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O PROCESSO DE MUNDIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO:


Políticas educacionais na social-democracia conservadora no Brasil e na Venezuela

Adriana Almeida Sales de Melo*

RESUMO

O processo de mundialização da educação é investigado como elemento de


uma nova fase de internacionalização e acumulação capitalistas, conduzida
hegemonicamente pelos sujeitos políticos coletivos que assumem o projeto
neoliberal de sociabilidade, especialmente o FMI e o BM, condutores das
reformas estruturais e da redefinição das políticas educacionais para a
América Latina e Caribe, no Brasil e na Venezuela. Apesar das diferenças
históricas e geopolíticas, Brasil e Venezuela foram submetidos ao mesmo
processo de mundialização da educação, desenvolvendo ações políticas
educacionais semelhantes, apresentando um movimento de ampliação da
socialização da política, com reações propositivas quanto à participação
social nesse processo.

Palavras-chave: Mundialização – Políticas educacionais – Brasil – Venezuela.

ABSTRACT

The education’s mundialization process is investigated as an element of a


new internationalization and accumulation capitalists phase, driven
hegemonically by the collective political subjects that assume the neoliberal
project of sociability, especially IMF and BM, drivers of the structural reforms
and of the redefinition of the educational politics for Latin America and
Caribbean, in Brazil and in Venezuela. In spite of the historical differences and
geopolitics, Brazil and Venezuela they were submitted to the same process of
mundialization of the education, developing similar educational political
actions, presenting a movement of enlargement of the socialization of the
politics, with propositives reactions as for the social participation in that
process.

Keywords: Mundialization - educational Politics - Brazil - Venezuela.

1 INTRODUÇÃO

O projeto neoliberal se realizou nos países em desenvolvimento, nos anos 90,


justificando e legitimando políticas de ajustes econômicos e estruturais, conduzidas pelo FMI
e pelo BM, no sentido de uma maior internacionalização do capitalismo, no sentido da
mundialização do capital.
A região denominada de América Latina e Caribe sofreu, nesta época, um
aprofundamento do processo de restrição do desenvolvimento e crescimento, tanto
econômico quanto social e, também, de restrição de crescimento científico e tecnológico,

*
Doutora em Educação – FE/UNICAMP (2003)

São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005


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obrigando os países desta região a se adequarem a uma posição marginal no sentido de


sua criação e produção.
A reprodução ampliada do capital exigiu destes países uma ‘inserção
competitiva’ num mundo em processo de ‘globalização’, o que se deu, no entanto, com a
intensificação de investimentos externos diretos, num processo de multinacionalização
predatório, dirigindo os mercados nacionais para uma maior abertura, privatização e
desregulamentação, aprofundando o processo de exportação de produtos primários de
baixa intensidade científica e tecnológica, e transformando estes países em prestadores de
serviços, mercado consumidor, mercado de mão-de-obra barata e transferidores de dinheiro
a título de pagamento da dívida externa e de suas renegociações, para os países centrais.

2 CARACTERÍSTICAS DA MUNDIALIZAÇÃO NOS ANOS DE 1980

A concentração cada vez mais intensa do capital nos países desenvolvidos


centrais, calcada na descentralização da produção, também provocou, concomitantemente,
um aprofundamento das condições de exploração do trabalho e de aumento do desemprego
como forma de manter crescentes as taxas de lucro dos empréstimos e investimentos do
capital privado internacional. A ‘refuncionalização’ do Estado se realizou tanto no sentido de
uma maior racionalização e eficiência estrutural, quanto na redução do gasto social público;
tanto significou a privatização de empresas e órgãos públicos estatais quanto a
desresponsabilização do Estado com as atividades relativas ao bem-estar social, inclusive
em suas funções essenciais de saúde e educação. Este movimento resultou na
precarização da qualidade de vida nestes países, com o aumento das condições de pobreza
e miserabilidade.
O processo de ‘aceitação e implantação’ do movimento de ‘ajuste, por meio de
reformas, para o crescimento’, dirigido principalmente pelo FMI e BM para a América Latina
e Caribe, teve como direção central específica - como continuidade das agendas de
liberalização do comércio, desregulamentação e privatização - a reforma do Estado. Este
processo também significou uma mudança de rumo ideológico no próprio sentido da
internacionalização capitalista dirigido aos países em desenvolvimento, dando uma nova
dimensão à relação entre o Estado e a sociedade.

