritiva de


direitos de singulares e benéficos efeitos em se cuidando de crime
praticado contra o patrimônio, pois satisfaz melhor a vítima do que a
mera aplicação de uma pena privativa de liberdade que não será
50

cumprida, diante da primariedade do agente e este se verá obrigado a


ressarcir o ofendido do prejuízo causado.70

Com o advento da Lei nº 9.714 de 25 de novembro de 1998, pode a


pena carcerária ser substituída por pena restritiva de direito,
substituição essa por prestação pecuniária, consistente no pagamento
em dinheiro aos dependentes da vítima (esposa ou filhos) no valor de
cinco salários mínimos, em questão presente. O valor, embora
simbólico, é uma forma de mitigar o sofrimento dos familiares da vítima
e, em caso de eventual indenização civil, é de ser abatido do montante
ai apurado.71

A pena de detenção superior a um ano pode ser substituída por duas


restritivas de direito e uma delas, é razoável seja a prestação pecuniária
a beneficio da família da vítima fatal, a teor do disposto no artigo 45 e
seus parágrafos do Código Penal, com a redação conferida pela Lei nº
9.714 de 25.11.1998.72

A prestação pecuniária aplicada, nos termos da Lei nº 9.714/98 deve,


em princípio, ser concedida em favor da vítima e de seus dependentes,
mesmo que esta não tenha sofrido prejuízos, posto que sofreu um dano
moral, de sorte que, apenas nos crimes em que o sujeito passivo for a
coletividade a pena poderá ser aplicada em favor de entidade pública ou
privada com destinação social.73

O artigo 45 do Código Penal reconhecendo que a prestação pecuniária


pode ser consistente no pagamento de uma indenização a vítima, sendo
este ressarcimento posteriormente deduzido do eventual montante
estabelecido na ação civil, inexiste nulidade na sentença na qual o juiz,
convertendo a pena privativa de liberdade por restritiva de direito, opta
pelo ressarcimento pecuniário, pois esse proceder traduz não só o que
determina a lei, mas também direciona a solução do conflito, não
existindo motivo jurídico ou lógico para que se aguarde o eventual
julgamento no âmbito civil quando, na ação penal, já fica perfeitamente
configurada a responsabilidade do acusado.74

70
Apelação Criminal nº 1.113.125/1. Relator Desembargador Renato Nalini, 11º Câmara Criminal.
TJSP.
71
Apelação Criminal nº 1.126.905/4. Relator Desembargador Péricles Piza, 4º Câmara Criminal,
TJSP.
72
Apelação Criminal nº 1.120.120/0. Relator Desembargador Renato Nalini, 11ª Câmara Criminal.
TJSP.
73
Apelação Criminal nº 1.224.215/9. Relator Desembargador Marco Nahum, 4ª Câmara Criminal.
TJSP.
74
Apelação Criminal nº 1.253.025/6. Relator Desembargador Almeida Sampaio, 6ª Câmara Criminal.
TJSP.
51

O legislador, com o advento da Lei nº 9.714/98, além de estabelecer


(preenchidos os requisitos) um âmbito maior de aplicação das penas
restritivas de direito como alternativa à pena de prisão, também passou
a se preocupar com a vítima e seus dependentes, atendendo aos
propósitos reparatórios que também constituem finalidade do direito.
Assim, com a prestação pecuniária, pretendeu o legislador trazer
liquidez à sentença penal condenatória visando, principalmente, a
satisfação do dano sofrido pela vítima. Portanto a prestação pecuniária,
em primeiro plano, deve ser concedida em favor da vítima e seus
dependentes. Apenas nos crimes em que o sujeito passivo for a
coletividade a pena poderá ser aplicada em favor de entidade pública ou
privada com destinação social.75

Pode-se perceber que tanto a legislação quanto a jurisprudência e mesmo


os atos do Executivo já vinham refletindo a necessidade de reparar em dinheiro o
delito e fornecer assistência em face dos danos sofridos pelas vítimas, portanto
podemos dizer que a tendência de revalorização da vítima é um movimento
inexorável, tratando-se de um fenômeno jurídico social gestado de longa data pelo
pensamento ocidental do pós-guerra nas nações democráticas e deverá trazer um
novo paradigma ao processo penal, que não irá garantir apenas os direitos do
acusado e a aplicação do direito penal, como também acolherá a vítima para a
devida reparação de seus danos morais e materiais.

75
Apelação Criminal nº 1.226.737/5. Relator Desembargador Marco Nahum, 4ª Câmara Criminal.
TJSP
52

2. A VÍTIMA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Inicialmente importa trazer alguns conceitos, neste sentido iniciamos


conceituando o Estado Democrático de Direito, pois se trata de um conceito mais
amplo de Estado que busca suplantar a designação de Estado de Direito concebido
pelo liberalismo e que nem sempre expressa a mesma ideia de Estado Democrático,
pois há Estados de Direito que não são democráticos, muito embora também
fundados sob a égide do direito.

Elegemos o conceito de Estado consoante Dalmo de Abreu Dallari sendo


aquele em que há “uma ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de
um povo situado em determinado território” e destacamos ainda que o autor se
apropria da locução “bem comum” cunhada pelo Papa João XXIII, em que define
bem comum como “o conjunto de todas as condições de vida social que consistam e
favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana’76.

José Afonso da Silva, por sua vez, afirma que a configuração do Estado
Democrático de Direito não significa apenas unir formalmente os conceitos de
Estado Democrático e Estado de Direito, consistindo na realidade na criação de um
conceito novo e importa frisar que na locução do autor que o Brasil se constitui em
legítimo Estado Democrático de Direito, não como mera promessa, mas como
realidade, posto que a Constituição aí já o está proclamando e fundando nos estritos
termos do Artigo 1º da Constituição Federal de 1988.77

Percebe-se, ainda, com Aloysio Vilarino dos Santos, que o sentido da


existência do Estado propriamente, para a sociedade é o fato de existir em função
do bem-estar de seus cidadãos, seus súditos. O Estado deve ter uma gestão social
e submetida a uma Constituição, a qual estabelece seus limites e de seus

76
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 22 ed. São Paulo: Editora
Saraiva, 2001. Onde cita Carta Encíclica, “Pacem in terris”, do Sumo Pontífice PAPA JOÃO XXIII,
intitulada: A paz de todos os povos na base da verdade, justiça, caridade e liberdade, publicada em
11/04/1963. Publicado em http://www.vatican.va/ Acessado em 16/07/2012.
77
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 1997, pp. 119-120.
53

governados, constituindo um Estado constitucional, cujo fundamento é o


constitucionalismo, que procurou submeter o Estado ao Direito.78

O Estado Democrático de Direito brasileiro protege não somente a


propriedade, como desejava como premissa primeira a corrente neoliberal
constituinte, mas abriga por sua constituição e leis todo um complexo de garantias
fundamentais, escoradas no “Princípio da Dignidade Humana”.

É uma opção do povo brasileiro, a adoção do Estado Democrático de


Direito, que está expresso no artigo 1º da Constituição da República Federativa do
Brasil79, lavrada e outorgada sob o devido processo legislativo mediante trabalho da
assembleia constituinte, eleita democraticamente, portanto legitima a opção popular
e deste princípio basilar decorrem os princípios que fundamentam o atendimento às
vítimas da criminalidade, do abuso de poder e de todas as formas de violência e
arbítrio.

O princípio da legalidade é nota essencial no Estado Democrático de


Direito, porquanto é da essência do seu conceito subordinar-se o Estado a
Constituição e fundar-se na legalidade democrática.80 O império da lei, portanto,
vigora no Estado Democrático de Direito, pois ninguém estará obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (artigo 5º, inciso II da CF) e
diga-se, o próprio Estado fica adstrito ao cumprimento das regras e dos limites;
tendo seu poder limitado pela lei, e o controle desta limitação se dá através do
acesso de todos ao Poder Judiciário.

A vítima neste contexto de ordem constitucional insere-se perfeitamente,


primeiramente porque antes de sua condição de vítima propriamente insere-se por
sua condição humana e de cidadania indeclinável.

Aproveita a vítima todas as garantias individuais, todas as normas de


proteção à dignidade da pessoa humana, portanto a implantação de sistemas de

78
SANTOS, Aloysio Vilarino dos. A Defesa da Constituição como Defesa do Estado: Controle de
Constitucionalidade e Jurisdição Constitucional. São Paulo: RCS Editora, 2007, p. 21.
79
CF – Artigo 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos: ...III – a dignidade da pessoa humana.
80
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 35. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2012, p. 410.
54

proteção à vítima, tanto em sede administrativa, como também inserido-a no


ordenamento jurídico, são decorrências lógicas da aplicação do texto constitucional.

Importa salientar que somente sob a égide da democracia, as sociedades


ocidentais, logo após a segunda grande guerra e sob os auspícios da ONU, a
pessoa da vítima passou a ser foco de interesse e revalorização, o mesmo não
acontecendo nos países com regimes totalitários deixando clara a relação entre
democracia e a reparação dos danos das vítimas de forma geral.
55

2.1 A vítima na Constituição Federal Brasileira de 1988

A Constituição Federal brasileira de 1988, em seu artigo 245, ordena o


amparo aos herdeiros e familiares das vítimas de crimes dolosos, sendo este o
primeiro comando constitucional específico voltado para as vítimas da criminalidade
violenta81, deste comando constitucional decorreram os comandos da constituição
paulista anteriormente citado, bem como as reformas legislativas, tanto no Código de
Processo Penal, como na legislação extravagante.

Portanto, para Flavia Piovesan, a dignidade da pessoa humana:

Simboliza um verdadeiro superprincípio constitucional, a norma maior a


orientar o constitucionalismo contemporâneo, dotando-lhe especial
racionalidade, unidade e sentido82

O princípio da dignidade da pessoa humana torna-se desta forma um dos


fundamentos do Estado Democrático de Direito, princípio com efeito normativo a
informar toda a organização do Estado Brasileiro, tendo sido eleito pelo poder
constituinte originário após longeva ditadura militar, com todas as mazelas
decorrentes de tal período.

No mesmo sentido, a Declaração Universal dos Direitos Humanos,


adotada pela resolução nº 217 da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de
dezembro de 1948, vem preceituar em seu artigo 1º:

Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São


dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às
outras com espírito de fraternidade.

Após a prolação desta declaração, que se tornou quase unânime no


concerto das nações em 1975, com a adesão das nações comunistas da Europa

81
Artigo 245 da CF: A lei disporá sobre as hipóteses e condições em que o Poder Público dará
assistência aos herdeiros e dependentes carentes de pessoas vitimadas por crime doloso, sem
prejuízo da responsabilidade civil do autor.
82
PIOVESAN Flávia. Temas de Direito Humanos. São Paulo: Editora Max Limonad, 2003, p. 389.
56

oriental, que formavam o bloco da extinta União Soviética, que inicialmente se


abstiveram em assiná-la.83

Iniciou-se o movimento mundial de reconhecimento dos direitos humanos


com a prolação de diversos outros diplomas internacionais84, compondo um sistema
global de proteção dos direitos humanos, composto de diversos tratados.

Há também diversos tratados regionais85 todos da mesma índole


protetiva, dos quais o mais importante tratado é a Convenção Americana sobre
Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (1969), sendo o Brasil
signatário de todos estes Diplomas.

Como se pode verificar, com a consolidação de inúmeras democracias


ocidentais, com o insistente temor da volta das ditaduras, não importando sua
origem política, há um crescente processo de consolidação dos direitos humanos e
de internacionalização de seu alcance através dos diplomas internacionais e da
vigilância de seu cumprimento por organismos de jurisdição internacional. Passa,
portanto, a interessar de modo geral a todas as Nações, este desenvolvimento, não
mais sob um enfoque meramente moral, mas essencialmente jurídico no âmbito do
direito internacional público.

Há hoje a consolidação de uma arquitetura protetiva internacional, que


compreende instituições, tribunais, procedimentos e mecanismos vocacionados à
salvaguarda de parâmetros protetivos mínimos afetos à dignidade humana86.

