Você está na página 1de 14

See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.

net/publication/291505858

" A Sociedade dos media: Comunicação e Tecnologias da Informação e


Comunicação em Paul Virilio "

Conference Paper · April 2009

CITATIONS READS

0 675

2 authors, including:

Joaquim Escola
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
107 PUBLICATIONS   49 CITATIONS   

SEE PROFILE

Some of the authors of this publication are also working on these related projects:

Different approaches to seniors (retirees) education View project

caracterização da visão do mundo dos universitários: estudo comparativo entre uma universidade brasileira e portuguesa View project

All content following this page was uploaded by Joaquim Escola on 23 January 2016.

The user has requested enhancement of the downloaded file.


“A Sociedade dos media: Comunicação e Tecnologias da Informação e
Comunicação em Paul Virilio”

Natália Lopes
Joaquim Escola
Universidade de Trás - os - Montes e Alto Douro

Resumo
A obra de Paul Virilio, locus do estudo, rasga um conjunto significativo de vias
fecundas para uma leitura pertinente e sugestiva da comunicação e tecnologia no século
XXI. Apesar de ser pensado muitas vezes como um céptico em relação ao rumo da
técnica, o seu pensamento constitui um marco incontornável na reflexão sobre a
comunicação virtual. A consciência de que a tecnologia alterou decisivamente o devir
da história da humanidade e do modo como o Homem é pensado e a estreita relação
entre o homem e a máquina são a pedra de toque para uma antropologia no ciberespaço.
A crescente importância da comunicação virtual abre novos caminhos em direcção à
construção de uma nova humanidade e de novas subjectividades, sem descartar a
possibilidade da massificação e homogeneização do Homem, rasurando as marcas de
uma individualidade.
O triunfo da tecnologia, invadindo paulatinamente o quotidiano do ser humano, quer
pelo aumento exponencial da velocidade, e pela aceleração do tempo, a dromologia,
quer pelo aniquilamento do espaço inauguram uma época em que o Homem, velho
viajante, se apaga silenciosamente num gélido imobilismo, num sedentarismo
domiciliário.
O desencanto perante o excesso (hubris) disponibilizado pelas tecnologias têm
conformado a modernidade, de que se oferecem como exemplo a experiência da guerra
e os desastres ecológicos e tecnológicos descritos por Virilio, parece não ter alterado a
nossa forma de encarar o projecto da modernidade. A decepção não foi suficientemente
forte para obnubilar o deslumbramento. Nesta comunicação pretendemos pensar de
forma crítica e lúcida os contributos do pensamento de Paul Virilio na compreensão da
relação entre a comunicação e a tecnologia.

Introdução

Virilio, filósofo, urbanista e sociólogo tornou-se um dos pensadores de


referência da contemporaneidade, desenvolvendo uma reflexão inovadora sobre
questões mais importantes que as tecnologias foram abrindo. A velocidade, o poder e o
futuro da cidade e do mundo, o progresso, a velocidade são algumas das interrogações
que mereceram a sua atenção.

Na realidade, a velocidade converteu-se num dos motores centrais do seu


pensamento. Para o autor, a realidade deixa de ser definida exclusivamente em termos

8º Congresso LUSOCOM 2332


de espaço e tempo, para num mundo virtual, através da ubiquidade, garantir o paradoxo
de nos permitir estar em todo o lado. A perda do lugar/cidade/nação em favor da
globalidade implica a perda do exercício do direito e da democracia contrária ao
imediatismo e instantaneidade da informação.

O presente artigo tem como principal finalidade discutir o pensamento de Paul


Virilio no âmbito das Novas Tecnologias e da Comunicação. Sendo ele um
“observador” (Virilio, VH, 1997: 37) que olha com cuidado e atenção tudo o que o
envolve e sendo também “(…) um verdadeiro amante das novas tecnologias …”
(Virilio, CAPP, 2000: 13), nos últimos trinta anos estudou o papel da velocidade e das
novas tecnologias na evolução da sociedade, algumas das suas reflexões suscitaram em
nós muitas interrogações, procurando “(…) mostrar as tendências negativas para
prevenir o mal (…) antecipando as “tendências que já se podem observar” (Virilio,
CAPP, 2000: 68).

