Você está na página 1de 8

BURAQUINHOS

Written by

Jhonny Salaberg

Based on, If Any

jhonnysalaberg.hotmail.com
11 985278775
INT./ CASA DE JEFFERSON / DIA

#1 - Jefferson (12) se levanta da cama vai até a cozinha,


sonolento. Cida (40), sua mãe, está em pé em frente a pia
lavando louça. Há um bule fervendo água no fogão. Na mesa há
um vaso de flores artificiais e dois reais em moedas. O sol
entra pela janela da cozinha iluminando o espaço. Jefferson
pega as moedas em cima da mesa e sai de casa.

EXT./ RUA / DIA

#2 - Jefferson caminhas nas ruas vazias, chutando latas de


cerveja pelo caminho.

#3 - Uma viatura da Polícia Militar se aproxima de Jefferson


e anda bem rente ao seu corpo. Dentro há dois policiais que
olham com desconfiança. Jefferson segue andando lentamente.
Depois de alguns metros, Jefferson entra em uma padaria e a
viatura vai embora.

#4 - Dentro da padaria tem uma fila de pessoas que esperam


ser atendidas pelo padeiro. Jefferson observa o vidro do
balcão gelado coberto com várias bolhas d’água. Na parede há
uma televisão suspensa onde um telejornal anuncia a morte de
cinco jovens negros, mortos pela polícia com 111 tiros, em
Costa Barros/Rio de Janeiro. Chega a vez de Jefferson na
fila. Ele estende as mãos para o padeiro, entrega as moedas,
pega o saco de pães e sai da padaria.

#5 - Ao sair da padaria, Jefferson encontra novamente a


viatura vindo em sua direção. Um dos policiais olha para o
saco de pães. Jefferson diminui os passos. O Policial (55)
coloca o braço e a cabeça para fora do carro, olhando para
Jefferson. Pássaros pretos voam afoitos no céu.

#6 - O policial aponta para o saco de pães. Jefferson não


entende. O Policial aponta novamente para o saco de pães e
Jefferson continua sem entender. Passaros afoitos voam no
céu. O policial aponta novamente para o saco de pães.
Jefferson lacrimeja. O Policial ameaça sacar a arma e
Jefferson começa a correr.

#7 - Jefferson corre segurando os sacos de pães. Pássaros


pretos sobrevoam Jefferson de cima. O Policial corre atrás
com a arma apontada em direção ao menino. Jefferson vê um
poste com alguns buracos, sobe até os fios de eletricidade e
continua correndo tentando se equilibrar. O Policial,
embaixo, aponta a arma e atira na direção de Jefferson. Os
pássaros pretos bicam às costas do menino, que abre os
braços. Jefferson sente pequenas penas saírem de suas costas
e se desenvolverem em pequenas asas pretas. Jefferson bate as
asas e voa por cima dos postes.
2.

O Policial atira em direção a Jefferson, mas os pássaros


entram na frente das balas. Alguns são atingidos e caem no
chão. Jefferson toma altitude e some em meio às nuvens.

EXT. / LA PAZ (BOLÍVIA) / DIA

#8 - Jefferson voa por entre as nuvens. Aos poucos as nuvens


vão se abrindo e morros montanhosos aparecem no horizonte. Há
uma vila com pequenas casas de madeira no alto de montanhas
com varais e roupas estendidas. Jefferson pousa em uma das
montanhas.

#9 - Jefferson anda pela pequena vila de casas de madeira,


desviando dos lençóis brancos estendidos nos varais. Percebe
que seu corpo mancha os lençóis de vermelho, olha para si e
observa os buraquinhos dos que levou nos braços e nos ombros.
Algumas crianças brincam de se esconder atrás dos lençóis.

#10 - Há um homem tocando uma flauta em cima da bandeira da


Bolívia escrito “La Paz”. Aparece uma Cholita (40) atrás de
um dos lençóis e observa os buraquinhos de Jefferson. O homem
que toca flauta soa uma melodia alta e estrondosa. O vento
bate forte nos lençóis atrás da Cholita, algumas crianças
correm.