Para as vítimas especificamente, de todas as formas de violência em


geral, aproveitam se de todo este arcabouço constitucional erigido, composto de

83
Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa, realizada na Finlândia, Helsinki, em 1975,
fonte: www.onu-brasil.org.br/www.un.org/
84
Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial (1965), Pacto
internacional dos direitos civis e políticos (1966), Convenção para a prevenção e repressão do crime
de genocídio (1948), Pacto internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais. (1966),
Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher (1979),
Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes (1984),
Convenção sobre os direitos da criança (1989), Convenção internacional sobre a proteção dos
direitos de todos os trabalhadores migrantes e seus familiares (1990). Fonte: www.un.org/.
85
Convenção interamericana para prevenir e punir a tortura (1985), Convenção interamericana para
prevenir punir e erradicar a violência contra a mulher – Convenção de Belém do Pará (1994),
Convenção interamericana para a eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas
portadoras de deficiência (1999). Fonte: www.un.org/.
86
MEDEIROS, Ana Letícia Baraúna Duarte et al. Código de Direito Internacional dos Direitos
Humanos Anotado. São Paulo: DPJ Editora, 2008, p. 4. Organizadora: Prof.ª Dra. Flávia Piovesan.
57

todos os princípios e garantias. Nesse sentido se faz necessário breve retrospecto


da construção do princípio da dignidade humana, para que possamos dimensionar
sua importância e aplicabilidade em face das vítimas de delitos.
58

2.2. Do Princípio da Dignidade humana, um retrospecto histórico filosófico do


conceito

A Dignidade da pessoa humana foi erigida como fundamento


constitucional expresso, de ordem normativa em seu artigo 1º, pela primeira vez pela
constituição da República Federal da Alemanha, também chamada de “Carta de
Bonn”, logo após a segunda grande guerra, seguida, alguns anos depois, pelas
constituições de Portugal, Espanha e Itália, países saídos de brutais ditaduras que
desconheceram qualquer proteção aos cidadãos, eventualmente dissidentes ao
regime, por supostas razões de Estado, cometendo crimes bárbaros87 e toda
espécie de violação aos direitos mais elementares do ser humano e das minorias em
geral.

A despeito dessa consolidação legislativa internacional do princípio da


dignidade humana que eclodiu no pós-guerra, é necessário aclarar que tal não se
deu de forma rápida como pode parecer num primeiro momento tampouco sem
resistências e esta construção doutrinária remonta raízes no pensamento Greco
romano e na própria doutrina judaico-cristã88 como destacamos em Gênesis:

Deus criou o homem a sua imagem; À imagem de Deus ele o criou.

Não se quer dizer com isso que apenas as religiões de origem Judaico-
Cristãs tenham desenvolvido o esse conceito, posto que há conceitos semelhantes
junto ao livro dos Vedas, na Índia, que possui mais de cinco mil anos e também em
outras grandes religiões do oriente, mas tomaremos como premissa religiosa apenas
essas duas grandes correntes religiosas citadas, até porque a igreja Católica depois
se utilizará de todo esse conhecimento e desenvolverá também o conceito, deixando
vigoroso legado à sociedade ocidental.

87
Silva, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros Editores, 2005,
p. 37.
88
Bíblia Sagrada. Livro do Êxodo, 21, 12-13. Bíblia de Jerusalém, tradução em língua portuguesa
diretamente dos originais. São Paulo: Editora Paulus, 2002.
59

Ingo Wolfgang Sarlet traz o pensamento de Marco Túlio Cícero que


desenvolveu,por meio de alguns conceitos do estoicismo, uma compreensão própria
da dignidade desvinculada do cargo ou posição social. A “dignitas romana” era um
conceito de cunho aristocrático que variava de acordo com a posição social do
indivíduo e seu grau de reconhecimento pela comunidade, havendo, portanto, uma
modulação da dignidade de pessoas mais dignas e menos dignas. Cícero, por sua
vez, enxergando a possibilidade de reconhecer a coexistência de um sentido moral
no que diz respeito às virtudes pessoais do homem declara que a dignidade tinha
dupla significação, como dote (dádiva) e como conquista, no sentido de ser o
resultado de um fazer, um agir na esfera social.

Marco Túlio Cícero ainda, apropriou-se de certa forma e reelaborou os


conceitos do pensamento estoico89para quem a dignidade era tida como qualidade
inerente ao ser humano, que o distinguia das demais criaturas, no sentido de que
todos os seres humanos eram dotados da mesma dignidade, noção esta que se
encontrava intimamente ligada à noção de liberdade pessoal de cada indivíduo. O
novo conceito formulado por Cícero é desvinculando da dignidade romana, no
sentido da posição social e política ocupada pelo indivíduo, bem como a ideia de
que todos os seres humanos, em relação a sua natureza, eram iguais em
dignidade.90

Já em torno do ano 440 d.C., com a igreja Cristã já designada por Igreja
Católica Apostólica Romana e também na condição de religião oficial do império
romano do ocidente, o Papa São Leão Magno sustentou que o ser humano possuía
dignidade pelo fato de que Deus os criou a sua imagem e semelhança e que, ao
tornar-se homem, em alusão à vinda do Cristo numa visão dada com base no dogma
da Santíssima Trindade, dignificou a natureza humana e revigorou os laços entre a
humanidade e Deus,que culminou com a crucificação de Jesus Cristo.91

89
Estoicismo: O estoicismo (do grego: Στωικισµός) é uma escola de filosofia helenística fundada
em Atenas por Zenão de Cítio, no início do século III a.C.. Os estoicos ensinavam que as emoções
destrutivas resultavam de erros de julgamento, e que um sábio, ou pessoa com “perfeição moral e
intelectual” não sofreria dessas emoções. Fonte Enciclopédia Barsa, Editorial Planeta, 3. ed. Madrid,
volume VII.
90
Sarlet, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição
Federal de 1988. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011.
91
SOLIMEO, Plínio Maria. São Leão Magno, o Papa que deteve Atila, publicado em
www.catolicismo.com.br, consultado em 20/05/2012.
60

Anício Mânlio Torquato Severino Boécio92, matemático, linguista e filósofo


cristão considerado um pré-escolástico citado por Ingo Wolfgang Sarlet, acabou por
influenciar a noção contemporânea de dignidade da pessoa humana ao definir a
pessoa humana como “substância individual de natureza racional”.93

Já em plena idade média, São Tomás de Aquino, influenciado pelas


ideias de Boécio, trouxe a concepção de uma dignidade ontológica ou inata por ser o
homem filho de Deus e feito a sua imagem e semelhança e complementou com o
conceito de uma dignidade adquirida em face de uma vida reta de acordo com o
evangelho e da orientação da Igreja.94

O rompimento com os conceitos religiosos, com a secularização da


concepção de dignidade humana inicia sua marcha com o movimento jusnaturalista
a partir do século XVI quando se buscou uma maior racionalização dos conceitos
fora dos padrões da Igreja.

Com Thomas Hobbes houve uma retomada do conceito da dignidade


romana, anterior à reformulação de Cícero, quando tal foi aferida em função da
posição social, dos bens, da genealogia aristocrática. Neste sentido Hobbes afirma
que “o valor público de um homem, aquele que lhe é atribuído pelo Estado, é o que
os homens vulgarmente chamam de dignidade”.

Ainda, segundo Hobbes:

O valor de um homem, tal como o de todas as outras coisas, é seu


preço; isto é, tanto quanto seria dado pelo uso de seu poder. Portanto,
não absoluto, mas algo que depende da necessidade e do julgamento
de outrem. Um hábil condutor de soldados é de um alto preço em
tempos de guerra presente ou iminente, mas não o é em tempos de
paz. Um Juiz douto e incorruptível é de grande valor em tempos de paz,
mas não o é tanto em tempo de guerra. E tal como nas outras coisas,
também o homem não é o vendedor, mas o comprador quem determina
o preço. Porque mesmo que um homem, como fazem muitos, atribua a

92
Filósofo cristão nascido em Roma em 479 ou 480/524, autor de inúmeras obras de matemática e
filosofia, um dos principais tradutores de Aristóteles. Fonte Enciclopédia Barsa, Editorial Planeta, 3.
ed. Madrid, volume III, p. 933.
93
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição
Federal de 1988. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011, p. 37.
94
AQUINO, Tomás de. Os pensadores. Tradução publicada sob licença de Alexandre Correa. 2. ed.
São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996, p. 25.
61

si mesmo o mais alto valor possível, apesar disso seu verdadeiro valor
não será superior ao que lhe for atribuído pelos outros.95

Pode-se perceber na análise do texto que o divórcio da conceituação de


Hobbes de seus predecessores escolásticos, como Boécio, Tomás de Aquino e
Kant, verificamos mediante os conceitos apresentados, apenas a título de
exemplo,os avanços e retrocessos na construção de um conceito de dignidade da
pessoa humana desvinculado tanto do ideário religioso quanto dos preconceitos de
classe.

Com Kant, cuja concepção de dignidade parte da autonomia ética do ser


humano, que se fundamenta na capacidade de autonomia da vontade, na
capacidade de autodeterminação e de um agir de acordo com as leis, fundamenta o
autor ainda que tal atributo pertence apenas ao homem em face de sua
racionalidade, constituindo-se no fundamento da dignidade da natureza humana.96

Nesse raciocínio que sintetizamos, Kant fundamentou a dignidade


afirmando no sentido de individualizar o ser humano diferindo-o de coisas e dando-
lhe valor próprio por sua simples existência e afirmando ainda textualmente que:

O homem, e de uma maneira geral, todo ser racional, existe como um


fim em si mesmo, não simplesmente como um meio para uso arbitrário
desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas ações tanto
nas que se dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem a outros
seres racionais, ele tem sempre de ser considerado simultaneamente
como um fim. Portanto, o valor de todos os objetos que possamos
adquirir pelas nossas ações é sempre condicional. Os seres cuja
existência depende, não em verdade de nossa vontade, mas da
natureza, tem, contudo, se são seres irracionais, apenas um valor
relativo como meios e por isso se chamam coisas, ao passo que os
seres racionais se chamam pessoas, porque a sua natureza os
distingue já como fins em si mesmos, quer dizer, como algo que não
pode ser empregado como simples meio e que, por conseguinte, limita
nessa medida todo o arbítrio e é um objeto de respeito.97

95
HOBBES, Thomas. Os Pensadores. 2. ed. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996, p. 54.
96
KANT, Immanuel. Fundamentos da metafísica dos costumes. In: HOBBES, Thomas. Os
Pensadores. 2. ed. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996, pp. 134 a 141.
97
KANT, Immanuel. Fundamentos da metafísica dos costumes. In: HOBBES, Thomas. Os
Pensadores. 2. ed. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996, pp. 134-135.
62

Ainda na defesa da qualidade da condição da pessoa humana Kant


afirma que

(...) no reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando
uma coisa tem preço, pode-se por em vez dela, qualquer outra como
equivalente, mas quando uma coisa está acima de todo o preço e,
portanto, não permite um equivalente, então ela tem dignidade. Esta
apreciação dá, pois a conhecer como dignidade o valor de uma tal
disposição de espírito e põe-na infinitamente acima de todo o preço.
Nunca ela poderia ser posta em cálculo ou confronto com qualquer
coisa que tivesse um preço, sem de qualquer modo ferir sua
santidade.98

Como podemos verificar, para Kant, o conceito da dignidade da pessoa


humana se desveste de sua roupagem de cunho religioso, dada por Boécio e Tomás
de Aquino, fundamentando não mais na origem divina do homem ou de seu agir de
acordo com o evangelho, mas por sua simples condição humana, racional e não
coisificada, portanto sendo a condição humana possuidora da dignidade como valor
intrínseco.

Kant rejeita a perda da dignidade aceita por Tomás de Aquino, justificada


em face de atos indignos99, pois a dignidade é condição inerente do homem e,
portanto, impassível de renúncia ou expropriação.

Hoje a concepção kantiana permeia a maioria das constituições dos


Estados democráticos de direito, permanecendo incensurável no sentido de que a
dignidade da pessoa humana está considerada como fim, e não como meio, e
repudia toda e qualquer espécie de coisificação e instrumentalização do ser
humano.100

A visão secularizada de dignidade da pessoa humana, de certo modo


desvinculada da tradição judaico-cristã ou mesmo não identificada como produto do
exclusivo pensamento europeu, favorece para que se torne um valor intercultural,
universal, favorecendo sua globalização e adoção entre os mais diversos povos.