Centrados no pensamento deste urbanista, quisemos reflectir sobre a técnica,


procurando contribuir para uma melhor compreensão deste fenómeno no século XXI.
Apesar de ser considerado por muitos como um céptico, sobretudo quando analisa a
trajectória, o rumo assumida pela técnica, o seu pensamento constitui um marco
incontornável na reflexão sobre a comunicação virtual. A estreita relação entre o
homem e a máquina são a pedra de toque para uma antropologia no ciberespaço. A
crescente importância da comunicação virtual abre novos caminhos em direcção à
construção de uma nova humanidade e de novas subjectividades, sem descartar a
possibilidade da massificação e homogeneização do Homem, rasurando as marcas de
uma individualidade.

As Tecnologias da informação e comunicação: dromologia e domótica

O triunfo da tecnologia, invadindo paulatinamente o quotidiano do ser humano,


quer pelo aumento exponencial da velocidade, e pela aceleração do tempo, a
dromologia, quer pelo aniquilamento do espaço inaugura uma época em que o Homem,
velho viajante, se apaga silenciosamente num gélido imobilismo, num sedentarismo
domiciliário.

8º Congresso LUSOCOM 2333


Este urbanista francês levanta também o problema da relação entre uma
macro-estrutura dominada pela comunicação de massas e as práticas quotidianas
claramente assumidas como micro-estruturas onde o Homem se transformou num
sedentário domiciliário.

Apesar de Virilio, não ser um conservador, no sentido de não aceitar o


progresso, pretende dissecar a evolução tecnológica, o ‘acidente’ que a inovação técnica
acaba por arrastar consigo, iludida por uma sociedade tecnocrata e positivista. Como se
pode inferir das suas palavras, Virilio não é “absolutamente nada contra o progresso”,
apenas não compreende muito bem como é que o homem depois de catástrofes como
Auschwitz e Hiroxima ainda se deixa embalar na doce utopia de que a técnica conduzirá
a humanidade, necessariamente, a um estado de felicidade. Recorrendo à terminologia
popularizada durante a ocupação nazi de França, entre colaboracionistas e resistentes,
Virilio classifica a sua reflexão como “(…) um trabalho de «resistente» porque há
demasiados «colaboradores» que, de novo, nos dão o golpe do progresso salvador, da
emancipação, do homem liberto de todo o constrangimento” (Virilio, 2000: 85).

Segundo o urbanista (Virilio, 1997), o lugar da técnica e das máquinas pode ser
observado em três momentos complementares. O primeiro está associado ao
desenvolvimento dos meios de transportes; o segundo, ao aumento dos meios de
comunicação, e o terceiro, à integração das máquinas que invadem e aceleram o corpo.
Cada uma destas etapas envolveu operações que resultaram no alcance de velocidades
cada vez maiores.

Para Virilio, (1997: 20) a técnica é o melhor e o pior. Neste sentido todas as
revoluções são um drama, mas a revolução técnica que se anuncia é, sem dúvida, mais
que um drama, uma tragédia de conhecimentos, uma confusão de saberes individuais e
colectivos.

“Pode-se considerar que a minha abordagem é negativista. Ela não o é absolutamente


nada. Simplesmente, este trabalho sobre a negatividade, eu sou obrigado a fazê-lo,
enquanto a maior parte dos intelectuais já se tornaram colaboradores, ou mesmo
publicitários do desenvolvimento da técnica. (…) Eu mesmo sou um apaixonado pela
técnica e sei que nenhum território existe independentemente das tecnologias de
transporte ou de transmissão e que isso aconteceu sempre, inclusive, na época em que se
ia montado no asno. O meu trabalho procura, então, ilustrar a frase de Esopo: «Qual é a
pior e a melhor das coisas?»” (Virilio, 2000: 57).

8º Congresso LUSOCOM 2334


Desta asserção, podemos depreender que o autor não se revela um tecnófobo,
não manifesta um antagonismo cego em relação à técnica, mas antes, um ser capaz de
ver nela a dupla face de Jano: a positiva, como a esperança da emancipação da
humanidade de todas as espécies de entraves, como um arauto do Progresso; a negativa,
que a põe em descrédito face aos horrores que emergem da memória de Hiroxima e
Chernobil.