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3 A MUNDIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO: políticas sociais entre as novas funções do estado


nos anos de 1990.

No final do século passado, os organismos internacionais que fazem a defesa e


realizam a conservação do processo histórico contraditório e excludente de mundialização
do capital (conduzido desde os anos 70 pelo FMI e BM para os países em
desenvolvimento), tenderam a atribuir novos valores à ação dos países, dos Estados-
nações, reforçando sua dimensão soberana, mas apenas como instâncias responsáveis,
tanto por seu próprio sucesso neste processo de mundialização do capital, quanto
responsáveis por manter funções básicas de segurança, conservação da propriedade
privada, saúde e educação.
Entre as ‘novas funções do Estado’, preconizadas especialmente pelo BM,
estaria a recuperação desta soberania, com ênfase nos seus processos de ‘governação’,
isto é: a capacidade de dirigir, administrar e induzir demandas econômicas e sociais, que
estaria diluída entre vários sujeitos sociais que não fariam parte exclusivamente do governo,
que seriam as ONGs e agências transnacionais. Em outras palavras, organizações sociais
restritas e não necessariamente representativas, locais e internacionais, estariam
assumindo instâncias de resolução dos conflitos sociais.
A ‘governação’ é a proposta estratégica de conformação ético-política da ‘nova
social-democracia’ - a social-democracia da ‘terceira via’- assumida como discurso pelas
instâncias que representam mundialmente o projeto neoliberal em defesa do capital,
representam as condições de continuidade das reformas neoliberais, que têm sido
consolidadas nos países da América Latina e Caribe a partir dos anos 80.
As principais características desta nova fase de acumulação capitalista incluem:
a) a incorporação do conhecimento como força produtiva principal do modo de produção
social, processo que se consolida de forma concentrada nos países desenvolvidos, incluindo
aí os acordos de cooperação tecnológica, provocando um aprofundamento da
marginalização dos países subdesenvolvidos; b) fortalecimento do capital privado e
enfraquecimento da esfera pública como movimento de reprodução ampliada do capital,
aprofundando a dependência econômica entre os países; c) desemprego e mudanças nas
necessidades de qualificação para o trabalho associadas ao desmonte das políticas sociais,
como movimento de reprodução ampliada do trabalho; d) intensificação das políticas de
“formação de consenso”, associadas à captação de recursos e às políticas de empréstimo
de agências financeiras internacionais, estabelecendo novas condicionalidades na
formulação de políticas para as regiões e países.

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Nesta época, a partir dos anos 80, as políticas educacionais também seguiram
estes movimentos da mundialização do capital. Proclamada como área fundamental a ser
desenvolvida nas ações para a redução da pobreza nas regiões subdesenvolvidas, a
educação também sofre mudanças nas condicionalidades para empréstimos do FMI e do
BM, no sentido tanto de sua uniformização, quanto na importância dada à eficiência e
eficácia dos seus projetos e programas.
Conduzida principalmente pelo FMI e pelo BM, associado à UNESCO, é
construída uma agenda de formulação e realização de políticas educacionais para a
América Latina e Caribe.
Esta agenda, centrada no programa de Educação para Todos, provocou uma
uniformização das políticas educacionais na nossa região, tendo sido implantada
paulatinamente e concomitantemente em nossos países.
Do ponto de vista das agências de empréstimos internacionais, a educação é
eleita como eixo principal para as políticas de redução da pobreza, associada à vocação dos
países subdesenvolvidos de consumir ciência e tecnologia: combinação de argumentos que
resulta numa condução política educacional que privilegia o investimento na educação que
vai preparar para o trabalho simples, focalizada principalmente para a população entre 7 e
15 anos (cada país tem uma faixa etária e uma denominação diferente para o ensino
fundamental regular).
Estes direcionamentos acabaram por causar danos nefastos na direção das
políticas educacionais dos nossos países, diminuindo os investimentos na educação pública,
bem como contribuindo para o desmonte dos sistemas educacionais de nossa região.
O programa de Educação para Todos, desde seu planejamento inicial, é um
programa amplo de redirecionamento e condução política educacional para a América
Latina e Caribe, de caráter restritivo e profundamente excludente, tendo também contribuído
para estimular a privatização competitiva no campo educacional, restringindo e seccionando
os vários níveis de ensino, acabando também por restringir à população o próprio acesso ao
conhecimento.
Foi principalmente nos anos de 1990, que se realizaram, no contexto de
redirecionamento das reformas neoliberais dirigidas aos países em desenvolvimento, em
especial para a América Latina e Caribe, as mudanças políticas educacionais, no contexto
da mundialização do capital, no Brasil e na Venezuela, conduzidas principalmente pelo BM e
pela UNESCO, nos movimentos de implantação do programa de ‘educação para todos’
nestes países.
A despeito das profundas diferenças históricas nacionais, o programa de
Educação para Todos se implantou como um programa hegemônico de homogeneização e
redirecionamento de políticas educacionais para a América Latina e Caribe.
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A escolha do Brasil e Venezuela para a investigação de formações sociais