#11 - Jefferson vê o policial se aproximando. A Cholita


aponta uma região escura onde Jefferson possa fugir. O menino
tira um dos pães do saco e entrega a Cholita, agradecendo. Um
bebê que está atrás da Cholita salta a cabeça para fora do
tecido e olha para Jefferson, agradecendo de volta.

#12 - Jefferson corre entre os lençóis que se movimentam com


o vento, até chegar em um abismo escuro no fim da montanha.
Jefferson agarra o saco de pães e pula no abismo.

EXT. / LIMA (PERU) / DIA

#13 - Jefferson cai no abismo escuro, agarrado com o saco de


pães. Cai debaixo de uma mesa redonda com uma toalha amarela.
Observa pés enrugados de chinelos se arrastarem lentamente no
chão, dando a volta na mesa, e pararem a sua frente. Uma mão
enrugada levanta a toalha de mesa, abaixa a cabeça e olha
Jefferson. Um Velho Triste (80) observa Jefferson embaixo da
mesa por um tempo e se afasta.

#14 - Jefferson sai debaixo da mesa e vai até o Velho Triste


que esta sentado na cama e senta-se ao seu lado. O Velho
Triste acaricia um porta-retratos e entrega a Jefferson. É
possível ler: “Para el amor de mi vida! Lima, Perú. noviembre
de 1975”
3.

#15 - O velho triste vai até o fogão, serve um pouco de café


numa xicara e entrega a Jefferson. O menino bebe o café e o
liquido sai por um buraco abaixo de seu umbigo. Bebe outro
gole de café que faz o mesmo percurso até sair novamente pelo
buraco abaixo de seu umbigo. Jefferson arranca um de seus
rins que está pendurado em sua barriga, guarda dentro do saco
de papel, pega um dos pães, tira um pedaço do miolo e tampa o
buraco.

#16 - Fortes tiros e batidas na mesa. É o policial. O Velho


Triste arrasta a cama de lugar e atrás há uma pequena porta
de madeira. O Velho Triste abre a porta, aponta para um poço
d’água e pede para Jefferson entrar. Jefferson, meio
ressabiado, coloca as pernas para dentro do poço, tampa o
nariz e mergulha no poço. De dentro, Jefferson olha para cima
e vê a imagem embaçada do Velho Triste, que acena e fecha o
buraco.

EXT. / CITÉ SOLEIL (HAITI) / DIA

#17 - Jefferson nada dentro do poço em direção a uma luz


rosa. Tiros invadem a água e acertam Jefferson. Bolas de
sangue saem de seu corpo e se diluem na água. Jefferson chega
na superfície e sai em uma poça d’água em um campo de terra
batida com casebres, vacas e carros abandonados. Há uma placa
escrito: “Byenvini nan Cité Soleil/Ayiti” (Bem vindo a Cité
Soleil/Haiti)

#18 - Jefferson sai da poça e caminha com a respiração


ofegante. Surge uma mulher, Tânia (35), na porta de um dos
casebres. Ela olha para Jefferson com espanto e o chama para
dentro.

#19 - Jefferson sente algo sair de sua costela, escorrer em sua


barriga e pousar em sua coxa. É o seu pulmão. Tânia vai até uma
gaveta do armário, pega uma linha, uma agulha e prepara uma
costura. Tânia pega Jefferson no colo, deita na rede, vira o
menino de lado e começa a costurar alguns de seus buraquinhos.
Jefferson geme de dor e fica cada vez mais ofegante. Tânia
continua costurando os buraquinhos. Começa a chover em Cité
Soleil/Haiti e, em pouco tempo, a água invade o pequeno cômodo.
Tânia vira Jefferson de bruços e continua costurando seus
buraquinhos. Raios e trovões do lado de fora. Fortes batidas na
porta. É o policial. Tânia dá o último ponto, pega o menino no
colo e o coloca em uma rede, já quase submersa. Jefferson vê a
imagem embaçada de Tânia segurando a porta. Jefferson afunda
lentamente na rede até desaparecer.
4.