Nesta linha de pensamento, consideramos que cada período da evolução /


inovação técnica trouxe a evolução de acidentes específicos: criar o navio foi inventar o
naufrágio, descobrir a máquina a vapor, a locomotora, e outros, abriu a possibilidade de
descarrilamento. Com a invenção da aviação emerge a catástrofe aérea, o choque contra
o solo. O mesmo se aplica ao automóvel com a colisão em série a grande velocidade …
Analisando a negatividade do acidente de um objecto pode-se, apesar de tudo,
desenvolver esse mesmo objecto para o aperfeiçoamento, para o humanizar e o civilizar.

Virilio também constata consequências destas inovações:

“Devido a essa perda de ‘liberdade comportamental’, toda a crítica da técnica


desapareceu pouco a pouco e deslizamos inconscientemente da pura tecnologia para a
tecnocultura e finalmente para o dogmatismo de uma tecnocultura totalitária em que
todos se vêem presos na armadilha, não mais de uma sociedade, de suas leis ou de seus
interditos morais, sociais, culturais, mas justamente daquilo que esses séculos de
progresso fizeram de nós, do nosso próprio corpo” (Virilio, 1998: 44).

O reconhecimento de uma diminuição da crítica ao universo da técnica assinala


a preocupação constante do autor, criando espaço para que outras vozes criticas não se
vão silenciando no imenso coro de aplausos que envolve o elogio à tecnocultura.

Virilio defende ainda que:

“as novas tecnologias são tecnologias de cibernética. São tecnologias do


estabelecimento de redes das relações e da informação e, enquanto tais, veiculam muito
evidentemente a perspectiva de uma humanidade unida, mas também de uma
humanidade reduzida a uma uniformidade” (Virilio, 2000: 12).

Numa das suas obras mais polémicas ‘A bomba informática’, o autor alerta para
os riscos de um acidente total, provocado pelas novas tecnologias. Virilio (2000: 71)
considera que:

8º Congresso LUSOCOM 2335


“ (...) as tecnologias novas evitam deslocar-se para habitar. Na domótica52, não se
carrega nos botões dos canais de televisão, mas nos da luz, do calor, da abertura das
portas, das janelas. Não se vai junto da janela para a abrir, basta carregar o botão. Há
pois uma espécie de referência a um corpo deficiente e não a um corpo locomotor. O
válido superequipado da domótica, aquele que habita o home automation, é o
equivalente do inválido equipado. Participei numa exposição em La Villette para os
deficientes que se chamava «O homem reparado».”

Foi com surpresa que verificou que os homens atingidos na sua mobilidade, os
deficientes motores, manifestavam indignação pela uso que os poliválidos
sobreequipados das teletecnologias utilizados na domótica faziam. Reforçando esse
desagrado, dizendo que observou

“reacções de estupefacção face ao facto de os válidos utilizarem técnicas destinadas a


deficientes que sofriam, por exemplo, por não poder deslocar-se para abrir uma janela.
(…) Outrora, quando se queria saber o tempo que fazia, olhava-se pela janela e via-se
se fazia bom tempo ou não. Hoje, liga-se a televisão e têm-se as informações e a
meteorologia” (Virilio, 2000:71).

Efectivamente, com a intensificação que se faz do uso das novas tecnologias,


cada vez mais somos seres válidos mas super-equipados, assemelhando-nos àqueles que
usam essas tecnologias obrigatoriamente para sobreviverem no nosso mundo. Outra
analogia com os inválidos (além da apropriação de muitas tecnologias) é a de que nos
tornamos ‘inválidos’, sendo que esta invalidez não nos foi imposta mas é uma
consequência da ‘adopção’ das tecnologias.

Esta posição de Virilio contrapõe-se à tradição, instituída no século XX, na


esteira do imaginário baconiano sobre a técnica, que a vê como a salvação da
humanidade, como uma intervenção divina, inundado pelo fascínio da omnipotência das
ciências e das técnicas.