98
Ibidem, p. 140.
99
Neste sentido, Tomás de Aquino aceita e justifica a pena de morte como forma de extirpar o indigno
com a analogia do anjo caído.
100
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição
Federal de 1988. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011, p. 45.
63

Hegel, sustentado por uma perspectiva própria com influência da


escolástica que não negava a visão Kantiana, muito embora não a aceitasse
completamente, pois entendia que o ser humano não nascia completamente digno,
mas fazia-se digno com base na sua ética, no seu agir como cidadão.101

A nós, juristas em nossa condição de cristãos, com a visão cristã, não há


que se repudiar as conceituações de Boécio e Tomás de Aquino, como superadas
ou incompatíveis com a visão Kantiana ontológica da dignidade inerente à condição
humana, posto que se fundem numa visão de dignidade outorgada por Deus, na
condição de seus filhos diletos, com um recomendável dever de agir reto e probo,
mas ainda que não se tenha esta consciência ou crença, mesmo que os atos não
sejam dignos, ainda assim teremos a nossa dignidade inata por nossa simples
condição de seres humanos. E esta conquista do pensamento ocidental, já
positivada em nossa ordem constitucional, deve ser resguardada e se fazer cumprir
pela sociedade.

Após traçada esta sumária linha do tempo através da filosofia na


construção de uma concepção filosófica e secularizada de dignidade, pode-se
perceber claramente, nesta exposição conceitual e histórica, a dificuldade de
conceituação propriamente de sua concepção e também de aceitação do conceito
de dignidade da pessoa humana, ao longo dos séculos.

Nestes sentido aduz Carlos Alberto Bittar quando afirma que:

(...) a ideia de dignidade da pessoa humana hoje, resulta, de certo


modo, da convergência de diversas doutrinas e concepções de mundo
que vem sendo construídas desde longa data na cultura ocidental.102

101
A melhor maneira de educar eticamente um filho comenta Hegel a resposta de um pitagórico, “é
fazendo-o cidadão de um Estado com boas leis”. WEBER, Thadeu. Pessoa e Autonomia na filosofia
de Hegel. In: Revista Veritas, v. 55, nº 3, set./dez. 2010, p. 59-82. Disponível em:
www.revistaseletrônicas.pucrs.br, acessado em 26/06/2012.
102
BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. Atualizado por Eduardo Carlos Bianca
Bittar. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 14.
64

2.3. Do Princípio da Dignidade humana, conceito atual, vigência na ordem


Constitucional e sua aplicabilidade em face das vítimas de delitos

A doutrina de forma majoritária entende que a retomada dos estudos e


discussões acerca dos conceitos da dignidade da pessoa humana e sua
consequente aplicação no ordenamento jurídico deram-se com a proclamação da
Declaração Universal da ONU, em 1948, que diz em seu artigo 1º que “todos os
seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e
consciência, devem agir uns para com os outros em espírito e fraternidade”.
Dizemos retomada porque a discussão desse princípio já é muito antiga como
demonstrado e após as barbáries da segunda guerra há a efetiva incorporação das
premissas da doutrina kantiana no supracitado princípio e nos textos legais.

Importa, portanto, antes de falarmos propriamente dos efeitos da


dignidade da pessoa humana na legislação, trazermos alguns conceitos de ampla
aceitação acerca do princípio em questão e iniciamos pela definição de Ingo
Wolfgang Sarlet que, embora como ele próprio define, trata-se de uma proposta em
contínua reconstrução103, com o intuito de fornecer a maior afinidade possível com
uma concepção multidimensional, aberta e inclusiva de dignidade da pessoa
humana, nos seguintes termos:

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e


distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do
mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade,
implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres
fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato
de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as
condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de
propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos
destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais
seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que
integram a rede da vida.104

103
O autor já alterou sua definição por duas vezes desde a primeira edição publicada, sendo esta a
mais atual e completa.
104
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição
Federal de 1988. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011, p. 73.
65

Defende ainda o autor que o conceito, além de representar uma proposta


em contínua construção, pois sempre passível de ser ampliado e reinterpretado,
também possui a necessidade de cotejo entre este e os direitos fundamentais, em
face de haver entre ambos uma relação dinâmica e recíproca, para que o conceito
possa ser concretizado e se torne operativo na esfera jurídica.105

Em consonância com Ingo Wolfgang Sarlet, define José Afonso da Silva


na seguinte visão:

A dignidade da pessoa humana, inscrito no art. 1º, III, da Constituição,


não é uma criação constitucional, pois ela é um desses conceitos a
priori, um dado preexistente a toda experiência especulativa, tal como a
própria pessoa humana. A Constituição, reconhecendo a sua existência
e a sua eminência, transformou-a num valor supremo da ordem jurídica,
quando a declara como um dos fundamentos da República Federativa
do Brasil constituída em Estado Democrático de Direito. Se, é
fundamento é porque se constitui num valor supremo, num valor
fundante da República, da Federação, do País, da Democracia e do
Direito. Portanto, não é apenas um princípio da ordem jurídica, mas o é
também da ordem política, social, econômica e cultural. Daí sua
natureza de valor supremo, porque está na base de toda a vida
nacional.106

Jorge Miranda, por sua vez, formula a dignidade da pessoa humana no


fato de que os seres humanos todos são dotados de razão e consciência
representando justamente o denominador comum a todos os homens, expressando
em que consiste sua igualdade.107

Ainda na doutrina portuguesa, há que se trazer José Joaquim Gomes


Canotilho, posto que esse autor possui uma visão ainda mais identificada com a
concepção kantiana, nos seguintes termos:

105
Idem, obra supracitada.
106
SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia.
Revista de Direito Administrativo, v. 212, pp. 84-94, abr./jun., 1998.
107
Miranda, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, volume
IV, p. 183.
66

A noção de dignidade humana consubstancia-se no princípio


108
antrópico que acolhe a ideia pré-moderna e moderna da dignitas-
homini, com supedâneo em Pico Della Mirandola109 ou seja, do
indivíduo conformador de si próprio e da sua vida segundo o seu próprio
projeto espiritual.110

Como podemos verificar em face dos conceitos trazidos de forma


exemplificativa, o princípio da dignidade humana encontra-se amplamente discutido
e sedimentado, sendo o princípio fundante de nossa ordem constitucional,
devidamente positivado em nossa Constituição de 1988 e utilizado de forma
operativa e integradora como norma cogente, que de fato é. Não remanescem
sequer as críticas já tecidas no sentido de que a utilização do princípio em questão
como fundamento de decisão judicial alarga por demasiado o arbítrio judicial com
bases supostamente subjetivas.Tal crítica já foi devidamente discutida por José
Afonso da Silva no sentido de que não deve realmente haver realmente limite na
proteção dos direitos fundamentais,nas decisões judiciais, com fulcro na dignidade
da pessoa humana.111

Portanto, passando efetivamente para a sua aplicação e vigência na


ordem constitucional, iniciamos citando a letra da lei. Conforme nossa Constituição
Federal de 1988 preceitua:

Artigo 1º – A República Federativa do Brasil, formada pela união


indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se
em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III – a dignidade da pessoa humana;

108
Em Física e Cosmologia, o Princípio antrópico estabelece que qualquer teoria válida sobre o
universo tem que ser consistente com a existência do ser humano. Em outras palavras, o único
universo que podemos ver é o universo que possui vida. Se existe outro tipo de universo, nós não
podemos existir para vê-lo.
109
Giovanni Pico dela Mirandola, filósofo neoplatônico e humanista, autor de Discurso sobre a
Dignidade do Homem, exerceu influência também sobre Tomás de Aquino.
110
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 3. ed.
Coimbra: Editora Almedina, 1999, p. 219.
111
SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia.
Revista de Direito Administrativo, v. 212, pp. 84-94, abr./jun. 1998.
67

No que tange ao conceito propriamente, em face do todo exposto, não há


que se falar em falta de aplicabilidade ou eficácia, tampouco que possua conceito
meramente programático e neste passo afirma José Afonso da Silva não haver
norma constitucional desprovida de eficácia. Nas palavras textuais do autor temos:

“Todas elas (normas) irradiam efeitos jurídicos, importando sempre uma


inovação da ordem jurídica preexistente à entrada em vigor da
constituição a que aderem a nova ordenação instaurada. O que se pode
admitir é que a eficácia de certas normas constitucionais não se
manifesta na plenitude de seus efeitos jurídicos pretendidos pelo
constituinte enquanto não se emitir uma normação jurídica ordinária ou
complementar executória, prevista ou requerida”.112

No mesmo diapasão, consoante Paulo Bonavides acerca dos princípios e


sua propriedade normativa cogente:

Neste contexto, perante a terceira e atual fase do constitucionalismo,


enfim, a fase do neoconstitucionalismo ou pós-positivismo, que é fruto
dos grandes movimentos constituintes da última metade do século XX,
“as novas Constituições promulgadas acentuam a hegemonia axiológica
dos princípios, convertidos em pedestal normativo sobre o qual assenta
todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais”113.

As regras vigem, os princípios valem; o valor que neles se insere se


exprime em graus distintos. Os princípios, enquanto valores
fundamentais governam a Constituição, o regímen, a ordem jurídica.
Não são apenas a lei, mas o Direito em toda a sua extensão,
substancialidade, plenitude e abrangência.114

Portanto, reafirmamos que não é mais pertinente à discussão sobre


serem alguns artigos Constitucionais de conteúdo meramente programáticos, como
se desprovidos de eficácia normativa, e com relação ao princípio da dignidade
humana,como não poderia deixar de ser, tal discussão ocorreu no mundo inteiro e
encontra-se superada.

112
Silva, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 5. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2001, pp. 81-82.
113
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011,
p. 273.
114
Ibidem, p. 282.
68

Importa trazer a título de exemplo da República Federal Alemã, hoje


unificada, onde se inaugurou a positivação do conceito do princípio da dignidade
humana em lei fundamental, na sociedade ocidental do pós-guerra, com a Carta de
Bonn.

O supracitado conceito vem sendo aplicado de modo iterativo e concreto


na discussão de questões levadas ao poder judiciário alemão compondo votos na
Corte Constitucional, como no trecho do voto a seguir colacionado, proferido na
Corte Constitucional Alemã sobre a discussão sobre a eventual descriminalização do
aborto:

No sentido de que assim como é correto afirmar que a ciência jurídica


não é competente para responder à pergunta de quando se inicia a vida
humana, também é certo que as ciências naturais não estão em
condições de responder desde quando a vida humana deve ser
colocada sob a proteção do direito constitucional.115

Portanto, em face da aceitação explícita da plena eficácia e vigência do


princípio da dignidade humana, como norma, é evidente que também fundamenta o
amparo às vítimas de criminalidade, sendo o artigo 245116 da Constituição uma
verdadeira decorrência lógica do princípio citado, bem como de todos os direitos
fundamentais aplicáveis.

Não é demais relembrar que toda essa discussão reiniciou-se após a


segunda guerra mundial, sob o abrigo da ONU, com a Declaração de Direitos
Humanos da ONU de 1948, que traz a dignidade em seu artigo 3º117, pensada
justamente para socorrer milhões de vítimas dos campos de concentração e das
nações literalmente destruídas pelo conflito, com milhões de desabrigados famintos,
doentes e órfãos, o que neste cenário atroz levou a filósofa alemã de origem judia,

115
Trecho do voto da Juíza Jutta Limbach, presidente à época do Tribunal Constitucional Federal da
Alemanha, transcrito por Ingo Wolfgang Sarlet na obra Dignidade da pessoa humana e direitos
fundamentais na Constituição Federal de 1988. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,
2011, p. 54.
116
Artigo 245 da CF: A lei disporá sobre as hipóteses e condições em que o Poder Público dará
assistência aos herdeiros e dependentes carentes de pessoas vitimadas por crime doloso, sem
prejuízo da responsabilidade civil do autor.
117
Artigo 3º da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948. Disponível em
<http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/legislacao-pfdc/trabalho-
escravo/docs_acordos_internacionais/declaracao_universal.pdf>. Acesso em maio de 2012.
69

Hanna Arendt,a cunhar em 1996 a expressão “banalidade do mal”118, com a


finalidade de tentar explicar o comportamento bestial do povo alemão, seus
compatriotas, que agiram ou se omitiram, diante da barbárie, sob o manto da
legalidade da república nacional socialista de Adolf Hitler.

Esse é o motivo principal do resgate do conceito do princípio da


dignidade da pessoa humana como valor absoluto e inerente à condição humana, e
que se diga, tornou-se o epicentro das Constituições ocidentais de modo geral.

Portanto, de inteira aplicabilidade o conceito da dignidade da pessoa


humana, no que tange à reparação das vítimas da criminalidade e pode-se afirmar
que o referido princípio informa também a reforma do Código de Processo Penal
pátrio, trazida pela Lei nº 11.719/2008 de 11/06/2008, que introduziu o artigo 387,
inciso IV119, que ordena ao Juízo criminal que prontamente fixe um valor mínimo
para a reparação dos danos.