INT. / CASA DE JEFFERSON / DIA

#20 - Cida está sentada na mesa da cozinha escolhendo feijão


e ouvindo a música “Primavera” de Tim Maia. Ela olha para
janela e vê que nuvens pesadas se aproximam.

#21 - Cida deixa o feijão na mesa e vai até o portão para ver
se encontra Jefferson. Olha para um lado, olha para o outro.
Nada. As ruas continuam completamente vazias. Entra para o
quintal e pega o uniforme escolar de Jefferson no varal.

EXT. / OCEANO ATLANTICO / NOITE

#22 - Jefferson está em um barco em alto mar no Oceano


Atlântico Norte. Abre os olhos e vê as estrelas se
movimentarem em círculo. Jefferson vê sua imagem refletida no
céu. A imagem sorri para Jefferson e, aos poucos, ornamentos
como coroa, espada e casacos de pele compõem a imagem. A
imagem de Cida como rainha aparece em meio as estrelas e
sorri para Jefferson. Aos poucos a imagem de seu tio, sua
tia, seus primos e sua avó também aparecem como reis e
rainhas nas estrelas. Jefferson sorri. As imagens vão se
transformando em imagens de outras pessoas que Jefferson
desconhece. As imagens das pessoas vão mudando aleatoriamente
com roupas e ornamentos diferentes, revelando escritos de
séculos e etnias. Jefferson adormece aos poucos

EXT. / LAGOS (NIGÉRIA) / DIA

#23 - Jefferson acorda na beira de um rio de uma cidade. É


possível ver a cidade inteira com prédios iluminados,
viadutos, carros estilosos e chafarizes com danças de águas.
Um telão escrito “Lagos/Nigéria” pisca no topo de um dos
prédios. anda pela cidade movimentada. Jefferson chega em uma
pequena ponte em cima de uma linha férrea. Observa a linha
férrea em zigzag, que sobe até o céu, se divide em diversas
outras linhas, até descerem para o chão do outro lado da
paisagem e se juntar novamente em uma única linha.

#24 - Jefferson vê tiros atravessarem ao outro lado. É o


Policial. Jefferson olha a linha férrea que passa embaixo da
ponte e percebe que há um trem se aproximando. Sobe no muro
da ponte e pula em cima do trem em movimento.

#25 - Jefferson corre em cima do trem em movimento, pulando os


vãos que ligam os vagões. O Policial corre em cima do trem e
atira em direção a Jefferson. Os pássaros pretos voam até
Jefferson e bicam suas costas. Jefferson pisa em um vão aberto e
cai dentro de um vagão.
5.

#26 - Jefferson está caído no chão de um dos vagões do trem.


Aos poucos abre os olhos e vê diversos meninos negros,
encolhidos debaixo dos bancos do vagão, com sacos, sacolas,
cestas e bolsas. Jefferson anda pelo vagão e observa desertos
de areia pelas janelas.

#27 - O Policial pula dentro do vagão e corre atrás de


Jefferson, atirando em sua direção. Os meninos saem de
debaixo dos bancos e correm na direção contrária. O Policial
atira nas janelas, quebrando todos os vidros. Os meninos
correm, abrindo as portas de acesso aos vagões. O Policial
atira em direção aos meninos, que abrem as asas e tentam
alçar voo dentro do vagão, mas são atingidos pelos tiros e
caem. Jefferson continua correndo. Olha para as janelas e
percebe que o trem corre em cima do oceano.

INT. / CASA DE JEFFERSON / DIA

#28 - Cida está em frente sentada na mesa, pintando as unhas


com esmalte vermelho. Depois de um tempo, Cida percebe que
pintou seus dedos e que sua mão está avermelhada. Se assusta
e deixa cair o vidro de esmalte no chão, que forma uma
pequena poça de tinta vermelha. Cida olha por um tempo a
mancha vermelha no chão e suas mãos pintadas de vermelho.