52
“A domótica, a imótica – imóvel domotizado – levam, não só ao desaparecimento da cidade,
mas ao desaparecimento da arquitectura como elemento estruturante da relação com o outro” (Virilio,
CAPP, 2000:72).
Com os últimos progressos nas telecomunicações, na informática e na electrónica nasceu uma
nova disciplina: a domótica, ou a informática aplicada à casa. A domótica é a disciplina que pretende
aplicar à casa as novas tecnologias digitais, com o objectivo de reduzir o consumo de energia, aumentar a
segurança e obter uma casa mais confortável e com melhores comunicações com o exterior. O centro de
controlo das chamadas casas inteligentes é o computador doméstico. Ligam-se a ele os aparelhos
terminais: aparelhagens de alta-fidelidade, televisões, equipamentos de vídeo, electrodomésticos,
radiadores, luzes, aspersores de rega, telefone, fax, modem, purificadores de ar e outros. Todos estes
dispositivos estão ligados entre si através de um complexo conjunto de cabos, chamado rede domótica.
(Enciclopédia de consulta activa & multimédia, 1997: 29).

8º Congresso LUSOCOM 2336


Contrabalançando esta veia da tradição ocidental, face ao poder da divinizado da
técnica, Virilio diz que:

“esta súbita rarefacção da gestualidade habitual não tem, afinal, outro


equivalente além da situação vivida por um paralítico equipado de próteses como o
KATALOVOX ou o TETRAVOX, próteses electrónicas que utiliza a voz do
interessado, nisso semelhantes àquelas de que se servem os pilotos de combate do F.16
ou do Mirage 200; o válido sobre-equipado da aviação militar assemelha-se, de facto, ao
inválido equipado, paraplégico ou tetraplégico, capaz de pilotar o seu ambiente
doméstico graças a um resto de aptidão corporal: o uso do queixo, da extremidade da
língua…

O cego e o paralítico, doravante modelos desse «deficiente dotado de visão»,


desse «deficiente motor» da habitação inteligente” (Virilio, 1993:99-100).

O urbanista acredita que, hodiernamente, na aurora do século XXI, é


imprescindível retirarmos a lição da negatividade de um progresso que é um progresso,
sem que o vejamos como um progresso todo-poderoso, um progresso idealizado por
uma mente, que, segundo o mesmo, é irreversível no que concerne ao cariz oculto do
positivismo (Virilio, 2000:12).

Tal como Virilio, consideramos que devemos ter uma atitude crítica em relação
à tecnologia. Não é ser-se contra nem a favor. É verificarmos o que de bom e de mau
elas nos podem trazer. Por cada vantagem trazida por uma nova tecnologia, há sempre
uma desvantagem que lhe corresponde ou segundo Virilio, um acidente.

Porém, o intenso uso que o Homem faz das tecnologias não nos causará tanta
impressão se, tal como este autor, tivermos em conta que:

“o homem é ele próprio um conjunto de instrumentos. Se me sento no chão, sou um


assento. Se ando, sou um meio de transporte. Se canto, sou como um instrumentos
musical. O corpo é o conjunto primário dos objectos à disposição do homem, ao passo
que os utensílios são as extensões artificiais, próteses monstruosas… O primitivo, o
nómada, o indivíduo que viaja à boleia, condensam em si mesmos os seus utensílios,
coincidem com a sua própria casa” (Virilio, 1993: 116).

Sente-se neste pensamento de Virilio o eco das palavras do historiador Melvin


Kranzberg, que afirmava que “a tecnologia não é boa nem má, nem sequer é neutra.”
(Kranzberg apud Castells, 1996: 65).

8º Congresso LUSOCOM 2337


Virilio considera ainda que “as novas tecnologias geradas por uma velocidade
supersónica dos meios de comunicação remetem-nos a uma inércia domiciliária, a um
sedentarismo terminal e definitivo.” (Virilio apud Ungaro, 2003: 7-8).

“Elogiar os méritos das novas tecnologias, é certamente útil à publicidade dos novos
produtos, penso que não seja útil à política das novas tecnologias. É necessário,
doravante referenciar o que é negativo naquilo que parece positivo. Nós sabemo-lo, não
progredimos através de uma tecnologia senão reconhecendo o seu acidente específico, a
sua negatividade específica…” (Virilio, 2000: 12).

