Você está na página 1de 5

ANGELUS NOVUS E O PARADOXO DO PROGRESSO DA HUMANIDADE:

EVOLUÇÃO OU REGRESSO DIANTE DAS TECNOLOGIAS

GT 3: INTERNET, CIDADANIA E PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Joici Antônia Ziegler1

RESUMO: O presente texto possui como objetivo fazer referência a uma das teses
escritas por Walter Benjamim, mais especificamente, a sua IX tese. Nessa tese, o autor
chama a atenção para o progresso da humanidade. O progresso é um dos pontos mais
polêmicos que temos visto e sentido, está intimamente ligado à globalização, e com a
globalização desencadeou uma série de eventos, como o desenvolvimento das
tecnologias de informação, e também da inteligência artificial. No entanto, com as
devidas nuances a serem observadas, nos perguntamos se toda essa gama de tecnologia
nos levará ao progresso ou ao regresso enquanto humanidade? A metodologia utilizada é
bibliográfica. Ao decorrer do trabalho, serão apresentados os argumentos que
desencadeiam em uma conclusão onde se deve mirar com olhar binocular para a ideia
de progresso amparada na tecnologia.

REERENCIAL TEÓRICO

No momento em que vivemos, é visível a constatação de muitas discrepâncias sociais.


A cultura, o progresso, e principalmente a economia apresentam suas oscilações e
diferenças em um contraste gigantesco. Em uma ponta, um alto nível de evolução
tecnológica e econômica, enquanto em outro, vive-se simplesmente à deriva de água
potável e esgoto. Diante das muitas discrepâncias e interconexões, o grande desafio é
“voltar a olhar as tendências que hoje ganham especial atenção sob a palavra-chave
globalização”.2 Esta nos remete à ideia de evolução, enquanto sociedade. Tudo pode
estar ao alcance de todos os cidadãos, com a internet, em tempo real.

No entanto, essa evolução, esse progresso chamou a atenção de Walter Benjamim, que
ao observar e admirar a obra Angelus Novus, qual seja, um quadro do expressionista
suíço, Paul Klee, pintado no ano de 1920, foi basilar na inspiração para Benjamin
manifestar um encadeamento que, embora bastante lógico, tornou-se emblemático para
descortinar os caminhos da humanidade. Em 1940, Benjamim, escreve suas famosas
teses3 “Sobre o conceito da História”, marco da crítica esquerda à historiografia
burguesa e também à ideologia do progresso, Benjamim chama a atenção para o
progresso, fazendo alusão a ele especificamente em sua IX tese. Vejamos:
1
Advogada, Docente, Mestra e Doutoranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu
em Direito pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI – Santo
Ângelo/RS. Licenciada em Filosofia; Pós-Graduada em Filosofia. Email – joiciantonia@yahoo.com.br
2
HABERMAS, Jürgen. Entre naturalismo e religião: estudos filosóficos. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 2007, p. 143.
3
BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história in: Obras escolhidas. Vol. 1. Magia e técnica, arte e
política: Ensaios sobre literatura e história da cultura. 3 ed. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 222 – 232.
Tradução de Sergio Paulo Rouanet, prefácio de Jeanne Marie Gagnebin.
Há um quadro de Klee4 que se chama Angelus Novus.
Representa um anjo que parece querer afastar-se de algo que ele
encara fixamente. Seus olhos estão escancarados, sua boca
dilatada, suas asas abertas. O anjo da história deve ter esse
aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos
uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que
acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a
nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e
juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e
prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais
fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o
futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de
ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos
progresso (BENJAMIN, 1994, p. 226).