EXT. / BAIRRO DE JEFFERSON / RUA

#29 - Jefferson sai do trem e corre nas ruas de seu bairro. O


Policial atira em direção a ele, descontroladamente. O menino
entra na rua de sua casa, cheio de buraquinhos pelo corpo. O
sangue forma um grande rastro vermelho.

INT. / BAIRRO DE JEFFERSON / RUA

#30 - Cida corre pelas ruas do bairro. Pássaros pretos e


afoitos sobrevoam Cida no céu.

#31 - Cambaleando, o menino sente algo escorrendo em seu


peito e pega com as mãos. É o seu coração. Jefferson segura o
coração com as duas mãos e continua correndo. Os vizinhos
colocam as cabeças para fora das janelas. O coração pulsa nas
mãos de Jefferson. O Policial segue atirando. Jefferson puxa
o ar que ainda resta em seu corpo, ergue o coração para o
alto e o sopra. O coração abre pequenas asas e voa pulsando
desritmado. O Policial, correndo, põe as duas mãos no chão e
corre atrás de Jefferson em quatro apoios feito um leopardo,
com a arma na boca. Jefferson, já sem forças, cai no chão com
o saco de pães. O Policial o alcança e avança em cima dele.
Ouve-se o barulho de muitos tiros. Muitos pássaros voam
afoitos no céu.
6.

#32 - Cida corre pelas ruas e escuta uma polifonia de tiros.


Breca a corrida e suspende os movimentos na rua. O coração
chega até Cida. Cida olha para cima, estende as mãos e acolhe
o coração.

#33 - Foco no coração batendo em ângulos diferentes, em


silêncio. Enquanto isso, as frases do texto a seguir começam
a aparece

Mãe, antes de você começar a chorar, ouça o que tenho pra dizer.
Meu corpo tá lá no chão, perto de casa, perfurado com todos os
buracos do mundo. Infelizmente não deu pra trazer o pão. Eu
tentei, mas não deu. Prepare o velório como der. Não precisa
tirar o dinheiro do auxílio pra comprar o caixão, peça à
prefeitura. Caso não consiga, me enrole na cortina roxa que tem
na sala e pronto. Na gaveta do quarto tem duas velas pela
metade. Tem também uma camiseta que a senhora me deu no natal,
lembra? Me vista mãe, e me perfume com a sua colônia de rosas
que eu roubava um pouquinho todo dia pra ir à escola. Não chora
mãe! Respire e depois vá me ver. Eu devo estar empacotado em um
saco plástico... preto. É bom assim, eu tô muito feio com todos
os meus buraquinhos. Haja lágrima pra tapar cada um deles.

#34 - Cida ajoelha com o coração nas mãos. O coração aos


poucos para de pulsar e relaxa nas mãos de Cida. Chove.

INT. / PADARIA / DIA

#35 - Jefferson observa bolhas d`água se movimentaria no


vidro do balcão da padaria. O padeiro lhe chama a atenção e
lhe entrega um saco de pães.

EXT. / RUA / DIA

#36 - Jefferson anda pelas ruas e observa pássaros pretos


dormirem nos fios de eletricidade em fileira. Chuta algumas
latinhas que encontra no caminho.

INT. / CASA DE JEFFERSON / DIA

#37 - Jefferson chega em casa e coloca o saco de pães em cima


da mesa. Cida está coando o café em frente o fogão. Está
tocando a música “O descobridor dos sete mares” de Tim Maia.
Jefferson se senta na mesa.

#38 - Um raio ilumina o céu do lado de fora. Cida aponta para


as roupas no varal. Jefferson vai até o quintal e começa a
recolher as roupas do varal. Começa a chover forte. Cida
corre para o quintal e ajuda Jefferson a retirar as roupas do
varal, sorrindo. Jefferson sorri de volta, encharcado.
7.

FIM

Você também pode gostar