Na sequência desta ideia Virilio (2000:58) esclarece, que “não há ganhos


tecnológicos sem perdas ao nível do vivo, do vital.” O elevador faz ‘perder’ as escadas,
o automóvel o andar a pé, o e-mail a carta. Cada ganho, em matéria de velocidade
procura vantagens, mas provoca inevitavelmente mudanças e perdas, mais ou menos
irreversíveis. O aumento da velocidade dos meios de transportes e de comunicação
modificou radicalmente a nossa percepção da realidade e a nossa compreensão do
mundo.

Preferir o computador à televisão, não é uma prova de ‘inteligência’ ou de


‘maior abertura de espírito’. Optar pela leitura do jornal também não prova que somos
mais dotados, mais competentes ou menos curiosos do que aquele que passa horas em
frente ao seu televisor. Não existe nenhuma hierarquia ao nível individual entre estas
duas formas de comunicação. A escolha apenas depende da realidade dos conteúdos e
das preferências de cada um, o que não quer dizer que do ponto de vista duma teoria da
comunicação, as duas sejam equivalentes. Cada vez mais, as relações entre os homens,
o trabalho, a própria inteligência, as nossas noções de tempo e espaço são condicionadas
pela ‘tecnologia’ do relógio, dos meios de transporte e de comunicação.

A priori as (Novas) Tecnologias da Informação e Comunicação executam as


ordens humanas. As suas potencialidades são, por isso, o reflexo das potencialidades do
seu ‘mestre’, um espelho do trabalho intelectual do seu programador. Embora nunca
deixem de ser máquinas tornam-se um ‘amigo’, uma ajuda preciosa, mas por mais
sofisticada que possa ser, ela diferencia-se, essencialmente, pelo facto de não ter
alterações de humor, nem demonstrar sentimentos.

A pé, a cavalo, de bicicleta, de carro ou de avião ou simplesmente a navegar na


Internet assinalam formas de nos deslocarmos no mundo real ou virtual, constituem

8º Congresso LUSOCOM 2338


também formas de ver o mundo. Quanto mais as nossas deslocações no tempo e no
espaço se aceleram e se dissociam do corpo, mais a nossa visão da realidade se torna
difícil. O desenvolvimento das tecnologias contribuiu para mudar o mundo, não porque
este último tivesse deixado de ser igual ao que era, mas porque as primeiras nos
franquearam novas possibilidades, nos permitiram passar a ver os acontecimentos em
directo e sem o vínculo da presença. A telepresença trouxe a atitude passiva do sujeito,
sendo o acontecimento a vir ter com o homem, numa espécie de – como designa Paul
Virilio – inércia polar. Nos tempos que correm, já não temos que percorrer infindáveis
distâncias com um imenso esforço, para adquirir conhecimentos. Sem sair do lugar
viajamos até aos mais recônditos espaços.

As Tecnologias da Informação e Comunicação provocaram alterações no modo


como percebemos os conceitos de presença e ausência, humano e não humano, matéria
e espírito, natureza e artifício, orgânico e inorgânico, real e simulacro, próximo e
longínquo, outrora nitidamente separados ou mesmo opostos, encontram-se cada vez
mais imbricados pelas novas tecnologias perdendo muitos dos seus significados.

Na realidade, praticamente ninguém duvida de que a introdução das Tecnologias


da Informação e Comunicação tem tido impactos profundos no quotidiano da nossa
sociedade, embora nem todos tenham sido positivos pois como Virilio gostava de
repetir, no domínio da tecnologia, não há ganhos sem perdas. Não nos parece que haja
uma tecnologia apenas eficaz ou só nociva: ser considerada positiva ou negativa
dependerá do modo em que vier a ser usada, já que sem uso ela é absolutamente inócua:
um computador sem alguém que determine o modo como irá operar ou um carro sem
motorista são objectos inertes, não passando de matéria organizada para fins de
utilidade. A pessoa que usa esse medium determina se o resultado desse uso será
positivo ou negativo.