Benjamim foi genial ao compreender que todo o desenvolvimento da civilização


comporta também seu avesso, o seu contrário, também podemos dizer, o princípio da
barbárie. O progresso é um dos pontos mais polêmicos que temos visto, estando
intimamente ligado à globalização, e a partir da globalização desencadearam uma série
de fatores, que de certa forma contribuíram para chegar ao momento atual em que
vivemos. Momento único da história, caracterizado por eventos nunca antes vividos.
Avanços tecnológicos, uma quantidade imensa de bens de consumo disponíveis a todo
gosto e custo, avanços tecnológicos em todas as áreas e segmentos.
O século XX deve ser visto com lente binocular, com o objetivo de perceber a
continuidade e descontinuidade por qual perpassa a humanidade. Pode-se ver com um
olhar o contínuo progresso no que tange ao desenvolvimento industrial, científico e
tecnológico, ao passo que por outra lente, podem-se mirar as barbáries e massacres
ocorridos nas guerras mundiais, onde o investimento em tecnologia é o que decide a
guerra, é o que decide quem vive e quem morre.
Nesse contexto, de cuidado com o uso das tecnologias de antagonismo vivido, dessa
grande desarmonia, Edgar Morin menciona que existem duas vias para compreender o
século XX, sendo uma de progresso do desenvolvimento e de aparente racionalidade, e
a outra, em contrapartida, carregada de convulsão e horrores (MORIN, 2010, p. 21).
Nessa convulsão de horrores estão inseridos vários elementos e não deixa de observar
que a ampla globalização e as tecnologias de informação deixam seu lastro de
problemas que, em muitos países ainda insolucionáveis. Pegamos por exemplo, a
questão básica de ausência ou insuficiência de legislação que possa reger de maneira
eficaz os litígios advindos de uma sociedade tecnológica. Crimes tecnológicos, dos mais
diversos ocorrem a todo minuto sem que se possa conferir a autoria ao verdadeiro
criminoso.

Depreende-se do entendimento preconizado por Benjamin, que, ao mesmo tempo em


que os indivíduos são tragados pelas sinuosidades da inércia, há neles, uma perspectiva
de futuro invisível, sublinhada pelos caminhos do progresso que, em suas

4
KLEE, Paul. Angelus Novus. Museu de Israel. Jerusalén. Ano de criação 1920. Oil transfer and
watercolor on paper 31.8 x 24.2 cm. Public Domain. Disponível em:
<http://www.imj.org.il/node/192356#>. Acesso em 24 set 2021
consequências, supõe um mundo inclinado a garantir o poder de alguns de seus agentes.
Trata-se aqui, portanto, de uma tentativa para desmistificar o ideal de progresso e olhar
para as dores, as vicissitudes e os dilemas que emanam deste processo, que são muitos,
e que por muitas vezes a ideia é fazer com que estes não existam, simplesmente são
colocados para baixo do tapete.

Neste viés, é preciso que seja direcionado um olhar duplo para a contemporaneidade e a
globalização, bem como em tudo que dela advém. É notório que vivemos em um
alargamento da tecnologia. Ela invade nossas vidas em todos os sentidos, na educação,
no entretenimento, na economia, na agricultura, na medicina, etc...

Não há segmento que não esteja envolto de tecnologia, e dela não seja dependente. A
par disto, há um segmento que vai mais além da simples aplicação e imediatez da
tecnologia. Há a chamada Inteligência Artificial. Máquinas criadas por algoritmos que
desenvolvem inúmeros trabalhos, citamos aqui, a Inteligência Artificial utilizada pelo
Poder Judiciário – chamado VICTOR, que apesar do nome humano, VICTOR é um
sistema que usa inteligência artificial para aumentar a eficiência na tramitação dos
processos e a velocidade da avaliação judicial dos processos que chegam ao STF.

No entanto, de outra banda, o desenvolvimento tecnológico também possui uma carga


de crise, pois juntamente com o desenvolvimento, há a inseparável destruição, por
exemplo, nas sociedades ocidentais existe crise na civilização, crise na cultura, na
família e em todos os segmentos da sociedade.

Sociedade está nominada sob vários vértices pelos filósofos e sociólogos.


Hodiernamente, há uma acentuada preocupação acerca do tempo em que vivemos,
como já referido, e ainda, em como nominá-lo. Vários autores buscam descrever este
período acentuado questões pertinentes. Pós-modernidade 5, modernidade líquida6,
sociedade da informação7, sociedade do consumo8 e sociedade do risco9. A modernidade
evidenciou questões concernentes aos problemas ou desigualdades sociais,
principalmente no tocante às parcelas mais vulneráveis, como normalmente ocorre.