A discussão propriamente da aplicação da novel legislação se fará em


capítulo próprio, porém somente a título de esclarecer ponto relevante, faz se
necessário lembrar que a reparação da vítima em sede do Juízo criminal em nada
deslustra as garantias do acusado, que se defenderá de modo amplo do fato
imputado, que se provado, com trânsito em julgado da sentença condenatória,
ensejará a reparação fixada.

Portanto, a estranheza causada na doutrina de modo geral e a


jurisprudência ainda tímida no que tange à efetiva aplicação do dispositivo não se
justificam, pois após tantos anos de discussão e luta em defesa dos acusados,
agora, sob os mesmos fundamentos, volta-se para a vítima com a mesma
legitimidade.

118
ARENDT, Hannah. As Origens do Totalitarismo. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1990,
pp. 324-325.
119
Artigo 387, inciso IV: O juiz, ao proferir sentença condenatória: ...IV – Fixará valor mínimo para
reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido.
Redação dada ao Código de Processo Penal, em seu artigo 387, inciso IV, determinado pela lei
11.719/2008, publicado no Diário Oficial da União em 23/06/2008, com vigência após sessenta dias
da sua publicação. Código de Processo Penal. Obra coletiva de autoria da Editora Revista dos
Tribunais, 14ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
70

3. A REPARAÇÃO DO DANO CAUSADO PELO DELITO

3.1. Uma visão constitucional sobre a reparação de danos

Tomamos como premissa o texto constitucional colacionado a seguir, mas


há a necessidade de se fazer algumas ressalvas apresentadas na sequência.

A reparação pode ser de cunho exclusivamente moral ou material, ou


ambos cumulativamente é decorrente de dano perpetrado por ato do delinquente
contra a pessoa da vítima, portanto a responsabilidade objetiva do infrator já vem
definida com a respectiva sentença criminal condenatória,na condição de efeito da
condenação, que se convola em título executivo judicial após o trânsito em julgado,
admitindo medidas assecuratórias de cunho cautelar em desfavor do patrimônio do
réu.

Não cabe a discussão da existência do dano em si, que se presume, pois


tal fato já foi superado pela prolação da sentença penal condenatória, uma vez que a
existência do dano é certa, restando qualificá-lo em material ou moral ou ambos
cumulativamente e ainda determinando sua quantificação.Há, portanto, uma
presunção absoluta da ocorrência do dano com a obrigação de indenizar em face da
existência do delito.

Inicialmente trazemos a fundamentação constitucional propriamente que


assegura o direito de reparação de forma ampla, lato sensu, para proteção aos
direitos da propriedade e da personalidade:

Artigo 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos


desta Constituição;

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da


indenização por dano material, moral ou à imagem;
71

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das


pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou
moral decorrente de sua violação;

A Constituição torna, portanto, passíveis de indenização todo e qualquer


dano à personalidade, a pessoa ou a seus bens e se faz necessário diferenciá-los:

José de Aguiar Dias120 assinala, enfaticamente, essa ideia:

Ora, o dano, já o dissemos, é uno, e não se discrimina em patrimonial e


extrapatrimonial em atenção à origem, mas aos efeitos. Para distinguir o
dano moral do material haveria, pois, que verificar os efeitos ou
consequências do ato lesivo: se este vem a causar uma diminuição no
patrimônio, configura-se o dano patrimonial ou material, nada
importando a natureza do direito lesionado; se, por outro lado, o ato
lesivo nenhum efeito tem sobre o patrimônio, mas causa sofrimento,
atingindo a pessoa em seus interesses morais tutelados por lei, o dano
é moral ou imaterial.

Os danos exclusivamente materiais são passíveis de quantificação exata,


como aquele decorrente de um furto contra um depósito de cereais, em que se
poderá saber exatamente quanto se perdeu em face dos danos do arrombamento e
de quantos sacos de cereal foram levados, estimados por seu preço de mercado.

Portanto, não há maiores dificuldades em identificar o dano estritamente


material, seja ele definido em qualquer categoria da lei civil, tal como o lucro
cessante, que exige prova circunstanciada ou outra modalidade qualquer de dano
puramente material, ainda que em decorrência de delito.

Nestes casos não há que se falar em dano à personalidade, mas sim ao


patrimônio sem qualquer acúmulo com o dano moral, que deverá ser quantificado de
maneira exata.

Em outro sentido, há maior complexidade na ocorrência do dano moral


propriamente, na sua efetiva aferição e valoração adequada, aí sim, podemos

120
DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1987, p.
852.
72

concluir que o dano moral está relacionado à violação específica dos direitos da
personalidade ou personalíssimos.

No mesmo sentido, Carlos Alberto Bittar afirma:

Que os direitos da personalidade são normalmente definidos como o


direito irrenunciável e intransmissível de que todo indivíduo tem de
controlar o uso de seu corpo, nome,imagem, aparência ou quaisquer
outros aspectos constitutivos de sua identidade. Estariam, dessa forma,
os direitos da personalidade vinculados de forma indissociável ao
reconhecimento da dignidade humana, qualidade necessária para o
desenvolvimento das potencialidades físicas, psíquicas e morais de
todo ser humano.121

A noção de dano moral como lesão a direito da personalidade é


amplamente aceita pela majoritária doutrina. Para Sergio Cavalieri Filho:

O dano moral é lesão de bem integrante da personalidade, tal como a


honra, a liberdade, a saúde, a integridade psicológica, causando dor,
sofrimento, tristeza, vexame e humilhação à vítima.122

No mesmo sentido Carlos Alberto Bittar afirma que:

Qualificam-se como morais os danos em razão da esfera da


subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade em que
repercute o fato violador, havendo-se, portanto, como tais aqueles que
atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da
intimidade e da consideração pessoal), ou o da própria valoração da
pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da consideração
social).123

121
BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense
Universitária, 1995, p. 22.
122
CAVALIERI, Sérgio Filho. Programa de Responsabilidade Civil. 7. ed. São Paulo: Editora Atlas,
2007, pp. 74-78.
123
BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense
Universitária, 1995, p. 41.
73

Finalizando a demonstração do conceito, aduz Yussef Said Cahali:

Parece mais razoável, assim, caracterizar o dano moral pelos seus


próprios elementos; portanto, como a privação ou diminuição daqueles
bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a
tranquilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual,
a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos.124

Evidente a identificação com o conceito de Youssef Said Cahali no


sentido de aferirem-se os danos que são trazidos como efeitos deletérios
decorrentes do crime em face da vítima.

Portanto, para a finalidade do presente trabalho, bastam os conceitos


expostos demonstrando o embasamento constitucional que se encontram no
ordenamento para a reparação lato sensu dos danos, sejam materiais, morais ou
ambos.

Da mesma índole, portanto a fundamentação trazida pelo artigo 387,


inciso IV do Código de Processo Penal.

124
CAHALI, Youssef Said. Dano Moral. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.
74

3.2. A reparação dos danos com a atuação do Juízo Criminal em face da Lei nº
11.719/2008 de 11/06/2008

A reforma introduzida pela Lei nº 11.719 de 11 de junho de 2.008,


obedecendo comando Constitucional expresso no artigo 245 da Carta Constitucional
é o pressuposto legal à obrigação de reparar os danos decorrentes do delito, ao
modificar o artigo 387, inserindo o inciso IV no Código de Processo Penal.

A presente reforma nasceu também sob a forte influência internacional no


resgate das vítimas de violência com forte movimento de revalorização da vítima,
que teve início com o término da segunda grande guerra, traduzido e expresso em
diversos tratados e diplomas internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Leandro Galluzzi dos Santos125 ainda complementa a justificação da


reforma, nos seguintes termos:

Esta Lei é fruto do projeto 4.207/2001, que foi inserido no Pacto de


Estado em favor de um Judiciário mais rápido e republicano, firmado
pelos Chefes dos Três Poderes em 12 de dezembro de 2.004. Com o
pacto, foram enviados ao Congresso Nacional 23 projetos de lei
destinados a simplificar a tramitação dos processos civil, penal e
trabalhista, aos quais se juntaram outros três projetos previamente
enviados pelo Executivo, dentre eles esta proposição. A presente
alteração legislativa representada na lei 11.719/2.008 tem como
finalidade combater a impunidade, imprimir celeridade, eficiência,
simplicidade e segurança ao processo, sem ofensa as garantias
constitucionais já estabelecidas.

Assim preceitua o novo artigo 387 do Código de Processo Penal:


Artigo 387. O Juiz, ao proferir sentença condenatória:

(...)

IV – Fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela


infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido.126

125
Santos, Leandro Galluzzi dos, As Reformas no Processo Penal: as novas Leis de 2.008 e os
projetos de Reforma, sob a coordenação de Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Editora Revista
dos Tribunais, São Paulo, 2.008, pag. 298.
Leandro Galluzzi dos Santos foi coordenador geral de Atos Normativos da Secretária de Assuntos
Legislativos do Ministério da Justiça. Integrou o grupo de trabalho da Câmara dos Deputados, como
representante do Ministério da Justiça, encarregado de analisar os projetos de Lei para reforma do
Código de Processo Penal. Juiz de Direito em São Paulo.
75

Como já referido, o sistema pátrio sempre prestigiou e incentivou a


reparação dos danos decorrentes do delito, ora impondo a reparação na forma de
requisito para concessão de benefício ou ainda incentivando o réu a reparar o dano
com vistas à diminuição da pena ou até mesmo para extinção da punibilidade.
Entretanto, em legislações passadas, havia uma obrigatoriedade da reparação, além
de maiores poderes do Juízo, que retornam agora com a lei em apreço à
complementar o arcabouço legislativo de amparo à vítima, na forma deste artigo de
lei.

Os efeitos da sentença penal ou da absolvição imprópria (artigo 97 do


Código Penal) com imposição de medida de segurança são os principais efeitos da
condenação. Há, entretanto, efeitos diversos e secundários, de teor penal e
extrapenal, insitos nos artigos 91 e 92, do Código Penal e dentre estes efeitos, há
que se ressaltar o efeito secundário genérico, que torna certa a obrigação de
indenizar o dano causado pelo crime (artigo 91, inciso I, do Código Penal), que
sempre foi considerado como efeito automático, isto é, independente de qualquer
declaração expressa no decreto condenatório.

Induvidoso, portanto, que desde antes da reforma, advindo à condenação


do réu, ao final da ação penal, tornava-se certa a obrigação de arcar o réu com a
responsabilidade de reparar os prejuízos e indenizar os danos que o seu crime
tenha imposto à vítima (art. 91, inciso I, do Código Penal), porém, sem a mesma
força cogente tendo sua necessária liquidação na esfera cível.

Além do retorno da obrigatoriedade da reparação à legislação penal com


a reforma de 2.008, há o acréscimo de novos poderes ao Juízo Criminal para
alcançar este fim rompendo antiga tradição pátria que sempre prestigiou o sistema
da separação entre a Jurisdição que apura a responsabilidade penal e aquela que
apura a responsabilidade civil (explicito no artigo 935, do Código Civil).

Outrora o jurisdicionado para conseguir o ressarcimento dos danos


provocados pelo delito, deveria, fosse ele a vítima, seus representantes ou seus
sucessores, ingressar com a competente ação na esfera civil, propondo ação
indenizatória para a liquidação da sentença penal para efetiva apuração dos danos.

126
Código de Processo Penal Brasileiro, artigo 387, inciso IV com a nova redação dada pela Lei
11.719/2.008 (Publicado no Diário Oficial da União de 23/06/2.008, entrando em vigor sessenta dias
após a publicação).
76

A obrigatoriedade ao ressarcimento dos danos, portanto, será fixado de


oficio na sentença penal condenatória e passa a ser um dos efeitos naturais da
sentença sem necessitar estar explicitamente requerido na inicial acusatória ou em
qualquer outro momento processual.

Neste sentido esclarece Andrey Borges de Mendonça:

Não é necessário que conste na denúncia ou na queixa tal pedido, pois


decorre da própria disposição legal o mencionado efeito. É automático,
já dissemos, ou seja, independentemente de qualquer pedido, no
âmbito penal, a sentença penal condenatória será considerada título
executivo.

O mesmo se aplica em relação ao valor mínimo da indenização.