Apesar de Virilio defender que, com as Tecnologias da Informação e


Comunicação, podemos ouvir e ver à distância, refere que tocar e sentir à distância é um
domínio que lhes escapa grandemente. Então, a negatividade específica daquelas é o
que ele designa como desorientação de distância em relação ao outro e em relação ao
mundo. Neste sentido, o autor assume que tem a difícil tarefa de mostrar a negatividade
das tecnologias no que concerne essencialmente à relação e à comunicação.

8º Congresso LUSOCOM 2339


Além desses riscos, outros se juntam. Neste sentido, o mesmo autor advoga que
a

“aproximação ao «longínquo» afasta proporcionalmente do «próximo», do amigo, do


familiar, do vizinho, tornando deste modo estranhos, mesmo inimigos, todos aqueles
que estão na proximidade, família, relações de trabalho ou de vizinhança. (…)
Observamos uma vez mais uma inversão de tendência: ali onde a motorização dos
transportes e da informação tinha provocado uma mobilização geral de populações
arrastadas no êxodo do trabalho, e depois dos lazeres, os meios de transmissão
instantânea provocam, inversamente, uma inércia crescente, a televisão e sobretudo a
tele – acção, já não necessitam da mobilidade das pessoas, mas apenas da sua
mobilidade no mesmo lugar ” (Virilio, 2000: 43).

Depreendemos que o movimento, ampliado pelas tecnologias do telecomando e


da telepresença à distância, recorrendo à terminologia de Virilio, levará a um estado de
sedentariedade extrema “onde o controlo do meio em tempo real suplantará a ordenação
do espaço real do território” (Virilio, 2000: 51).

Virilio, na linha de McLuhan, desenvolve a ideia de que os meios de


comunicação constituem uma importante extensão do corpo e da mente humana, porém,
não recusa a ideia de que, mesmo com todos os avanços tecnológicos, houve uma
regressão ou uma certa atrofia dos movimentos humanos. Para o autor, no passado, o
homem apenas possuía a janela da sua casa como abertura fixa a partir da qual
perscrutava o mundo. Depois, com a invenção da roda, construiu o automóvel e
consequentemente conquistou uma janela móvel a qual já lhe permitia visualizar lugares
que a sua janela fixa não lhe permitia. Por fim, como um retrocesso, o homem criou a
televisão e, mais recentemente, a Internet que se tornou numa nova janela fixa, porém,
esta permite-lhe visualizar muito mais do que a janela móvel do seu carro, porquanto
são janelas abertas para o mundo. Neste sentido, referenciamos o pensamento de Virilio
face ao aperfeiçoamento das tecnologias comunicacionais, designadas por ele como as
nossas câmaras, aquelas que passaram a ser os ossos olhos, próteses avançadas de uma
curiosidade primitiva mas essencial na busca da novidade. Agora vamos mais longe,
vemos mais e, teoricamente, com mais segurança. Aguçamos ainda mais a nossa
curiosidade, revelamos algo que não vemos e fazemos um zoom in que nos aproxima
dos factos.

Com Virilio acreditamos na ideia de que a nova lógica de comunicação leva o


homem massificado ao seu isolamento pois, muito mais do que aproximar, a

8º Congresso LUSOCOM 2340


comunicação de massa tende a afastar, deslassar. As técnicas de comunicação têm cada
vez mais um papel importante na nossa sociedade pois ajudam-nos a comunicar, mas
podem também acentuar a solidão física, pois se, ao mesmo tempo, falamos com muita
gente, podemos nem sequer as conhecer na realidade e não as temos verdadeiramente
connosco.

Efectivamente o Homem está cada vez mais dependente das novas tecnologias e
sente-se perdido quando, por algum motivo, se vê privado das mesmas. Porém, a intensa
utilização das Tecnologias da Informação e Comunicação não lhe garante uma melhor
comunicação, põe em destaque a problemática da passagem da comunicação
interpessoal, comunicação humana por excelência, para uma comunicação mediatizada,
técnica. Por mais progressos técnicos que tenham havido e que continue haver, eles não
são suficientes para garantir por si só um progresso do ponto de vista da comunicação,
uma vez que o que é essencial na comunicação não reside na performance técnica.