O que pode ser afirmado, com base nas ocorrências do século XX, é que as guerras em
vários países ocasionaram destruição e também desenvolvimento. Para Morin (2010, g.
28):

O desenvolvimento, por essa mesma razão como uma realidade


“crísica e crítica”, que tanto faz destruições quanto criações,
tanto regressões quanto progressões, e nos damos conta de que a
ideia de desenvolvimento, sob sua forma simplista e eufórica,
economicista e tecnológica, era um mito demente do
pensamento tecnoburocrático moderno: uma vez mais, o delírio
abstrato se fazia passar por racionalidade!

5
HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 2005.
6
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
7
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
8
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Edições 70: Lisboa, 1995; SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão
de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1999; LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal:
ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
9
BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Edições 34, 2010.
Esta forma de progresso, está sujeita a uma enormidade de situações degradantes,
conflitos que inevitavelmente podem ao invés de gerar uma evolução positiva, pode
levar a uma degradação regressiva, uma forma de desorganização social, em que o ser
humano na busca da evolução da espécie, acaba colocando em risco e até exterminando
parte da mesma. Nas palavras de Morin (2010, p. 29), “todo progresso corre o risco de
se degradar e comporta um duplo sentido: progressão/regressão”. Neste sentido ainda
conclui “o progresso é, portanto, uma das fisionomias, uma das faces incertas do
futuro”. Dentro desta ótica, podemos analisar o período atual, de inserção tecnológica
altamente avançada, mas não podemos deixar de nos preocupar com uma emergência da
humanidade diante de tanta dominação das máquinas.

Embora diante das crises, temos a compreensão de que tudo pode recomeçar. Mas o que
necessariamente precisa recomeçar? – a humanidade. Morin (2010, p. 37), preleciona
que “a humanidade viveu sua morte potencial antes mesmo de ter sido concebida”.
Diante de uma ameaça evidente de aniquilamento possuidor da virtude da gênese da
humanidade e que transmuta a ideia abstrata em realidade factível.

Manuel Castells10 (2008, p. 168), afirmou que:

O nosso mundo está em processo de transformação estrutural


desde há duas décadas. É um processo multidimensional, mas
está associado à emergência de um novo paradigma tecnológico,
baseado nas tecnologias de comunicação e informação, que
começaram a tomar forma nos anos 60 e que se difundiram de
forma desigual por todo o mundo. Nós sabemos que a tecnologia
não determina a sociedade: é a sociedade. A sociedade é que dá
forma à tecnologia de acordo com as necessidades, valores e
interesses das pessoas que utilizam as tecnologias. Além disso,
as tecnologias de comunicação e informação são particularmente
sensíveis aos efeitos dos usos sociais da própria tecnologia.

Neste norte, com base nos autores de referência mundial, aqui citados, denota-se a
preocupação no que tange ao momento tecnológico e tudo o que vier em decorrência de
tamanho avanço em escala mundial.
Conclusão

Pertinente observar que nas últimas décadas, houve um elevado crescimento no que tange às
tecnologias de informação e comunicação, trazendo um ritmo diferente à sociedade. As
relações acontecem de forma rápida, a comunicação é instantânea, imediata e com diversas
pessoas ao mesmo tempo e em diversos lugares. A tecnologia ao mesmo passo que avança
para levar bem estar, inovação, cura, laser, comunicação, também possui o condão de
maximizar os segmentos como ausência de segurança na internet, que ainda é um campo
aberto para os crimes, de várias espécies. Na mesma tonalidade, não esqueçamos que

10
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 11. ed. Traduzido por Roneide Venâncio Majer. São Paulo:
Paz e Terra, 2008. v. 1.
tecnologia também causa guerras e destruição em massa. Une e desune pessoas, comunidades
e países. Progresso e regresso podem andar de mãos dadas.

Você também pode gostar