Decorre da lei, é automático, sem que seja necessário pedido expresso
de quem quer que seja127.

Trata-se de hipótese de pedido implícito, que passa a integrar o tema


decidido, independentemente de requerimento das partes, uma vez que norma
cogente e cuja análise se fará em capítulo autônomo do decreto condenatório.

Fato semelhante existe, com o ressarcimento em sentença das custas


processuais e fixação dos honorários de sucumbência (artigo 20 do Código de
Processo Civil), pacificado pela doutrina e jurisprudência, como hipótese de pedido
implícito, a efetivamente determinar um capitulo na sentença.

Daniel Amorim Assumpção Neves define e exemplifica acerca de pedido


implícito:

Pedido implícito é qualquer tutela não pedida pelo autor que a lei
permite que o juiz conceda de ofício e ainda exemplifica para ilustrar a
definição citando o pedido de alimentos, que está implícito na demanda
de investigação de paternidade, em função do disposto no artigo 7º da
Lei Federal nº 8.560/92 (Lei de Investigação de Paternidade). O autor
ainda explicita que os termos contidos na Lei ‘sempre e fixarão’
demonstram a forma imperativa que nessa espécie de processo os
alimentos deverão ser concedidos e fixados pelo Juiz, ainda que a

127
Mendonça, Andrey Borges de, Nova Reforma do Código de Processo Penal, 1ª edição, São Paulo,
Editora Método, 2.008, pag. 243
77

petição não contenha tal pedido expresso do autor, sendo


128
evidentemente um pedido implícito.

Evidente a semelhança do caso citado com o inserto no artigo 387, inciso


IV do Código de Processo Penal que a toda evidencia torna-se efeito da condenação
e pedido implícito.

Portanto, a vítima, seu representante, sucessores ou mesmo o Ministério


Público não necessitam expressar de forma rigorosa o pedido de fixação da
indenização, muito embora possam fazê-lo expressamente caso queiram apurar e
detalhar o dano, pois trata-se na realidade de um pedido implícito.

Neste sentido ainda aduz Candido Rangel Dinamarco em síntese:

Trata-se de casos em que o objeto do processo inclui parcelas não


explicitadas na demanda inicial, como juros legais sobre o principal
pedido (artigo 293 do Código Civil), a correção monetária e mesmo as
parcelas representativas do custo financeiro do processo (despesas
processuais, honorários advocatícios da sucumbência: CPC, artigo 20
do Código Civil). Embora não conste do pedido, a pretensão à
condenação por essas verbas inclui-se no objeto do processo e será
julgada em capítulo autônomo.129

A jurisprudência, por sua vez, do Superior Tribunal de Justiça – STJ, no


que tange a questão dos pedidos implícitos já pacificou a questão em recente
julgado decidindo:

A Corte Especial, ao apreciar REsp submetido ao regime do artigo 543


letra C, do Código de Processo Civil reiterou o entendimento de que a
condenação nas verbas de sucumbência decorre do fato objetivo da
derrota no processo, cabendo ao juiz condenar, de ofício, a parte
vencida independentemente de provocação expressa do autor,
porquanto se trata de pedido implícito, cujo exame decorre da lei
processual civil. [...]". (REsp 886.178-RS, Relator Ministro Luiz Fux,
julgado em 2/12/2.009).

128
Neves, Daniel Amorim Assumpção, Manual de Direito Processual Civil, Editora Método, São
Paulo, 4ª edição, 2.012.
129
Dinamarco, Candido Rangel, Capítulos de Sentença, 3ª edição, São Paulo, Malheiros Editores,
2008, pag, 65 e 66.
78

Especificamente, já sobre o tema do nosso estudo, a fixação da


reparação dos danos pelo Juízo Criminal, em que pese à rara
Jurisprudência, vem se apresentando da seguinte forma:
Apelação Criminal “Por ser norma cogente, não cabe ao juiz deixar de
examinar a aplicação da reparação de danos a título de danos
materiais, por meio das provas produzidas nos autos”. (Apelação
Criminal nº 1.0324.09.075785-1/001, Comarca de Itajubá, Relator
Desembargador Doorgal Andrada, publicado do Diário Oficial do Estado
de Minas Gerais em 08.09.2.010).

Apelação Criminal. Crime contra o patrimônio. Roubo duplamente


majorado. Emprego de arma e concurso de agentes. Manutenção do
decreto condenatório. Prova suficiente. Dosimetria da pena. 1.
Manutenção do decreto condenatório. As provas existentes no caderno
processual relativas à autoria são suficientes para o julgamento de
procedência do pedido condenatório deduzido na denúncia.
Reconhecimento pessoal pela vítima na fase inquisitorial e judicial.

Valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração.


Considerando que o fato delituoso objeto desta ação penal ocorreu em
data da posterior à entrada em vigor da Lei nº 11.719/08, a fixação de
valor mínimo de indenização à lesada, prevista no art. 387, inc. IV, do
CPP, é medida imperativa. Isso porque, sobrevindo prejuízo decorrente
da infração à vítima e estando este evidenciado nos autos, a aplicação
do aludido preceito legal é cogente, não sendo possível o seu
afastamento, sob pena de violação do Princípio da Legalidade. E, em se
tratando de parte integrante do decreto condenatório, é dever do juiz, ao
proferir a sentença, incluir o arbitramento de montante mínimo a título
de reparação, sendo despiciendo pedido da acusação. Apelo defensivo
parcialmente provido. (Apelação Criminal nº 70033033358, Oitava
Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator:
Desembargador Dálvio Leite Dias Teixeira, publicado do Diário Oficial
do Estado do Rio Grande do Sul em 30.06.2.010).

Ainda no sentido da fixação da indenização de oficio, afirma Andrey


Borges de Mendonça categórico:

É relevante notar que a possibilidade de o magistrado criminal fixar o


valor mínimo na sentença independe de pedido explícito. E não há
violação ao princípio da inércia, segundo pensamos. Isto porque é efeito
79

automático de toda e qualquer sentença penal condenatória transitada


em julgado impor ao réu o dever de indenizar o dano causado.

Não é necessário que conste na denúncia ou na queixa tal pedido, pois


decorre da própria disposição legal o mencionado efeito. É automático,
já dissemos. Ou seja, independentemente de qualquer pedido, no
âmbito penal, a sentença penal condenatória será considerada título
executivo.

O mesmo se aplica em relação ao valor mínimo da indenização: decorre


da lei, é automático, sem que seja necessário pedido expresso de quem
quer que seja. A única modificação que a reforma introduziu foi
transmudar o título executivo, que antes era ilíquido e agora passa a ser
líquido, ao menos em parte. E o fez porque há um interesse social de
que todos os efeitos do crime sejam apagados, ou ao menos mitigados,
especialmente o dano causado à vítima. Justamente neste sentido
estão as disposições quanto ao dever de indenizar o dano.130

Ainda mais contundente em seu magistério, Guilherme de Souza Nucci


afirma:

Reparação Civil dos danos: sejamos absolutamente realistas, sem nos


impressionarmos com a pretensa reforma autêntica do processo no
Brasil. Há muito aguarda-se possa o Juiz criminal decidir, de uma vez,
não somente o cenário criminal em relação ao réu, mas também a sua
divida civil, no tocante a vítima, de modo a poupar outra demanda na
esfera civil. O que se faz ?

Menciona-se que o Magistrado pode fixar um valor mínimo para a


reparação dos danos causados pela infração, levando em conta os
prejuízos sofridos pela vítima. Ora para o estabelecimento de um valor
mínimo o Juiz deverá proporcionar todos os meios de provas
admissíveis, em benefício dos envolvidos, mormente do réu. Não pode
este arcar com qualquer montante se não tiver a oportunidade de se
defender, produzir prova e demonstrar o que, realmente, seria em tese,
devido.

Pois bem. Se o acusado produziu toda prova desejada nesse campo,


por que fixar apenas um valor mínimo ? Seria o mesmo que dizer:

130
MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal. 1. ed. São Paulo:
Editora Método, 2008, pp. 240-241.
80

“A Justiça Criminal fixa ’X’, mas se não estiver contente pode demandar
no âmbito civil, onde poderá conseguir o que realmente merece”. Essa
situação nos soa absurda. Ou o ofendido vai diretamente ao Juízo civil,
como se dava anteriormente, ou consegue logo o que almeja – em
definitivo – no contexto criminal.

A situação do meio termo é típica de uma legislação vacilante e sem


objetivo. Desafogar a Vara Cível também precisaria ser meta do
legislador. Incentivar o ofendido a conseguir a justa indenização,
igualmente. Porém, inexiste qualquer razão para fixação de um valor
mínimo. Dá-se com uma mão; retira-se com a outra. O ofendido obtém,
na sentença condenatória criminal, um montante qualquer pelo que
sofreu, mas pode demandar maior valor na esfera cível. O óbolo dado
na Cara Criminal não lhe servirá se efetivamente, quiser ser ressarcido.
Porém, quando não lhe interessar indenização alguma, o valor mínimo
será desinteressante, igualmente. O meio termo foi a solução adotada
pelo legislador que quer mudar, mas não sabe exatamente como nem o
porque.131

Neste diapasão, podemos concluir com autorizada doutrina e


jurisprudência que com a condenação pelo Juízo criminal, obrigatoriamente deverá
ser fixada verba indenizatória que passa a ser efeito da sentença condenatória,
independente de haver sido requerida, pois, trata-se de efeito automático da
condenação.

Portanto, não há dúvida quanto à imperatividade contida no artigo 387,


IV, do Código de Processo Penal, onde determina que o juiz “fixará” valor mínimo
para reparação dos danos causados pela infração, considerando sempre os
prejuízos e danos suportados pela vítima.

Uma rigorosa interpretação literal do inciso em apreço legal permite a


conclusão de que o juiz criminal deverá fixar o valor mínimo para reparação dos
danos causados pela infração, sempre, ao proferir sentença condenatória.

A ausência de pedido expresso na peça acusatória de fixação da


indenização não ofende ao princípio da correlação entre a acusação e sentença,
posto que se trate como dissemos de efeito automático da condenação penal,

131
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8. ed. revista, atualizada e
ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 691.
81

semelhante também a estipulação da pena de multa fixada sempre com a pena de


reclusão ou não, muito embora a indenização no caso tenha um efeito extrapenal de
caráter indenizatório e não meramente punitivo como no caso da multa penal.

A reforma em questão vem gerando controvérsias também em outros


aspectos, principalmente quanto a esta relativização da autonomia da
especialização das esferas cível e criminal, pois desde a revogação do vetusto
código criminal do império, ainda no século XVIII, que o Juízo criminal não mais
ordenava a reparação expressamente, remetendo a questão para uma vara cível.

Apesar deste tradicional sistema, por ora francamente mitigado pela


reforma em questão, é importante afirmar que a Jurisdição é una, havendo apenas a
divisão da apuração das responsabilidades em separado, portanto importa dizer que
o Juízo criminal é formalmente competente para apurar e julgar o dano, seja ele
moral, material ou ambos, por força de lei.

A divisão em razão de matéria, com especialização de varas, como ocorre


nas grandes comarcas é fato de conveniência da organização judiciária, pois, os
juízes possuem formação sólida para atuarem em todas as áreas do direito que
diga-se, forma um único corpo de conhecimentos, portanto, impertinente qualquer
alegação de inabilitação para julgar.

É importante referirmos que sem qualquer falta de técnica a atribuição de


competência à esfera penal para aferir e estabelecer o dano sofrido pela vítima e
sancioná-lo visa ao atendimento ao jurisdicionado, vítima de violência, portanto,
como se sabe, nenhum princípio é absoluto e por isso optou-se por guarnecer a
vítima com maior amparo legal, tal como previsto no texto constitucional e em farta
legislação pública internacional estabelecidos em tratados já citados.

No que tange aos princípios do contraditório, ampla defesa e devido


processo legal, corolários do processo penal constitucional moderno há que se
afirmar também inexistir qualquer ofensa, pois serão exercidos em sua plenitude ao
longo do processo também em relação à fixação efetiva da indenização.

O Juízo criminal deverá instruir o feito da forma mais detalhada possível


para que se possa aquilatar ou ao menos presumir o dano e para que se possa
estabelecer a indenização mais próxima da realidade dos danos perpetrados.
82

Essa instrução evidentemente transcorrerá sob o manto do contraditório


em que o acusado poderá defender-se também no que tange aos supostos prejuízos
impostos à vítima, fazendo prova e requerendo o que achar necessário. O acusado
poderá demonstrar também o tamanho real do dano, se admiti-lo lembrando sempre
que acima de tudo o acusado defende-se dos fatos. Portanto, em face do exposto,
não há que se falar em fixação mínima da reparação, que pode e deve ser fixada em
padrão adequado, desde que precedido da devida instrução e respectivo
contraditório.