Partilhamos com Virilio a opinião de que no mundo sem fronteiras das redes de
comunicação se inscreve um modo nómada de existir. Esse facto caracteriza e define o
Homem actual. O nomadismo conserva ainda o vínculo à antiga concepção de
deslocamento, aquele em que o indivíduo atravessa um determinado território. Para este
urbanista

“(...) o nómada viajava realmente. Ele deslocava-se e aproveitava a riqueza do espaço


real. Por que os antigos eram nómadas? Porque eles viviam da colecta da riqueza do
espaço real, da colheita ou dos rebanhos que pastavam e, quando esgotavam os recursos
de uma pradaria ou de uma estepe, eles partiam mais adiante. Eram, pois, populações do
espaço real. O homem contemporâneo é, em geral, um passageiro” (Virilio, 1989: 136).

No contexto do mundo electrónico, no espaço reticular, ser nómada não significa


deslocar-se fisicamente, mas viver acelerado, tecnicamente excitado. Mesmo não saindo
do lugar físico o Homem contemporâneo experimenta esta partida numa complexa
viagem, vive inserido numa aceleração absoluta. Nesta acepção, ser nómada significa
vivenciar a troca acelerada de ideias, posturas, valores e concepções de mundo.

As novas tecnologias de comunicação estão a metamorfosear a experiência do


corpo, ou seja, o sentido da presença, da definição do próximo e do longínquo no
espaço e no tempo, a distinção entre real e imaginário. Partilhamos com Virilio (2000) a
convicção de que todas estas fronteiras estão a ser postas em causa pelas novas

8º Congresso LUSOCOM 2341


tecnologias, especialmente pela Internet e pela realidade virtual, por isso é que este
urbanista pretende evidenciar o que há de negativo na integração acrítica da técnica e da
tecnologia na vida do homem. Se perdermos o corpo, perdemos inevitavelmente o
mundo, deixamos de ser-no-mundo, deixamos de possuir a condição necessária para a
nossa existência.

Perante a imensa possibilidade de transformações no nosso corpo com artefactos


tecnológicos podemos admitir que as tecnologias actuais implicam não apenas
reconstituições profundas da vida social e cultural, mas também mudanças no corpo
humano. Porém, não podemos conceber o homem sem a sua parte corpórea. A nossa
afirmação como seres de comunicação enraíza-se na nossa condição de seres
encarnados, seres-no-mundo-com-outros.

Conclusão

O autor considera que vivemos uma época extraordinariamente dinâmica,


animada por constantes mutações que resultam das inovações tecnológicas que surgem
a todo o momento e que alteram o nosso quotidiano, sem que tenhamos tempo para nos
questionarmos acerca do alcance das mesmas, e muito menos das vantagens e
desvantagens da utilização das tecnologias da informação e comunicação na soiciedade
dos media.

Muitos factores contribuem para esta ‘adesão’ incondicional ao uso das TIC,
grandemente elogiadas pela sua função facilitadora nas nossas rotinas pessoais e
profissionais ou mesmo o carácter lúdico que algumas ostentam. Não se pode ignorar,
nesse processo, a força apelativa das campanhas de marketing e a necessidade social de
ocupar posições de vanguarda na posse e utilização das novas tecnologias sem que se
pondere a “conta, peso e medida” com que esta deveria ser feita.

O binómio cultura/tecnologia é, por isso, praticamente inquestionável nos nossos


dias. A sua presença é de tal forma marcante que é impossível não o considerar como
um dos mais importantes factores identitários do homem e da comunicação
contemporânea.

8º Congresso LUSOCOM 2342


A nossa intenção foi estudar a relação entre a comunicação e a Tecnologia, isto
é, como é que a Tecnologia interferiu na sociedade dos media. A partir da leitura das
obras de Virilio, explorando o que de inovador que tem uma visão nova da era da
tecnologia, tentámos perceber, a importância da Modernidade Industrial, do acto
mediado pelos aparatos electrónicos e, consequentemente, da nova experiência do
tempo, a qual alterou o estado perceptivo do ser humano, sendo que a vida associada a
novas experiências tecnológicas gerou novos modos de fazer e de pensar a sociedade, a
relação e a Cultura.

