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Sem dúvida um dos maiores poemas escritos em língua inglesa, “The Waste Land” de T. S.

Eliot, publicado em 1922, aborda temas como a destruição da sociedade e a tremenda


devastação espiritual, moral e física iniciadas com a industrialização e a mecanização
completadas pela primeira guerra mundial. Tais temas, tratados com certo pessimismo,
mesmo que bem correspondente à realidade, ainda ressurgem no debate concernente à
tecnologia e seus impactos na vida humana. Essas discussões, repletas ou de pessimismo
apocalíptico ou de otimismo transhumanista, ambos ingênuos, certamente teriam muito mais
desenvoltura considerando as visões e imagens do poema e usando seu arsenal imagético para
transcender as visões simplistas e buscar respostas para a grande questão tecnológica.

Este texto, certamente, não tem nenhuma pretensão de desvendar a quantidade imensa de
alusões, referências e outras artimanhas do autor; nem mesmo de esgotar criticamente
qualquer aspecto desse complexo poema. A julgar pela quantidade de material publicado
tentando desvendar as poucas páginas da obra, a tarefa seria, no mínimo, o trabalho de
décadas. Consideraremos o poema como uma grande árvore, da qual nos serviremos de
alguns frutos para variar a monocultura do debate tecnológico.

Mensões e caracterizações ruins ou duvidosas da tecnologia não são tão incomuns na


língua inglesa. Em 1667 Milton, no livro VI de Paraíso Perdido, apresenta engenhos
diabólicos e máquinas de Satã sendo usadas para desorientar as hordas celestes do Arcanjo
Miguel. Já em 1854 Thoreau rejeita qualquer tipo de tecnologia ou modernidade e retrata em
Walden uma espécie de experiência de retorno a uma auto-suficiência primordial e uma
liberdade há muito removida da psique humana. Eliot, por sua vez, evoca tanto a imagem da
destruição (Falling towers / Jerusalem Athens Alexandria/ Vienna London/ Unreal) como da
mecanização do ser humano (At the violet hour, when the eyes and back/ Turn upward from
the desk, when the human engine waits/ Like a taxi throbbing waiting,)

Começando por um contexto um pouco mais amplo, devemos passar pelos antecedentes da
primeira guerra; não os históricos, mas certas características psicológicas que o em do século
XIX trazia com relação à tecnologia e ao progresso. Em uma entrevista de 1952 Bertrand
Russell (1872 - 1970) conta como, durante sua juventude, o clima político era de otimismo e
progresso: em breve, em todo mundo, haveriam condições boas de vida, democracia
(parlamentarista à inglesa) e progresso. Talvez nem seja preciso dizer o abalo sofrido com o
que o século XX realmente veio a ser. Este é justamente o abalo mostrado em “The Waste
Land”. Sobre isso escreve Carpeaux: “ Esse pessimismo estava no ar quando Eliot escreveu
The Waste Land. A guerra deixara a impressão de uma catástrofe irremediável; o
progressismo eufórico de antes de 1914 estava profundamente desmoralizado, e muita gente
preferiu, como mais verdadeira, a visão de uma corrida para o fim”

Para o leitor moderno, o cenário é ambíguo. Por um lado, a tecnologia, a ação humana e o
tempo restauraram a terra devastada, até certo ponto, e melhoraram as condições de vida ao
redor do globo. Por outro lado, nunca o ser humano foi tão dependente de uma rede
tecnológica quase impessoal da qual muitos mal sabem a dimensão ou, sequer, a existência.
Nas últimas gerações o impacto é tão grande que há a perda de muitas capacidades cognitivas
consideradas básicas nos séculos passados. Tais impactos já estão sendo percebidos nas
características psicológicas da população e, até agora, permanecem pouco abordados.

Uma coisa é certa, ao perseguir apenas o avanço tecnológico indiscriminado e deixar para
discutir suas consequências amanhã é uma receita perfeita para o desastre. A tecnologia,
afinal, é desenvolvida por seres humanos e estes têm seus objetivos. Mesmo o mais puro dos
técnicos e engenheiros precisa de uma visão, um todo maior que justifique o suor e as
lágrimas nos laboratórios; caso contrário tudo não passaria de uma atividade substitutiva sem
sentido (para além, evidentemente, do financeiro e profissional). Quando questionados sobre
o por que de tudo isso, muitos respondem: “ Para levar melhores condições de vida a todos”;
“ Para eliminar sofrimento desnecessário”, em suma “Para o conforto e a segurança dos seres
humanos”. Talvez seja a hora de realmente avaliar quem tem sido o sujeito e quem o objeto;
se a tecnologia está sendo fiel a esses propósitos; e no que mais ela está interferindo.

Recusar-se a fazer tais perguntas só por não ser possível derivar uma solução analítica
rápida para a questão é andar tão cego quanto Tirésias rumo a uma novos campos devastados
de pedra sem qualquer sinal de água, povoados por homens ocos e empalhados.

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