No sentido da necessidade acerca do exercício do contraditório, a


Jurisprudência já vem assentando entendimento nos seguintes termos:

Apelação criminal. Lesão corporal de natureza grave. Art. 129, § 1º,


inciso I, do CP. Dolo eventual. Reparação dos danos causados pela
infração. Art. 387, IV CPP. Necessidade de observância ao princípio da
ampla defesa e do devido processo legal. [...] A fixação do valor mínimo
para a reparação dos danos causados pela infração também deve
observar os princípios do contraditório e ampla defesa, revelando-se
imperiosa sua exclusão quando não foi oportunizado ao recorrente o
direito de produzir eventuais provas que pudessem interferir na
convicção do julgador no momento da fixação. (TJMG – Apelação
Criminal 1.0720.05.021238-3/001, Relator Desembargador Renato
Martins Jacob – publicado do Diário Oficial do Estado de Minas Gerais
em 03/08/2.009).

Frise-se ainda que ao réu assistam todos os recursos previstos no


ordenamento jurídico pátrio e a indenização só poderá ser exigida efetivamente após
o transito em julgado da condenação.

O Ministério Público, por sua vez, deverá atuar em suas funções já


estabelecidas e também esta legitimado para propor ação reparatória no âmbito civil
conforme preceito do artigo 68132 do Código de Processo Penal.

Entende-se de modo geral que tal legitimação vem sendo gradativamente


revogada com a implantação gradual do órgão da Defensoria Pública nas unidades
da federação, bem como, com a atuação das defensorias dativas com fulcro no
132
Artigo 68 do Código de Processo Penal: Quando o titular do direito à reparação do dano for pobre
(artigo 32 §§ 1º e 2º) a execução da sentença condenatória (artigo 63 do CPP) ou a ação civil (artigo
64 do CPP) será promovida, a seu requerimento, pelo Ministério Público.
83

Estatuto da Advocacia, para atendimento aos carentes, entretanto, mantém integra a


legitimação se falarmos em defesa de interesse sociais relevantes a serem
discutidos e protegidos mediante a propositura de ação civil publica e também onde
não exista o órgão de Defensoria Pública implantada, nem a regular atuação dos
advogados dativos, mediante convenio da Ordem dos Advogados do Brasil com o
Estado em questão.

Nesse sentido, com supedâneo no artigo 127 e 129133 incisos III e IX,
todos da Constituição Federal de 1988, combinados com a Lei nº 7.347 de
24/07/1.985 que rege a Ação Civil Pública, pode e deve o Ministério Público
promover a reparação dos delitos causados à sociedade por crimes ambientais,
crimes contra os consumidores, enfim delitos que atinjam os direitos difusos da
sociedade, mediante ações civis públicas.134

Portanto, em conclusão ao presente capítulo, entendemos que a norma


em comento, inserta no artigo 387, inciso IV do Código de Processo Penal deve ser
interpretada de forma a garantir o acesso da vítima a integral reparação de seus
danos, sejam eles morais ou materiais, com as garantias inerentes ao moderno
processo penal constitucional, tanto no que tange à vítima demonstrar o efetivo
prejuízo, quanto ao réu defender-se e produzir as provas que julgar necessárias.

Desta forma, com esta interpretação do artigo em questão, garantindo-se


amplo contraditório, ampla defesa, bem como toda e qualquer outra garantia, além
de atender aos anseios da vítima, igualmente garantidos pela Carta Magna, com a
perfeita atuação do Juízo Criminal, será atendida determinação Constitucional de
amparo à vítima de violência, bem como se dando efetividade a nova lei e também
há inúmeros diplomas internacionais no mesmo sentido dos quais o Brasil é
signatário.

133
Artigo 127 - O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do
Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis.
Artigo 129: São funções institucionais do Ministério Público. Inciso III - promover o inquérito civil e a
ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos. Inciso IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que
compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de
entidades públicas.
134
Para aprofundamento da questão, consultar: Ada Pellegrini GRINOVER. O Ministério Público na
Reparação do Dano às Vítimas do Crime. JUS – Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de
Minas Gerais, volume 18, 1995.
84

3.3. A apuração dos danos e a fixação do quantum indenizatório sob o crivo do


contraditório e a ampla defesa

A questão da apuração dos danos compõe também a acrescida


competência do Juízo criminal na fixação da indenização e deve ser realizada na
medida das possibilidades deste Juízo, para que se apure efetivamente o dano
ocorrido, ou ao menos se faça uma eficaz aproximação da realidade.

A fixação do quantun indenizatório nomeado no artigo em comento de


“mínimo” deve ser feito com base nas provas presentes no feito e que efetivamente
demonstrem o dano sofrido pela vítima e não como ato meramente formal.

O artigo 387, inciso IV, fala em fixar valor mínimo para indenização, mas
nada obsta que o Juízo, de posse das provas, instrua a causa para aferir o dano
material ocorrido, pois o valor mínimo fixado na sentença deve corresponder ao
efetivo dano sofrido, para evitar que a vítima retorne ao Poder Judiciário para buscar
a complementação do valor em ação de liquidação junto ao Juízo Cível, o que
contraria o espírito da lei e neutraliza a tão buscada celeridade processual.

O dano material corresponderá sempre às perdas e danos, isto é, “salvo


as previsões legais excepcionais, as perdas e danos devidas abrangem, além da
perda efetiva, o que deixou de ganhar” (artigo 402 do Código Civil de 2.002)135.
Deverá ainda, o Juiz aferir os danos emergentes, ou seja, o valor efetivamente
perdido pela vítima, além dos lucros cessantes.

Portanto, o Juiz deverá arguir a vítima expressamente sobre suas perdas,


em detalhes e ordenar a juntada de provas do alegado pela vítima, para que se
possa consubstanciar o efetivo prejuízo material.

Em casos mais complexos a vítima poderá juntar perícias e auditorias


que, por sua vez, poderão ser plenamente contraditas pelo acusado. A aferição do
dano material será o resultado desta averiguação escorreita e deverá gerar uma
indenização nos mesmos moldes, ou seja, a indenização por dano material refletirá a
perda material exatamente, sob pena de transformar a lei em letra morta.

135
Artigo 402 do Código Civil Brasileiro de 2002, salvo as exceções expressamente previstas em lei,
as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu o que
razoavelmente deixou de lucrar.
85

A sentença penal condenatória firmara a obrigação de indenizar, com a


decretação de seu transito em julgado, conforme já vimos, com fundamento no artigo
91, inciso I, do Código Penal, entretanto o Juiz se socorrerá das normas civilistas
para a exata fixação da indenização com supedâneo nos artigos 927 a 954 do
Código Civil de 2.002. O artigo 944136 do mesmo Código regula a extensão do dano,
que será aferido sempre conforme as provas existentes nos autos.

É fundamental repisar que o dano material necessita de prova insopitável


produzida nos autos, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, pois se o dano
moral pode ser presumido, ao dano material exige-se cristalina demonstração.

O dano moral, por sua vez, como já vimos nas conceituações trazidas,
compõe-se de dor da alma, a angústia, o abalo psíquico às vezes irreversível
gerando traumas que em última análise se traduz no sofrimento da vítima.

O dano moral decorre ‘in re ipsa’, ou seja, dos próprios fatos, daí a sua
forte presunção de existência, pois o Juiz ouvirá os fatos e analisará os seus efeitos
sobre o homem médio, a quem se destina lei, portanto da simples narração de um
abjeto estupro ou do terror sofrido durante um roubo, ou ainda da fala de uma mãe
ou esposa sobre a perda trágica de seu filho ou marido, enfim o Juiz fixará a sanção
pelo dano moral, dando-o por certo e de fato ocorrido.

A comprovação da ocorrência do dano moral não retardará de modo


algum a instrução criminal porque decorrerá das mesmas provas que demonstram a
materialidade e autoria para aplicação da sentença penal de constrição da liberdade,
exigindo apenas maior acuidade do julgador.

Se para a punição e recomposição do dano material se fará necessário


apenas aferir efetivamente a perda material da vítima, para a punição e suposta
recomposição do dano moral, o Juiz deverá utilizar-se do critério mais subjetivo,
porém amplamente aceito pela doutrina mediante a aplicação do binômio
compensação do sofrimento da vítima e punição para o responsável pelo dano.

Deverá ainda ser fixado um valor de indenização pelo dano moral que
busque compensar a dor sofrida, ainda que este raciocínio seja muito subjetivo, de
sorte a evitar a desencorajar a reiteração da prática da conduta delituosa e de fato

136
Artigo 944 do Código Civil Brasileiro de 2.002. A indenização mede-se pela extensão do dano.
86

compensar a vítima, não sendo tida como insignificante e desta forma atingindo seus
precípuos objetivos.

O valor a ser fixado a título de dano moral deverá ainda levar em


consideração que nosso ordenamento não permite que a indenização sirva de fonte
de enriquecimento, dessa forma o Juiz deverá ser austero na fixação, porém
comedido no que tange ao valor.

Diferentemente da esfera cível, no caso em tela, por ser a indenização


fixada, um efeito extra penal da sentença condenatória, não deverá o Juiz
preocupar-se com as condições financeiras do acusado para a fixação da
indenização, seguindo desta forma a valoração que entender por bem fixar, desde
que devidamente fundamentada.

Todos esses cuidados na fixação da indenização se justificam para que


esta cumpra seu objetivo de origem Constitucional de amparo à vítima, pois a
correta indenização evitará uma revitimização137, compreendida em nova
peregrinação da vítima pelo Judiciário em que, de forma extenuante, buscará a
liquidação da sentença na esfera cível, buscando a complementação da indenização
de seu dano.

Podemos inferir que inúmeras vítimas não se submeteriam a novo


calvário em busca desta complementação de suas indenizações. No caso, a
revitimização consistiria numa indenização fixada de forma meramente formal,
lacônica, distante do efetivo dano, transmitindo um sentimento de injustiça, de
insignificância, de valor desprezível à vítima, além do que submeteria a pessoa da
vítima, caso tivesse coragem e resistência a novos enfrentamentos perante o
Judiciário contra o réu, novamente, já condenado na esfera penal, em busca da
complementação da indenização. Essa revitimização teria evidentemente o cunho
institucional, pois adviria do Estado Juiz, portanto o Judiciário deve evitar tal evento.

137
Vitimizar é converter ou reduzir alguém na condição de vítima e a revitimização é a recondução
dessa pessoa aos mesmos patamares psicoemocionais já experimentados, gerando um acréscimo de
sofrimento. Fato comum em depoimentos traumáticos em que as vítimas necessitam recontar os
fatos, muitas vezes, próximas de seus algozes. Conceitos extraídos da obra Vitimologia e Direito
Penal, de Edmundo Oliveira.
87

Uma fixação de indenização defeituosa ou insuficiente também deporá


contra a buscada celeridade processual e efetividade da atividade Jurisdicional, bem
como contra o espírito da reforma processual em comento.