concretas onde este processo de reformas políticas educacionais se realizou – como
elemento do projeto neoliberal de sociedade e de educação – fundamentou-se
especialmente nas suas diferenciações históricas nacionais.
Estes dois países passaram por formas distintas de aprofundamento da
ocidentalização, entre os anos 80 e 90 e, no entanto, a agenda de continuidade e
homogeneização das reformas políticas educacionais da UNESCO/BM foi mantida e
realizada.

4 A MUNDIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL

No Brasil, o projeto neoliberal começou a ser implementado em 1990, tendo sido


redirecionado em 1995 com uma condução social-democrata até os dias de hoje. O
processo de ‘refuncionalização do Estado’, implantado deste 1995, deu início a um novo
dimensionamento entre as esferas pública e privada no país.
A conformação das políticas educacionais brasileiras ao processo de
mundialização da educação envolveu sérios conflitos entre o MEC – associado aos seus
parceiros principais, como o CONSED, a UNDIME e a CNTE, principalmente nos anos 90 –
e a sociedade civil organizada em torno do Fórum em Defesa da Escola Pública na LDB e
mobilizada nos Congressos Nacionais de Educação.
Estes embates expressaram a direção e o ritmo que tomaram as políticas
educacionais no Brasil dos anos 90, no conflito entre o projeto neoliberal de sociedade e de
educação – desde os anos 90 com uma face social-democrata, na defesa do programa de
Educação para Todos – e o projeto democrático de massas, na defesa da educação pública
de qualidade para todos, para todos os níveis.

5 A MUNDIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO NA VENEZUELA

A Venezuela enfrentou o processo de implantação do neoliberalismo uma


década mais cedo que no Brasil. A crise financeira do início dos anos 80 foi um dos
elementos que provocou a formação da Comissão para a Reforma do Estado (COPRE) já
em 1984, instituindo o processo de reforma do Estado cujos lemas principais eram a
retomada do crescimento e o aprofundamento das instâncias democráticas.
A partir de 1989, com Carlos Andrés Perez como presidente, assumindo a
política de ajuste econômico do FMI, tem início o processo de consolidação do projeto
neoliberal na Venezuela, interrompido por forte resistência da população em 1992 e
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renovado no período de 1994 a 1998 com a eleição de Rafael Caldera, que deu
prosseguimento às políticas de ajustes e reformas do FMI/BM.
A agenda do programa de Educação para Todos seguiu as recomendações do
IX Plano da Nação (1995-1999), em que a educação segue sendo um elemento central no
eixo da redução da pobreza, processo apoiado pelo MINED, pela Igreja e empresários
leigos de ensino. No entanto, também nesta época, diversos sujeitos políticos coletivos se
articulam, realizando ações propositivas contra o projeto neoliberal de sociedade e de
educação, na defesa da educação pública para todos em todos os níveis, e da instituição do
‘estado docente’ como um estado social de direitos sociais, como o Conselho Nacional de
Educação e a Federação Venezuelana de Mestres.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conversar, investigar e discutir sobre o presente, analisando formações sociais