Virilio coloca-nos num universo onde o ser humano se transformou numa


espécie de “Homem-Máquina”, que abandonou o seu paraíso perdido, no qual a
comunicação directa e presencial era um locus aprazível.

Com a industrialização e o aparecimento de novas tecnologias, o comportamento


humano alterou-se socialmente e todo o aparato tecnológico faz emergir uma nova
consciência, operando-se, deste modo, uma mutação no Homem e na sua forma de
viver. No actual estádio, constituído com ou por máquinas e imagens digitalizadas,
multiplicáveis ao infinito, manipuláveis à vontade e passíveis de distribuição
instantânea a todo o planeta, experimenta-se uma nova dimensão do tempo, uma nova
experiência do espaço. Virilio postula que o virtual vive como tempo real e determina
um género de globalização.

O que é facto é que a experiência do tempo e espaço virtuais ganham novas


proporções. Defrontamo-nos com um novo impacto da técnica: o Digital, o Ciber, a
Internet e afins, lançando-nos para a ideia de simultaneidade artificiosa. No livro “Os
Motores da História”, Virilio afirma peremptoriamente que as inovações tecnológicas
transformam e modificam o espaço geográfico em todas as escalas, desde a local,
nacional até à global. Ao escrever sobre os motores da história, expõe como é que as
inovações técnicas transmutaram as relações entre os indivíduos com a natureza em
todas as escalas. Os motores a vapor, a explosão, o eléctrico, o foguete e a informática
cooperaram para uma “tecnicização do território”, tornando o espaço geográfico cada
vez mais mecanizado com profundas mudanças no modo de produzir, nos meios de
circulação e de consumo do próprio espaço. Neste sentido, Virilio considera que o
Homem se encontra numa situação de inércia porque sempre seguiu a lei do menor
esforço.

8º Congresso LUSOCOM 2343


A velocidade, estudada pela dromologia, põe em destaque a dissociação da
humanidade em dois povos: confiantes são os que possuem a velocidade e,
consequentemente, a tecnologia a seu favor; e desanimados, os povos cuja tecnologia
sendo obsoleta, não lhes permite alcançar esta velocidade, aceleração do tempo e da
história.

Paul Virilio desempenha na actualidade um papel parcial de “advogado do


diabo” face a esta era digital. A lucidez da sua análise torna-o uma referência e justifica
a escolha. Suscita dúvidas, levanta questões… mas permite-nos pensar consigo e contra
si.

Bibliografia

CASTELLS, Manuel (1996). The rise of the network society. Blackwell. Oxford.
UNGARO, Santiago Rial (2003). Virilio Y los límites de la velocidad. Madrid. Campo
de Ideas, SL.
VIRILIO, Paul. (1989). América: depoimentos. (Pauta da entrevista: João Moreira
Salles e Nelson Brissac Peixoto. Tradução de Savas Karydakis. São Paulo. Companhia
das Letras e Rio de Janeiro, Vídeo filmes.
—, (1995). La vitesse de libération. Paris. Éditions Galilée. Tradução portuguesa: A
Velocidade de Libertação. Edmundo Cordeiro. Lisboa. Relógio d’Água, 2000. (Usamos
a tradução portuguesa).
—, (1996). Cybermonde: la politique du pire. Paris : Textuel. Tradução portuguesa:
Cibermundo: A Política do Pior. Francisco Marques. Lisboa. Relógio d’Água, 2000.
(Usamos a tradução portuguesa).
—, (1997). Voyage d’Hiver: entretiens. Paris. Éditions Parenthèses : Collections
Eupalinos.
—, (1998). La Bombe informatique. Paris. Éditions Galilée. Tradução brasileira: A
Bomba Informática. Luciano Vieira Machado. São Paulo. Estação Liberdade, 1999.
(Usamos a tradução brasileira).
—, (1990). L’inertie polaire. Paris. Éditions Christian Bourgois. Tradução portuguesa:
A Inércia Polar. Ana Luísa Faria. Lisboa. Publicações D. Quixote. 1993. (Usamos a
tradução portuguesa).

8º Congresso LUSOCOM 2344

View publication stats

Você também pode gostar