A reparação dos danos da vítima no direito estrangeiro vem sendo


unificada no Juízo Criminal, principalmente os países de tradição latina, com direito
codificado sempre fizeram a separação das esferas cíveis e criminais, entretanto, a
demanda por amparo às vítimas da criminalidade cresce. Nesse sentido a Europa,
vem modernizando suas legislações no sentido de amparo às vítimas e podemos
citar a última diretiva do Conselho da Europa que lançou as normas mínimas de
tratamento às vítimas de criminalidade: No que tange à indenização das vítimas
pelos Estados Europeus, a maioria dos Estados-Membros já dispõe de tais regimes
de indenização e alguns deles fizeram-no em cumprimento das suas obrigações
decorrentes da Convenção Europeia de 24 de Novembro de 1983 relativa à
indenização de vítimas de infrações violentas.138

A última diretiva do Conselho da Europa, no implemento da Convenção


Europeia de 24 de novembro de 1983, relativa à indenização de vítimas de infrações
violentas, recomendou novas medidas que colacionamos a seguir:

Para poderem exercer os seus direitos, as vítimas devem receber


informações suficientes, de uma forma compreensível. Devem
igualmente ter acesso a serviços de assistência psicológica e prática. A
proposta visa garantir às vítimas:

Direito de receberem informações logo no primeiro contacto com a


autoridade judiciária, nomeadamente sobre como apresentar uma
queixa, os pormenores do processo e como obter protecção se esta se
revelar necessária;

138
Convenção Europeia de 24 de Novembro de 1983 relativa à indenização de vítimas de infrações
violentas afirma: Todos os Estados-Membros deverão assegurar que a sua legislação nacional
preveja a existência de um regime de indemnização das vítimas de crimes dolosos violentos
praticados nos respectivos territórios, que garanta uma indenização justa e adequada das vítimas. A
presente directiva cria um sistema de cooperação entre as autoridades nacionais destinado a facilitar
o acesso à indemnização às vítimas em situações transfronteiras. As vítimas de uma infracção
cometida fora do seu Estado-Membro de residência habitual podem dirigir-se a uma autoridade do
Estado-Membro onde residem (autoridade de assistência) para obter as informações de que
necessitam para apresentar o seu pedido de indemnização. A autoridade do Estado-Membro de
residência habitual transmite directamente esse pedido à autoridade do Estado-Membro onde a
infracção foi cometida (autoridade de decisão), que é responsável pela avaliação do pedido e pelo
pagamento da indenização. http://europa.eu/legislation_summaries/index_pt.htm, acessado em
25/06/2012.
88

Direito de receberem informações sobre o processo, em especial sobre


a decisão de encerrar ou prosseguir a investigação, sobre a data e o
local do julgamento e, em determinadas condições, sobre a libertação
da pessoa acusada;

Direito de compreenderem e serem compreendidas;

Direito à interpretação e tradução: se a vítima não falar a língua do


processo, deve beneficiar de um serviço de interpretação gratuito e
obter uma tradução da queixa apresentada, de qualquer decisão que
encerre o processo, bem como das informações relacionadas com os
seus direitos;

Direito de acesso a serviços de apoio às vítimas: estes serviços devem


ser gratuitos e acessíveis também a determinados familiares da vítima.
Disponibilizam uma assistência moral e psicológica, bem como um
apoio prático relativo, por exemplo, às questões financeiras e ao papel
da vítima no processo penal.139

Tais normas ainda não se encontram todas em vigor e vêm sendo


incorporadas às legislações penais dos estados membros gradativamente,
especificamente, ainda a Irlanda e o Reino Unido estudam as propostas e não as
instituíram. Entretanto todos os Estados Europeus já instituíram a indenização em
dinheiro, pagas pelo Estado, de forma solidária, no caso do criminoso nada possuir e
não poder ressarcir a vítima.

Portanto, trata-se de uma tendência entre as nações democráticas de que


o criminoso seja compelido a indenizar a vítima, bem como o Estado se torne
concorrente e solidário nesta obrigação, além de fornecer uma gama de serviços
multidisciplinares para amparo e assistência à vítima de criminalidade violenta.

139
Proposta de DIRECTIVA DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO que estabelece
normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à protecção das vítimas da criminalidade.
COM/2011/0275-final-2011/0129. http://europa.eu/legislation_summaries/index_pt.htm, acessado em
25/06/2012.
89

4. A QUESTÃO DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO E A FIXAÇÃO


DA INDENIZAÇÃO

4.1. A responsabilidade concorrente do Estado pelo ato criminoso

Iniciamos o presente capítulo trazendo a responsabilidade do Estado pelo


erro judiciário e também a responsabilidade de modo amplo, a fim de possibilitar
uma analogia para discutirmos a responsabilidade estatal em face das vítimas da
criminalidade.

A Constituição Federal estabelece, no artigo 5º, LXXV, que o Estado


indenizará o condenado por erro judiciário, e também o preso que for mantido
encarcerado, além do tempo fixado na sentença, conferindo a tal dever, o status
consubstanciado em garantia e direito fundamental do cidadão, entretanto silencia
quanto a vítimas da criminalidade.

Estabelece ainda, conforme preceito insculpido no artigo 37, § 6º da Carta


Constitucional que o Estado é responsável pelos atos praticados por seus agentes
que porventura causem danos a terceiro, garantindo, assim, que qualquer prejuízo
decorrente da atividade estatal, independentemente de caracterizar erro judiciário,
será reparado pelo Estado.

Portanto, podemos verificar que o Estado vem sendo responsabilizado em


face dos danos que causa e dos erros judiciários, bem como pelo excesso de prazo
de encarceramento a que submeta o preso indevidamente. Nesse sentido a doutrina
vem se manifestando positivamente já há algum tempo. Com relação a isso
podemos citar Yussef Said Cahali:

A responsabilidade civil do Estado pelo erro judiciário representa o


reforço da garantia dos direitos individuais. (...) impõe-se no Estado de
Direito o reforço da garantia dos direitos individuais dos cidadãos,
devendo ser coibida a prática de qualquer restrição injusta à liberdade
individual, decorrente de ato abusivo da autoridade judiciária, e se
90

fazendo resultar dela a responsabilidade do Estado pelos danos


causados140.

Do latim respondere141, que significa responsabilizar-se, do vocábulo


responsabilidade, que denota garantir, assegurar, responsabilizar-se ou assumir as
responsabilidades decorrentes do ato que praticou; infere-se existir uma obrigação,
ou seja, um dever a ser cumprido na satisfação do prejuízo causado a terceiros,
pendente de indenização.

Nesse sentido, será necessário ressarcir, palavra oriunda do latim


resarcire que se traduz no ato de quem se responsabiliza convolado no pagamento
do dano ou na satisfação da obrigação em dinheiro.

Nesse sentido, a visão da responsabilidade civil das pessoas jurídicas de


direito público vem se aperfeiçoando ao longo do tempo através de diversas
transformações, da construção doutrinaria e jurisprudencial, atravessando diversas
fases, sempre com inspiração no Estado Democrático de Direito e na Constituição
de 1988.

No entanto, apesar do desuso e afastamento da teoria da


irresponsabilidade do Estado, que se sustentou perante Estados ditatoriais e
absolutistas, hoje ainda existem aqueles que sustentam tal irresponsabilidade,
porém seus argumentos não tem mais qualquer embasamento científico.

A primeira fase da responsabilidade civil do Estado, conhecida como a


fase da irresponsabilidade do Estado é caracterizada pela efetiva irresponsabilidade
do ente público frente aos danos causados aos particulares no exercício das funções
típicas estatais ou na sua ausência em que deveria atuar, justificando este
comportamento com base em sua soberania e seu poder absoluto.

A fundamentação desse entendimento era de que o Estado era a única e


verdadeira expressão da Lei e do Direito, atuando com legitimidade e validade,
portanto não havia como considerá-lo violador da norma jurídica que ele, Estado,

140
CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado 2. ed. ampliada revista e atualizada. São
Paulo: Malheiros Editores, 1995, pp. 599-602.
141
CARLETTI, Amilcare. Dicionário de Latim Forense. 7. ed. São Paulo: Livraria e Editora
Universitária de Direito, 1997, p. 464.
91

havia criado, pois, não se concebia a constituição de direitos e obrigações contra um


Estado soberano e absoluto.

O princípio desta teoria era o de que os agentes do Estado, quando


faltavam ao dever por omissão ou violavam a lei, por erros na administração seriam
pessoalmente responsáveis pelo dano, respondendo com patrimônio próprio, jamais
o ente soberano, Estado.

O particular, com este entendimento, deveria provar a culpa ou o dolo do


agente público no exercício da função e estes responderiam individualmente pelo
“dano” causado.

Com o reconhecimento dos direitos dos indivíduos perante o Estado e,


com a aceitação e difusão da ideia da efetiva necessidade de submissão do Estado
ao Direito, como qualquer outra personalidade jurídica, à teoria da irresponsabilidade
foi perdendo validade e eficácia, embora países como os Estados Unidos e a
Inglaterra ainda utilizassem esta teoria, respectivamente, até 1946 e 1947142.

A segunda fase da evolução do estabelecimento desta responsabilidade


civil do Estado, chamada de civilista, adota a teoria da responsabilidade subjetiva,
estampada no artigo 15 do Código Civil de 1916, que dispunha que:

As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por


atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a
terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever
prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do
dano.

A teoria civilista tinha como pressuposto que as ações chamadas atos de


império praticados pelo Estado não se enquadrariam na sistemática e abrangência
do direito privado, não sendo, portanto, de responsabilidade do Estado os prejuízos
causados por seus agentes ao atuarem na condição de agentes públicos; pois, os
atos de gestão, desde que praticados pelo Estado, se regeriam pelo direito comum,
pelo que haveria a responsabilidade do Poder Estatal somente as vezes se, por
culpa do funcionário, o direito de particulares fosse atingido; e somente haveria

142
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p.
398.
92

responsabilidade civil do Estado quando, ficasse demonstrada de forma inequívoca


a culpa do agente que o executou143.

Em face desse entendimento, pode-se inferir a imensa dificuldade em


demonstrar culpa ou dolo do funcionário, para somente depois responsabilizar o
Estado.

Por sua vez a Constituição Federal de 1946 iniciou a fase denominada


publicista, fundada na teoria da culpa administrativa, baseada na culpa individual do
causador do prejuízo, ou na culpa do próprio serviço, denominada culpa anônima.
Nesta fase a admissão da culpa anônima em si mesma já representou um progresso
em termos de responsabilização do Estado, pois, permite a responsabilização por
fatos naturais que deveriam ter sido previstos ou evitados. Por exemplo: O
desmoronamento de casas construídas em encostas consideradas áreas de risco
com a tolerância do Estado.

Nesta fase necessitava a vítima provar a não prestação do serviço ou seu


vicio, caracterizando a culpa lato sensu na prestação do serviço e a consequente
responsabilidade do Estado.

A Constituição Federal promulgada em 1988 adotou a teoria do risco


administrativo, que traça à responsabilidade objetiva do Estado e a partir da qual,
com este conceito, não importando mais se o serviço público foi realizado de forma
satisfatória ou não, mas valorando o dano sofrido pela vítima como consequência do
funcionamento do serviço público ou de sua inércia, exigindo apenas que se
estabeleça a relação de causalidade entre o dano moral ou material efetivamente
causado e o comportamento do agente público.

Esta teoria diferencia-se da denominada teoria do risco integral, pois,


nesta o Estado seria responsável por qualquer dano causado ao indivíduo,
independentemente até mesmo de ser a culpa exclusiva da vítima, incluindo ainda
nessa hipótese os casos fortuitos ou de força maior.

O artigo 37, § 6º da Constituição Federal,144 por sua vez, regula a matéria


determinando que as pessoas jurídicas de direito público e as pessoas jurídicas de

143
DELGADO, José Augusto. A demora na entrega da prestação jurisdicional: responsabilidade do
Estado – indenização. Revista Trimestral de Direito Público, 14:256/257. São Paulo: Malheiros
Editores, 1996.
93

direito privado, prestadoras de serviços públicos (concessionárias e permissionárias


de serviços públicos), responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,
causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o eventual
responsável nos casos de dolo ou culpa.

Observa-se que a responsabilidade de que trata a Constituição Federal


não se confunde com a responsabilidade civil contratual, que o poder público
contrata com o particular mediante contratos administrativos.

Neste sentido, aduz José Alfredo de Oliveira Baracho:

A responsabilidade patrimonial e extracontratual do Estado, por


comportamentos administrativos, origina-se da teoria da
responsabilidade pública, com destaque para a conduta ensejadora da
obrigação de reparabilidade, por danos causados por ação do Estado,
por via de ação ou omissão. O dever público de indenizar depende de
certas condições: a correspondência da lesão a um direito da vítima,
devendo o evento implicar prejuízo econômico e jurídico, material ou
moral145 .

Evidente, portanto, que a teoria do risco administrativo, dando os


contornos da responsabilidade objetiva do Estado onde se pressupõe a ocorrência
do dano, material ou moral ao particular em razão de uma ação ou omissão
administrativa do Estado, desde que estabelecido o nexo causal entre o dano e esta
ação ou omissão, e a inexistência de causa excludente da responsabilidade estatal.

Embora a Constituição Federal declare a responsabilidade objetiva, Celso


Antônio Bandeira de Mello146, posiciona-se a favor de que a responsabilidade será
objetiva quando os danos decorrerem de atos comissivos, ou seja, praticados
mediante uma ação. No entanto, a responsabilidade é subjetiva quando os danos
forem causados por omissão do agente, uma vez que:

144
Art. 37, §6º- “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços
públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros,
assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
145
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo:
Atlas, 2002, p. 896.
146
BANDEIRA DE MELO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2003.
94

Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado


(o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de
aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o
Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E, se
não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir
o dano. Isto é, só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever
legal que lhe impunha em obstar o advento lesivo.