concretas nas quais vivemos, torna-se uma tarefa necessária se queremos planejar, num
sentido amplo, nosso futuro.
Tornar claro, esclarecer que educação queremos para os nossos países
latinoamericanos hoje e construir um projeto de educação, pensando “concretamente, como
pode a educação escolar contribuir para a reconstrução da soberania nacional, com a
socialização da riqueza, do poder e do saber” (NEVES, 2002, p. ) em nossos países,
significa também assumir a luta pela construção do projeto de uma nova sociabilidade, de
um projeto democrático de massas em meio a todas as contradições sociais que vivemos
hoje sob o capitalismo.
A mundialização do capital, como uma nova fase no processo de
internacionalização do capital, aprofunda e consolida de novas formas a desigualdade
social, a super-exploração do trabalho, as práticas de extermínio e a exclusão social, entre
as classes sociais e também entre os países e regiões de nosso planeta. O discurso da
globalização como forma integrada e harmoniosa de desenvolvimento e crescimento
capitalistas, associado à realização do projeto neoliberal de sociedade e de educação,
conduziram o processo excludente da mundialização do capital desde os anos 80.
No entanto, este processo de mundialização da educação, que pressupõe
vocações produtivas regionais, se realiza de forma concomitante, mas profundamente
diferenciada em cada país, enfrentando a resistência de diversos sujeitos políticos coletivos.
O processo de mundialização da educação, como parte do processo de
mundialização do capital, tem efeitos restritivos e seletivos nas políticas educacionais dos
países de nossa região.

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Por um lado, tivemos grandes ganhos nos anos 90, em relação à necessidade
de se implantar ações com uma maior continuidade – planejadas para ultrapassar a
dimensão das gestões governamentais em seus diversos níveis – e à exigência de uma
maior eficiência e eficácia, incluindo a necessidade de se ampliar a discussão sobre a
necessidade da avaliação contínua das políticas educacionais. Nos anos 90, houve uma
ampliação da participação popular nas decisões e realizações das políticas educacionais,
fruto também de intensa resistência da sociedade civil organizada, tornando mais expressiva
a participação de diversos sujeitos políticos coletivos.
Por outro lado, esta uniformização em que se fundamentam as reformas
educacionais conduzidas pelo FMI e pelo BM/UNESCO provocaram um desmonte dos
sistemas educacionais locais, restringindo e redirecionando as nossas políticas
educacionais para a educação fundamental pública regular
Assim como o projeto neoliberal não apresenta uma uniformidade, mas um
pluralismo de tendências ao qual devemos estar atentos (COUTINHO, 2000), também o
projeto democrático de massas representa uma grande diversidade de sujeitos políticos
coletivos com propostas educacionais diferenciadas. Contribuir para a construção deste
projeto democrático de massas significa também priorizar a análise histórica de nossas
formações sociais concretas.
Enfim, tomar uma posição de conformação ou simplesmente de resistência ao
projeto de sociabilidade neoliberal, sem o esforço de sua análise, discussão e crítica, é
seguir pautando-se pela sua agenda.
Esta investigação pretendeu trazer elementos para a crítica e a superação do
projeto neoliberal, procurando também tornar visíveis algumas das contribuições da
resistência da sociedade civil organizada para a construção do projeto democrático de
massas de sociedade e de educação nos nossos países.

REFERÊNCIAS

COUTINHO, Carlos Nelson. Contra a corrente: ensaios sobre democracia e socialismo.


São Paulo: Cortez, 2000.

MELO, Adriana A. Sales de. A mundialização da educação. Consolidação do projeto


neoliberal na América Latina. Brasil e Venezuela. Maceió: EDUFAL, 2004.

NEVES, Lúcia M. W. Brasil ano 2000: uma nova divisão do trabalho na educação. 2. ed.,
São Paulo: Cortez, 2002.

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