Oswaldo Aranha Bandeira de Mello afirma:

A responsabilidade do Estado por omissão só pode ocorrer na hipótese


de culpa anônima, da organização e funcionamento do serviço, que não
funciona ou funciona mal ou com atraso, e atinge os usuários do serviço
ou os nele interessados. 147

Vejamos que até o presente momento estamos discutindo a


responsabilidade do Estado pelos danos infligidos aos cidadãos e anteriormente
citamos o caso de erro judiciário. Importa ainda salientar que inúmeras barreiras
políticas foram superadas para que tais responsabilidades fossem assim alargadas e
definidas, sendo que o nível atual de responsabilização do Estado por suas ações,
ou de seus agentes que agem em seu nome, seja de forma comissiva ou omissiva,
representa uma conquista expressiva do Estado Democrático de Direito.

No caso em tela, o Estado não deve ser eximido de responsabilidade


concorrente, em face das vítimas da violência e criminalidade, pois é evidente a sua
omissão e desídia na garantia do direito a segurança pessoal do cidadão. Diga-se
que o Estado esta obrigado a prover a segurança pública do povo, portanto deve
responder pela ausência do serviço ou por sua ineficiência.

Diante disso é importante trazer a colação o artigo 6º da Constituição


Federal de 1988, que preceitua expressamente:

Artigo 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a


moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à

147
Apud em DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 1º volume, 20. ed. São Paulo:
Saraiva, 2003, p. 244.
95

maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma


desta Constituição.

Também a mesma Constituição Federal preceitua no capitulo III,


intitulado: Da Segurança Pública, em seu artigo 144:

Artigo 144 – A segurança pública, dever do Estado, direito e


responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem
pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos
seguintes órgãos:

I – Policia Federal;

II – Policia Rodoviária Federal;

III – Policia Ferroviária Federal;

IV – Policias Civis;

V – Policias Militares e Corpos de Bombeiro Militares;

Como podemos verificar no texto da lei, o direito à segurança pública foi


elevado em nível Constitucional, mas não é só a constituição Federal de 1988 que
elenca tais direitos sociais e trazemos breve artigo de Daniel de Resende Salgado148
que relaciona normas internacionais no mesmo sentido:

A propósito, no artigo 2º da primeira Declaração dos Direitos do Homem


e do Cidadão de 1789, estão elencados como direitos naturais e
imprescritíveis do homem, a liberdade, a propriedade, a segurança e a
resistência à opressão. Já em 1793, no momento em que a Revolução
Francesa empreende uma guinada social, mais uma vez, em nova
declaração, o direito à segurança é lembrado; 150 anos depois, a
Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU repetia em seu
artigo 3º: Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança
pessoal.

148
Daniel de Resende Salgado é procurador da República, membro do Conselho Penitenciário e
coordenador criminal do Ministério Público Federal em Goiás e publicou este artigo no site jornal
goiano: O Popular, estado disponível na internet em http://www.mp.go.gov.br/portalweb/hp/7/docs/
artigo_fundamental_dir_seguranca_procur._republica.pdf, acessado em 16/07/2012.
96

Como podemos verificar nos textos colacionados, há a expressa previsão


legal em nível Constitucional e de tratados internacionais estabelecendo como
direito social o direito a segurança, já anteriormente previsto desde a Declaração dos
direitos do Homem e do Cidadão de 1789, repisado pela revolução francesa e
firmemente estabelecido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU
em seu artigo terceiro, portanto, não há qualquer estranheza em afirmarmos que a
segurança pública e pessoal é um direito fundamental do homem em mesmo
patamar hierárquico que o direito à educação, à saúde, ao trabalho ou ainda à
moradia, entre outros.

Portanto, ainda que o Estado venha implementando políticas de


assistência multidisciplinar às vítimas de violência com a implantação do CRAVI,
conforme anteriormente citado, entre outras iniciativas de assistência às vítimas da
violência, o ente público deve ser responsabilizado pela violência endêmica, que era
prevista e deveria ter sido evitada e que hoje atinge o cidadão causando danos
morais e materiais.

A falta de segurança pessoal para viver que reina nas grandes metrópoles
principalmente afronta o conceito do mínimo existencial, conceito este de criação
doutrinaria com supedâneo na doutrina alemã em que se busca exigir do Estado
ações que tornem efetivas e eficazes as garantias mínimas de coexistência em
sociedade de seus cidadãos.

De acordo com Sarlet e Timm149, a garantia do mínimo existencial obriga o


Estado a ações efetivas que criem condições materiais mínimas para uma vida digna
dos seus cidadãos, essa exigência tem fundamento no princípio da dignidade
humana, pois ela não estaria garantida apenas para proteção das liberdades
individuais dos acusados, mas também a fim prover o cidadão honesto de um
mínimo de segurança social, já que sem segurança social não há possibilidade de
uma existência digna.

A própria dignidade humana fica comprometida; pois o direito à vida e à


integridade física não devem ser apenas uma proibição de sua violação, mas sim
uma postura proativa do Estado e da sociedade na sua efetiva proteção, tendo em

149
SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (orgs.). Direitos Fundamentais: Orçamento e
Reserva do Possível. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 23.
97

vista que a condição intrínseca de pessoa humana digna não dispensa a garantia
absoluta das condições mínimas de existência.

Nem se argumente com base no conceito da reserva do possível,


aduzindo-se com a falta de recursos materiais, pois, a alocação de recursos é uma
questão de prioridade do Estado.

O conceito da reserva do possível foi concebido também pela doutrina


alemã e a partir dos anos 70 foi sendo implementado, principalmente na realização
do orçamento alemão, sendo, reconhecido pelo Tribunal Constitucional Federal da
Alemanha, que o entendeu e definiu como uma prestação estatal reclamada que
deve guardar relação com aquilo que o indivíduo pode razoavelmente exigir da
sociedade.150

Entretanto, conforme demonstrado, a garantia à integridade física, à vida


propriamente e à segurança, inclusive dos bens materiais, estão insculpidos na
Constituição de 1988 e não podem ser agora minimizados com eventuais alegações
de falta de verbas para tal implementação.

Assim o Estado deve prover segurança e uma vez que não consiga
garantir efetivamente esta segurança e a integridade física dos cidadãos, deve
remediar esta omissão ou, por assim dizer, a sua insuficiência enquanto Estado,
amparando os cidadãos que já se tornaram vítimas da criminalidade.

O Estado, portanto, deve ser responsabilizado de forma concorrente,


juntamente com o próprio autor criminoso, se este for identificado e preso, a
repararem o dano causado pelo ato criminoso em si e nesse sentido inúmeros
países democráticos, principalmente na Europa, vêm trabalhando nas alterações
legislativas e na formação de fundos a serem utilizados no amparo às vítimas de
violência como forma de atender esta justa demanda social, fruto da já citada
ineficiência estatal.

150
SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (orgs.). Direitos Fundamentais: Orçamento e
Reserva do Possível. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 29.
98

CONCLUSÃO

1. O presente estudo examinou o papel da vítima ao longo da história da


civilização humana, concluindo que esta tivera um protagonismo
acentuado na fase da vingança.

2. A vítima, entretanto, na fase da vingança atuava em face de causas


mágicas, religiosas, bem como da obrigação de buscar reparação da
honra, com ordem do “pater família”, em busca da harmonia do clã, do
grupo, demonstrando, portanto, que já havia pressupostos de ordem
pública ainda que rudimentares.

3. Demonstrou-se também que o Estado, ainda que em forma rudimentar,


ou ainda a Igreja Apostólica Católica Romana, como instituição
unificadora e com a instituição do processo inquisitivo, foi instituindo
gradativamente o monopólio de administrar a Justiça.

4. Em consequência dessa evolução, a vítima foi sendo afastada do


acusado, tornando-a meramente um meio de prova.

5. Ficou evidente também que no aparato legislativo criminal dos séculos


XVIII e XIX havia a preocupação de indenizar e ressarcir a vítima, mas
com a separação e especialização da jurisdição alijou-se o Juízo Criminal
da fixação da reparação.

6. Desta forma, obrigo-se a vítima a nova empreitada perante o Judiciário


buscando na esfera cível a reparação completa e que efetivamente
recomponha o dano.
99

7. Em decorrência da promulgação da Constituição Federal de 1988, que


trouxe no seu bojo o artigo 245 no qual há a expressa ordem em assistir
às vítimas da criminalidade violenta, a legislação infraconstitucional
passou a refletir sobre a necessidade de revalorizar a vítima.

8. A revalorização colocou a vítima de volta ao cenário processual como


efetivo personagem do processo, participando ativamente dos atos do
processo e também como sujeito de direitos, em face do princípio da
dignidade humana e não mais meramente um meio de prova.

9. A própria Constituição Federal já trazia em seu bojo a garantia e


proteção aos direitos da personalidade determinando a reparação de todo
e qualquer dano sofrido em virtude de ato ilícito, oriundo do particular e do
Estado.

10. Com a promulgação da Lei nº 11.719/2008 eclodiu a mudança de


paradigma determinando a efetiva reparação da vítima com o amparo da
Jurisdição Penal.

11. A referida atuação da Jurisdição Penal não representa qualquer


ofensa à ordem Constitucional no que tange aos direitos e garantias do
acusado.

12. A referida mudança trouxe controvérsia no que diz respeito à


mitigação da separação entre as esferas civil e penal, bem como ofensas
ao contraditório, a ampla defesa, ao princípio de correlação e da
legalidade.

13. Demonstrou-se que não há qualquer ofensa aos princípios, pois a


reparação dos danos sofridos pela vítima em virtude do crime é mero
100

efeito da sentença penal condenatória com trânsito em julgado, o que já


ocorria na legislação anterior, porém sem tanta imperatividade e sem a
atuação do Juízo Criminal.

14. O acusado, por sua vez, poderá e deverá sempre promover sua ampla
defesa, defendendo-se também desse efeito extrapenal da sentença,
consistente na obrigação de reparar o dano, portanto o Juízo lhe dará
oportunidade de defender-se da obrigação de indenizar e tal ônus só se
convalidará com o trânsito em julgado da sentença condenatória.

15. A fixação do valor da reparação também será alvo de contraditório


para sua efetiva apuração, com todos os recursos inerentes ao moderno
processo penal constitucional.

16. Com a específica atuação do Juízo Criminal, com competência


acrescida, ficou claro também que tal atuação na reparação dos danos
trouxe alentado reconforto à vítima.

17. Buscou-se também além de amparar a vítima, desafogar a Justiça


cível e imprimir celeridade, eficiência e garantir efetividade ao direito da
vítima em ver-se ressarcida.

18. Demonstrou-se que a Jurisdição é una, portanto não há qualquer


ilegalidade na atuação do Juiz Criminal, uma vez que este também
conhece o direito.

19. A nova legislação busca acima de tudo ressarcir a vítima em seus


efetivos prejuízos e impedir a sua revitimização, que se daria com seu
retorno ao Judiciário, perante o réu novamente em busca de uma
101

indenização complementar que pode e deve ser arbitrada no próprio Juízo


Penal.

20. A referida reparação determinada em sentença deverá fixar


efetivamente o dano ocorrido, seja material ou moral, ou o mais próximo
possível, com ampla instrução sobre este aspecto buscando efetivamente
estabelecer o valor necessário, pois este é o espírito da lei, refletindo a
vontade do legislador.

21. Há ainda no presente estudo evidências de que o Estado é


solidariamente concorrente na obrigação de reparar o dano, bem como no
dever de prover a vítima da assistência necessária ao seu soerguimento e
readequação a sociedade.

22. Este entendimento vem encontrando eco nas principais democracias


do planeta e já há farta legislação em vigor neste sentido na Europa
sendo implementada.

23. Portanto é muito bem-vinda a reforma pontual do processo penal que


dá efetividade ao artigo 245 da Constituição Federal, instituindo-se a
obrigação em reparar os danos da vítima, pois, além de alinhar ainda
mais o Código de Processo Penal com a ordem Constitucional vigente,
atende também a tratados e convenções internacionais das quais o Brasil
é signatário.

24. As referidas reformas tem como fundamento o Estado Democrático de


Direito e o Princípio da Dignidade Humana.
102

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